Ilustração: Cristina Malaquias
(Da Seleção de Contos Infantis)
Era uma vez uma gota cheia de sede. Não faz sentido, mas acreditem que assim era.
Esta gota de água queria matar a sede a alguém que tivesse muita sede. Desejo grande, desejo único que a arredondava mais e mais, e a enchia de fé como um coração palpitante. Mas não havia meio.
Cavalgando uma nuvem, correu o deserto, à cata de um viajante sequioso. Não encontrou nenhum.
Depois, percorreu, por cima dos mares, as ondas revoltas dos oceanos. Talvez um náufrago de boca salgada precisasse dela e da sua ajuda doce. Assim que o visse, ela caía lá do alto e poisava nos lábios do náufrago como uma última bênção. Mas não encontrou nenhum.
Queria ser útil. Não conseguia.
Até que a nuvem em que vinha, de carregada que estava, não podendo mais, se desfez em chuva. Ela precipitou-se para a terra, no meio das outras.
– Vou lavar as pedras da calçada – dizia uma.
– Vou mergulhar até à raiz de uma planta e dar-lhe vida – dizia outra.
– Vou acrescentar água a um rio quase seco. Vou ajudar uma azenha a trabalhar. Vou alimentar uma barragem. Vou empurrar um barco encalhado.
Isto diziam várias gotas, todas generosas, enquanto caíam.
Se cada uma cumpriu ou não o seu destino, não sabemos, porque nesta história só nos ocupamos da gota com sede de matar a sede.
Caiu na copa de uma árvore e foi escorrendo de ramo em ramo, pling, pling, pling, como uma lágrima feliz.
Até que chegou a uma folha, mesmo por cima de um ninho. Caio? Não caio? Deixou-se ficar, a ver no que dava.
A casca de um ovo estalou e um passarinho rompeu, aflito, lá de dentro, de bico aberto, num grito mudo.
– Caio – decidiu a gota.
Soltou-se da folha para a garganta aberta do passarinho, que a engoliu e, logo em seguida, piou, agradecido.
Foi o passarinho, tempos depois, que me contou esta história.
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