quarta-feira, 13 de abril de 2022

Angela Togeiro (Poemas Escolhidos)

DO SER POETA...


Ser poeta
É caminhar nos extremos,
do riso à lágrima, do amor ao ódio
galgando a plenitude efêmera da palavra.
É ter o verbo que alimenta o outro
sem sequer se alimentar primeiro,
é consolar e nunca se sentir consolado.
É dormir sobre espinhos e ver brilhar as estrelas
num céu onde lidera o sol. Inverter a natureza.
É invejar-se por ser tão insatisfeito
sentir-se total neste desconforto,
matéria do seu pulsar.
É orgulhar-se de se sentir mediador
ao cantar do mundo
os seus mandos e desmandos.
É ter gula de absorver dores não sentidas
os sonhos não sonhados. As perdas não havidas.
É ter preguiça de olhar para fora de si
e sofrer o não sofrido.
A luxúria dos amores não vividos
e gozar o não sabido.
É viver a ira, socar o vento
quando impotente de tocar o falso
e torná-lo verdadeiro.
É ter a avareza de poder tomar da palavra
fazê-la sua num verso único
perdido das letras, fugido dos dicionários,
vergonha às vezes das gramáticas.
Ser poeta é viver de eterna penitência
transitar nos vales sombrios dos pecados capitais,
nos sabidos e nos ocultos
nas prisões da alma, e
tantas vezes morrer-se em pecado e graça
e renascer na esperança,
somente porque se sente um ser...
ser poeta... o que vive o além e o aquém da Paz
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ESSA...

Essa que me cuida sempre à noitinha,
Toma e relaxa meu corpo cansado,
Faz tranquilo o meu sono de soldado,
O que chega ao ninho feito andorinha.

Essa que vai comigo e que me aninha
Se de guerra falam em qualquer lado,
Cura a dor do meu peito desolado,
Põe nele a esperança que a tudo alinha.

Essa por todos é capaz de tudo.
É a que põe luz nas trevas; sobretudo,
Brilha no sonho que mais nos apraz.

Essa vive de amor, toda ternura,
Essa que se augura, que se procura,
É essa que se oferece ao mundo: a Paz.
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MULHER

Sou mulher,
sou todas as mulheres:
sou Afrodite, Amélia, Angela, Eva, Diana, Joana,
Madalena, Maria, Raquel, Rita, Sara,
Salomé, Tereza, Vênus, Zênite...
Tenho na genética
a herança dos tempos,
que me dá todos os nomes,
que me tira todos os nomes,
quando me desdobro em outra mulher.
Nasci em todas as raças,
tenho todas as cores puras e miscigenadas.
Pratico todos os credos.
Nasci em todos os cantos deste planeta.
Vivi em todas as eras.
Registrei meus gritos em todos os rincões,
mesmo se expulsos da alma
no mais profundo silêncio.
Vim de todos os lugares,
nasci em berço de ouro, em choupana,
na rua, nas matas, hospitais, templos...
Fui vestida, fui enrolada,
despida, jogada.
Gerada num útero que me amou,
ou num que me recusou.
Pouco importa, se rica ou pobre,
se esculpida no Belo ou no Feio,
preciso cumprir meu destino,
meu destino de Mulher.
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NASCER DE UM POEMA

Olho a folha branca,
vazia,
querendo um poema.
Olho a caneta,
com tinta
azul? vermelha? preta?
Olho a lapiseira. A borracha.
Uma inquietação me domina,
quero, preciso de um poema meu
nascendo sobre este papel branco...
feito de árvores mortas...
Escuto o meu silêncio...
Dentro de mim há um livro,
um livro de poemas
como este,
que espera o momento sideral
de conjunturas numerais,
espirituais, cabalísticas
de que não entendo nada,
para vir a lume.

Sorvem de mim
a alma,
e no papel
parecem libertados.
Tento em vão fechar meu livro
prender meu poema.

É tarde,
outro poema já está a caminho.
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POESIA DE VIVER

O viver é uma inédita poesia
Que cada ser escreverá ao nascer.
O parto, o verso puro então seria,
À dor, o prazer faz desaparecer.

Na infância do José ou na da Maria
Há alegrias, dores. Crer e querer
Ser sol, ser lua, ser amor, e o poder
Dá à juventude uma aura de magia.

Nos tropeços e acertos haveria
Combinar os sentimentos, perceber
Que o ódio é noite escura e o amor é dia

Que tudo rima e gira em torno do Ser.
E o poeta imitando a vida se inspira,
Escreve poemas que sente viver!

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