segunda-feira, 4 de abril de 2022

Aparecido Raimundo de Souza (O Caspento)

SALARICO TINHA CASPAS EM DEMASIA. Por essa razão, usava um ventiladorzinho portátil, para se livrar daqueles minúsculos apontoados brancos que insistiam empestear suas camisas. Eram em tal quantidade, as “carepas”, que se sentia envergonhado, notadamente quando precisava colocar paletó com gravata e se entrevistar com outras pessoas, colegas de profissão, como ele e, que de igual forma, não podiam desobrigar da presença do terno, tampouco da distinção do porte elegante que o mesmo impunha.

“Mais mau”, nessa história, é que Salarico só possuía dois trajes, um preto e outro avermelhado. Cores que destacavam, com elevada primazia, aqueles sinais branquinhos, caídos por sobre os ombros e costas. Um amigo comum, que sabia da questão (aliás, o mesmo que lhe dera de presente o ventiladorzinho), propusera o uso de alguns xampus antiescamatórios existentes no mercado, mas, nenhum desses produtos combatia, com a eficiência esperada, o problema que, dia após dia, ganhava proporções descomunais.

Para estar com a namorada, usava uma espécie de gorro bastante ensebado, e, não havia, quem o fizesse arrancar. Às vezes, Ritinha tentava argumentar com ele, que ficaria melhor sem aquela coisa esquisita por sobre o “cocoruto”, mas qual o quê! Nada fazia o rapaz arredar pé.

O certo é que Salarico possuía os cabelos bonitos. Era bem apessoado, corpo atlético, trazia, consigo, um tipo “cheguei”, elegantemente charmoso e carismático. Pedaço de homem que toda mulher gostaria de trazer a tiracolo. Na verdade, o único estorvo que enfeiava Salarico, se consubstanciava nas malditas alvas esparramadas pelo encabelado, feito erva daninha.

Dona Salomé, sua mãe, comprara um pincelzinho, para quando as miúdas escamas se avolumassem na camisa, ou sobre o paletó, ele as retirasse, sem sujar as mãos. Uma loucura! Havia fuás para ninguém botar defeito.

Salarico fizera de tudo: usara sabão medicinal, babosa, urina de moça virgem misturada com mel, sangue de barata, com casca de ovo de codorna, excremento de galinha e maisena. Mas nada, efetivamente, dava um basta em seu grande sofrimento.

Lembrou de um colega, o “Bisonho”. Esse lhe dera um conselho meio esquisito, mas que, no fundo, parecia ser a solução definitiva para sua inexplicável desdita. Pensou, pensou, contou até dez, voltou a pensar, sopesou, repensou, consultou pessoas chegadas, visitou parentes e pediu conselhos a vizinhos. Inclusive, se imaginou, na frente de um espelho enorme, divorciado daquele maldito boné. E, se de repente, aparecesse sem, o que diria à apaixonada? Será que a moça não ficaria envergonhada ou decepcionada, ao olhar para ele? Oh! Deus, que enrosco!

E aquela cabeça danada produzindo caspas e mais caspas incessantemente...

Andou de um lado para outro. Fumou três maços de cigarros, tomou um banho frio bem demorado, se enxugou, vestiu uma roupa, voltou a ficar pelado e a cair de novo embaixo do chuveiro. Por fim, depois do quarto banho e da sexta muda de roupas, decidiu: —“Não fumo mais!”.

Com um novo pensar, saiu para a rua, resoluto. Um pensamento lhe remoía por dentro. Custasse o que custasse, poria em prática o conselho que Bizonho lhe dera. Entrou no salão do Agenor e mandou a ordem ao velho estilista capilar:

— Corta tudo...

Com o couro cabeludo a mostra, deixou a barbearia sorridente e feliz. No caminho, jogou fora o boné gorduroso e o pincelzinho que trazia no bolso da calça. No conforto do lar, guardou o ventiladorzinho numa caixa de sapatos.

Caiu, uma vez mais, no chuveiro e tomou um novo e reconfortante banho. Depois colocou a sua melhor muda de roupas. Assoviando uma canção de Roberto Carlos, seu cantor preferido, foi direto encontrar sua cara metade.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Refúgio para cornos avariados. SP: Sucesso, 2011.

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