Outro dia, eu estava na casa da vovó Maria e, enquanto ela assistia à novela, aproveitei para brincar em seu quarto. Estava brincando de cabeleireira de minhas bonecas na penteadeira da vó quando vi pelo espelho o velho guarda-roupa onde eram guardados os lençóis e as toalhas. Sempre tivera vontade de abrir aquele móvel. Fui até ele, escancarei a porta e vi que era grande, tão grande que eu podia até entrar e sentar em seu interior. E foi o que fiz. Fechei a porta por dentro e tudo ficou escuro e em silêncio, um silêncio abafado que me isolou do resto da casa. Fui me ajeitando entre os lençóis e as toalhas. Tateando no escuro descobri uma lâmpada bem pequena e consegui acendê-la. Vi então duas gavetinhas com puxadores de metal. Tentei abri-las, mas estavam emperradas, como se não fossem usadas há muito tempo. Precisei usar toda minha força para conseguir puxar uma delas. A primeira coisa que vi lá dentro foi um envelope com uma carta e uma foto de meu avô Pedro quando era moço. Eu tinha uma vaga lembrança dele, velhinho, magro e alto. Uma lembrança distante, porque quando ele morreu, eu era muito pequena. Tentei ler a carta, mas não entendi a letra, toda enfeitada. Como os antigos escreviam diferente! Só entendi o final: "...com afeto e saudades, Pedro, 1928". Acho que era uma carta de amor para a minha vó, escrita há 70 anos!
Logo depois, achei um bolo de fotos de gente que nunca ouvi falar. As pessoas pareciam de cera. As fotos eram todas em marrom e branco, e estavam desbotadas, algumas rasgadas. As mulheres de chapéu e os homens de bengala. As crianças bem penteadas: as meninas com fitas no cabelo e os meninos com o cabelo repartido de lado. Foi estranho pensar que hoje esses meninos e meninas deviam ser velhinhos iguais à minha vó.
Continuei remexendo a gaveta, que era bem comprida e funda. Não podia ver direito as coisas porque a lampadinha a toda hora se apagava. Eu só podia sentir os objetos com as mãos. Foi num desses momentos de escuridão total que peguei um saquinho pequeno, que parecia de veludo e era bem leve. Dentro dele senti que havia papéis enroladinhos como se fossem canudinhos e amarrados com uma fita. Quando enfim consegui acender de novo a lâmpada, vi que os canudinhos eram pedaços de papel amarelados, roídos pelo tempo e pelas traças. A fitinha era velha, toda desfiada. Fui desenrolando um dos canudinhos com muito cuidado, pois tinha medo que se rasgasse. Nesse primeiro papelzinho estava escrito, com letra de criança, o seguinte:
Segredo de Amabília
Tenho um segredo que ninguém pode saber: morro de medo do escuro
Era o segredo de uma criança que vivera em outro tempo, bem distante, e que eu nem sabia quem tinha sido. Será que essa Amabília era uma irmã da vó? Uma prima? Uma amiga? Resolvi fechar esse primeiro segredo enrolando devagar o papel. Em seguida, abri todos os outros, um a um.
Segredo de Henrieta
Detesto a tia Adélia. Principalmente quando ela vem nos beijar.
Ela tem cheiro de naftalina.
Segredo de Giulia
Gosto do meu primo Tadeu. Mas ninguém pode saber disso nunca!
Segredo de Maria
Tenho um esconderijo secreto na minha casa: é dentro do guarda-roupa de lençóis e toalhas. Lá eu passo horas e ninguém me encontra. Acendo a lanterninha e leio os livros de histórias que eu mais gosto.
Tomei um susto. Não sei, a única coisa que fiz foi guardar aqueles velhos segredinhos dentro do saquinho de veludo, apagar a lâmpada e sair de fininho daquele guarda-roupa cheio de histórias.
Depois disso, toda vez que olho pra vó Maria tenho vontade de contar que descobri o segredo dela. Mas logo desisto, porque agora o segredo também é meu.
Beatriz
Fonte:
Revista Nova Escola
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