sexta-feira, 15 de abril de 2022

Manuel du Bocage (Sonetos) VII

De cima dessas pedras escabrosas
Que pouco a pouco as ondas têm minado,
Da lua co’ reflexo prateado
Distingo de Marília as mãos formosas:

Ah! Que lindas que são, que melindrosas!
Sinto-me louco, sinto-me encantado;
Ah! Quando elas vos colhem lá no prado,
Nem vós, lírios, brilhais, nem vós, oh rosas!

Deuses! Céus, tudo o mais que tendes feito
Vendo tão belas mãos, me dá desgosto;
Nada, onde elas estão, nada é perfeito.

Oh! Quem pudera uni-las ao meu rosto!
Quem pudera aperta-las no meu peito!
Dar-lhe mil beijos, e expirar de gosto!
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Já o Inverno, espremendo as cãs nervosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao Polo em serras escumosas;

Oh, benignas manhãs! Tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!

Voltai, retrocedei, formosos dias,
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;

E ao ver-te sentirá minh'alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias
Da estação, que remoça a Natureza.
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Mimosa, linda Anarda, atende, atende
Às doces mágoas do rendido Elmano;
C’um meigo riso, c’um suave engano
Consola o triste amor, que não te ofende.

De teus cabelos ondeados pende
Meu coração, fiel para seu dano,
Co’a luz dos olhos teus Cupido ufano
Sustenta o puro fogo, em que me acende.

Causa gentil das lágrimas que choro,
A tudo te antepõe minha ternura,
E quanto adoro o céu, teu rosto adoro:

O golpe, que me deste, anima e cura...
Mas ai! Que em vão suspiro, em vão te imploro:
Não pertence a piedade à formosura.
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O Céu não te dotou de formosura,
De atrativo exterior, e a Natureza
Teu peito infeccionou co’a vil torpeza
De ingrata condição, falaz e impura.

Influiu-me os extremos da ternura
A Constância, o fervor, e a singeleza,
Esses dons mais gentis que a gentileza,
Dons, que o tempo fugaz não desfigura.

Apesar da traição , do fingimento
Que te inflama, e desluz, se envela e para
Em ti, alma infiel, meu pensamento;

Nas paixões a razão nos desampara,
Se a razão presidisse ao sentimento,
Tu morrerás por mim, eu não te amara.
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O ledo passarinho, que gorjeia
D'alma exprimindo a cândida ternura,
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia.

O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da aurora alegre e pura,
A rosa, que entre os zéfiros ondeia.

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glórias que consigo,
A deusa das paixões, e de Citera:

Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.
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Fonte:
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. SP: FTD, 1994. Disponível na Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

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