domingo, 10 de abril de 2022

Contos e Lendas do Mundo (Índia: Harisarman, o mago)

Era uma vez um brâmane chamado Harisarman. Ele era pobre e ignorante, precisava muito de um emprego, e tinha tantos filhos que talvez estivesse colhendo os frutos dos erros cometidos em alguma vida passada.

Ele perambulava pedindo esmola com a família até que chegou a uma cidade e começou a trabalhar para um proprietário rico de terras, chamado Sthuladatta. Seus filhos cuidavam das vacas e de outras propriedades de Sthuladatta, sua esposa tornou-se criada dele, e ele próprio morava perto da casa e tornou-se seu empregado.

Um dia, houve um banquete pelo casamento da filha de Sthuladatta, no qual estiveram presentes muitos amigos e convidados do noivo. Harisarman esperava poder se encher de manteiga, carne e outras guloseimas e conseguir o mesmo para sua família. Ele aguardou ansiosamente que lhe levassem alguma comida, mas ninguém se lembrou dele.

Ficou aflito por não receber nada para comer, então disse à esposa:

– Aqui me tratam com tanto desrespeito porque sou pobre e ignorante, então fingirei ter conhecimentos de magia, assim conquistarei o respeito de Sthuladatta. Quando houver oportunidade, diga-lhe que tenho conhecimentos de magia.

Depois de pensar sobre o assunto enquanto todos dormiam, ele roubou da casa de Sthuladatta um cavalo que o genro do senhor costumava cavalgar. Escondeu-o a certa distância e, de manhã, os amigos do noivo não encontraram o cavalo, mesmo depois de procurar por todas as partes.

Enquanto Sthuladatta estava angustiado com o mau agouro e tentando encontrar os ladrões que tinham levado o cavalo, a esposa de Harisarman disse-lhe:

– Meu marido é um homem sábio, conhecedor de astrologia e ciências mágicas. Ele pode recuperar o cavalo. Por que não pede a ele?

Quando o Sthuladatta ouviu aquilo, chamou Harisarman, que disse:

– Ontem fui esquecido. Mas hoje, agora que o cavalo foi roubado, sou lembrado.

E Sthuladatta o apaziguou com essas palavras:

– Não lembrei de você, peço-lhe perdão! – e pediu que ele contasse quem havia levado o cavalo.

Harisarman desenhou diversos diagramas falsos e respondeu:

– O cavalo foi escondido por ladrões no extremo sul do terreno. Deve buscá-lo logo, antes que o levem para mais longe, o que deverá acontecerá ao fim do dia de hoje.

Ao ouvirem aquilo, muitos homens correram e rapidamente recuperaram o cavalo, elogiando o discernimento de Harisarman e o proclamando um sábio.

Assim, ele ficou vivendo lá, feliz, respeitado por Sthuladatta.

Os dias se passaram e um grande tesouro, composto por ouro e joias, foi roubado do palácio do rei. Como não conheciam quem era o ladrão, o rei chamou Harisarman, famoso por seus conhecimentos de magia.

Tentando ganhar tempo, ele disse:

– Eu lhe direi amanhã.

O rei o colocou em aposentos muito bem vigiados e Harisarman arrependeu-se de ter fingido conhecer magia. No palácio, havia uma criada chamada Jihva, que significa “língua”, que, com auxílio do irmão, havia roubado o tesouro do palácio. Preocupada com o que Harisarman saberia, à noite ela foi até o cômodo em que ele estava e encostou o ouvido na porta para tentar descobrir o que ele estava fazendo. Harisarman, sozinho lá dentro, naquele exato instante culpava a própria língua por ter feito aquela vã declaração de conhecimento. Ele disse:

– Língua, o que foi fazer em nome da cobiça? Perversa, logo será castigada.

Quando Jihva ouviu aquilo, pensou, horrorizada, que havia sido descoberta pelo sábio e entrou onde ele estava, jogando-se aos seus pés, disse ao suposto mago:

– Brâmane, cá estou, a Jihva que roubou o tesouro, como já descobriu. Depois que o levei, enterrei-o no jardim que fica atrás do palácio, sob uma romãzeira. Então poupe minha vida e receba a pequena quantidade de ouro que tenho comigo.

Quando Harisarman ouviu aquilo, disse a ela com orgulho:

– Vá embora, sei de tudo isso. Conheço o passado, o presente e o futuro. Não a denunciarei, criatura infeliz, por ter implorado por minha proteção. Mas deve entregar a mim todo o ouro que possuir.

Quando ele disse isso, ela concordou e partiu imediatamente. Harisarman refletiu, surpreso: “Assim como no jogo, o destino traz coisas impensáveis. Com a calamidade tão próxima, quem pensaria que o acaso traria o sucesso? Enquanto eu culpava minha jihva, a ladra Jihva de repente se jogou aos meus pés. Crimes secretos se manifestam por meio do medo”.

Assim, jubiloso, ele passou a noite no quarto. Pela manhã, levou o rei, com um desfile hábil de conhecimentos fingidos até o jardim e o conduziu ao tesouro, enterrado sobre a romãzeira, dizendo que o ladrão havia escapado com uma parte. O rei ficou satisfeito e lhe recompensou com muitas aldeias.

Mas um ministro chamado Devajnanin sussurrou no ouvido do rei:

– Como um homem pode ter um conhecimento tão inatingível sem ter estudado livros de magia? Pode ter certeza de que se trata de alguém desonesto, que confabula em segredo com ladrões. Seria melhor testá-lo de outra forma.

Deste modo, o rei trouxe uma jarra coberta, dentro da qual havia colocado um sapo, e disse a Harisarman:

– Brâmane, se conseguir adivinhar o que há nesta jarra, eu lhe farei uma grande honraria hoje.

Ao ouvir aquilo, o brâmane Harisarman pensou que havia chegado sua hora e lhe veio à cabeça o apelido “Sapinho”, que seu pai tinha lhe dado na infância. Compelido a lamentar a má sorte em voz alta, ele disse:

– É uma pena, Sapinho, que uma jarra tão bonita seja a sua destruição.

Os presentes o aplaudiram, pois sua fala harmonizara perfeitamente com o objeto apresentado e murmuram:

– Ah, que grande sábio! Sabe até sobre o sapo!

O rei, achando que aquilo era devido ao dom da adivinhação, ficou exultante e deu a Harisarman mais aldeias, além de ouro, um guarda-chuva e várias carruagens.

Assim Harisarman prosperou para sempre.

Fonte:
Contos e lendas do mundo. Conto publicado originalmente em 1880.


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