quarta-feira, 20 de abril de 2022

Jaqueline Machado (Morte em Veneza, de Thomas Mann)

Não pensemos jamais que para se obter êxito, precisamos trabalhar feito escravos. O trabalho não deve ser massacrante e, sim, benéfico a nossos sentidos. Fazendo de nós, seres prósperos e felizes. Bendito seja o equilíbrio, a razão e a decência. No entanto, não façamos confusão, tais potências nada têm a ver com moralidade. A Moral é uma senhorinha de óculos e vestido longo cuja a alma usa fio dental. Sua língua dispara veneno. E seus olhos, FOGO!

Não há frase mais falsa que a desculpa usada pelos hipócritas quando em público dizem:  “Salve a moral e os bons costumes”.

Aproximem-se que vou lhes contar um segredinho em surdina: esses que vivem a pregar o que é certo e errado, são os que mais cometem os ditos pecados ...

Vejamos o exemplo do escritor Gustave Aschenbach, personagem da novela: Morte em Veneza, de autoria de Thomas Mann, que só enxergava a sua redenção através da severidade, do trabalho árduo e da busca incessante e obcecada pela perfeição, que de tanto corrigir o próprio comportamento foi abduzido por uma cruel demência.

Com suas células cansadas, implorando por um momento de descanso, ele resolve fazer um passeio por Munique, cidade alemã onde morava. E ao passar por um cemitério, fixa os olhos num homem muito estranho, que tinha uma face esquelética que se assemelhava a uma caveira usando roupas de turistas. A esquisita figura lhe causou um desejo repentino de viajar. E nesse momento enigmático ele começa a devanear imaginando conhecer lugares diferentes e exóticos. Com certa resistência interior, decide acatar a sua vontade, mas sempre comprimindo com as regras de seus instintos limitantes, escolhe um único lugar para tirar férias: Veneza.

Chegando lá, ele conhece um adolescente chamado Tadzio, que de tão belo, arrebata a sua alma. Enfim, seus olhos haviam encontrado de forma inimaginável, através da imagem daquele jovem, ainda menor de idade, a figura de uma perfeição que ele nunca conseguiu encontrar em nenhuma pintura, escultura, música ou fonte literária. Mais do que isso, a imagem do menino lhe remetia a face da perfeição das almas em seu estado de evolução plena. Mas ele nunca ousou tocar em Tadzio. A sua paixão era platônica e vivida apenas no campo das ideias... Pois sendo ele um homem corretíssimo, envergonhava–se dos novos sentimentos que torturavam a sua consciência. Tragicamente ou propositalmente, nessa mesma viagem, Aschenbach contrai cólera e morre.

Morte em Veneza, é uma metáfora que nos remete à seguinte mensagem: – Por traz da nossa consciência comum, existe o subconsciente e depois do subconsciente, existem outras camadas do nosso “eu” oculto. Quando nos reprimimos a todo instante, as células formadoras dessas camadas vão enlouquecendo.

O protagonista se impedia de viver, amar, viajar. Pensava em trabalho e em exatidão noite e dia. Por isso, suas vontades que de início eram sadias, adoeceram, provocando nele um sentimento quase pedófilo pelo tal menino que o estremeceu. Ou seja, quando decidiu relaxar, era tarde demais, já havia enlouquecido.

Pessoas nascem para viver e serem muito felizes, pois as depressões, amarguras, aneurismas, o câncer, crimes e imoralidades nascem justamente de uma certa soberba repressora, e da ilusão em querer atingir uma conduta perfeita. Não somo anjos. Somos meros mortais.

Muito cuidado ao seguir todas as regras ditadas pela MORAL! Ela é uma senhorinha muito distinta, mas TRAIÇOEIRA...

Fonte:
A autora.

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