sábado, 9 de abril de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 15

Fonte:
Silmar Böhrer. Gamela de Versos. Caçador/SC: Ed. do Autor, 2004.
Livro enviado pelo autor.

Artur da Távola (Somos meros repetidores)

As pessoas são (somos) vítimas das próprias fantasias quase sempre prisioneiras de suas concepções de vida e de mundo. Elas nos dominam, tiram a nossa liberdade (quanta vez em nome dela, liberdade), fazem-nos maus ou bons intérpretes daquilo em que acreditamos. Somos tão envolvidos pelos valores de nossa classe social e dos modos de comportamento e crenças ou ideias que raramente descobrimos como exercer uma visão analítica ou crítica sobre o próprio comportamento.

O que caracteriza o estado de consciência lúcida ou reflexiva do ser humano, é a capacidade de atribuir sempre um valor relativo às próprias reações, convicções, ideias e comportamentos. É conhecer em função de que valores, de que ideias e de que tabus ele se comporta, pensa e age. Sem relativizar as causas do próprio comportamento, crenças e convicções, o ser humano é e será mero joguete das circunstâncias que o formaram ou que influenciaram a sua formação. Este é, aliás, o sentido mais profundo do livre arbítrio, base e fundamento do humanismo e da democracia.

Quando o ser humano apenas reage, sem poder ou conseguir analisar por que o faz, ele não está exercendo o livre arbítrio: ele está operando cegamente, condicionado, por mais que a sua ação lhe pareça livre, adequada, perfeita, justa. Em vez de reagir, agir. Mas poucos conseguem adaptar essa verdade a si mesmos.

Acontece, porém, que assim como fomos dotados da possibilidade de um arbítrio livre (fórum interno de debates que nos permite julgar os prós e contras eternos das nossas posições, ideias e convicções), assim, também, raramente usamos essa instância salvadora.

No dia-a-dia, premidos pelas limitações do instante que passa e da necessidade de ter que decidir, ter que opinar, ter que fazer, nada mais fazemos do que repetir e repetir comportamentos anteriores, convicções já firmadas, pontos de vista que já tínhamos.

Somos, todos, salvo os que sabem se transformar em seres livres, meros repetidores das coisas nas quais já cremos. Em função desse comodismo misturado com a dificuldade de ver o novo em cada coisa, agimos sem qualquer forma de análise sobre a própria ação. Agimos segundo os ditames de nossa classe social, às modas, às ideias anteriores, às conveniências.

Há uma frase muito boa e muito usada pelo vulgo, bastante expressiva do que venho querendo significar: "Ele dança conforme a música". A vida é constituída de várias músicas. Cada grupo social tem a sua, e dança conforme ela. Salvo quem aprende a pensar e de transforma em um instrumento de seu ser interior profundo.

Francisco José Pessoa (Escrevo)

Escrevo sim, para completar o pouco de tempo que me resta, tentando enriquecer-me espiritualmente, pois a fortuna material faria pesar ainda mais meu caixão. E vai ali um pobre rico, que soube brincar com a vida, tornando-a um carrinho de lata de doce de goiabada. Real, por sinal, a rolar calçadas íngremes num desafio constante ao subir e descer coxias.

Alimento-me com o bater dos teclados, orquestra sinfônica das minhas várias noites mal ou bem dormidas. Sorvo o néctar dos sábios, mesmo sabendo que sou incapaz de assimilá-lo, mas tento outra vez por ser teimoso. E no ir e vir das minhas falanges, apertando cada tecla como num amor de batráquio, satisfaço-me e chego ao orgasmo falso dos falsos escritores. Assim, me vejo no meu crítico espelho.

Quanto te devo, ó ciência, pois poupaste meu tempo em corrigir meus erros ortográficos, bem como de desgastar as páginas já amareladas e carcomidas do meu Aurélio. Mas escrevo de modo um tanto compulsivo, como no afã do asmático que traga o ar que lhe rodeia, fazendo da eternidade aquele momento. Que bom seria se eu fosse poeta, traduzindo nas minhas linhas o cotidiano, o que a vida me dá e o que tiro dela... seria uma comédia própria não dos teatros da Fifth Avenue, mas dos cucos que percorrem o sertão do nordeste, com suas lonas remendadas, castigadas por um sol sempre presente e pela chuva que, acanhadamente, às vezes aparece.

Quão bom é brincar de escrever, pois as ideias e os cenários, que passam uns após outros, nos transportam para o vale dos sonhos aonde os homens se amam e a paz é a mediadora dos entreveros que não existem. Onde a graúna no seu canto mavioso brinca com os acordes, liberta em pleno voo. Onde o crocodilo abre seu bocão que aterroriza, mas verte lágrimas com um olhar piedoso. Onde o beija-flor no seu incessante bater de asas, desfiando a lei da gravidade, suga o néctar das rosas, papoulas e margaridas que harmoniosamente compõem e fazem o equilíbrio crômico do meu jardim, por que não meu éden?

Escrevo, escrevo sim, para eternizar para os meus pares o meu tísico pensamento, a minha, às vezes, tão comentada e criticada maneira de ser, que com certeza e, assino embaixo, nunca teve um tempero de maldade ou falsidade, pois, escrevendo, rumino um pouco do meu eu que, quisera Deus, fosse um alívio para os que sofrem mais que eu.

Vida, minha vida, como fresco contigo minha quenga virgem.

Fonte:
Francisco José Pessoa de Andrade Reis. Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso. Fortaleza/CE: Íris, 2013.
Livro enviado pelo autor.

Lairton Trovão de Andrade (Enxurrada de Poemas) – 4

ACALANTO


"Como as tuas carícias são
deliciosas!"(Ct. 4.10)


Minh'alma está triste
Como aquele pombo,
Que na mata, ao longe,
Já perdeu seu ninho;
Se soluça o pombo
Seu amor perdido,
A minh'alma implora
Pelo teu carinho.

Doente está minh'alma
Qual ave ferida,
Que o mau caçador
Acertou-lhe o passo;
Infeliz, o pombo
Se apagando vai,
Eu, porém, protejo-me
No teu meigo braço.

Como aquele pombo,
Triste está minha alma,
Coração partido
A sangrar de dor;
Mas, serei feliz,
Neste dia atroz,
Se em teu seio puro
Repousar eu for.

Ficarei quietinho...
Secarás meu pranto...
Voltará a paz
Pra aquecer-me então...
Os teus lábios dóceis
Roçar-me-ão a face
E terei carícias
De uma leve mão.

Oh, delícia imensa!
Deixarei o mundo!
Fingirei dormir
No teu seio, ó linda!
E acordado, sim,
Sonharei contigo,
Sem eu crer que possa
Estar vivo ainda.
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AMOR
“Quem é aquela que sobe do deserto
como coluna de fumaça, exalando
perfume de mirra e de incenso?"
(Ct. 3.6)


Tive hoje um encontro feliz,
Encontrei o amor de verdade;
Revivi o que estava bem longe,
Suspirando de felicidade.

Pude ver o amor tão sonhado,
O amor do romance* relido;
O amor que Romeu* bem quisera,
Se Julieta* tivesse existido.

Como é bom ver seus olhos brilhar,
Reluzindo o amor por inteiro;
É o amor que Adão nunca teve,
Porque Eva o deixou forasteiro.

Mas Aquiles*, com seu calcanhar,
A tragédia* da flecha sentiu;
Dos teus olhos a flecha lançou
Só amor que de amor me feriu.

Este amor não irá me deixar,
Sua seiva é uma fonte de luz;
Foi-se embora de mim a tristeza,
Só à alegria a vida me induz.

Tive hoje um encontro feliz,
Encontrei o amor de verdade;
Revivi o que estava bem longe,
Suspirando de felicidade.
= = = = = = = = = = =

V0CABULÁRIO DO POETA:
Aquiles: Personagem lendário da Odisséia de Homero. Morreu atingido por uma flecha no calcanhar, única parte vulnerável do seu corpo.
Romance: História fabulosa ou fictícia, em prosa, para reproduzir paixões, costumes etc..
Romeu e Julieta: Personagens centrais da tragédia do mesmo nome, de Shakespeare.Romeu e Julieta são símbolos do amor profundo romântico, pelo qual enfrenta-se heroicamente todos os obstáculos.
Tragédia: Peça teatral que termina por acontecimento de grande desgraça e tristeza.

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FLOR DOS VALES
“Sou a açucena dos campos,
a flor dos vales.” (Cf.2.1)


O flor dos vales
A transpirar
Cheirosa,
Face de pétala
De suavidade
Airosa*,
A natureza
Te fez tão bela!
Serei teu lírio,
Se és minha rosa!

Pousa soberba
Para que eu vá
Pintar-te…
Ó perfeição,
Que só me fez
Amar-te.
Deixa-me ver:
- Que maravilha!
Serei artista,
Porque és a arte!

Com que meiguice
Te acaricio,
Amor!
Com que cuidado
Te afastarei
Da dor!
Que zelo tenho
Por tua seiva!
Sou jardineiro,
Se és minha flor!

O sangue ferve,
O seio é túmido*
(Eu sei),
Cegam-se os olhos
Tremulam lábios
(É lei),
O mundo foge
Naquele êxtase*...
Se fores minha,
Só teu serei!

Doce visão,
Felicidade
A minha;
Sonho e lirismo*
No peito meu
Se aninha;
Luz de esperança
No horizonte:
Sou eu teu servo
Porque és rainha.
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V0CABULÁRIO DO POETA:
Airosa: Elegante, garbosa, esbelta.
Êxtase: Arrebatamento, enlevo, arroubamento, transe.
Lirismo: Sentimentalismo.
Túmido: Inchado, cheio, intumescido.

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Fonte:
Lairton Trovão de Andrade. Madrigais: poesias românticas. Londrina/PR: Ed. Altha Print, 2005.
Livro enviado pelo autor.

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 04: Prenúncio

 

Nilto Maciel (O Lobo e o Cordeiro)

Diante da porta bateu palmas, enquanto olhava para os lados. Longe um cachorro andava ao léu, rabo a balançar. Quando o padre aparecesse pediria sua bênção. Preparou-se para repetir as palmas. Um rosto de mulher apareceu entre as frinchas da porta. Queria falar com o padre. Não, o padre não podia atender ninguém. Descansava, rezava.

Atordoado, o menino coçou a cabeça, fez careta. O cachorro ainda balançava o rabo. Precisava falar com o padre, sem detença. A mulher falava baixo e punha o indicador diante dos lábios. O que desejava o rapazinho dizer ao vigário? Somente a ele contaria o seu segredo. Ora, segredos só no confessionário. E confissões só na igreja, de manhã. A não ser em casos de vida ou morte. Pois o segredo de João era caso de morte. A mulher horrorizou-se e meteu o nariz no buraco da porta. Quem carecia de extrema-unção? E onde se achava o enfermo? O menino se enfezou. Não havia nenhum enfermo. Porém vinha de longe, do sítio do doutor João Forte, e ...
***

Há dias o holandês Vilgot havia desaparecido da cidade, sem deixar rasto. E ultimamente fazia suas pesquisas para as bandas do sítio do doutor João Forte. Todos perguntavam pelo estrangeiro. Sobretudo Victorino, o dono do hotel. Se o homem tivesse arribado, o prejuízo ia ser enorme. Um mês inteiro de hospedagem. E chorava por onde passava.
***

O menino implorava, a mulher permanecia do outro lado da porta. O padre rezava, descansava. Confissões somente de manhã na igreja. Então apareceu mais uma mulher. O que desejava o rapazinho? A primeira mulher deu explicações, João se intrometeu na conversa.
***

Vilgot Slauerhoff havia chegado a Palma três meses atrás. Apresentou-se às autoridades, falando um português quase indecifrável. Vinha da Holanda com a missão de estudar alguns bichos. Um dos quartos da pensão de Victorino encheu de livros, cadernos, máquinas fotográficas e outros objetos. Saía cedinho, andava pela cidade, conversava com um e outro, enfiava-se no mato. Logo aprendeu o nome de quase todo mundo. Fez amizade com algumas pessoas, tanto na cidade, como nos sítios. Num deles conheceu Pedro Lobo e sua família. E adorou seu filho mais velho — Joãozinho.
***

A caminho da sala, arrastando chinelos, o padre gritou pelas mulheres. Que gritaria medonha! Acontecia alguma confusão? As mulheres deram respostas tranquilizadoras. De qualquer forma, conversavam com outra pessoa. Quem? E João se apresentou. Queria contar um segredo a ele. Segredo somente no confessionário. O menino gaguejou. Desembuchasse logo o assunto. A primeira mulher tomou a palavra: já havia explicado... A segunda impôs silêncio àquela. João só faltava chorar, sem se fazer entender.
***

O estrangeiro mostrava a todos desenhos e fotografias de tamanduás, socós, punarés e uma infinidade de animais. Dizia serem do século XVII os desenhos. Pretendia comparar aqueles exemplares de bichos do passado a seus descendentes vivos. Pesquisa científica, universitária. Missão de muita importância para a zoologia. Sim, um missionário. No entanto, alguns o chamavam de doido. O holandês maluco.
***

Depois de muita insistência, o menino conseguiu entrar na casa paroquial. E sentou-se numa cadeira da sala. O padre se dispunha a ouvir-lhe o segredo. Se não se tratasse de história muito longa. Joãozinho tratou de ser objetivo. Se o padre sabia do holandês. Não, não sabia por onde andava o senhor Vilgot. O menino sabia? Sim – melhor dizendo –, sabia onde o estrangeiro se encontrava. Porém, o vigário não tinha nenhum interesse em saber o paradeiro do professor. Ora, então o rapazinho interrompera sua sesta para falar do cientista maluco? João coçou a cabeça. Se não contasse tudo logo, talvez fosse mandado embora. O holandês andava sempre atrás do menino. E lhe prometia viagens, estudos, conforto. Queria levá-lo para a Holanda. Essas propostas Vilgot fazia às escondidas de outras pessoas. E pedia segredo delas a Joãozinho. Porém como viajar para tão longe sem o consentimento dos pais? Melhor quebrar o segredo. Sua mãe, pelo menos sua mãe deveria compartilhar o seu mistério.

À noite Pedro Lobo ouviu de sua mulher a estranha história de seu herdeiro. E se encheu de fúria.
***

O zoólogo, manso feito cordeiro, não tinha herdeiros nem mulheres. Lecionava em Haia e conhecia todo o mundo. Ao Brasil viajava sempre, desde os primeiros tempos de universidade.
***

Padre Queiroz se aproximou mais do menino. Falasse mais alto. Menino bonito? Pecado, perdição. O mundo ia desabar ao peso de tanta libertinagem. Passou o lenço em volta do pescoço. E onde se achava o estrangeiro? Enterrado, no sítio.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.

Paulo Leminski (Versos Diversos) 16

minifesto


ave a raiva desta noite
a baita lasca fúria abrupta
louca besta vaca solta
ruiva luz que contra o dia
tanto e tarde madrugastes

morra a calma desta tarde
morra em ouro
enfim, mais seda
a morte, essa fraude,
quando próspera

viva e morra sobretudo
este dia, metal vil,
surdo, cego e mudo,
nele tudo foi e, se ser foi tudo,
já nem tudo nem sei
se vai saber a primavera
ou se um dia saberei
que nem eu saber nem ser nem era
==============================================

Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha.
======================================

distâncias mínimas

um texto morcego
se guia por ecos
um texto texto cego
um eco anti anti anti antigo
um grito na parede rede rede
volta verde verde verde
com mim com com consigo
ouvir é ver se se se se se
ou se se me lhe te sigo?
================================

saudosa amnésia

a um amigo que perdeu a memória

Memória é coisa recente.
Até ontem, quem lembrava?
A coisa veio antes,
ou, antes, foi a palavra?
Ao perder a lembrança,
grande coisa não se perde.
Nuvens, são sempre brancas.
O mar? Continua verde.
======================================

iceberg

Uma poesia ártica,
claro, é isso que desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não. Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?).
Sim, inverno, estamos vivos.
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por um lindésimo de segundo

tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas
=========================

passe a expressão

Esses tais artefatos
que diriam minha angústia,
tem umas que vêm fácil,
tem muitas que me custa.
Tem horas que é caco de vidro,
meses que é feito um grito,
tem horas que eu nem duvido,
tem dias que eu acredito.
Então seremos todos gênios
quando as privadas do mundo
vomitarem de volta
todos os papéis higiênicos.
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o mínimo do máximo

Tempo lento,
espaço rápido,
quanto mais penso,
menos capto.
Se não pego isso
que me passa no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
apenas o mínimo
em matéria de máximo.
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signo ascendente

Nem todo espelho
reflita este hieróglifo.
Nem todo olho
decifre esse ideograma.
Se tudo existe
para acabar num livro,
se tudo enigma
a alma de quem ama!

Fonte:
Paulo Leminski. Distraídos Venceremos. Publicado em 1987.

Estante de Livros (Til, de José de Alencar)


Publicado inicialmente em 1872, José de Alencar documenta neste romance sua fase regionalista (junto a O Gaúcho, O Sertanejo e Tronco do Ipê) o cotidiano numa fazenda do interior paulista do século XIX. Berta, também conhecida pelo apelido Til, é a típica heroína romântica de alma bondosa que se sacrifica em prol de todos.

Resumo

Besita, moça pobre, porém das mais belas da região, é objeto de desejo tanto de Luis Galvão, jovem fazendeiro, quanto de Jão, um órfão que foi criado junto com Luis Galvão. A moça corresponde ao amor do rico fazendeiro, mas este não tem interesse em desposar Besita, pois ela é pobre.

Influenciada por seu pai, Besita acaba casando-se com Ribeiro. Esse, logo após a noite de núpcias, parte em viagem para resolver problemas relacionados a uma herança de família e fica anos afastado. Durante o período em que Ribeiro não se encontra pela região, Luis procura Besita, que o recebe achando tratar-se de seu marido. Desse encontro nasce Berta.

Uma tarde, Ribeiro retorna e, ao encontrar sua esposa com uma filha, descontrola-se e assassina Besita. Jão não consegue evitar a morte dela, mas consegue salvar Berta, que passa a viver com nhá Tudinha e seu filho Miguel. Zana, uma negra que vivia com Besita, enlouquece após presenciar o assassinato desta. Jão torna-se capanga dos ricos da região, cometendo várias mortes e tornando-se o temido o Jão Fera.

Quinze anos depois de assassinar sua esposa, Ribeiro retorna irreconhecível e com o nome de Barroso. Com o propósito de vingar-se de Luis Galvão, ele contrata Jão Fera, que não o reconhece. Porém, Berta descobre os intentos de Ribeiro e consegue salvar Luis.

Em uma segunda tentativa, dessa vez com a ajuda de alguns escravos da Fazenda das Palmas, Ribeiro incendeia o canavial. Ao tentar apagar o fogo sozinho, Luis leva uma pancada na cabeça. Quando está para ser lançado ao canavial em chamas, Luis é salvo por Jão, que mata os responsáveis pelo incêndio, com exceção de Ribeiro.

Após isso, Jão Fera é preso em Campinas. Sabendo da ausência desse, Ribeiro planeja uma outra vingança, dessa vez contra Berta. Aproxima-se dela, que está com Zana, mas nesse momento chega Jão (que tinha se libertado) e mata Ribeiro de forma violenta. Brás, sobrinho de Luis com problemas mentais, leva Berta para ver a cena. Ela foge horrorizada e João, sabendo que a moça o desprezava a partir de então, entrega-se a polícia.

Convém neste ponto relatar a relação entre Brás e Berta. O jovem Brás possui problemas mentais e é completamente excluído em sua família. Apesar de Brás ser apaixonado por Berta, ela não pode corresponder aos sentimentos do rapaz, resolvendo então ensinar o abecedário e rezas a ele. Porém, o menino tem grandes dificuldades em aprender, tendo apenas decorado o acento “til”, que o encantava. Para facilitar o aprendizado, Berta se autonomeia Til e passa a ensinar Brás relacionando cada coisa com nomes de pessoas que ele conhecia.

Em certo momento, Luis decide contar toda a verdade para sua esposa, D. Ermelinda. Em um primeiro momento ela se entristece, mas depois passa a apoiar o marido e decide que ele deve reconhecer Berta como filha. Dessa forma, os dois a procuram e contam tudo, omitindo as partes desagradáveis.

Jão foge mais uma vez da prisão e vai procurar Berta. Desconfiada que Luis Galvão e sua esposa escondem algo, ela implora a Jão que conte toda a verdade sobre a história de sua mãe Besita, o que Jão faz. Berta se emociona com a história e abraça Jão, dizendo que ele sempre cuidou dela, sendo, então, seu pai.

Luis quer que Berta vá morar com ele, mas ela nega e pede que ele leve Miguel. Todos partem e Berta fica na fazenda com Jão Fera e Brás.

Lista de Personagens
 
As personagens de Til são arquétipos da sociedade brasileira do século XIX: os escravos, os aristocratas, o povo pobre. A sociedade da época estava estruturada basicamente em duas camadas sociais: de um lado os aristocratas, grandes latifundiários e escravocratas, e de outro lado estavam os escravos e a gente humilde do campo. Tanto na região rural, onde se passa o romance, quanto nas grandes cidades quase não há classe média.

Berta, Inhá ou Til: personagem central do livro, Berta, filha bastarda do fazendeiro Luis Galvão com Besita, é a representação típica da heroína romântica. Após a morte de sua mãe, passa a viver com nhá Tudinha e seu filho Miguel. Muito bonita e graciosa, atrai o carinho e o amor de todos, tendo contato inclusive com as pessoas mais desprezadas da região. Berta é personagem central e exerce grande influência sobre todas as outras personagens do livro.

Miguel: filho de nhá Tudinha, mostra-se apaixonado por sua irmã de criação, Berta (ou Inhá, como ele a chama). Por ser pobre, Miguel busca estudar para ascender socialmente e poder se casar com Linda.

Luis Galvão: dono da Fazenda das Palmas. Homem de muitas aventuras amorosas desde a juventude, é sempre protegido por seu “capanga” João Fera.

Linda: é filha de Luis Galvão e D. Ermelinda. Educada aos moldes da corte, mas amiga de Berta e Miguel, jovens de camada social inferior.

Afonso: irmão de Linda. Possui o mesmo espírito conquistador de seu pai e acaba se apaixonando por Berta, sem saber que esta é sua irmã de sangue.

Jão Fera ou Bugre: capanga dos ricos da região, é um homem temido. Sem conseguir salvar Besita, por quem era apaixonado, passa a proteger Berta após a morte de sua mãe.

Brás: sobrinho de Luis Galvão que sofria de ataques epiléticos e era débil mental. Era apaixonado por Berta (ele a chama de Til), que lhe ensinava o abecedário e rezas.

Zana: negra que trabalhava para Besita e que enlouquecera após presenciar o assassinato de Besita.

Ribeiro ou Barroso: marido de Besita. Logo após a noite de núpcias, parte para longe e fica anos afastado. Ao voltar e encontrar a esposa com uma filha, planeja vingança e assassina Besita. Promete vingar-se de Luis Galvão e Berta.

D. Ermelinda: elegante esposa de Luis Galvão.

Análise

A obra de José de Alencar, tida como uma das maiores representações do Romantismo brasileiro, é dividida em quatro fases. A primeira, a dos romances indianistas, tem suas maiores obras: Iracema (1865), Ubirajara (1874) e O Guarani. A segunda fase, a dos romances históricos, temos Minas de Prata (vol. 1: 1865; vol. 2: 1866) e Guerra dos Mascates (vol. 1: 1871; vol. 2: 1873). A terceira fase é a dos romances regionalistas e tem como representantes as obras O Gaúcho (1870), O Tronco do Ipê (1871) e Til (1871). Por fim, a última fase é a dos romances urbanos, onde temos Lucíola (1862), Diva (1864) e A pata da Gazela (1870).

Estrutura do romance

A ação de “Til” ocorre na Fazenda das Palmas, localizada na região de Campinas, interior do estado de São Paulo, e transcorre temporariamente a partir de 1826.

O livro é dividido em duas partes. A primeira serve como apresentação das personagens e das tramas e é nela que conhecemos Berta, personagem central do romance e típico arquétipo da heroína romântica. Nessa primeira metade da obra, o que mais chama a atenção é a contrariedade do comportamento de Berta (cujo apelido é Til): sempre movida por boas intenções, ela usa de sua influência e bondade para manipular as outras personagens.

Já na segunda metade do romance temos o desembaraço das tramas apresentadas e suas revelações. Os cenários deixam de ter uma descrição objetiva e material para adquirir um significado mais subjetivo, relacionado ao passado oculto das personagens. É nessa parte do livro que acompanhamos Berta em seu descobrimento sobre a morte de sua mãe e suas consequências. Em um final surpreendente, Berta abre mão de sua própria felicidade em prol das demais personagens.

Foco narrativo

O romance é narrado em terceira pessoa e o narrador é onisciente neutro, ou seja, ele conhece todos os pensamentos e planos das personagens e os revela ao leitor, mas não há intromissões autorais diretas (o autor falando com uma voz impessoal, na terceira pessoa, dentro do próprio romance). A característica principal da onisciência é que o narrador sempre descreverá a narrativa, mesmo em uma cena, da forma como ele a vê, e não como suas personagens a veem.

Tempo

O tempo é predominantemente psicológico, ou seja, o romance não segue uma narrativa linear e o narrador manipula o tempo conforme as circunstâncias. Assim, o narrador pode ir ao passado e ao futuro sem obedecer às ordens do tempo cronológico.

Um retrato do Brasil rural do século XIX

A obra de José de Alencar pode ser dividida em quatro grupos. O primeiro deles, os romances indianistas, produziu grande parte das maiores obras, não só de sua carreira, como da literatura brasileira. Dentre elas, podemos citar “Iracema”, “O Guarani” e “Ubirajara”.

Já no segundo grupo, o dos romances históricos, encontram-se obras como “Minas de Prata” e “Guerra dos Mascates”.

O terceiro grupo nasce da vivência nas grandes cidades e da luta entre o espírito conterrâneo e a invasão estrangeira: são os chamados romances urbanos de Alencar. Dentre eles, podemos citar “Lucíola”, “Diva” e “A pata da Gazela”.

Por fim, temos o quarto grupo de romances do escritor: os romances regionalistas. Dentre as obras deste período, podemos citar “O Gaúcho”, “O Tronco do Ipê” e “Til”. Esta nova fase na obra de José de Alencar nasce da busca de uma nova identidade nacional. Após a independência política do Brasil, os escritores românticos param de buscar na figura idealizada do índio o modelo de brasilidade. Agora, o “ser brasileiro” não se encontra mais na floresta, entre rios e animais selvagens, mas sim nas cantigas do povo, nas fazendas e até mesmo na corte.

Assim, a literatura romântica teve um papel social importantíssimo no processo de independência do Brasil. Alencar, consciente da função social da literatura, buscou em seus romances traçar um retrato no tempo (romances indianistas e históricos) e no espaço (romances regionalistas e urbanos). Dessa forma, podemos dizer que “Til”, como um dos mais destacados romances regionalistas de Alencar, é um retrato do Brasil rural do século XIX.

Porém, como autor romântico, Alencar não deixa de idealizar a realidade, em maior ou em menor grau, em todas as suas obras. Assim, tanto nos romances históricos, quanto nos indianistas e regionalistas, temos em comum o desejo de fuga da realidade presente para outros tempos e outros lugares mais felizes.

Da mesma forma, as personagens principais de Alencar (com exceção talvez dos romances urbanos) têm um porte heroico. São personagens inteiriças, que encarnam todas as virtudes físicas e morais do herói. Assim, a personagem central de Til também não poderia escapar desse arquétipo: Berta é a meiga e bela heroína, que atrai o carinho e a atenção de todos. Sempre com a decisão e força de todo bom herói, não mede esforços para conseguir realizar seus intentos e não hesita em se sacrificar pelo bem dos outros.

Outro ponto interessante que podemos tratar a respeito de Berta é que ela é um arquétipo das virtudes cristãs: a caridade, a solidariedade, a fraternidade, entre outras. Moça simples e bondosa, não tem nenhuma atitude estudada para ganhar proveito próprio. Sua influência sobre as demais personagens da obra são reflexo de personalidade franca e atenciosa. Dessa forma, Berta surge como elemento de ligação e fraternidade entre todos. Outro dado que sustenta esta interpretação é o fato de Berta ensinar rezas à Brás, sempre com a atitude compassiva própria de uma freira.

Em seus romances regionalistas, José de Alencar tenta caracterizar melhor os grupos sociais do Brasil do século XIX detalhando melhor alguns aspectos culturais. Dessa forma, vemos em Til os costumes, festas e comemorações dos negros, que dançavam animadamente nas senzalas, e do povo rural. Essa vivacidade da vida no campo contrasta diretamente com o abandono e marginalização que sofrem esse povo.

Apesar de Alencar defender uma ideia de que o campo é que é uma área propícia para se desenvolver uma cultura autenticamente brasileira, ele sabe que o futuro se dará nas cidades. Tanto que, ao final de Til, todas as personagens vão embora para a cidade e Berta, que em sua bondade resolve ficar para amparar os marginalizados (Jão, Brás e Zana), resta sozinha:

Como as flores que nascem nos despenhadeiros e algares, onde não penetram os esplendores da natureza, a alma de Berta fora criada para perfumar os abismos da miséria, que se cavam nas almas, subvertidas pela desgraça. Era a flor da caridade, alma soror”.

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Versejando 107

 
Menção especial nos LXIII Jogos Florais de Nova Friburgo 2022
Categoria Humorismo Nacional - Tema: Engano

Clarisse da Costa (Poesia nos Pés)

Eu poderia estar pisando numa poça d'água se não fosse tão tarde. A chuva que cai esta noite me traz tantas recordações. Eu consigo me ver com os meus barquinhos de papel e os meus pés pisando no barro vermelho em frente à minha casa. De alguma forma eu tinha uma liberdade mesmo que limitada. Os tempos eram outros. Dá para acreditar que o céu era mais azul? Falando assim até parece que alguém andou dando um retoque na cor como se o céu fosse a tela de um pintor famoso, mas é que as perspectivas daquele período eram outras. A gente sonhava sem ter a certeza de alguma coisa. É como se a gente sonhasse apenas por sonhar. Vai que por acaso acontecesse. Desculpa. Esqueci que o acaso não existe.

Também não dá pra dizer que o destino tem data marcada para acontecer. O calendário é mero figurante! Pisar na terra onde a gente morava sempre foi a certeza de que tínhamos um lugar para onde voltar. A hora mais esperada era o fim de aula. Pelo caminho eu via flores, copo leite, boca de leão, Maria sem vergonha e rosas vermelhas.

O barato era sentir e ver a vida se transformando diante dos meus olhos. Nada de pressa. Correr era só na hora da brincadeira. Por que na infância tudo parece tão mais fácil e leve? Um grão de areia fora do lugar não tinha importância. A gente só fazia questão de ri.

Tudo tinha graça. Dona Maria cantando era poesia. O sol na janela era sinal de que já era dia. E tudo começava outra vez num pulo, só você saia da brincadeira de corda. Com um pulo só você não conseguia que São Longuinho atendesse o seu pedido. Crendice? Não sei. O santo nunca falhou comigo.

Eu sempre dei três pulinhos. O engraçado é que a gente cresce e algumas coisas vão com a gente. Eu ainda acordo e vejo flores, o sol clareia o meu quarto mesmo com a janela fechada. O barro é o mesmo barro vermelho, mas agora piso em concreto. Não é mais possível pisar no chão. A vida continua indecifrável.

Acho que é assim para todo ser humano. Não dá para saber tudo nem entender de tudo. É mais provável que a vida queira que a gente apenas viva. Viver até o último sopro de vida. A morte também é mero figurante! E nós somos passageiros. É muita ingenuidade achar que somos imortais.

Somos eternos nas memórias de algumas pessoas e nas fotografias coladas em álbuns. No meu tempo, fotografia era sinônimo de quem tinha dinheiro.

Se você pensar bem, as lembranças mais fortes nós temos com os pés descalços. Seja na areia da praia, na escola correndo, brincando no nosso quintal ou no colo da mãe. Lembro de mim ralando o joelho e a mãe cuidando de mim, o remédio ardia, mas isso não tirava o meu olhar do seu. Era o meu segundo lar aqueles olhos.

Não sei como tem gente que não curte poesia, a vida mesmo é um traçado poético! Mas é compreensível, às vezes a gente só gosta daquilo que entendemos. Acho que é mais cômodo para o ser humano. A tendência é que o ser humano queira que tudo venha fácil, sem obstáculo, sem luta. Bem sabemos que um pouco de esforço não faz mal a ninguém.

Eu bem que queria saber como seria o mundo se ele fosse sempre o mundo lúdico de uma criança. Será que os adultos seriam tão chatos e julgadores uns dos outros? Acho que a resposta nunca terei. Até porque não cabe ter todas as respostas.

A vida mesmo não é para ter respostas prontas. Existem coisas na vida que levam tempo para acontecer. É como o despertar de uma flor, os primeiros passos de uma criança e o sol que se põe no horizonte.

Dá até para perceber as transformações das passagens do tempo conforme a nossa longa caminhada. Eu nunca pisei firme. Eu sempre tive a instabilidade na ponta dos dedos. Mas eu nunca parei de tentar.

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 4

A música que me encanta,
que se eterniza entre nós...
Vem das cordas da garganta
do canto dos curiós!
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A neblina no meu teto,
tristonha, reclama e chora,
sentindo a ausência de afeto
até nas cores da aurora!
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Ao ver-te na cruz, Senhor,
sem de nada reclamar...
Dá-me um pingo desse amor,
que há no amor do teu olhar!
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Às vezes, pensando fico,
como o amor, é sábio e nobre:
Faltar na mansão do rico,
sobrar no rancho do pobre!
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A tarde fica mais bela
em seus momentos finais,
quando apaga cada vela
de seus velhos castiçais!
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Consultando os meus arquivos,
Sara, entendi no final...
Que és imortal entre os vivos,
e és nossa eterna imortal!
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Em vez de um Cristo que chora
preso aos braços de uma cruz...
Percebo na luz da aurora,
um Cristo cheio de luz!
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Eu nunca temi fracassos,
mas a velhice atrevida,
aos poucos me encurta os passos
pondo-me algemas na vida!
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Mesmo que seja pecado,
mas peço, atendas meu rogo:
Deixa-me morrer queimado
na quentura do teu fogo!
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Na mãe, Deus pôs mais ternura,
quando, em sábia decisão...
Fez da mãe, a flor mais pura
da embriaguez do perdão!
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Não me curvo aos sonhos vãos,
sou otimista e, contudo...
Se me falta o pão nas mãos,
no coração tem de tudo!
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Nessa luta desmedida
onde há tanto dissabor...
Se um mendiga o pão da vida,
outro pede o pão do amor!!!
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Nessa solidão sem dono,
nessa insônia que não passa...
Não sei por que não tem sono
essa insônia que me abraça!
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Nunca te irrites na vida,
nem te aborreças na espera;
que, a espera é flor escondida
no ventre da primavera!
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O arrebol, com seus desvãos,
toda tarde, ao fim do dia,
estende os braços e as mãos
nos varais da nostalgia!
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O fogo com seus ruídos,
calando a voz das cascatas,
mostra aos céus em seus gemidos,
o pranto da dor das matas!
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O regente é tão perfeito
que, a orquestra da fonte é santa;
quanto mais pedras no leito,
mais feliz, a fonte canta!
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Ó, tu que nesta passagem,
o orgulho é que te conduz,
na derradeira viagem,
serás mendigo ante à Luz!
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Quando ao longe, a ressonância,
de um som qualquer se aproxima,
lembra-me as vozes da infância,
na infância cheia de rima!
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Se a ilusão, nos bate à porta,
quem sabe... Não nos cative?
Nem sempre o amor nos conforta,
de ilusões também se vive!
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Se as tuas mãos indefesas
prendem-se às mãos de outro irmão...
Vão-se todas as tristezas,
e as amarguras, se vão!
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Sem esperança!... E, sozinha
olha a estrada tão bisonha;
e, à espera do fim da linha,
vive a esperar por quem sonha!
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Teu beijo guarda os ressábios
agridoces da maldade,
e a maldade que há nos lábios
dos lábios da humanidade!
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Teu olhar, pelo que penso,
que encanta, alegra e seduz...
É um pingo de luz suspenso
que me enche os olhos de luz!
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Teus versos tão sensuais,
e os meus assim, tão dispersos,
são versos pobres demais
diante de teus lindos versos!
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Tu, que não tens coração,
e a maldade te conduz...
Hás de implorar por perdão,
pedindo esmolas de luz!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

Aparecido Raimundo de Souza (Parte 52) Porre

ALGUÉM BATE na porta da casa de Raulzinho, com insistência descomedida. Nesse momento o telefone também começa a tocar desesperado. O rapaz fica indeciso. Estanca no meio do caminho. “E agora? De quem eu cuido primeiro?” Decide pelo telefone. Odeia o barulho da campainha. Dá nos ouvidos. Corre para o aparelho. As batidas na porta persistem:

— Alô? Quem é?

— Eu, o Pedro. Por que demorou em atender?

— Pedro, meu amigo, me liga daqui a vinte minutos. Estão batendo na minha porta.

— Ué! Porque?

— Que pergunta mais besta! Estão batendo, ora bolas.

— Mas quem faria uma coisa dessas?

— Vinte minutos, meu amigão. Tchau!

— Não, fale comigo. Espere Raulzinho. Agora fiquei preocupado.

— Preocupado com que, Pedro?

— Com o que acabou de me falar.

— Meu Deus, Pedro. Pedi para você me retornar a ligação em vinte minutos...

— Eu sei, eu sei...

— Então, cara, faça isso.

— Quem está ai, além de você?

— Ninguém.

— A Júlia?

— Na feira.

— As crianças?

— Os dois na escola.

— A Zica, sua empregada?

— Com Júlia, de companhia. Sabe como é, né? Grávida de novo, aquele barrigão...

— Seus vizinhos?

— Qual deles, Pedro?

— Qualquer um. Do lado direito, do lado esquerdo, de frente...

— Pedro, ô Pedro, quer me escutar um minuto?

— Fala meu amigo. Você me parece nervoso. Meio que fora de controle. Aconteceu algo sério, Raulzinho?

— Pedro, me ouça. Do lado direito, mora o “Janjão 38”.

— Tá. E do esquerdo?

— O Moringa da “Torneirinha de Ouro”.

— Raulzinho, chame o mais parrudo. Prometa que vai entrar em contato com o mais parrudo. Ou aquele que melhor possa lhe prestar algum tipo de socorro urgente.

— Prestar socorro urgente? Pedro, você por acaso bebeu? Pirou na batatinha? Escuta uma coisa: “Janjão 38” a esta hora, deve andar pelo terceiro sono. Trabalha a noite, descansa durante o dia. O Moringa saiu com a esposa e os filhos praticamente junto com a Júlia e a nossa empregada.

— Tá, tá, tá. E o seu vizinho de frente? Esquecemos dele. Acione o sujeito.

— Vizinho de frente? Que vizinho de frente, seu maluco? Não tenho vizinho de frente.

— Como não? Tem do lado direito, do lado esquerdo e, de frente, não?

— Foi o que disse. Agora, por obséquio, Pedro. Deixa de ser inconveniente, me dá licença. Continuam batendo na porta...

— Pera aí, pera aí. Raulzinho, o que é que tem em frente a sua casa?

— A rua.

— Pombas, seu jumento. Do outro lado da rua?

— A calçada.

— Imbecil! Desculpe. Meu amigo. Desculpe, de verdade. Não é isso que eu quero saber. Perguntei se mora alguém.

— Em frente?

— É claro que é em frente. Será o Benedito?

— Não mora ninguém.

— A casa está vazia?

— Não.

— Então tem gente?

— Não.

— A cada minuto que passa, menos entendo! Como você complica...

— Pedro, aqui em frente não existe nenhuma casa. É um terreno baldio. Agora, por favor, para de ser importuno e maçante. Desliga esse telefone e me deixa ir cuidar da porta. Por favor. Seja lá quer for, parece furioso e fora de controle. Sabe que estou aqui e as pancadas estão cada vez mais fortes. Nunca vi ninguém bater assim na casa de uma pessoa com tamanha insistência.

— Que é isso, meu amigo? Então ainda estão batendo nela?

— Batendo não seria bem o termo. Agora o cidadão partiu para a ignorância. E tome pancadas. Você não está escutando? Quem está lá sabe que estou aqui. Meu carro está na frente do portão.

Procura se acalmar. Toma fôlego e prossegue:

— Acredito até que me viu entrando. Fui cedo à padaria. Olha, Pedro, me faça um obséquio: desliga e daqui a trinta minutos, a gente retorna com o papo. Dá pra ser, ou está difícil?

— Você falou trinta. E outra coisa: como sabe que é um cidadão? Pode ser uma mulher. Não pode?

— Que seja cidadão, cidadã, mulher, cavalo, porco... com relação ao tempo que mencionei vinte, quinze, ou trinta minutos, que diferença isso faz? Agora desliga, meu amigo. Estou ficando ligeiramente apreensivo.

— Ela está muito machucada?

— Por tudo quanto é sagrado! Ela quem, Pedro?

— A porta. Você não falou que estão batendo aí na sua porta? Batendo não, espancando? O que foi que ela fez? Fechou na cara de alguém? Prendeu o dedo de algum amiguinho de seus filhos e, agora, o pai, está no seu pé, querendo tirar satisfações? Ou arranjar um jeito de criar confusão? Talvez a empregada, por descuido...

—... Pedro, Pedro, Pedro, você está me gozando?

— Claro que não.

— Tirando um sarro?

— “Qué” isso, mano? “Qualé” a sua?

— Então, por Deus, pelo amor de Deus, lhe imploro, desliga esse desgraçado e maldito telefone. A porta, Pedro, a porta. Vão acabar derrubando a coitada... de tanta cacetada...

— Vão? Você disse vão? Então é mais de um? Não se preocupe. Vou ligar para a polícia.

— O quê? Polícia?

— Não se desespere. Mantenha os nervos relaxados. Vá até a cozinha e tome um café bem quente, sem açúcar. Café ajuda a manter os nervos controlados. Nada de pânico. Conte até vinte. Não, cinquenta. Tira uma dúvida, Raulzinho... a polícia é 190 ou 130?

— Pedro, você não vai ligar coisíssima nenhuma.

— Calma. Espere. Estou consultando o guia telefônico. Num piscar de olhos aciono uma viatura. Fique calmo. Estou saindo daqui agora e indo ao seu encontro. Aguarde que logo estarei pintando na área. Questão de minutos, segundos, milésimos de centésimos...

— Pedro, Pedro, Pedro... Pedroooooooooo...

— Já sei, Raulzinho... estão batendo na sua porta.

— Pedro, Peeeeeeeeeedro...

— Raulzinho, você é um homem ou um rato? Estou indo, seu filho de uma rapariga da zona. Pare de dar chiliques. Ao menos seja homem com agá maiúsculo, como sua mãe. Credo!

— Peeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeedro, filho de uma égua é você. Vá...

Barulho de telefone sendo desligado às pressas. Raulzinho corre à porta da sala. Está suando em bicas. Pedro conseguiu lhe tirar do sério. Faz o sinal da cruz. Vira a chave. Abre.

Dá de cara com Pedro, em carne e osso, o telefone ainda no ouvido, o amigo, do lado de fora, se escangalhando de rir.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Como escrever uma análise crítica - Parte 3, final

ESCREVENDO UMA ANÁLISE


1. Comece a dissertação com uma rápida descrição do objeto da análise.

Dê todas as informações básicas sobre o trabalho, como o nome do autor, o título, a data da publicação e o que mais for relevante.

Fale sobre o que se trata e as intenções.

Escreva tudo em duas ou três frases.

Por exemplo, forneça as informações básicas na primeira frase e descreva o ponto de vista do texto nas duas seguintes.

2. Indique o seu ponto de vista no final da introdução.

Coloque uma síntese do seu parecer logo após a descrição dos argumentos principais do autor.

Aponte onde o texto falhou ou foi bem sucedido, dependendo da avaliação que você realizou.

Escreva algo como: "O artigo faz uma ótima análise dos efeitos que o consumismo provoca no meio-ambiente".

Por outro lado, se a avaliação for negativa, diga, por exemplo: "O quadro não consegue exprimir de forma consistente a crítica social pretendida."

3. Resuma o trabalho em um parágrafo.

Depois de dar a sua avaliação, resuma o texto ou a obra em um parágrafo. Use a síntese que você preparou logo após ler o texto ou escreva algo diferente.

Trate apenas dos elementos mais importantes.

Lembre-se de que esse é o único espaço dedicado ao resumo, porque você tem que escrever a análise nas outras partes.

4. Em cada um dos parágrafos de desenvolvimento avalie um dos argumentos do texto.

Após fazer o resumo, comece a demonstrar o seu ponto de vista.

Você achou o artigo pouco convincente? Reserve um parágrafo para apontar os motivos. Do mesmo modo, se for o caso, guarde um parágrafo para mostrar por que o trabalho o impressionou.

Elabore uma lista caso você esteja com dificuldade para identificar o que faz o texto ser eficiente. Seguem alguns itens podem ajudá-lo a pensar sobre o que escrever:

Organização.
Como o autor organizou a argumentação?
A abordagem é boa ou ruim?
Por quê?

Estilo.
Qual foi o estilo escolhido para sustentar as ideias?
Esse aspecto piorou ou melhorou a qualidade do argumento?

Persuasão.
O texto consegue convencer o leitor?
Por quê?

Parcialidade.
O autor foi parcial ou imparcial ao tratar do assunto?
O que justifica a sua avaliação?

Apelo a um público específico.
O trabalho dirige-se a um público em particular?
Em caso afirmativo, diga quem seria esse público e se o autor teria sido bem sucedido.

5. Busque as evidências no próprio texto para deixar a sua análise mais robusta.

Você tem que retirar exemplos do artigo, seja com uma citação, uma paráfrase ou um resumo feito com as próprias palavras.

Coloque os trechos extraídos entre aspas e indique o número da página toda vez que você fizer uma citação.

Talvez você precise usar um estilo específico, como o da ABNT.

6. Conclua com um parecer final sobre a argumentação do texto.

Esse é o momento de resumir as ideias principais da análise e dar uma opinião sobre o trabalho em geral. Ou seja, diga se o autor conseguiu ou não fazer o que propôs.

Não repita de forma literal a introdução ou outras partes da sua dissertação.

Retome as informações mais importantes usando outras palavras ou discuta as consequências do que você escreveu ao longo da análise.

Por exemplo, é possível colocar na conclusão que o texto tem algumas partes interessantes, mas que acabou não atingindo os seus próprios objetivos.

Discuta os motivos em duas ou três frases.

Dica
Não se esqueça de fazer pelo menos uma boa revisão do texto e de corrigir os erros!

Fonte:
wikihow

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 1

  
Fonte: 
Montagem com trovas/Imagens no facebook da trovadora

Carlos Drummond de Andrade (País sem Binóculos)

Não sei se também ao leitor, mas a mim costumam telefonar a horas chamadas mortas (horas, pelo contrário, em que se sente respirar até a fibra da madeira) para dizer alguma coisa que não é comigo. Em geral, chamam pelo Nosso Bar. Há sempre, na noite, uma pessoa querendo comunicar-se desesperadamente com o Nosso Bar. Já pensei em trocar o número do aparelho, mas desisti: quem me garante que outros indivíduos não estarão por aí tocando para o Meu Bar, e que os números não passariam a ser irmãos? Habituei-me a esse bar de número parecido. Procuro esclarecer ao telefonador que não sou o Nosso Bar, ele muito se admira, disca de novo, mas quer falar é com o Nosso Bar, ora essa. Só uma vez, entre as dobras do sono, atendi e resmunguei:

– É do Nosso Bar.

– Desculpe, foi engano! — e desligaram.

Mas um instante depois, o telefone retiniu de novo, e, desta vez, outra voz:

– É do Nosso Bar?

Não sei se também tocam para o Nosso Bar, chamando este pobre cronista, que nunca pôs lá os pés. Mas a introdução vai ficando comprida, e eu queria é contar o telefonema do Vate-Noturno, que, por força mesma do nome, só costuma chamar-me quando, como no dizer homérico, os caminhos se encheram de sombra. Todas as noites, depois de ingerir umas e outras, sente necessidade de dizer-me pelo telefone palavras amáveis e, vez por outra, durezas. Nem sempre consegue dizer nada, mas entende-se o que ele queria exprimir, era um afeto, uma tristeza, um problema.

– Drummond? Aqui é o Vate-Noturno. Aposto que você não adivinha de onde estou falando.

– Do Nosso Bar. — falei a esmo.

– Nosso Bar coisa nenhuma. Do bar da Abi também não. Nem do Alpino. Estou falando do Bar do Municipal. Acabei de tomar uma atitude, sabe?

– E ficou machucado?

– Você não conhece o Vate-Noturno. Pensa que sim, mas não me conhece a-bi-sso-lu-ta-men-te. Por que havia de me machucar? Bem, lá dentro o Bip está caminhando sobre o oceano, compreendeu? Mas eu é que não vou ver.

– Bip? Que Bip?

– Puxa! Você está um bocado fora. O Marcel Marceau, velho, quem havia de ser? Começou a segunda parte do espetáculo, a que eu faço questão de não assistir!

– O Marceau lhe fez alguma grosseria?

– A mim não, eu é que faria a ele se continuasse a vê-lo.

– Não entendi.

– Lógico que não entendeu. Pois se falta o binóculo.

– Que binóculo?

– O binóculo que eu não tenho e agora compreendi que é essencial. Comprei a duras penas uma galeria para ver o Marceau. E vi. Mas vi só o vulto, o contorno geral do gesto, não via o pormenor delicado, a sutileza das mãos, dos dedos, mil e um detalhes da mímica. Então senti falta de um binóculo. Perguntei ao vizinho da esquerda se tinha um para emprestar. Não tinha. A garota da direita, também não. Comecei a falar baixinho: “Binóculo, binóculo”. Depois, um pouco mais alto. E não aparecia nenhum. Entraram a fazer psst, aí eu me chateei e gritei: “Não se pode nem desejar um binóculo? É um crime ver Marceau a essa distância, deste planalto, sem binóculo!”. Aí me puxaram pelo braço e me tiraram de lá. Vim para o bar e estou satisfeito com a minha atitude. Você tem binóculo em casa?

– Nunca tive binóculo.

– É isso. Ninguém tem binóculo neste país. País sem binóculos! E querem ver Marcel Marceau!

Era meia-noite, e o Vate-Noturno ameaçava levar a outros bares a campanha do binóculo.

– Leve também ao Nosso Bar! — sugeri.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. A bolsa & a vida. Publicado em 1962.

Antonio Juraci Siqueira (Poemas Recolhidos) 2


CIVILIZAÇÃO

Tantos rostos perdidos
na imensa avenida
que a lida transforma
num abismo sem fim.

Tantas mãos que tateiam
pela escuridão
à cata de amor,
de abrigo, de pão...

Ouvidos atentos
que nada mais ouvem,
olhos abertos que nada mais veem,
pés que se movem no mesmo lugar...

Pobre caminheiro sem caminho,
pássaro sem asas e sem ninho!

Triste animal que ri da própria sorte,
que sepulta a vida e ressuscita a morte!

Mas a festa continua e ele dança.
Dança e canta,
canta e cansa,
cansa e morre
porre de orgulho e presunção
por ser integrante
de tão propalada
civilização!!!
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INCÓGNITO

Parti no alvorecer, ainda menino,
à procura do Amor e da Verdade
mas antes de se por o sol a pino
entre pedras perdi a identidade.

Debalde tento agora reencontrá-la
em cada esquina, em cada gesto e olhar...
- Quem sou?  -  pergunto ao céu e ele se cala;
- Que sou? – desesperado indago ao mar.

E sem respostas – pássaro sem ninho –
vou pela vida na indefinição
de quem procura, às cegas, um caminho
para o porto inseguro da ilusão.
=============================

JUVÊNCIO

Assim vai Juvêncio
na sua aventura.
Da mata, o silêncio,
suave langor...
- Que motivo tanto
pra tanta bravura?
- Vai atrás do encanto
do seu santo amor.

Um riso escondido
no rosto moreno.
Herói das entranhas
das matas em flor.
No olhar sereno,
uma luz estranha...
Coisas do Cupido,
ciladas do amor!

Vai rasgando as águas
revoltas e turvas,
afogando as mágoas,
sufocando a dor.
Vai dobrando as curvas
do rio e da vida,
esquecendo a lida.
Vai ver seu amor!
      
A noite já avança,
o sol já descansa,
remar, seu ofício,
sua sina, lutar.
A canoa balança,
o remo lhe cansa.
Tanto sacrifício
pelo verbo amar!...

Não sente pavor
de fera ou visagem,
só pensa na imagem
da Rosa a esperar.
Vai pensando nela,
tão meiga, tão bela,
repleta de amor
e beijos pra dar.
==========================

QUANDO

Quando o fogo destes versos consumir
teus segredos, virtudes e pecados,
eu estarei à margem do caminho
qual Prometeu furtivo te espreitando
para roubar a chama imorredoura
que arde na redoma indestrutível
do teu peito risonho de criança.

 Quando a fome do amor comer meus olhos
impedindo-me de ver as mariposas
que copulam sobre as pétalas noturnas
de um rubro girassol filosofal,
tu estarás oculta entre as miragens
de um sonho metafísico gravado
numa canção latino-americana.

Então, quando isso tudo acontecer,
não seremos , simplesmente, macho e fêmea:
seremos sementes de vida e esperança
a germinar nos campos da existência,
a florescer no amor e dar ao mundo
os cobiçados pomos da poesia.

Antônio Torres (Preconceito de linguagem...)

Na Romênia, segundo dizem os jornais franceses, que agora muito se interessam por tudo quanto diz respeito aos moldo-valáquios, na Romênia há certas palavras que em todas as outras línguas cultas têm significação nobre e que entre os romenos têm significação pejorativa. Chamar, por exemplo, a algum romeno marquês, ou condessa a alguma romena, é cometer injúria e grande. Entre eles, não se diz príncipe em romaico, porque esta palavra tem a significação analógica de jogral; de sorte que adotaram lá a palavra francesa prince, para designar qualquer membro da família real. A palavra rei também é injuriosa. Tanto assim que, na tradução do livro bíblico dos Reis, escrevem os romenos Livro dos Imperadores!

Em português há também palavras de significação primitivamente honesta e que entretanto agora não podem ser pronunciadas diante de pessoas de respeito. No norte de Minas, por exemplo, como no Norte de todo o país, chamar dama a uma senhora é arriscar a pele. Dama, lá por aquelas plagas, é “mulher perdida”.

A palavra moça pode ser pronunciada diante de quem quer que seja. “Esta menina está ficando moça” — “Sua filha é uma bela moça" — são expressões correntes. Entretanto, querendo alguém referir-se à amásia de alguém diz: “A moça de Fulano”!

Rapariga! É uma das palavras mais lindas da nossa língua. Em Minas, entretanto, rapariga aplica-se mais às mulheres do serviço doméstico, isto é, amas, cozinheiras, arrumadeiras, etc. Aqui, já vai tendo significação pejorativa: casa de raparigas é o mesmo que bordel. Ora, é um absurdo isso. Rapariga é simplesmente feminino de rapaz. Seria encantador poder toda gente dizer, como ainda há dias ouvi dizer a um espírito eminente, que me dá a honra da sua amizade: “Você não imagina que rapariga valente é minha mulher”.

Mãe! Não se discute a beleza desta suavíssima palavra. Pois também a palavra mãe vai assumindo significação equívoca. Em certas locuções é um vocábulo pelo menos suspeito. Os jornais já começam a substituí-lo por progenitora. É incrível! Que qualquer palavra possa derrancar com o tempo compreende-se; mas a palavra mãe? O noticiário elegante tem receio de dizer: “Faz anos hoje a Sra. Dona Fulana, muito digna mãe do nosso amigo Sr. Beltrano”. Em vez de mãe, escrevem progenitora, que é uma palavra erudita, seca, como todas as coisas eruditas, fria e pernóstica. Mãe é alguma coisa tépida, doce, nobre como o colo materno. Progenitora é simplesmente uma delicadeza de moleque bem-falante.

Mãe, colegas, mãe! Devemos escrever “a mãe do Sr. Fulano”, da mesma forma que escrevemos “O pai do Sr. Beltrano” e “o filho de Dona Sicrana”. Ninguém diz na intimidade — “vou beijar minha progenitora”, mas simplesmente — “vou beijar minha mãe”.

É para desejar que os jornais abandonem de uma vez a palavra progenitora, que é, etimologicamente, muito mais grosseira do que mãe. Progenitora compõe-se do prefixo pro e da raiz genite, de gigno, gignis, genui, genitum, gignere, que quer dizer gerar. De maneira que, posta em bom vernáculo, progenitora é a pró ou antegeradora do Sr. Fulano. Não sei onde está a delicadeza desta expressão.... Por conseguinte, de uma vez para sempre, estabeleçamos que os homens têm virtuosas e dignas mães, e não ridículas e pernósticas progenitoras.

Fonte:
Antônio Torres. Verdades Indiscretas. publicado em 1920.

terça-feira, 5 de abril de 2022

Adega de Versos 76: Edmar Japiassú Maia

 

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia) XXXVIII

DOZE SIGNOS DO CÉU O SOL PERCORRE  


Doze signos do céu o Sol percorre,
E, renovando o curso, nasce e morre
Nos horizontes do que contemplamos.
Tudo em nós é o ponto de onde estamos.

Ficções da nossa mesma consciência,
Jazemos o instinto e a ciência.
E o sol parado nunca percorreu
Os doze signos que não há no céu.
= = = = = = = = = = = = =

DURMO, CHEIO DE NADA, E AMANHÃ  

Durmo, cheio de nada, e amanhã
é, em meu coração,
Qualquer coisa sem ser, pública e vã
Dada a um público vão.

O sono! este mistério entre dois dias
Que traz ao que não dorme
À terra que de aqui visões nuas, vazias,
Num outro mundo enorme.

O sono! que cansaço me vem dar
O que não mais me traz
Que uma onda lenta, sempre a ressacar,
Sobre o que a vida faz ?!
= = = = = = = = = = = = =

DURMO. REGRESSO OU ESPERO?  

Durmo. Regresso ou espero?
Não sei. Um outro flui
Entre o que sou e o que quero
Entre o que sou e o que fui.
= = = = = = = = = = = = =

É BOA ! SE FOSSEM MALMEQUERES !  

É boa ! Se fossem malmequeres !
E é uma papoula
Sozinha, com esse ar de "queres?"
Veludo da natureza tola.

Coitada !
Por  ela
Saí da marcha pela estrada.
Não a ponho na lapela.

Oscila ao leve vento, muito
Encarnada a arroxear.
Deixei no chão  o meu intuito.
Caminharei sem regressar.
= = = = = = = = = = = = =

O LOUCO    

E fala aos constelados céus  
De trás das mágoas e das grades  
Talvez com sonhos como os meus ...  
Talvez, meu Deus!, com que verdades!  

As grades de uma cela estreita  
Separam-no de céu e terra...
Às grades mãos humanas deita  
E com voz não humana berra...
= = = = = = = = = = = = =

É INDA QUENTE  

É inda quente o fim do dia...
Meu coração tem tédio e nada...
Da vida sobe maresia...
Uma luz azulada e fria
Para nas pedras da calçada...
Uma luz azulada e vaga
Um resto anônimo do dia...
Meu coração não se embriaga
Vejo como quem vê e divaga...
E uma luz azulada e fria.
= = = = = = = = = = = = =

EM OUTRO MUNDO, ONDE A VONTADE É LEI

Em outro mundo, onde a vontade é lei,
Livremente escolhi aquela vida
Com que primeiro neste mundo entrei.
Livre, a ela fiquei preso e eu a paguei
Com o preço das vidas subsequentes
De que ela é a causa, o deus; e esses entes,
Por ser quem fui, serão o que serei.

Por que pesa em meu corpo e minha mente
Esta miséria de sofrer ? Não foi
Minha a culpa e a razão do que me dói.

Não tenho hoje memória, neste sonho
Que sou de mim, de quanto quis ser eu.
Nada de nada surge do medonho
Abismo de quem sou em Deus, do meu
Ser anterior a mim, a me dizer
Quem sou, esse que fui quando no céu,
Ou o que chamam céu, pude querer.

Sou entre mim e mim o intervalo  _
Eu, o que uso esta forma definida
De onde para outra ulterior resvalo,
Em outro mundo.

Como escrever uma análise crítica - Parte 2


ANALISANDO O TEXTO


1. Observe como você reage ao texto.

Como você se sentiu ou no que pensou ao lê-lo?

A maneira como um discurso afeta as emoções das pessoas é chamada de "pathos", que é um componente fundamental da retórica.

Anote as primeiras reações, sejam elas boas ou ruins. Tente explicar o motivo de você se sentir assim. Localize as características do texto que provocaram os sentimentos.

Você ficou nervoso? Qual foi o elemento do texto que o deixou desse jeito?

Você ficou rindo sem parar? O que é tão engraçado?

2. Leve em consideração a biografia do autor e pense em como ela se relaciona com a obra.

Será que o ponto de vista defendido não tem a ver com os outros trabalhos do mesmo autor sobre o tema? Dar uma olhada nisso pode ajudá-lo na análise crítica.

Confira o histórico do autor e tente compreender por que ele adotou um determinado ponto de vista.

O que ele já escreveu sobre o assunto? Ele segue uma linha ou escola de pensamento?

Por exemplo, o autor é um entusiasta do ensino à distância? Talvez esse fato explique o viés dos seus artigos sobre a reforma do sistema educacional.

A formação e a titulação (doutorado ou mestrado, por exemplo) do autor também fazem parte da biografia dele.

Esses são os elementos do "ethos": a formação acadêmica e os títulos dão credibilidade.

3. Avalie a forma como os conceitos foram empregados.

O autor trabalhou com os conceitos de um modo claro e correto? Ou ele usou noções frágeis e
inadequadas?

Caso a resposta da última pergunta seja "sim", você encontrou um ponto importante para avaliar. Identifique o que está errado ou confuso e como esses aspectos poderiam ser melhorados.

Por exemplo, o texto faz um explicação do efeito estufa longa, confusa e cheia de termos técnicos?

Concentre as críticas nessa parte.

Dica: Lembre-se de que você pode dar uma opinião favorável caso o texto tenha uma qualidade positiva.

Por exemplo, o autor descreveu o funcionamento do efeito estufa de um modo simples e com uma linguagem acessível? Elogie esse trecho.

4. Avalie como o autor trabalha com as evidências.

O texto se baseia em evidências sólidas?

Esse é outro ponto muito importante da análise. Confira a credibilidade de todas as referências citadas ao longo do trabalho. Veja se elas realmente reforçam o ponto de vista defendido. Em caso afirmativo, considere que o autor fez um bom uso do "logos", ou seja, o aspecto conceitual do texto.

Quando um autor menciona o conteúdo de um site muito tendencioso, o raciocínio fica comprometido. Por outro lado, a argumentação fica mais robusta ao citar fontes mais equilibradas e imparciais.

Não são todos os tipos de trabalho que apresentam evidências. Por exemplo, não tem por que um romance ou uma peça de teatro se preocuparem com comprovações.
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continua...

Fonte:
wikihow

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Isabel Furini (Poema 25): Demais

  
Fonte: Facebook da poetisa.

Filemon Martins (Escadas de Trovas) I

Obs: Escada de Trovas: A trova raiz (No Topo) é geralmente de outro trovador. O tipo de escada do caso é o subindo, em que a primeira trova tem no 1. verso o 4. verso da trova raiz, na segunda trova tem no 1. verso o 3. verso da raiz, e assim por diante.

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A LUA

NO TOPO:
"É frio, a noite descansa;
O espaço é vasto e medonho.
De repente, a lua mansa
Surge nos braços de um sonho".
Humberto Del Maestro 
(Vitória - ES)

SUBINDO:
"Surge nos braços de um sonho"
numa beleza sem fim,
e a poesia que componho
fica mais perto de mim.

"De repente, a lua mansa"
aparece sorridente
dando vivas à esperança
e sorrindo à minha frente.

"O espaço é vasto e medonho"
quase sempre me dá medo,
que às vezes fico tristonho
pensando no teu segredo.

"É frio, a noite descansa"
e eu sonho com as estrelas
tão belas, ninguém alcança,
- só é permitido vê-las.
= = = = = = = = = = = = =

AMORES

NO TOPO:
"Saudade, de quando em quando,
Provoca mágoas e dores,
Pois vai de amores matando
Quem vive lembrando amores".
Mário Barreto França
(Recife/PE, 1909 – 1983, Rio de Janeiro/RJ)


SUBINDO:
"Quem vive lembrando amores"
vai perdendo a emoção,
porque viver velhas dores
não faz bem ao coração.

"Pois vai de amores matando"
momentos bons, sem iguais,
que a vida vai cultivando
ao longo dos ideais.

"Provoca mágoas e dores"
quem parte e fica também,
pois todos os dissabores
são as saudades de alguém.

"Saudade, de quando em quando"
sem ser plantada, floresce,
no peito já vai brotando
como se fosse uma prece.
= = = = = = = = = = = = =

DEUS

NO TOPO:
"Quando chegam dissabores,
Vejo o céu todo estrelado,
Nos campos eu vejo flores,
E a Deus eu digo; obrigado"!
Carlos Ribeiro Rocha
(Ipupiara/BA, 1923 – 2011, Salvador/BA)


SUBINDO:
"E a Deus eu digo: obrigado"
ao ver a vida na serra,
o mundo fica encantado
com as belezas da Terra.

"Nos campos eu vejo flores"
iguais no mundo não há,
perfumadas são amores
que a Natureza me dá.

"Vejo o céu todo estrelado"
a nutrir os sonhos meus,
e eu fico mais deslumbrado
ante a beleza de Deus.

"Quando chegam dissabores"
que a própria vida me traz,
esqueço das minhas dores
e escrevo versos de paz.
= = = = = = = = = = = = =

HUMILDADE

NO TOPO:
"É um prazer bem diferente
Chegar e fazer o bem,
E partir humildemente
Sem dizer nada a ninguém".
Cipriano Ferreira Gomes
(São Paulo - SP)


SUBINDO:
"Sem dizer nada a ninguém"
espalha a paz e a esperança,
como o Cristo de Belém
deixando o Amor como herança.

"E partir humildemente"
sem alarde pelo mundo,
pregando a fé, como crente,
no sentido mais profundo.

"Chegar e fazer o bem"
a todos sem distinção,
é ter, na vida e no Além
muita luz no coração.

"É um prazer bem diferente"
sentir a missão cumprida,
ver o mundo sorridente
dando mais valor à vida.
= = = = = = = = = = = = =

LEITO

NO TOPO:
"A lua divina e bela
Num capricho assim desfeito,
Invade a minha janela
E vem sonhar no meu leito".
Hedda Carvalho
(Nova Friburgo - RJ)


SUBINDO:
"E vem sonhar no meu leito"
nesta noite enluarada,
quero ver-te junto ao peito
esperando a madrugada.

"invade a minha janela"
fique aqui, feliz e calma,
que o perigo da procela
não resiste a paz da alma.

"Num capricho assim desfeito"
ainda há paz e beleza,
que o clima fica perfeito,
- o amor é luz e certeza.

"A lua divina e bela"
reina perene no céu,
lua que a todos, revela,
quem ama, não vive ao léu.

Fonte:
Filemon F. Martins. Sonetos & Trovas. RJ: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2014.
Livro enviado pelo poeta.