sexta-feira, 1 de abril de 2022

Filemon Martins (A Lenda do Ipupiara)

A lenda do monstro marinho conhecido como Ipupiara ou ainda Hypupiara, percorreu o mundo no século XVI. Habitava as profundezas das águas e assombrava, inicialmente, os indígenas do litoral brasileiro, passando depois a atormentar pescadores e marinheiros.

Há relatos sobre esse monstro horripilante e asqueroso do cronista português, Pero de Magalhães Gandavo, na Vila de São Vicente, SP, a primeira Vila do Brasil, dessa forma: "sendo já alta a noite, acertou de sair fora de casa uma índia escrava do capitão e lançando os olhos a uma várzea pegada ao mar, viu andar nela um monstro, movendo-se com passos e meneios desusados, e dando alguns urros tão feios que lhe parecia uma visão diabólica... andava ali uma coisa tão feia, que não podia ser senão o demônio. Chamado o capitão Baltasar Ferreira que, ao ver o monstro, enfrentou-o e o abateu a golpes de espada".

O cronista português descreveu o monstro como tendo "quinze palmos de cumprido e era semeado de cabelos pelo corpo e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes".

O jesuíta Fernão Cardim e o padre José de Anchieta fizeram referência a esses monstros e, segundo eles, o Ipupiara, era um ser "bestial, faminto, repugnante, de ferocidade primitiva e brutal". Anchieta escreveu: "Também há outro (demônio), nos rios, aos quais chamam Ipupiara, isto é, moradores da água, os quais igualmente matam os índios". Arrola o Ipupiara como uma das figuras do Demônio que afligiam os índios, ao lado do Curupira e do Boitatá.

A lenda do Ipupiara é tão forte e viva em São Vicente, que construíram um monumento em sua homenagem na Praça 22 de janeiro. Quando morei em Itanhaém, tive oportunidade de conhecer a estátua e a Praia da Biquinha, onde dizem os moradores houve a última aparição do ser monstruoso em dezembro de 1975, quando um jovem surfista de 17 anos afirmou ter sido atacado por um monstro numa noite quente de verão ao se refrescar no mar na praia da Biquinha. Essa estátua, infelizmente, pegou fogo e foi destruída em 2016. A obra, de autoria de Daniel Gonzalez, artista plástico falecido em setembro de 2011, foi inaugurada em 22 de janeiro de 1999. Filho do ator Serafim Gonzalez, o escultor é autor de outras obras de destaque na Baixada Santista, como a do Praiamar Shopping e O Surfista, no José Menino. Mencione-se também que o ator Serafim Gonzalez era escultor e autor do monumento Mulheres de Areia, em Itanhaém.

O sociólogo Gilberto Freyre, em sua obra Assombrações do Recife Velho, Rio de Janeiro, (2000) escreveu sobre a lenda; "Mais danados que todos, os hipupiaras eram homens marinhos que espalhavam o terror pelas praias. Os hipupiaras não comiam da pessoa que pegavam a carne toda, mas apenas uma parte ou outra. O bastante, entretanto, para deixar a vítima um mulambo. Comiam-lhe os olhos, narizes, e pontas dos dedos dos pés e mãos, e as genitálias. O resto deixavam que apodrecesse pelas praias".

Sérgio Buarque de Holanda também escreveu: "A fantástica ipupiara, com seu jeito particular de matar os homens, que é beijá-los e abraçá-los fortemente até fazê-los em pedaços, ficando ela inteira, e como os sente mortos, põe-se a chorar (sem que isso a impeça de devorar-lhes as partes do corpo que julga mais delicadas)”.

No caso de São Vicente, hoje, admite-se que é provável que tenha sido um grande leão-marinho, animal pouco conhecido e assustador para os caiçaras que habitavam o litoral paulista.

Um fato curioso, contudo, me intriga; nasci numa cidade do interior da Bahia, que se chamava inicialmente Campos Belos (1842), Fundão de Brotas (1865), Fortaleza de São João (1906), Jordão de Brotas (1911), Vanique (1935) e a partir de 1936, Ipupiara, com o Decreto-lei estadual n° 141, de 1943, confirmado depois pelo Decreto estadual n" 12.978, de 1944. Nasci, portanto, na cidade de Ipupiara, região da Chapada Diamantina. Quando aqui aportei, tomei conhecimento da fascinante lenda que correu o mundo.

Fonte:
Filemon Martins. Caminhos do Jordão da Bahia. SP: RG Editores, 2022.
Livro enviado pelo autor.

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