quarta-feira, 27 de abril de 2022

Zenobia Collares Moreira (A Armadilha, de Murilo Rubião)


É uma das 11 histórias que compõe o livro "A Casa do Girassol vermelho", escrita em 1965.
 
“A armadilha” é uma das narrativas mais enigmáticas de Murilo Rubião. Construída com base na ambiguidade e no suspense, ela desconstrói os esquemas da lógica do senso comum, instaurando, desde o seu início, a incerteza própria do gênero fantástico. A personagem Alexandre Saldanha Ribeiro, mesmo carregando uma mala pesada, rejeita o elevador e usa as escadas para chegar ao décimo andar de um prédio desabitado, sujo e decadente. Ao entrar na sala que buscava, uma grande surpresa o aguarda: um velho está a sua espera empunhando um revólver na sua direção. Este fato inesperado gera no leitor a justificada expectativa de que Alexandre seria assassinado.

 Isto não é o que ocorre, mas sim um inusitado diálogo entre o velho e Alexandre, iniciado pelo velho: “... esperava a sua vinda. Há dois anos, desta cadeira, na mesma posição em que me encontro, aguardava-o certo de que você viria.” A partir daí, uma sequência de fatos inverossímeis vão se sucedendo, instaurando a incerteza que caracteriza as narrativas "fantásticas", nas quais o elemento “misterioso” intervém no curso normal dos fatos, resultando em uma ruptura, em um “suspense” instigantes: a arma descarregada, as janelas fechadas com tela metálica, a porta de aço trancada eliminando qualquer possibilidade de fuga para Alexandre, tirando-lhe a chance de escapar à situação de prisioneiro, de vítima de uma armadilha, na qual ficará para sempre: “Aqui ficaremos, um ano, dez, cem ou mil anos.”

O desvendamento do mistério não ocorre no final do conto. A ambiguidade permanece até o final da história, deixando que o leitor faça a dedução dos fatos finais.

 Em “A Armadilha”, nenhuma explicação é dada aos fatos estranhos e o final da história é inconcluso e ambíguo. Todavia, não estamos diante de um texto que pretende ser mera diversão ou passa tempo vazio de significado.

Como costuma acontecer nas obras murilianas, este conto veicula uma crítica de cunho moralizante à realidade do mundo contemporâneo. Suas personagens tipificam a condição absurda em que vive o homem, prisioneiro de uma sociedade na qual imperam a incomunicabilidade e a solidão, como inapelável consequências da existência humana. 
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Zenóbia Collares Moreira possui graduação em Letras (vernáculas) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte(1975), mestrado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco(1981), doutorado em Doutorado em Literatura Portuguesa pela Universidade de Nova Lisboa(1992) e pós-doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco(1999). Professora adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


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