sábado, 22 de novembro de 2008

Viegas Fernandes da Costa (O velho, a velha e o violino)



Hoje as lembranças estão confusas e as pernas se enroscam em um tango solitário. Escuto as notícias do dia ao longe, mantra de sangue onde mergulham meus olhos; as mãos, suspensas no ar, caçando suspiros perdidos no éter. Quero parir o poema dorido abortado nos lábios - poema suspiro! Encontro-o na placenta do mundo; ao fundo, as cordas desafinadas de um violino que um dia vi tocado numa praça em Curitiba: dedos rugosos esgravatando sons num tempo conhecidos por aqueles ouvidos setuagenários e que por hora reconhecem apenas o tilintar das pobres moedas ao prato. E a chuva lava meu dia.

Hoje procuro o verso urbano que aquela senhora pendura à sacada: o verbo grafado nos olhos que buscam ao cio. Quero subir as escadas, bater-lhe na porta; a estrada, no entanto, devolve-me à praça e ao violino desafinado e infestado de cupins: gargalha a boca de moles gengivas ao som dos gemidos do arco às cordas. Que toca, desejo saber? Inaudíveis sinfonias, reconhecidas apenas por si. E dança a velhinha a polca imaginária: rotas chinelas, gretados os pés. Carrega consigo tão alvos cabelos, tão pobre vestido, tão poucos desejos. Mira seu homem que toca contente, ternura e lembrança do amante de ontem. Para onde migrarão, depois, tão flácidos corpos? À cama de tábuas, ao estrado de palha?

Busco o alento nas pias batinas ou sob o hábito da freira que me sorri todas as manhãs: os olhos devassos, as mãos e o rosário. É tenra. Escuta minha pele, arranha minha alma; amor nervoso às sombras dos muros. Não é o caso, agora; é claro o dia e os muros, iluminados, refletem sombras passageiras e apressadas. A polca, meu deus! A polca, das pernas de canelas tão finas! Como dançam as pernas e os braços que abraçam o vazio! É praça, e há toda esta multidão de juízes que reconhece a loucura ao ritmo de palmas, balança a cabeça e abandona centavos. Pálida razão de multidão que pasta em nossas cidades.

Há sempre uma história e muitos destinos: violino encontrado na lata de lixo. Sim, e a lembrança das notas fluídas em som, por que não? Arco improvisado, cordas choradas; e a velhinha que chega curiosa, escuta e entende que o dia chegara: há amores tardios. Assim, três eram os destinos - o velho, a velha e o violino - estes que vejo em minhas lembranças confusas. Estão aqui, neste banco que buscam meus olhos, nestes pombos que ciscam o chão, ainda que praça vazia, ainda que mortos se vão. Estão aqui, as mesmas mãos carinhosas, de senhora, que domaram seu rosto magro, tomaram seu corpo ralo, ensinaram-lhe o amor. Por isso sorri o sorriso de velho maluco? Não, de velho feliz, suponho, que conheceu a quentura de dormir abraçado e do passado lembra apenas os muitos violinos que seus dedos já tocaram. Não o reconhecem os músicos da filarmônica por trás de toda aquela barba, por trás de todo aquele riso. Siso, esperam sempre os que de sério se supõem. Não o reconhecem, portanto, em toda aquela praça tão sua, naqueles trapos tão seus. Passam senis, com suas tubas e flautas, suas cordas e percussões, ensimesmados e murchos, olhos no palco buscando aplausos, no anonimato da razão e do conjunto da orquestra. “Quem vai lá - perguntam alguns - com os cabelos desgrenhados?” “O tocador de tuba” – respondem uns, “O que soa a flauta” – afirmam outros. “Quem está cá?” – indago. “O velho do violino e sua velha dançarina” – sabem todos. Estão identificados na identidade do desvario.

Este verso urbano que sempre vi dependurado à sacada, preso às esquinas, esparramado sob os semáforos, diluído nestas lembranças confusas; viu-o esta que ora dança, e soube tomá-lo. Não o velho que meus olhos enxergam, mas de antanho o músico, dos tempos da tez louçã da atraente mulher que era: primeira fileira, poltrona central, suspiros perdidos no palco, naqueles olhos que nunca a viram, nos nervos atentos à música, o corpo teso na cadeira. Como era bonito então! E bonito lhe parece agora, também, porém seu! Dança-lhe de dia, compartilham o pão, a pobreza e a cama, e o recebe, ela, em seu corpo, tais quais arco e violino seus dedos delicados.

Anseio este poema onde busco enternecer-me: choque no concreto. Anseio piegas de chorar baixinho e sentir o alento do sol. Procurava-no ela: o poema e o profeta que roubara seu futuro. Tomou-lhe neste presente que vejo passar, aleatório e espectral, pelas retinas da memória. É bonita esta história que nunca aprendi a contar, que nunca souberam entender: viam apenas a miséria das roupas, o encardido desta que deveria parecer respeitável barba, o desarranjo do som e a flacidez da sua senhora. Sua senhora, enfim! Era tudo que viam, porém - doença, demência e fome - , esta multidão apressada e aprisionada em sua significância de gado. No entanto, a honra do abandonar do dia quando se punham em marcha aos lares infaustas massas dispersadas nas calçadas – tão cansadas! Recolhia seu caixote e seu instrumento, ele; ela, recolhia seu homem ao peito, e caminhavam lentos para onde minhas vontades nunca me levaram: vaga alusão à tragicômica despedida chapliniana. Andar curvado e claudicante, o dele; de princesa altiva, o dela, que conduz um príncipe fatigado e seu violino sustentando sob o braço.

Hoje as lembranças estão confusas e as pernas se enroscam em um tango solitário! Fujo das notícias embebidas em linfa, dos versos de alcovas, dos prazeres em casta carne sob os muros. Tudo que procuro é o alento deste encontro na praça: o velho, a velha e o violino, que já não estão mais. Como também eu há tanto já não estava. Tantos rostos que passam por esta praça. A alguns pergunto para onde foram, mas ninguém nunca os vira. Àquela vendedora de bonés, sim, que também por aqui andava naqueles tempos, que tanto reclamava dos barulhos do violino que lhe afastavam a freguesia, pergunto sobre o casal e seu instrumento, mas apenas me olha com a surpresa e piedade com que se olha para um louco. Então nunca os houve? Nunca houve esta história daquela moça ainda jovem, tão bonita, que sozinha se sentava na platéia para o admirar amoroso do violinista já maduro? Nunca houve esta história do desencontro e do vazio por tantos anos, e da desrazão senil, o esquecimento, deste músico que certo dia mirou no lixo o velho instrumento carcomido, improvisou-lhe as cordas, e foi tocá-lo à praça, numa Curitiba que nunca conhecera? Nunca houve esta senhora de peles flácidas, vestido pobre, finas pernas, a encontrá-lo e reconhecer sob tanta barba e velhice o homem maduro que nunca deixara de amar? Nunca houve assim, tampouco, a polca ao som indefinível de uma sinfonia inteligível apenas aos ouvidos da sua imaginação? Então nunca sentiu nosso músico o calor da carne, as mãos e o prazer daquela sua bailarina? E o alento que este poema urbano – reescrito a cada novo dia, as mesmas roupas, o mesmo som, a mesma dança – me trazia? Também não houve este alento?

“Queria parir o poema dorido abortado nos lábios” – disse-o. Descobri-me este poema abandonado em meio à praça estranhamente vazia. Da sacada, aquela senhora me abana nudez e promessas. Quero subir as escadas, bater-lhe na porta; a estrada, no entanto, devolve-me à praça e ao violino desafinado e infestado de cupins, às moles gengivas, à polca imaginária da sua senhora. Toca para mim, dança para mim! E a chuva lava meu dia...

Blumenau, setembro de 2005.

Fontes:
http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2008/11/o-velho-velha-e-o-violino-viegas.html
Fotomontagem em cima de foto da http://www.fotopg.com.br/

Viegas Fernandes da Costa (1977)


(Blumenau/ SC/ Brasil - 21/02/1977)

Filho do português Carlos Alberto Fernandes da Costa e da brasileira Anneli Fernandes da Costa.

Realizou seus estudos fundamentais e secundários em escolas públicas. Formou-se no curso de Magistério em 1995. Já no ano seguinte começou a trabalhar como professor de Geografia no colégio onde se formara. Em 1997 ingressa na faculdade de História da Universidade Regional de Blumenau, licenciando-se historiador em fevereiro de 2001.

Durante o curso superior participou ativamente do movimento estudantil, sendo um dos fundadores do Movimento Estudantil Independente Rompendo Amarras.

Participou ainda da diretoria do Centro Acadêmico de História (que ajudou a fundar), do Departamento de História e Geografia como representante do corpo discente, do Conselho do Centro de Ciências Humanas e da Comunicação e da comissão que redigiu o projeto do Laboratório de História Oral da FURB.

Também desenvolveu atividades de pesquisa de história regional, e dentre seus orientadores estava a professora Maria Luiza Renaux.

Foi ainda na graduação que iniciou suas leituras do filósofo francês Michel Foucault e começou a estudar a história dos "corpos diferentes".

Como professor, leciona desde os 19 anos, tendo passado por diversas instituições de ensino públicas e privadas, lecionando História, Filosofia, Sociologia, Atualidades e Geografia.

Em 2003 produziu e apresentou, em parceria com Ilze Zirbel e Ricardo Machado, o programa "Freqüência Alternativa", na Rádio Comunitária Fortaleza de Blumenau, dedicado à música brasileira e a entrevistas com artistas, professores e pesquisadores universitários.

Teve seu primeiro poema publicado (Refúgio Escuro) em 1996, na efêmera revista "Top News". Em 1999 teve o conto "A Voz Sem Som" escolhido para integrar a antologia Conto Poesia, publicado pelo Sinergia de Florianópolis. Em 2004 seu poema "Quem Plantou os Cogumelos?" escolhido pela Câmara Brasileira do Jovem Escritor dentre quase seis mil poemas de todo Brasil para integrar a antologia dos 100 melhores poemas de 2004.

Neste mesmo ano realiza intervenções culturais nas praças e ruas de Blumenau juntamente com um grupo de artistas locais. Sua coluna de crônicas é distribuída para milhares de endereços eletrônicos do Brasil e do exterior e seus textos publicados e A editora Hemisfério Sul publica seu primeiro livro, "Sob a Luz do Farol" (crônicas) em 2005.

Bibliografia de Viegas Fernandes da Costa:

Livro:
- SOB A LUZ DO FAROL. Blumenau: Hemisfério Sul, 2005 (Crônicas)

Participação em Antologias:
- Quem Plantou os Cogumelos? (poema). In. PANORAMA LITERÁRIO BRASILEIRO 2004/2005: Poesia: as 100 melhores de 2004. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira do Jovem Escritor, 2004, p. 104.

- Quem Plantou os Cogumelos? (poema). In. ANTOLOGIA DE POETAS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS, v. 1. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira do Jovem Escritor, 2003, p. 64.

- Canto Guajira (poema). In. PAINEL BRASILEIRO DE NOVOS TALENTOS, v. 20. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira do Jovem Escritor, 2003, p. 64-65.

- A Voz Sem Som (conto) In. CONTO POESIA: 3º Concurso Literário: Florianópolis: Sinergia, 1999, p. 47-54.

Artigos em Revistas Especializadas

- A Arte e a História da Arte: Caminhos e Descaminhos na Pós-Modernidade. In. REVISTA DE DIVULGAÇÃO CULTURAL. Ano 24, nº 76, Blumenau, janeiro/abril, 2002, p. 56 - 59.

- Um Projeto de Nação: O Discurso de Afonso Balsini. In. BLUMENAU EM CADERNOS. Tomo XLII, nº 5/6, Blumenau, maio/junho, 2001, p. 73 - 82.

- Concurso de Robustez Infantil: Um olhar sobre a política eugenista em Blumenau. BLUMENAU EM CADERNOS. Tomo XL, nº 5, Blumenau, maio, 1999, p. 47 - 54.

Fontes:
http://viegasdacosta.hpg.ig.com.br/biografia.htm
Foto = http://www.verdestrigos.org/

Humberto de Campos (A "Festa dos Ovos")



O último número do "Pathé-Journal", que está sendo exibido em um dos nossos cinemas, registra, entre outros acontecimentos curiosos, a chamada "Festa dos Ovos", levada a efeito recentemente em Wilkes Barre, nos Estados Unidos.

Entre os divertimentos populares dessa pequena cidade da Pensilvânia, está esse, que é, realmente, pitoresco. Em um parque das redondezas, são escondidos cuidadosamente, nos ramos das árvores, nas raízes, na cavidade das pedras, nos montes de folhas e nos tufos de relva, milhares de ovos, que devem ser descobertos pela criançada das escolas. Conduzida, este ano, ao parque, e dado o sinal, a pequenada composta de sete mil colegiais, dispersou-se pela enorme planície arborizada, à procura dos vinte e cinco mil ovos escondidos. E era de ver a algazarra, o tumulto, a alegria bulhenta, com que aquele exército de crianças se lançava em todos os rumos, na ânsia de fazer a maior colheita possível!

O comendador Inocêncio Coutinho havia estado, anteontem, com a sua jovem esposa, D. Odaléa, no conhecido cinema da Avenida, e gozado, em gargalhadas enormes, o interessante episódio de Wilkes Barre, quando resolveu, ontem, reproduzi-lo em família, para afugentar, bonacheirão, o tédio da sua encantadora companheira. Com esse intuito, saiu ele do Banco de que é diretor e, dirigindo-se a uma quitanda das proximidades, adquiriu, aí, três ovos, que escondeu, cuidadosamente acondicionados, no forro do chapéu. Chegado à casa, foi gritando, logo, do vestíbulo:

- Sinhazinha? Ó Sinhazinha? Sinhazinha? Vem cá!

A esposa acorreu, displicente, e o comendador convidou, feliz, num riso largo, ingênuo, bonachão:

- Vamos fazer a "festa dos ovos"? Olha: eu comprei uns ovos, e os escondi, comigo. Se os encontrares, como as crianças do cinema, ganharás um colar novo, de pérolas, para as festas do Rei. Está feito?

Incentivada pela idéia do prêmio, a linda senhora atirou-se, sorrindo, à procura dos objetos que o esposo ocultara. Lépida, risonha, barulhenta como uma colegial, meteu as mãozinhas de neve nos fundos bolsos do marido, remexeu-lhe a bainha da calça, examinou-lhe a manga do casaco, passou, em suma, no comendador, uma revista completa.

E não os achou, a infeliz!...

Fontes:
http://www.biblio.com.br
Imagem =
http://www.oesteinforma.com.br

Antonio Feijó (A Lenda dos Cysnes)


António Joaquim de Castro Feijó (Ponte de Lima, 1 de Junho de 1859 – Estocolmo, 20 de Junho de 1917) foi um poeta e diplomata português.

Fez os estudos liceais em Braga e estudou Direito na Universidade de Coimbra terminando o curso em 1883.

Em 1886 ingressou na carreira diplomática.

Exerceu cargos no Brasil (consulados de Pernambuco e Rio Grande do Sul) e, a partir de 1895, na Suécia, bem como na Noruega e Dinamarca.

Casou em 24 de Setembro de 1900 com a sueca Maria Luisa Carmen Mercedes Joana Lewin (nascida em 19 de Agosto de 1878), cuja morte prematura, em 21 de Setembro de 1915, o viria a influenciar numa temática fúnebre, patente na sua obra

Como poeta, António Feijó é habitualmente ligado ao Parnasianismo.

Principais obras
Transfigurações, 1862
Líricas e Bucólicas, 1884
Cancioneiro Chinês, 1890
Ilha dos Amores, 1897
Bailatas, 1907
Sol de Inverno, 1922
Novas Bailatas, 1926
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O Lago dos Cisnes (pintura de Elisabete Abreu)
À Julio Dantas
Gedulde Dich, stilles, hoffendes Herze! Was Dir im Leben versagt
ist, weil Du es nicht ertragen könntest, giebt Dir der Augenblick
Deines Todes.
Herder.

-
Da praia longinqua, na areia doirada,
O Cysne pensava, fitando a Alvorada:

— «Que immensa ventura, na minha mudez,
Se dado me fôsse cantar uma vez!»

— «Meu canto seria, na luz do arrebol,
Dos hymnos mais altos á gloria do Sol...»

Não é das gaivotas e gansos do lago
O canto que em sonhos ardentes afago;

É quando nos bosques as aves escuto
Que a inveja confrange minh'alma de luto.

Se a Aurora se lança do cume dos montes,
Até d'alegria murmuram as fontes;

Só eu, passeando o meu tedio supremo,
Nem rio, nem choro, nem canto, nem gemo.

Oh Sol, que já vejo surgindo do Mar,
Tem dó de quem, mudo, não pode cantar!»--

E o Cysne, em silencio, chorava, escutando
A orchestra das aves que passam em bando.

Das aguas rompia a quadriga d'Apollo,
E o pobre a cabeça escondia no collo...

Mas Phebo detem-se nas nuvens ao vê-lo,
Com feixes de raios no fulvo cabello,

E diz-lhe, sorrindo, n'um halo de fogo:
— «No Olympo sagrado ouviu-se o teu rogo...»--

E nesse momento a Lyra Sem Par,
Da mão luminosa deixou resvalar...

O Cysne, orgulhoso da graça divina,
Da Lyra d'Apollo as cordas afina,

E rompe cantando... Calaram-se as fontes,
Calaram-se as aves... As urzes dos montes

Tremiam de goso a ouvi-lo cantar...
E o vento sonhava na espuma do Mar.

O Cysne cantava, tirando da Lyra
Um hymno que nunca na terra se ouvira;

Não pára, nem sente, na sua emoção,
Que a vida lhe foge naquella canção.

Mas quando, entre nuvens, a tarde cahia
No enlevo do canto que a essa hora gemia,

E Apollo no seio de Thetis desceu,
O pobre do Cysne, cantando, morreu...

Gemeram as aves; choraram as fontes;
Torceu-se nas hastes a giesta dos montes,

E o mar soluçava na tarde sombria,
Que o manto de luto com astros tecia.

Sollicita espera-o, das aguas á beira,
Do Cysne, já morto, fiel companheira;

Espera que o Esposo de prompto regresse,
Mas treme e suspira, que a Noite já desce...

As aguas luzentes parecem-lhe, ao vê-las,
Um panno d'enterro picado d'estrellas.

Então, no seu luto, sentindo que morre,
Oceanos e praias distantes percorre;

Mergulha nas aguas, colleia nas ondas,
Espreita as galeras de velas redondas,

Que ao longe parece que vão a voar...
E o Cysne não volta, não pode voltar!

Chorosa viuva, nas aguas deslisa,
Levada na fresca salsugem da brisa...

No seu abondono nem sente canseira;
Caminha, caminha, fiel companheira,

Chorando o perdido, desfeito casal...
Tão funda era a mágoa, tão grande o seu mal,

Que o peito sentindo de dor estalar,
— De dor e d'angustia começa a cantar!

E canta com tanta ternura e paixão,
Que a Vida lhe foge naquella canção.

As aves despertam; calaram-se as fontes;
Nas hastes tremiam as urzes dos montes;

A Lua escutava; detinha-se a Aurora,
E as vagas gemiam no vento que chora...

Na terra, no espaço, nos astros, no ceu,
Mais alta harmonia ninguem concebeu;

E os Deuses recebem, ouvindo-a, a chorar,
A alma do Cysne que expira a cantar...

Desde esse momento, no Olympo onde entraram,
Em honra dos Cysnes que tanto se amaram,

Das almas que foram leaes e sinceras,
Se Venus se mostra, surgindo da bruma,
São elles que tiram, nas altas espheras,
A concha de nácar, cercada de espuma...

Fonte:
http://pt.wikisource.org/
Pintura = http://www.elisabeteabreuartes.com

Manuel Botelho de Oliveira (À Ilha de Maré)



Manuel Botelho de Oliveira (Salvador, 1636 — Salvador, 5 de janeiro de 1711) foi um advogado, político e um poeta barroco brasileiro. Foi o primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro publicado.

Cursou Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal. De volta ao Brasil, passou a exercer a advocacia e se elegeu vereador da Câmara de Salvador. Em 1694 tornou-se capitão-mor dos distritos de Papagaio, Rio do Peixe e Gameleira, cargo obtido em função de empréstimo de 22 mil cruzados para a criação da Casa da Moeda, na Bahia.

Manuel Botelho de Oliveira conviveu com Gregório de Matos e versou sobre os temas correntes da poesia de seu tempo.

A sua primeira obra impressa foi Hay amigo para amigo escrita em 1663 e publicada em Coimbra. Sua principal obra é a coletânea de poemas Música do Parnaso, escrita em 1705 e publicado em Lisboa, tornando-o o primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro impresso. Na obra, destaca-se o poema À Ilha Maré, com vocabulário típico dos barrocos, e um dos primeiros a louvar a terra e descrever com esmero a variedade de frutos e legumes brasileiros, lembrando sempre a inveja que fariam às metrópoles européias.
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À ILHA DE MARÉ TERMO DESTA CIDADE DA BAHIA

Jaz oblíqua forma e prolongada
a terra de Maré toda cercada
de Netuno, que tendo o amor constante,
lhe dá muitos abraços por amante,
e botando-lhe os braços dentro dela
a pretende gozar, por ser mui bela.

Nesta assistência tanto a senhoreia,
e tanto a galanteia,
que, do mar, de Maré tem o apelido,
como quem preza o amor de seu querido:
e por gosto das prendas amorosas
fica maré de rosas,
e vivendo nas ânsias sucessivas,
são do amor marés vivas;
e se nas mortas menos a conhece,
maré de saudades lhe parece.

Vista por fora é pouco apetecida,
porque aos olhos por feia é parecida;
porém dentro habitada
é muito bela, muito desejada,
é como a concha tosca e deslustrosa,
que dentro cria a pérola fermosa.

Erguem-se nela outeiros
com soberbas de montes altaneiros,
que os vales por humildes desprezando,
as presunções do Mundo estão mostrando,
e querendo ser príncipes subidos,
ficam os vales a seus pés rendidos.

Por um e outro lado
vários lenhos se vêem no mar salgado;
uns vão buscando da Cidade a via,
outros dela se vão com alegria;
e na desigual ordem
consiste a fermosura na desordem.


Os pobres pescadores em saveiros,
em canoas ligeiros,
fazem com tanto abalo
do trabalho marítimo regalo;
uns as redes estendem,
e vários peixes por pequenos prendem;
que até nos peixes com verdade pura
ser pequeno no Mundo é desventura:
outros no anzol fiados têm
aos míseros peixes enganados,
que sempre da vil isca cobiçosos
perdem a própria vida por gulosos.

Aqui se cria o peixe regalado
com tal sustância, e gosto preparado,
que sem tempero algum para apetite
faz gostoso convite,
e se pode dizer em graça rara
que a mesma natureza os temperara.
Não falta aqui marisco saboroso,
para tirar fastio ao melindroso;
os polvos radiantes,
os lagostins flamantes,
camarões excelentes,
que são dos lagostins pobres parentes;
retrógrados cranguejos,
que formam pés das bocas com festejos,
ostras, que alimentadas
estão nas pedras, onde são geradas;
enfim tanto marisco, em que não falo,
que é vário perrexil para o regalo.

As plantas sempre nela reverdecem,
e nas folhas parecem,
desterrando do Inverno os desfavores,
esmeraldas de Abril em seus verdores,
e delas por adorno apetecido
faz a divina Flora seu vestido.

As fruitas se produzem copiosas,
e são tão deleitosas,
que como junto ao mar o sítio é posto,
lhes dá salgado o mar o sal do gosto.

As canas fertilmente se produzem,
e a tão breve discurso se reduzem,
que, porque crescem muito,
em doze meses lhe sazona o fruito,
e não quer, quando o fruto se deseja,
que sendo velha a cana, fértil seja.

As laranjas da terra
poucas azedas são, antes se encerra
tal doce nestes pomos,
que o tem clarificado nos seus gomos;
mas as de Portugal entre alamedas
são primas dos limões, todas azedas.

Nas que chamam da China
grande sabor se afina,
mais que as da Europa doces, e melhores,
e têm sempre a ventagem de maiores,
e nesta maioria,
como maiores são, têm mais valia.

Os limões não se prezam,
antes por serem muitos se desprezam.
Ah se Holanda os gozara!
Por nenhuma província se trocara.

As cidras amarelas
caindo estão de belas,
e como são inchadas, presumidas,
é bem que estejam pelo chão caídas.

As uvas moscatéis são tão gostosas,
tão raras, tão mimosas;
que se Lisboa as vira, imaginara
que alguém dos seus pomares as furtara;
delas a produção por copiosa
parece milagrosa,
porque dando em um ano duas vezes,
geram dous partos, sempre, em doze meses.

Os melões celebrados
aqui tão docemente são gerados,
que cada qual tanto sabor alenta,
que são feitos de açúcar, e pimenta,
e como sabem bem com mil agrados,
bem se pode dizer que são letrados;
não falo em Valariça, nem Chamusca:
porque todos ofusca
o gosto destes, que esta terra abona
como próprias delícias de Pomona.

As melancias com igual bondade
são de tal qualidade,
que quando docemente nos recreia,
é cada melancia uma colmeia,
e às que tem Portugal lhe dão de rosto
por insulsas abóboras no gosto.

Aqui não faltam figos,
e os solicitam pássaros amigos,
apetitosos de sua doce usura,
porque cria apetites a doçura;
e quando acaso os matam
porque os figos maltratam,
parecem mariposas, que embebidas
na chama alegre, vão perdendo as vidas.

As romãs rubicundas quando abertas
à vista agrados são, à língua ofertas,
são tesouro das fruitas entre afagos,
pois são rubis suaves os seus bagos.

As fruitas quase todas nomeadas
são ao Brasil de Europa trasladadas,
por que tenha o Brasil por mais façanhas
além das próprias fruitas, as estranhas.

E tratando das próprias, os coqueiros,
galhardos e frondosos
criam cocos gostosos;
e andou tão liberal a natureza
que lhes deu por grandeza,
não só para bebida, mas sustento,
o néctar doce, o cândido alimento.

De várias cores são os cajus belos,
uns são vermelhos, outros amarelos,
e como vários são nas várias cores,
também se mostram vários nos sabores;
e criam a castanha,
que é melhor que a de França, Itália, Espanha.

As pitangas fecundas
são na cor rubicundas
e no gosto picante comparadas
são de América ginjas disfarçadas.
As pitombas douradas, se as desejas,
são no gosto melhor do que as cerejas,
e para terem o primor inteiro,
a ventagem lhes levam pelo cheiro.

Os araçazes grandes, ou pequenos,
que na terra se criam mais ou menos
como as pêras de Europa engrandecidas,
com elas variamente parecidas,
de várias castas marmeladas belas.

As bananas no Mundo conhecidas
por fruto e mantimento apetecidas,
que o céu para regalo e passatempo
liberal as concede em todo o tempo,
competem com maçãs, ou baonesas
com peros verdeais ou camoesas.

Também servem de pão aos moradores,
se da farinha faltam os favores;
é conduto também que dá sustento,
como se fosse próprio mantimento;
de sorte que por graça, ou por tributo,
é fruto, é como pão, serve em conduto.

A pimenta elegante
é tanta, tão diversa, e tão picante,
para todo o tempero acomodada,
que é muito aventajada
por fresca e por sadia
à que na Asia se gera, Europa cria.

O mamão por freqüente
se cria vulgarmente,
e não o preza o Mundo,
porque é muito vulgar em ser fecundo.
O marcujá também gostoso e frio
entre as fruitas merece nome e brio;
tem nas pevides mais gostoso agrado,
do que açúcar rosado;
é belo, cordial, e como é mole,
qual suave manjar todo se engole.

Vereis os ananases,
que para rei das fruitas são capazes;
vestem-se de escarlata
com majestade grata,
que para ter do Império a gravidade
logram da croa verde a majestade;
mas quando têm a croa levantada
de picantes espinhos adornada,
nos mostram que entre Reis, entre Rainhas
não há croa no Mundo sem espinhas.

Este pomo celebra toda a gente,
é muito mais que o pêssego excelente,
pois lhe leva aventagem gracioso
por maior, por mais doce, e mais cheiroso.

Além das fruitas, que esta terra cria,
também não faltam outras na Bahia;
a mangava mimosa
salpicada de tintas por fermosa,
tem o cheiro famoso,
como se fora almíscar oloroso;
produze-se no mato
sem querer da cultura o duro trato,
que como em si toda a bondade apura,
não quer dever aos homens a cultura.

Oh que galharda fruita, e soberana
sem ter indústria humana,
e se Jove as tirara dos pomares,
por ambrósia as pusera entre os manjares!

Com a mangava bela a semelhança
do macujé se alcança;
que também se produz no mato inculto
por soberano indulto:
e sem fazer ao mel injusto agravo,
na boca se desfaz qual doce favo.

Outras fruitas dissera, porém, basta
das que tenho descrito a vária casta;
e vamos aos legumes, que plantados
são do Brasil sustentos duplicados:
os mangarás que brancos, ou vermelhos,
são da abundância espelhos;
os cândidos inhames, se não minto,
podem tirar a fome ao mais faminto.

As batatas, que assadas, ou cozidas
são muito apetecidas;
delas se faz a rica batatada
das Bélgicas nações solicitada.

Os carás, que de roxo estão vestidos,
são lóios dos legumes parecidos,
dentro são alvos, cuja cor honesta
se quis cobrir de roxo por modesta.

A mandioca, que Tomé sagrado
deu ao gentio amado,
tem nas raízes a farinha oculta:
que sempre o que é feliz, se dificulta.

E parece que a terra de amorosa
se abraça com seu fruto deleitosa;
dela se faz com tanta atividade
a farinha, que em fácil brevidade
no mesmo dia sem trabalho muito
se arranca, se desfaz, se coze o fruito;
dela se faz também com mais cuidado
o beiju regalado,
que feito tenro por curioso amigo
grande ventagem leva ao pão de trigo.

Os aipins se aparentam
coa mandioca, e tal favor alentam,
que tem qualquer, cozido, ou seja assado,
das castanhas da Europa o mesmo agrado.

O milho, que se planta sem fadigas,
todo o ano nos dá fáceis espigas,
e é tão fecundo em um e em outro filho,
que são mãos liberais as mãos de milho.

O arroz semeado
fertilmente se vê multiplicado;
cale-se de Valença, por estranha
o que tributa a Espanha,
cale-se do Oriente
o que come o gentio, e a lísia gente;
que o do Brasil quando se vê cozido
como tem mais substância, é mais crescido.
Tenho explicado as fruitas e legumes,
que dão a Portugal muitos ciúmes;
tenho recopilado
o que o Brasil contém para invejado,
e para preferir a toda a terra,
em si perfeitos quatro AA encerra.
Tem o primeiro A, nos arvoredos
sempre verdes aos olhos, sempre ledos;
tem o segundo A, nos ares puros
na tempérie agradáveis e seguros;
tem o terceiro A, nas águas frias,
que refrescam o peito, e são sadias;
o quatro A, no açúcar deleitoso,
que é do Mundo o regalo mais mimoso.

São pois os quatro AA por singulares
Arvoredos, Açúcar, Águas, Ares.
Nesta ilha está mui ledo, e mui vistoso
um Engenho famoso,
que quando quis o fado antigamente
era Rei dos engenhos preminente,
e quando Holanda pérfida e nociva
o queimou, renasceu qual Fênix viva.

Aqui se fabricaram três capelas
ditosamente belas,
uma se esmera em fortaleza tanta,
que de abóbada forte se levanta;
da Senhora das Neves se apelida,
renovando a piedade esclarecida,
quando em devoto sonho se viu posto
o nevado candor no mês de agosto.

Outra capela vemos fabricada,
A Xavier ilustre dedicada,
que o Maldonado Pároco entendido
este edifício fez agradecido
a Xavier, que foi em sacro alento
glória da Igreja, do Japão portento.

Outra capela aqui se reconhece,
cujo nome a engrandece,
pois se dedica à Conceição sagrada
da Virgem pura sempre imaculada,
que foi por singular e mais fermosa
sem manchas lua, sem espinhos rosa.

Esta Ilha de Maré, ou de alegria,
que é termo da Bahia,
tem quase tudo quanto o Brasil todo,
que de todo o Brasil é breve apodo;
e se algum-tempo Citeréia a achara,
por esta sua Chipre desprezara,
porém tem com Maria verdadeira
outra Vênus melhor por padroeira.

Fontes:
http://pt.wikisource.org/
Imagem = http://seletun.blogspot.com/

Humberto de Campos (O Poliglota)

Achava-se Emílio de Menezes em uma roda da Pascoal, quando chegou um amigo e apresentou-lhe um rapaz que vinha em sua companhia:

— Apresento-te Fulano; é nosso patrício e tem corrido o mundo inteiro. Fala corretamente o inglês, o francês, o italiano, o espanhol, o alemão.

O rapaz sorria, modesto, ante os elogios e a palestra voltou ao que era. Ao fim de uma hora, durante a qual apenas proferiu alguns monossílabos, o viajante despediu-se, e se foi embora.

— Que tal esse camarada? — perguntou a Emílio um dos da roda.

— Inteligentíssimo e, sobretudo, muito criterioso, — opinou o rei dos boêmios.

— Mas, ele não disse palavra.

— Pois, por isso mesmo, — tornou Emílio.

E rindo:

— Você não acha que é ter talento saber ficar calado em seis línguas diferentes?

Fonte:
CAMPOS, Humberto de. Brasil Anedótico. http://www.dominiopublico.gov.br

Carlos Drummond de Andrade (Recalcitrante)


O trocador olhou, viu, não aprovou. Daquele passageiro, escanchado placidamente no banco lateral, escorria um fio de água que ia compondo, no piso do ônibus, a microfigura de uma piscina.

- Ei, moço, quer fazer o favor de levantar?

O moço (pois ostentava barba e cabeleira amazônica, sinais indiscutíveis de mocidade), nem-te-ligo.

O trocador esfregou as mãos no rosto, em gesto de enfado e desânimo, diante de situação tantas vezes enfrentada, e murmurou:

- Estes caras são de morte.

Devia estar pensando: todo ano a mesma coisa. Chegando o verão, chegam os problemas. Bem disse o Dario, quando fazia gol no Atlético: problemática demais. Estava cansado de advertir passageiros que não aprendem viajar no coletivo. Não aprendem e não querem aprender. Tendocomprado passagem por 65 centavos, acham que compraram o ônibus e podem fazer dele casa-da-peste. Mas insistiu:

- Moço! O moço!

Nada. Dormia? Olhos abertos, pernas cabeludas, ocupando cada vez mais espaço, ouvia e não respondia. Era preciso tomar providência.

- O senhor aí, cavalheiro, quer cutucar o braço do distinto, pra ele me prestar atenção?

O cavalheiro, vê lá se ia se meter numa dessas. Ignorou, olímpico, a marcha do caso terrestre.

Embora sem surpresa, o cobrador coçou a cabeça. Sabia de experiência própria que passageiro nenhum quer entrar numa fria. Ficam de camarote, espiando o circo pegar fogo. Teve pois que sair de seu trono, pobre trono de trocador, fazendo a difícil ginástica de sempre. Bateu no ombro do rapaz:

- Vamos levantar?

O outro mal olhou para ele, do longe de sua distância espiritual. Insistiu:

- Como é, não levanta?

- Estou bem aqui.

- Eu sei, mas é preciso levantar.

- Levantar pra quê?

- Pra que, não. Por quê. Seu calção está molhado de água do mar.

- Tem certeza que é água do mar?

- Tá na cara.

- Como tá na cara? Analisou?

Ferrou-se de paciência para responder:

- Olha, o senhor está de calção de banho, o senhor veio da praia, que água pode essa que está pingando se não for água do mar? Só se...

- Se o quê?

- Nada.

- Vamos, diz o que pensou.

- Não pensei nada. Digo que o senhor tem que levantar porque seu calção está ensopado e vai fazendo uma lagoa aí embaixo.

- E daí?

- Daí, que é proibido.

- Proibido suar?

- Claro que não.

- Pois eu estou suando, sabe? Não posso suar sentado, com esse calorão de janeiro? Tenho que suar de pé?

- Nunca vi suar tanto na minha vida. Desculpe, mas a portaria não permite.

- Que portaria?

- Aquela pregada ali, não está vendo? "O passageiro, ainda que com roupa sobre as vestes de banho molhadas, somente poderá viajar de pé."

- Portaria nenhuma diz que passageiro suado tem que viajar de pé. Papo findo, tá bom?

- O senhor está desrespeitando a portaria e eu tenho que convidar o senhor a descer do ônibus.

- Eu, descer porque estou suado? Sem essa.

- O ônibus vai parar e eu chamo a polícia.

- A polícia vai me prender porque estou suando?

- Vai botar o senhor pra fora porque é um... recalcitrante.

O passageiro pulou, transfigurado: - O quê? Repita, se for capaz.

- Re... calcitrante.

- Te quebro a cara, ouviu? Não admito que ninguém me insulte!

- Eu? Não insultei.

- Insultou, sim. Me chamou de réu. Réu não sei o quê, calcitrante, sei lá o que é isso. Retira a expressão, ou lá vai bolacha.

- Mas é a portaria! A portaria é que diz que o recalcitrante...

- Não tenho nada com a portaria. Tenho é com você, seu cretino. Retira já a expressão, ou...

Retira, não retira, o ônibus chegou ao meu destino e eu paro infalivelmente no meu destino. Fiquei sem saber que conseqüências físicas e outras teve o emprego da palavra "recalcitrante".

Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond de- De Notícias & Não-Notícias Faz-se a Crônica -RJ: José Olympio, 1975.

Os escritores de hoje acham que literatura é só contar uma história, e não é



Eu acho que não são os tempos mais ricos que o Brasil já teve, em termos de qualidade. O país já teve Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos... Por outro lado, hoje existe um mercado editorial muito sólido, cada vez chegando a mais pessoas, inclusive fazendo livros de bolso, de banca, publicando mais e mais livros por ano... Acho também que há bons escritores, que muitas vezes não recebem a devida divulgação”. Essa é a opinião sobre literatura contemporânea do jornalista Daniel Piza, que esteve em Sorocaba no dia 30 de outubro, quando proferiu a palestra “Machado de Assis - Um Gênio Brasileiro”.

Daniel faz questão de destacar o trabalho de Milton Hatum, autor de “Dois Irmãos”. “Esse é um dos maiores livros publicados nos últimos 15, 20 anos. Também quero ressaltar o trabalho de Carpinejar, que é o melhor poeta de sua geração. E mesmo fora da ficção, do romance, da poesia, você tem grandes historiadores e ensaístas, como o Elio Gáspari, o Ruy Castro... É um momento bom, mas tem de ser lido com a devida serenidade”.

Para ele, a internet veio para acrescentar. “Qualquer coisa relacionada ao mundo da informação está lá, na internet. Mais do que nunca, hoje em dia, e graças a Deus! Quem não gosta de informação é ditador. A primeira coisa que o ditador faz é controlar a informação. A informação está lá e eu celebro isso, evidentemente, mas a grande questão nossa é o que fazer com essa informação”, reflete.

A literatura na internet, conforme Piza, está aumentando. “Tem blogs, muitas obras disponíveis graças à tecnologia dos livros digitais, que está melhorando, e isso não significa que veio acabar com o livro e sim vem acrescentar ao livro. Tem sites de jornais, enfim, muita coisa que dá força para a literatura. Na escola, os professores têm de ajudar os alunos a distinguir o que é uma boa informação, como trabalhar essa informação, contextualizar, debater”.

Ainda de acordo com o jornalista, a reportagem que incorpora recursos literários é uma coisa que tem reaparecido no Brasil nos últimos tempos. “Seja em jornais como o Estadão, revistas como a Piauí, ou ainda livros-reportagem”, afirma. Apesar disso, para ele ainda há uma falha no que se refere ao jornalismo sobre a literatura. “Esse tipo de reportagem perdeu espaço, acredito que pela guerra que existe entre outras áreas como o cinema e a música, que chamam mais a atenção do que a literatura. A crítica ou o debate em torno dos livros, e a sua própria divulgação, como matérias sobre os escritores e reportagens sobre as tendências literárias brasileiras são poucas. Temos bons escritores não conhecidos e temos muitos escritores conhecidos que não são bons”, diz.

Sobre a contemporaneidade na obra de Machado de Assis, Daniel Piza observa que existe muita coisa. “A criatividade verbal dele, com seu texto que mistura humor, filosofia, romance e milhões de recursos lingüísticos, acho que é muito atual, e principalmente pelo que ele diz, literalmente. O Machado tem a bossa da ilegalidade. Ele sempre teve a visão que o Brasil não tem de se dividir entre dois projetos, o europeu e o americano, que o país tem de encontrar o seu próprio caminho como nação”, reflete.

Piza ainda ressalta que a obra de Machado tem uma inquietude muito grande. “Os escritores de hoje acham que literatura é só contar uma história, e não é. Tem de colocar a reflexão filosófica e existencial da época. Dom Casmurro, por exemplo, não é apenas o relato de um suposto adultério. Essa obra reflete o mundo na psicologia de um homem chamado Bentinho e de uma mulher chamada Capitu, com uma profundidade intelectual. Essa inquietude filosófica de Machado é uma coisa que está faltando na literatura de hoje”.

Fonte:
Reportagem de Daniel Jacinto para o Caderno de Domingo do Jornal O Cruzeiro do Sul, pag.2. 16 de novembro. http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=86&id=136902

Secretário da Cultura de Sorocaba, Anderson Santos, quer contagiar mais os escritores sorocabanos na próxima edição

Anderson Santos e Ziraldo na Expo-Literária
Aproximadamente 13.700 pessoas passaram pela Expo Literária, conforme informações do secretário de Cultura Anderson Santos. Esta segunda edição do evento contou com 48 atrações, entre bate-papo com escritores, contação de histórias, palestras e recreações, resultado do investimento de R$ 135 mil. Pela estrutura montada em frente à Biblioteca Municipal de Sorocaba, com tendas e estandes, já dava para notar o crescimento do evento. Com relação à divulgação dos autores, somente o escritor Laé de Souza vendeu 8 mil livros, número alto, mas deve-se levar em conta que as obras custavam apenas R$ 1. Mais modesto foi o resultado da venda de livros dos autores sorocabanos: 80. Vale lembrar que a participação dos escritores locais ainda foi tímida. Em apenas uma mesa couberam as obras dos sorocabanos, que totalizaram cerca de 40 autores (incluindo o estande da equipe Sorocult - site de escritores).

Anderson Santos avalia a segunda edição da Expo Literária de forma positiva, enquanto construção de processo. “Se for considerar o público, conseguimos uma maior participação, tanto no que se refere à segmentação e direcionamento também. Tivemos um aproveitamento maior em termos numéricos e de qualidade. Sei que temos muito ainda para consertar, por isso vamos sentar com os autores sorocabanos para ver como alavancar a venda deles, dar um destaque maior para suas obras, mas acho que estamos no caminho certo”, afirma.

Para Anderson, o intercâmbio com autores consagrados foi interessante pois estes acabam trazendo seus fãs para a mostra e, estando naquele espaço, o público pode também conhecer os valores locais. “Valeu a pena. Inclusive no que se refere ao aproveitamento. Durante as palestras, as perguntas eram totalmente pertinentes, dava para perceber que tratava-se de um público que tinha conhecimento sobre o autor. Também conversei com todos os palestrantes, e eles saíram impressionados com a participação, em termos de pergunta, abordagem”, destaca.

O secretário também comentou sobre o crescimento do evento: a primeira edição da Expo Literária foi menor e menos expressiva, conforme Anderson, pela falta de experiência nessa área. “Nunca tínhamos organizado nada nesse sentido. Então agora, para este ano, conseguimos incrementar mais, fizemos parceria com a Secretaria de Educação, que participou com seus projetos. Mas deu para perceber que no ano que vem terá de crescer ainda mais em termos de estrutura, pois tinha gente sentada no chão”.

Melhorias

Entre os pontos que o secretário Anderson Santos pretende melhorar para o próximo ano, está o desejo de contagiar mais os escritores sorocabanos. “Temos muito mais que 40 autores na cidade, agora qual seria o meio para contagiarmos? Será que estamos fazendo a comunicação correta? Não sei. Sei que estamos convidando para participar, que chamamos todas as entidades representativas de escritores e pessoas envolvidas com a literatura em Sorocaba... A participação foi boa, mas poderia ser melhor. Minha pergunta para os autores é o que temos de melhorar? Então um pensamento que tenho para o ano que vem é manter a qualidade de palestrantes e público, e incentivar ainda mais o escritor sorocabano”.

Anderson também pretende, para 2009, aumentar o número de oficinas e criar ambientes voltados para a leitura. “Para a pessoa comprar o livro e ler ali mesmo. Então a idéia é criar um oásis de leitura, com sofá, almofada e tapetão”.

De acordo com o secretário, foi oferecido para todas as instituições de cunho social e não-comerciais um estande gratuito para a divulgação de seus trabalhos. Já as editoras que comercializam livros alugaram o espaço. Também os escritores locais ganharam um estande para exposição e venda de suas obras.

Sobre a distribuição dos convites para as palestras dos escritores renomados, eles ficaram restritos a uma minoria, pois a maioria do público não sabia como retirar. “Abrimos agendamento através de telefone e ainda mandamos convites para as escolas”, explica o secretário, que pretende melhorar também nesse item, para o próximo ano.

Esta edição da Expo Literária contou com grande participação de estudantes, mas o público em geral, que trabalha durante a semana, só teve a parte da noite ou o sábado para prestigiar. “Esse é um evento que se destina ao incentivo à leitura, voltado principalmente à criança alfabetizada e ao jovem, mas abrimos agendamento para a cidade toda. O que pode ser feito é ampliar para sábado e domingo, para o público em geral poder participar mais”, esclarece.

A curadoria do evento esteve a cargo da equipe das secretarias de Cultura e Educação, através de seus respectivos secretários, Anderson Santos e Maria Teresinha Del Cistia, e funcionários Margarete Moreno Silveira, Eduardo Egea, Valderez Luci Moreira Soares, Tânia Kalil e Paulo de Tarso, além das entidades representativas dos escritores de Sorocaba.

Fonte:
Reportagem de Daniela Jacinto.
Jornal O Cruzeiro do Sul. Caderno de Domingo. pag. 4. Dia 16 de novembro. http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=86&id=136907

Drogaria São Paulo Incentiva a Leitura



Unidades da rede oferecem espaço para os funcionários adquirirem cultura e conhecimento

Preocupada com a formação de seus funcionários, a Drogaria São Paulo disponibiliza espaços que agregam lazer e cultura. Trata-se das bibliotecas instaladas nas dependências de suas filiais.

A iniciativa partiu da diretoria observando um grupo de colaboradores adeptos da leitura, que se reuniam no depósito da matriz e pediam a doação de livros para os novos participantes. A idéia se expandiu e atualmente em cada loja existe um local especifico e um funcionário responsável pelo gerenciamento dos livros.

Cada unidade conta com acervos de 200 a 1.200 livros e jornais de grande circulação nacional diários. Esse número cresce a cada ano com o investimento da empresa em novos títulos sugeridos por funcionários e pelas doações contínuas.

A Drogaria São Paulo acredita que com esse investimento em treinamento e informação, proporciona lazer e cultura, facilitando a formação humana e profissional de seus colaboradores.

Com 65 anos de atuação, a Drogaria São Paulo é líder no mercado de drogarias do País com mais de 230 unidades distribuídas em mais de 48 municípios. Foi pioneira na implantação de farmácias 24 horas no Brasil e, hoje, cerca de 4,2 milhões de pessoas são atendidas em suas lojas mensalmente.

Fonte:
Douglas Lara.
http://www.vejosaojose.com.br/sorocabadiaenoite.htm

África com amor e raiva, segundo Mia Couto e Paulina Chiziane


Dois grandes autores, Mia Couto e Paulina Chiziane, que tinham 20 anos quando foi conquistada a independência de Moçambique, analisam a situação atual do país

A figura de uma mulher negra, de impenetráveis olhos azuis, dominou a quarta edição da Festa Literária de Porto de Galinhas (Fliporto), dedicada este ano à cultura africana e encerrada no último domingo no balneário pernambucano. Discreta, tentava circular sem ser notada, mas os jornalistas não lhe davam trégua. Afinal, trata-se da primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, Paulina Chiziane, nascida há 53 anos em Manjacaze, na província de Gaza, criada no subúrbio de Maputo e com um livro publicado aqui, em 2004, pela Companhia das Letras, Niketche - Uma História de Poligamia.

Ao lado do escritor Mia Couto, também entrevistado nesta edição do Cultura, Paulina representa o que há de melhor na literatura africana hoje. Ambos, de fato, se complementam e têm opiniões convergentes sobre a estagnação da cultura moçambicana por força de uma crise de identidade que levou africanos a virar agentes da sua colonização. Há, segundo Mia Couto, um certo racismo, ou uma certa hierarquia eurocêntrica que faz os escritores africanos serem colocados à sombra, impedindo que o resto do mundo saiba o que se passa no continente, assumido por seus intelectuais com um sentimento confuso de amor e raiva.

Tanto em Paulina Chiziane como em Mia Couto nota-se certo desânimo pelos rumos que tomou a história de Moçambique desde a declaração de sua independência, em 1975. O escritor considera que o país perdeu sua capacidade de resistência e que nem a língua nem a cultura portuguesa ajudaram a criar uma identidade para os moçambicanos, que se voltam cada vez mais , negros e brancos, para as tradições e os mitos arcaicos. A África não se questiona mais, “perdeu o sentido crítico de se avaliar”, diz Mia Couto, seguindo em coro por Paulina Chiziane, assustada com a retromania que empurra Moçambique de volta ao passado.

Ambos, Mia Couto e Paulina, tinham 20 anos quando Moçambique se tornou independente. Havia, então, a esperança de uma verdadeira revolução que livrasse o país do atraso e do tacão colonialista. Algo mudou, de fato, e hoje a democracia garante direitos fundamentais como a liberdade de culto - reprimida até pelos revolucionários liderados pelo socialista Samora Machel, que viam as religiões africanas como sinal de obscurantismo. De qualquer modo, nem Mia nem Paulina imaginam suas vidas fora de Moçambique. Estão presos ao país como abelhas numa colméia, condenados a agir não só como escritores - Mia desenvolve estudos de impacto ambiental e Paulina colabora com organizações não-governamentais em projetos de promoção social da mulher, além de ter trabalhado para a Cruz Vermelha durante a guerra civil.

Ainda há muito a fazer numa sociedade que reprime as mulheres”, diz Paulina, que acabou de lançar, pela editora Caminho, O Alegre Canto da Perdiz, justamente a história de uma mulher negra dividida entre dois mundos, o africano e europeu, por conta de uma paixão que lhe daria um filho mulato “para aliviar o negro de sua pele como quem alivia as roupas de luto”. Essa corrida ansiosa atrás do caucasiano é também explicada pela discriminação que a mulher negra sofre em sociedades patriarcais de Moçambique, mais concentradas na província da qual Paulina é oriunda. Lá, uma mulher, além de lavar e cozinhar, deve servir o marido de joelhos e largar tudo o que está fazendo quando este a chama.

Reconheço que meus temas não são fáceis, pois trago para a literatura assuntos incômodos, como as conseqüências da poligamia e a prática da feitiçaria na África.” Como os africanos conseguem gerir essa dualidade, de cultivar mitos arcaicos e coexistir com o mundo laico, globalizado? “Esse é justamente o tema de meu livro O Sétimo Juramento, em que conto como os africanos, brancos e negros, em momentos de desgraça, recorrem não aos santos cristãos cultuados pelos padres portugueses, mas a entidades de cultos ancestrais pagãos.” No livro, o protagonista, David, é um guerrilheiro que, após a declaração de independência, vira diretor de uma fábrica, recorrendo à magia negra para resolver seus problemas.

Nos livros de Paulina, nada é o que parece ser. Em Niketche, um oficial de polícia vive à margem da lei, mantendo relações com outras quatro mulheres além da sua, Rami, que, após 20 anos de casamento, descobre ser o marido polígamo. A escritora nega ter a narrativa uma proposta moralizante por pintar o policial, Tony, como pai ausente e marido negligente. Paulina diz que não é feminista. Apenas retratou o que vê em suas andanças por Moçambique: homens espancando mulheres e abandonando filhos à própria sorte. “Com a disseminação da doutrina islâmica, a poligamia cresceu no norte do país e trouxe em sua esteira conflitos com a cultura portuguesa, monogâmica, e as sociedades secretas de feitiçaria, já combatidas pelos revolucionários, que queimavam objetos de culto.” E o que pedem essas pessoas aos orixás? “Coisas básicas, como pão, paz e chuva.

Falar do futuro de crianças dessa nova raça de pais incógnitos, “que terão de fuçar a sua identidade nas raízes da História”, observa, não é uma tarefa fácil. “A guerra acabou, passou o momento épico da revolução e cresceu a criminalidade, o desemprego e a fome” , diz, comentando a emergência de uma elite desinformada e irresponsável em Moçambique. É possível entender o desânimo de Paulina, que viu seu país destruído durante a guerra civil e acompanhou a tragédia cotidiana de seres tão magros “que não se distinguia entre eles homens e mulheres”. Ela sobreviveu para contar a história, escapando por pouco de voar pelos ares, como outra mulher com quem conversava, mutilada por uma mina terrestre. Por tudo isso, ela estranhou o clima de festa da Fliporto, que reuniu este ano 161 escritores. “Para mim, é uma coisa nova um ambiente em que se fala de cultura de forma tão agradável.”

Fontes:
Reportagem de Antonio Gonçalves Filho para o Jornal O Estado de São Paulo, no Caderno 2 de 16 de novembro de 2008.
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

Sandra M. Júlio (Em Tuas Mãos…)

Em tuas mãos adormecem desejos,
Matizando a névoa de cada sonho
Por onde derramas teu sorriso.
Em tuas mãos desdobram-se os sentidos,
Tingindo de magia a realidade desabitada
Pelos sussurros das tuas digitais.
Em tuas mãos a concordância das horas
Acetina segredos, malícias e mistérios
Vedados aos olhares de cada poema.
Em tuas mãos horizontes definindo auroras,
Torneando melodias, acolhendo sorrisos, tímidos
Silêncios debruçados em lençóis carentes.
Em tuas mãos a brisa mapeia fantasias,
Vestindo de versos e rimas a pena com que
A noite escreve a nossa história.
Em tuas mãos o futuro, pretérita presença,
Brincando a realidade que nos separa
Nas cotidianas paralelas desta vida.
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Dados sobre a autora: postagem em 02 de abril de 2008
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Fonte:
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece

Zhang Weimin


Zhang Weimin. Durante dez anos, traduziu 'Os Lusíadas' para mandarim. Residente em Portugal, tem a seu cargo o acervo bibliográfico em língua chinesa da Fundação Oriente, onde acaba de ministrar um 'workshop' de caligrafia. Por vezes é intérprete oficial. Fala de Camões com admiração

Chama-se Zhang Weimin, nasceu em Pequim, na República Popular da China, e chegou a Portugal, em 1988, como bolseiro de investigação do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa para o estudo e tradução d'Os Lusíadas. A versão em mandarim acabou por ser publicada, em 1995, na China. Tem, desde 2002, a responsabilidade de tratamento do acervo bibliográfico da Fundação Oriente, onde há bem pouco tempo ministrou um curso de caligrafia chinesa. Fala de Camões com admiração e pertence a este país que não lhe pertence, do seu tem saudades amargas. Dir-se-ia um exilado de si próprio.

A tradução foi realizada num tempo em que o computador não era instrumento de trabalho comum e nem existia a teia de aranha da Net. Apesar de parecer impossível, vivia-se sem esses recursos. Zhang Weimin foi, por isso, trabalhando o texto palavra a palavra, página a página. Traduziu-o com a devoção paciente dos monges copistas, no silêncio dos calígrafos.

Leu e releu Os Lusíadas, trabalhou até às 04.00 da manhã. Quis sentir a história, tentou perceber o que o poeta quis expressar. Havia lido João de Barros, Gil Vicente, Pessoa (que traduziu) e, por ser conhecedor da literatura chinesa antiga, não estranhou o mundo que Camões, cantador de um universo conhecido e por conhecer, nos revelou na sua epopeia de navegadores e conquistadores, heróis de feitos imortais.

"Os Lusíadas contam histórias. E não pode ler-se a obra sem o contexto da época. Há uma lógica que não só deve ser entendida como respeitada. O tradutor não pode inventar", diz, veemente. Para Zhang Weimin, "Camões era um génio e a sua cabeça uma enciclopédia." Conhecia tudo, da geografia à história e à mitologia. Ele que desejava a passagem da barbárie à civilização. Da tormenta à esperança.

"Se o tradutor é um criador, o leitor decidi--lo-á", sublinha. São universos muito distintos, os da língua portuguesa e chinesa: "O resultado final nunca será o de um texto igual. A partir das ideias, da elegância poética, tive de encontrar uma forma possível para dar a conhecer a obra em mandarim. Havia que fazer chegar à China "o canto camoniano integrado no património da grande literatura mundial".

Para além de ter traduzido nove mil versos, desde "As armas e os barões assinalados" até "Sem à dita de Achiles ter enveja", escreveu 880 notas sobre mitologia greco-latina, geografia e história que permitem ao leitor uma melhor e mais adequada compreensão do texto. Foram quase dez anos de trabalho contínuo que levaram Os Lusíadas ao público chinês, amante do mitológico e do romântico "caminho tão árduo, longo e vário"....

Se, no início do trabalho, Zhang Weimin pretendia transmitir a imagem dos portugueses "cavalheiros e aventureiros", a mensagem de amor à Pátria e do humanismo que atravessa a obra, acabou por apaixonar-se pela beleza poética dos versos e tentou vertê-la para mandarim.

"Como a nossa língua é poética, fui pela correspondência dos sons, pela ginástica dos quatro tons do chinês mandarim. Encontrei uma estrutura de onze caracteres em cada verso, às vezes dez ou doze." Transmitir a poética e o significado do texto foi tão importante como perceber a contextualização histórico-mitológica.

Para isso valeu-lhe o conhecimento da civilização chinesa antiga, que , mais do que uma filosofia, possui uma sagesse. Ao ensinar a caligrafia, Zhang Weimin vai, lentamente, contando histórias guardadas pelos antigos. Afinal, escreveu-se, em tempo idos, nas carapaças das tartarugas, na pele dos animais, nas folhas das árvores, em madeira, bambu ou metal. E assim faz quando está só. Esquecendo-se de que existe, entrando na noite dos tempos, ausente de si.

Fonte:
Reportagem de Ana Marques Gastão para o Diário de Notícias de Portugal
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

Expressões Regionais do Estado da Bahia



A FACÃO - Algo feito na marra (ver também na mão grande)
A MIGUÉ - À vontade, de forma esculhambada
ABRIRAM A PORTA DO CEMITÉRIO! - Lá vem mulher feia!
ABRIR O GÁS - Se mandar, ir embora
ABAIXAR O MEALHEIRO - Soltar grana, liberar dinheiro
AFF! - Puxa vida!
AFITIM - Cheiro de algo que começa a ficar podre
ALEIVE - Mentira, absurdo (ê aleive!)
ALFERES - Puxa-puxa (nome correto; alféloa)
ARERÊ - Confusão, agito
ARENGUEIRO - Que procura confusão
ARABACA - Carro velho
ARMENGUE - Improviso, gambiarra; pessoa ou coisa feia, mal ajambrada
AZURETADO - Invocado
AZUADO - Perturbado
AZAR BUTICÃO - Tomara que você erre (azar buticão que dê em sua mão!)
AVIONADO - Disparado, correndo muito
BAGANEIRO - Atacadista do interior que vende nas feiras da capital
BADOGUEIRA - Mulher feia (ver também jaburu)
BADOGUE - Atiradeira
BADAMEIRO - Pessoa que vive de catar coisas no lixo
BACURI/BACURIM - Criança recém-nascida; filho
BACIO - Penico
BABATAR - Querer pegar em algo e não conseguir
BAHIA/BAHÊA - Cara (Ô bahêa, quanto é isso aqui?)
BAGUNHAR - Segurar firme; tomar algo na raça
BAGO MOLE - Lento (pessoa)
BATER A CAÇULETA - Morrer
BARRUFAR - Assoprar com a boca cheia de água
BANHA-DE-CACAU - Manteiga de cacau
BANDA-VOOU - Cuca fresca, pessoa largada; quem topa tudo
BIRIBANO - Pivete, moleque
BIBIANO - Lamparina, candeeiro
BEINHO - Benzinho
BOCA-DE-TRAVE - Pessoa sem os incisivos superiores
BISAGA - Dobradiça
BOCAPIU - Sacola de palha; recomendação para ficar de boca fechada ao saber de um segredo
BODOSO - Mal cheiroso, sujo
BOIADO - Cansado
BOLODÓRIO - Confusão; conversa fiada
BORIMBORA - Vamos embora
BOZENGA - Mulher feia, de baixo astral
BRAU - Cafona; de mau gosto
BREADO - Sujo
BRÔCO - Desorientado, desordenado; velho esclerótico
BODUM - Fedor
BUFENTO - Empoeirado (tecido de cor escura quando vai perdendo a cor ou recebe poeira)
BUJÃO - Gordinha das ancas largas
BURUCUTU - Aí então, dessa forma (Eu tava correndo e aí, burucutu, caí)
CABELO-DE-ARAPUÃ - Cabelo assanhado, desgrenhado
CABELO NINHO-DE-QUEREQUECHÉ - Cabelo desgrenhado
CABORÉ - Bule de café de barro
CABO-VERDE - Negro de cabelo fino ou liso
CAÇÃO - Pipa grande
CAIR CACAU - Chover
CALANGO VERDE - Soldado do exército
CALIFOM - Sutiã
CANGANCHA - Confusão
CANGUINHA - Pão-duro
CAROARA - Tremedeira nas pernas; medo
CERCA-LOURENÇO - Frescura, nove-horas, complicação (Esse cara tá cheio de cerca-lourenço!) CHAMAR RAUL - Vomitar
CHIBUNGO - Sacana; bicha
CHIEIRO - Que reclama de tudo, que enche o saco
CHIMANGO - Biscoitinho de vento
DE CAJU EM CAJU - Uma vez ou outra
DE HOJE A OITO - Semana que vem
DE HOJE A QUINZE - Daqui a quinze dias
DENTE QUEIRO - Dente siso
DESCALQUEADO - Sem planos
DESPINGUELADO - Rápido; desarrumado; acabado
DESPONGAR - Descer do ônibus, do trem ou do bonde
DOR DE FACÃO - Dor no baço (depois de algum esforço físico)
DOR DE VIÚVA - Choque com o cotovelo
EMPRENHAR-SE PELO OUVIDO - Dar ouvido a fofocas
ENGRISILHA - Rolo, coisa enrolada, confusão
ENROLADO NO XALE DA DOIDA - Cheio de coisas pra fazer e confuso (Nico Barão vive enrolado no xale da doida)
ESBUGUELADO - Estragado, arrebentado; arregalado (olho)
ESCALIFADO - estragado
ESPÍRITO-SANTO-DE-ORELHA - Leva-recados, fofoqueiro
FAZER NERO - Fazer touca no cabelo
FIFÓ - Lamparina
FITIFIU - Assovio
FONHÉM - Pessoa fanha, fanhoso
FOVEIRO - Desbotado, esmaecido
FULINHA - Calendário, folhinha
GABIRU - Caipira, gente da roça
GAIVA - Papo furado
GALUPIM - Tênis (sapato)
HÉURIS - Cara (Qual é, meu héuris?)
INJIADO - Enrugado (com pregas nos dedos por ficar muito tempo na água)
INHACA - Cheiro ruim do sovaco
JÓQUEI DE CABRITO - Pessoa de baixa estatura
JANTE - Roda (de carro)
LUTRIDO - Ousado, metido
LESEIRA - Preguiça
LEVAR UM CHEPO - Levar um fora
LEXÉU - Carro em mau estado; algo esculhambado
MUNGUNZÁ - Canjica (de milho branco)
MADORNA - Sesta
MALINO (MENINO) - Menino perturbado, que mexe em tudo
MANDU - Problema, confusão (Resolva seu mandu)
MANGANGÃO - Autoridade; manda-chuva
MICARETA - Micareme, carnaval fora de época
MOCOFOIADO - Escondido
MOCOTÓ-MÓVEL - A pé (Fui de mocotó-móvel)
MONDRONGO - Coisa mal feita, de acabamento Ruim; pessoa feia
MOSSA - Amassado de carro (ou de lata)
MUVUCA - Festa de última hora, improvisada
NA BISTUNTA - Acerto feito sem regras determinadas; orçamento de obra feito sem medição
NÃO FAZER “O” COM O COPO - Não saber ler nem escrever
NARIZ-DE-CERA - Cara que conversa fiado, enrolador
OBRA DE SANTA INGRÁCIA - Trabalho que rende, que demora de acabar
OREBA - Otário
OXENTE - Puxa!, Qual é?, Que é isso?
ÔXE! - Puxa!, Qual é?, Que é isso?
PACUÇU - Mulher feia
PAINHO/MAINHA/VOINHO/VOINHA - Pai / mãe / vô / vó
PANACUM - Cesto de cipó com alças
PÃO-DONZELO - Pão sem manteiga
PATACHO - Relógio
PATAPATA - Escova de cabelo (daquelas que se enfia o dedinho e se carrega no bolso)
PATULÉIA - Povão, ralé, plebe
PEGUENTO - Pessoa pegajosa; criança dengosa; grude
PERCATA - Sandália
PIAU - Cabeleira “black power”
POMBA LERDA - Lento, bobo
PUCUMÃ - Teia de aranha; sujeira no teto
PUNÇA - Esponja de passar pó-de-arroz
QUAL É, MEU REI? - Qual é, cara?
QUEIXADA DE TEIÚ - Pessoa de maxilar inferior quadrado
QUENGA - Mulher feia; caso de alguém; prostituta
RUMA - Um monte
SACRISTA - Sacana
SALABESQÜETE - Largado, esculhambado
SALITRE - Maresia
SANGUE-DE-ARATANHA - Cara que dá azar, alguém de maus fluidos
SAQÜEBA - Sacana
SIBITE - Antipático, metido
SORETE - Tranquilo, numa boa
TABACUDO - Caipira, jeca
TÁ REBORÉ PIRIPIRI! - Pode crer!
TÁ NA JANTE (PNEU) - Tá gasto, tá careca
TÁ DE CALUNDU - Tá zangado, na bronca
TABAROA - Mulher caipira
TIRAR UMA FILIPETA - Gozar com a cara de alguém
TRETA / TREITA - Malandragem, safadeza (Aí tem treta!)
UZEIRO E VEZEIRO - Acostumado (Fulano é uzeiro e vezeiro em fazer isso!)
VIXE MARIA! - Virgem Maria!
VIRADO NO CÃO - Muito louco da vida
XUITE - Interruptor
XUETAR - Gozar, fazer pouco caso

Observação: Este dicionário, elaborado por Nivaldo Lariú é muito extenso. Para maior conhecimento dele, veja o site abaixo.

Fonte:
Nivaldo Lariú. Dicionário do Baianês.

O Estado da Bahia



A história da Bahia é um domínio de estudos de história que se estende desde a chegada dos portugueses, em Porto Seguro, em 1500, até os dias atuais.

Local de chegada dos primeiros portugueses ao Brasil no ano de 1500, a região do que viria a ser o estado da Bahia começou a ser povoada na primeira metade do século XVI. Através da exploração do território, se descobriu a existência do pau-brasil, essa matéria-prima passou a ser largamente explorada, atraindo desde comerciantes portugueses a contrabandistas europeus, em especial, os franceses. Várias outras explorações ocorreram, a partir daí, chegando lentamente portugueses com interesses nas novas terras.

Gradualmente, o território baiano atual foi colonizado, povoado e conquistado por expedições denominadas de Entradas, as quais partiam de Salvador, Ilhéus e Porto Seguro em direção ao interior do estado. As entradas eram feitas do mesmo jeito das bandeiras de São Paulo, mas não tiveram tanto reconhecimento e valorização como as bandeiras.

Partindo do litoral em direção ao norte/nordeste brasileiro, subindo os rios São Francisco, das Contas, Paraguaçu, Grande e Verde, desbravaram o interior da Bahia e os territórios do Piauí, Minas Gerais e Maranhão. Chegaram ao sul/sudeste brasileiro também, descendo os rios Pardo, Jequitinhonha, Mucuri e Doce.

Durante os séculos XVI e XVII, apesar dessas explorações do território terem ocorrido apenas com o intuito de povoar e reconhcer as terras descobertas, foram de grande importância para o reconhecimento inicial da geografia, da hidrografia, da fauna, das flora e dos minerais da Bahia, além de ter ajudado bastante na demarcação do território baiano, estacelecendo os limites com seus estado vizinhos.

No território correspondente ao atual da Bahia, foram formadas cinco capitanias hereditárias entre 1534 e 1566, consevadas até a segunda metade do século XVIII. As quais foram a da Bahia, doada a Francisco Pereira Coutinho em 5 de abril de 1534; de Porto Seguro doada a Pero do Campo Coutinho em 27 de maio de 1534; de Ilhéus doada a Jorge de Figueiredo Corrêa em 26 de julho de 1534; das Ilhas de Itaparica e Tamarandiva doada a D. Antonio de Athayde em 15 de março de 1598; do Paraguaçu ou do Recôncavo da Bahia doada a Álvaro da Costa em 29 de março de 1966.

Com a morte do donatário, Francisco Pereira Coutinho, cuja descendência veio a receber da Coroa Portuguesa quer o morgadio do juro real da Redízima da Bahía (séc. XVI), quer os títulos de Visconde da Bahía, de juro e herdade (1796), e de Conde da Bahía (1833), a Capitania da Bahia foi vendida pela viúva à Coroa Portuguesa, para fins da instalação da sede do governo-geral, com a fundação da cidade do Salvador (1549).

A Capitania de Porto Seguro depois de passar por vários herdeiros, sendo o último donatário, o Marquês de Gouveia, a capitania foi tomada pela Coroa e foi unida à da Bahia, formando uma só.

Capitania de Ilhéus após um período próspero, entrou em longa disputa judiciária. Incorporada, junto com a Capitania de Porto Seguro, à Capitania da Bahia entre 1754 e 1761, a Capitania de Ilhéus deu origem ao moderno estado da Bahia.

Capitania das Ilhas de Itaparica e Tamarandiva em 6 de abril de 1763 foi unida à Capitania da Bahia.

Capitania do Paraguaçu ou do Recôncavo da Bahia foi comprada pela Coroa portuguesa e também unida à capitania da Bahia.

Província da Bahia em 1709, na época do auge da província de São Paulo.O território original da província da Bahia compreendia a margem direita do rio São Francisco (a esquerda pertencia a Pernambuco). Estava, basicamente, dividido entre dois grandes feudos: a Casa da Ponte e a Casa da Torre, dos senhores Guedes de Brito e Garcia d'Ávila, respectivamente - promotores da ocupação de seu território e muito importantes em sua defesa.

Ingleses e holandeses atacaram a Bahia no século XVII. Durante o Governo de D. Diogo de Mendonça Furtado, Salvador foi invadida pelos holandeses que vencendo a resistência dos cidadãos que deixaram a cidade, dominaram Salvador de 1624 a 1625. Mas em 1º de maio de 1625, depois de vários conflitos, os halandeses estando cercados e isolados, com a ajuda de morgados como a Casa da Torre e dos espanhóis, a cidade foi retomada pelos portugueses.

Por sua posição estratégica, à entrada da baía de Todos os Santos, e por ali se refugiarem barcos inimigos e contrabandistas, o Governador Diogo Luís de Oliveira determinou em 1631 a construção de um forte em Morro de São Paulo, ampliado em 1730, transformando-se em uma das maiores fortificações da costa, com 678 m de cortina. Os holandeses, antes de atacarem Salvador, em 1624, estiveram em Morro de São Paulo e utilizaram o seu canal como tocaia para atacar navios lusos, entre os quais um barco jesuíta que vinha de São Vicente, conduzindo 15 religiosos da Companhia e outros de outras Ordens. Um ano mais tarde, ali se refugiou a numerosa armada de Boudewijn Hendriczzood que, ao ter conhecimento da retomada de Salvador pelos espanhóis e portugueses, rumou para o Norte.

Os holandeses fizeram outras tentativas para retomar Salvador, mas todas sem sucesso, principalmente, após a construção do Forte de São Marcelo em ponto estratégico da Baía de Todos os Santos não há registros de invasões de estrangeiros. Com isso, a Bahia se tornou uma referência em resistência na Colônia, em especial, aos holandeses que dominaram com sucesso Recife.

Enquanto estiveram em Recife, os holandeses não deixaram de rondar a costa baiana, atacando Caravelas (1636), Camamu e Ilhéus (1637), mas todas as tentaivas sem sucesso. Os ataques provocaram a construção em Camamu, em 1649, do forte de Nossa Senhora das Graças, com quatro baluartes, reedificado entre 1694/1702 e, possivelmente, a construção do forte de São Sebastião em Ilhéus, pois documento de 1724 já o assinala sobre um monte.

É vísivel a riqueza do periodo. A economia do litoral foi extrativista. A princípio, pau-brasil, valorizado na Europa como pau de tinta e disputado por comerciantes portugueses, contrabandistas e piratas. Depois, incluíram-se na pauta de exportação e contrabando madeiras para a construção naval e civil, cortadas entre Ilhéus e Valença. Em 1722, os jesuítas do Colégio da Bahia instalaram uma serraria hidráulica em Camamu à qual se somavam mais duas de terceiros, no final do século. No imposto extorquido para a reconstrução de Lisboa, após o terremoto, a vila pagaria sua contribuição com madeira e farinha de mandioca. Desde a coroação de Dom José I, em 1750, e a nomeação do conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal como primeiro-ministro, havia-se inaugurado uma política mais atuante com relação ao Brasil e, em particular, à Bahia.

Pela Carta Régia datada de 1755, decidiu-se transformar em vilas as missões jesuíticas, com a intenção de afastar os índios da influência dos padres. São criadas as vilas de Prado (1755), antiga Aldeia de Jucururu; Alcobaça (1755), com território desmembrado de Caravelas; Nova Santarém (1758), antiga aldeia de São Miguel e Santo André de Serinhaém, atual cidade de Ituberá; Barcelos (1758), ex-aldeia de Nossa Senhora das Candeias, emancipada de Camamu; Troncoso (1759), ex-aldeia de S. João Batista dos Índios; Vale Verde (1759), antiga Aldeia do Espírito Santo; Maraú (1761), ex-Aldeia de S. Sebastião de Maraú.

Por solicitação de Dom Marcos de Noronha, Conde dos Arcos, e através de Provisão do Conselho Ultramarino de 4 de março de 1761, D. José I ordenou ao ouvidor da Comarca da Bahia, Desembargador Luís Freire Veras, que tomasse posse da Capitania dos Ilhéus para a Coroa. Igual providência foi adotada com relação à Capitania de Porto Seguro, transformando-se as duas em comarcas. Estas medidas estavam relacionadas com a preocupação do Governo Geral em controlar o contrabando no litoral sul e proteger as populações da região de Cairu e Camamu, centros de abastecimento da capital, contra os freqüentes ataques dos Guerens, que voltaram a atacar, no período entre 1749 e 1755. Foram elevadas a vila a Aldeia de Belmonte (1765); a missão de N. S. da Escada, com o nome de Nova Olivença (1768), em Ilhéus; o povoado de Campinhos (1720), com a denominação de Vila Viçosa (1768) e a Aldeia do Mucuri, com o nome de São José de Porto Alegre (1769), atual cidade de Mucuri. Três destes municípios foram supressos nas três primeiras décadas do século atual: Vila Verde, Trancoso e Barcelos. Com a mudança da capital do país para o Rio de Janeiro, o Governo da Bahia ordenou em 1777 ao Ouvidor de Porto Seguro criar paradas de correio, vilas e povoações entre Salvador e Espírito Santo, mas pouca coisa se fez. No fim do século XVIII, a Povoação de Amparo, à margem do rio Una, foi levada a vila com o nome de Valença (1799), sendo seu território desmembrado de Cairu.

De nada valeu o protesto de Silva Lisboa, juiz conservador das matas, em 1779, contra a devastação da Mata Atlântica. Ainda no início do século XIX o inglês Thomas Lindley seria preso em Porto Seguro por contrabando de pau-brasil, cujo comércio foi monopólio do Estado até 1859.

Na Baía de Tinharé, cessados os ataques indígenas, os colonos refugiados na Ilha de Boipeba voltaram ao continente. Em 1811, Boipeba chegou a tal ruína que perdeu sua condição de vila para o povoado de Jequié, em terra firme, que recebeu o nome de Vila Nova de Boipeba, hoje Nilo Peçanha. Por sua vez, a Vila de Nova Boipeba perdia, em 1847, o foro de vila para Taperoá, uma povoação surgida em torno a uma capela jesuítica que, em 1637, pertencia à Freguesia de Cairu. Nova Boipeba foi restaurada, em 1873, com território desmembrado de Taperoá. Todos os demais municípios do litoral sul foram criados no século XX.

As cores da bandeira do movimento (azul, branca e vermelha) são até hoje as cores da Bahia.Ver artigo principal: Conjuração Baiana

O ano de 1798 testemunhou a Conjuração Baiana, que propunha a formação da República Bahiense - movimento pouco difundido, mas com repressão superior àquela da Inconfidência Mineira: seus líderes eram negros instruídos (os alfaiates João de Deus, Manuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens) associados a uma elite liberal (Cipriano Barata, Moniz Barreto, Aguilar Pantoja, membros da Casa da Torre e outros aristocratas), mas só os populares foram executados, mais precisamente no Largo da Piedade a 8 de novembro de 1799.

Mesmo após a declaração de independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, a Bahia continuou ocupada pelas tropas portuguesas, até à rendição destes, ocorrida no dia 2 de julho de 1823. Por essa razão a data é comemorada pelos baianos como o Dia da Independência da Bahia.

Com a independência do Brasil, os baianos exigiram maior autonomia e destaque. Como a resposta foi negativa, organizaram levantes armados que foram sufocados pelo governo central.

Com a República ocorreram outros incidentes políticos importantes, como a Guerra de Canudos e o bombardeio de Salvador, em 1912.

A Bahia contribuiu ativamente para a história brasileira, e muitos expoentes baianos constituem nomes de proa na política, cultura e ciência do país.

Bandeira

Nenhuma lei existe criando ou disciplinando a Bandeira do Estado. Foi criada pelo médico baiano, Dr. Diocleciano Ramos que, numa reunião do Partido Republicano, propôs este símbolo como representativo da agremiação política, em 25 de maio de 1889.

Com forte inspiração na bandeira dos Estados Unidos, mesclada com um triângulo evocativo ao símbolo maçônico já adotados nas conjurações mineira e baiana - muito embora as cores azul, vermelho e branco já tivessem figurado como símbolos das revoltas de 1798, conhecida como Revolta dos Alfaiates

O uso, entretanto, consagrado pelo povo, veio a ser obrigatório por decreto do Governador Juracy Magalhães, em 11 de junho de 1960 (Decreto nº 17628).

Brasão de Armas

Constitui-se o Brasão de Armas do Estado da Bahia dos seguintes elementos:

– Timbre com uma estrela, que simboliza o Estado.
– Escudo com uma embarcação com a vela içada, onde um marinheiro acena com um lenço branco e, ao fundo, vê-se o Monte Pascoal, local do primeiro registo visual de terra pela esquadra de Cabral.
– Insígnia com dois tenentes sobre listel com o lema:
Per ardua surgo - que significa, numa tradução literal: "Pela dificuldade venço" ou, no sentido real: vencer apesar das dificuldades.
– Tenentes: à esquerda, um homem semi-nu, com uma marreta, uma bigorna e uma roda, representando a indústria local; à direita, uma mulher com chapéu frígio (símbolo da República), carregando a Bandeira da Bahia que jaz atrás do triângulo maçônico.
– Encimando o Brasão, o nome do Estado e, abaixo deste, o nome do "Brasil".

Hino

“Dois de Julho”
Letra: Ladislau dos Santos Titara / Música: José dos Santos Barreto

Nasce o sol a 2 de julho
Brilha mais que no primeiro
É sinal que neste dia
Até o sol é brasileiro
Nunca mais o despotismo
Referá nossas ações
Com tiranos não combinam
Brasileiros corações
Salve, oh! Rei das campinas
De Cabrito e Pirajá
Nossa pátria hoje livre
Dos tiranos não será
Cresce, oh! Filho de minha alma
Para a pátria defender,
O Brasil já tem jurado
Independência ou morrer.

Cultura da Bahia

A cultura da Bahia é uma das mais ricas e diversificadas, sendo o estado considerado um dos mais ricos centros culturais do país, conservando não apenas um rico acervo de obras religiosas, arquitetônicas, mas é berço das mais típicas manifestações culturais populares, quer na culinária, na música, e em praticamente todas as artes.

Possuem, os baianos, um provérbio, a um tempo jocoso e sério, retrato dessa índole do seu povo: "O baiano não nasce, estréia".

Dentre as principais manifestações culturais a Bahia tem seus expoentes, suas características próprias, resultado da rica miscigenação entre o índio nativo, o português colononizador e o negro, feito escravo e ali feito doutor.

Cultura erudita

Na Bahia nasceu o primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador. Ainda como Colônia, os versos de Gregório de Matos repercutiam qual dardos, dono de rimas tão ferinas que lhe renderam a imortalidade com o epíteto de "Boca do Inferno".

Lugar da primeira Faculdade de Medicina do país, foi berço de nomes que se destacaram no cenário nacional, tais como Afrânio Peixoto, Antônio Rodrigues Lima, Juliano Moreira, etc.

Do Direito brotaram nomes como Ruy Barbosa, Teixeira de Freitas, Antônio Luiz Machado Neto e, caindo para a literatura, Castro Alves.

Música

Já era a Bahia, em particular Salvador, sua capital, a maior cidade das Américas durante vários séculos, um dos principais centros comerciais do Novo Mundo. Das raízes negras brotou o samba de roda, seu filho samba, o lundu e outros tantos ritmos, movidos por atabaques, berimbaus, marimbas - espalhando-se pelo resto do Brasil, e ganhando o mundo.

Xisto Bahia, levando os ritmos e mesmo poetas (como Plínio de Lima), descobre o novo meio e grava o primeiro disco brasileiro. E experimenta o sucesso internacional com Dorival Caymmi.

Do rock ao tropicalismo, de Raul Seixas a Caetano Veloso, infinitos nomes desfilam mundo afora, como João Gilberto, Gilberto Gil, Carlinhos Brown...

Carnaval

Foi no Carnaval que o baiano encontrou-se com o mundo: Em 1950 Dodô e Osmar inventam o Trio Elétrico, e atrás dele "só não vai quem já morreu".

Um novo cenário foi descortinado, revelando artistas e grupos musicais: Ivete Sangalo, Moraes Moreira, Luiz Caldas, Chiclete com Banana, É o Tchan!, etc.

O negro reconquista sua identidade, e ganha força nos Filhos de Gandhi, o Olodum une música ao trabalho social.

Culinária

Do Candomblé ou do tabuleiro da Baiana brotam o acarajé, o abará, o vatapá e tantos pratos temperados pelo azeite de dendê, festejando aos santos, como o caruru ou festejando a vida, como a moqueca, a Bahia tem sempre um quindim a despertar o paladar.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

Expressões e Suas Origens (Letra O)



O AMOR É MAIS FORTE DO QUE A MORTE
Esta frase é de autoria de Salomão, célebre rei dos hebreus e filho de outro rei famoso, Davi, de quem se tornou sucessor. Sua sabedoria passou à História como digna de ser seguida. Teve muito mais mulheres do que seu pai, mas não mandou o marido de nenhuma delas para a frente das batalhas para ficar com a mulher do próximo. Foi ele quem construiu o templo de Jerusalém e escreveu três dos livros bíblicos: Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos, onde encontramos frases deslumbrantes como esta, em português chamadas de versículos por uma convenção aplicada aos textos bíblicos. Não se pode contestar a experiência amorosa deste rei-escritor, senão qualitativa, quantitativa, pois que amou a mais de mil mulheres.

O AMOR É UMA ENXAQUECA UNIVERSAL
A frase é do poeta, romancista e ensaísta inglês Robert von Ranke Graves (1895-1985), autor de mais de 120 livros, que incluem pesquisas reveladoras de importante religião baseada na figura de uma deusa branca, cuja adoração teria existido ainda no cristianismo. Outros livros seus muito conhecidos são uma autobiografia sobre sua participação na primeira guerra mundial, em que foi gravemente ferido, e o romance Eu, Cláudio, narrado pelo famoso imperador romano, que tão pouco amou. Seus sofrimentos não o impediram de escrever notáveis livros de poemas, tratando de sentimentos profundos, vividos num século que fez mais a guerra - duas mundiais - do que amor.

O AMOR É UMA LOUCURA
Esta frase é atribuída ao extraordinário poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856), cujos versos estão cheios de melancolia. Apesar, porém, da tristeza de sua poesia, Heine tinha muito humor em seus textos de prosa, entre os quais estão narrativas de viagem e o romance O rabino de Bacherach. Adorava a mulher que desposou, Eugênia, mas comentando a marcha nupcial dos casamentos, comparou-a à música dos soldados que vão à guerra. Crítico com o próprio país, dizia que as únicas boas coisas da Alemanha eram as salsichas e a cerveja. De ascendência judaica, de família de banqueiros, converteu-se ao cristianismo "para não ter que encontrar-se com os parentes judeus no outro mundo".

O AMOR QUE NÃO OUSA A DIZER SEU NOME
Identificando a homossexualidade, esta frase, muito citada, é um verso do poema "Dois amores", de autoria do lorde inglês Alfred Douglas (1870-1945), escritor de reconhecidos méritos que influenciou até mesmo o francês André Gibe (1869-1951), prêmio Nobel de literatura em 1947. O lorde foi um dos muitos jovens aristocratas britânicos a ter caso com o escritor inglês Oscar Wilde (1854-1900). Entretanto, quando se tratou de punir as práticas homossexuais de todos ele, o autor de O retrato de Dorian Gray e A alma do homem sob o socialismo, foi o único a ser condenado à prisão pelo amor que não ousava dizer seu nome, já que seus amados também não ousaram declarar-se.

O CINEMA NÃO TEM FUTURO COMERCIAL
Esta frase é de autoria de Auguste Lumière (1862-1954) que, juntamente com o irmão, Louis Limière (1864-1948), é tido como um dos inventores do cinema. Ele a teria pronunciado por ocasião da primeira projeção de um filme, ainda mudo, ocorrida em Paris, no dia 28 de dezembro de 1895. Os industriais inventores estavam enganados. O cinema tomou conta do mundo e hoje movimenta verdadeiras fortunas, a ponto de um filme apenas, O parque dos dinossauros, ter arrecadado um bilhão de dólares. Também os investimentos comerciais foram aumentando, e Waterworld, produzido em 1995, custou 150 milhões de dólares.

O CORAÇÃO TEM RAZÕES QUE A RAZÃO DESCONHECE
A história desta frase não poderia Ter origem mais paradoxal, pois foi proferida e escrita por um personagem que deu grande valor à ciência, o célebre matemático, físico, filósofo e escritor francês Blaise Pascal (1623-1662). Aos 16 anos já tinha escrito um ensaio científico e aos 18 inventou uma máquina de calcular, base de nossos atuais computadores. Depois que sua irmã Jacqueline entrou para um convento, Pascal retirou-se para a célebre localidade de Port-Royal-des-Champs, que deu nome a uma escola de língua francesa, escreveu sempre em estilo irrepreensível. A frase dá grande valor à intuição.

O ESCRITOR É IRMÃO DE CAIM E PRIMO DISTANTE DE ABEL
Esta frase, inspirada na história bíblica de Caim - filho mais velho de Adão e Eva, que matou o irmão Abel -, é o penúltimo haicai da série de 123 que constam de um folheto distribuído a algumas pessoas em 1993 pelo escritor curitibano Dalton Trevisan e posteriormente reunidos em livro publicado pela Editora Record com o título de Ah, é? Conciso, lacônico, avesso a entrevista, o ficcionista de reconhecido talento tem espelhado essa concepção amarga da literatura nos seus mais de 20 livros publicados, que lhe valeram prêmios e traduções para diversas línguas.

O ESTADO SOU EU
Esta frase é sempre citada como exemplo de personalismo de reis e presidentes. Foi pronunciada pela primeira vez por Luís XIV (1638-1715), rei da França, no dia 13 de abril de 1655, aos 17 anos, ao entrar no parlamento em trajes de caça. Advertido pelo presidente da Casa, respondeu: L’État c’est moi! (o Estado sou eu!). Voltou a pronunciá-la sempre que era contrariado por seus ministros e ainda mandou inseri-la num curso de Direito Público, feito especialmente para um de seus duques, acrescentando: "na França, a nação reside toda na pessoa do rei". O tempo mostrou o quanto o rei estava enganado. Na Revolução Francesa, não foi a França quem perdeu a cabeça.

O HOMEM PÕE, MAS DEUS DISPÕE
Esta frase, tão citada como provérbio, deve sua fama ao enorme sucesso do livro A imitação de Cristo, um best-seller que está na lista dos mais vendidos e, neste caso, também dos mais lidos, há vários séculos. Publicado pela primeira vez em 1441 e só perdendo em traduções para a Bíblia, é de autoria do escritor e asceta alemão Tomás de Kempis, que viveu no século XV. A frase significa que, por mais que o homem planeje meticulosamente sua vida, algo de imponderável pode acontecer e deve ser creditado à intervenção divina. Com o passar dos anos outras variações foram surgindo e uma das mais comuns, no Brasil, é Deus não joga, mas fiscaliza.

OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE
Esta frase, que consagra a vingança do preceito jurídico, está inscrita num dos 282 artigos do Código de Hamurabi (1792-175 a.C.), o criador do império Babilônico. Em 1901, arqueólogos franceses descobriram, em território hoje pertencente ao Irã, uma estrela cilíndrica de diorito onde está gravado este célebre conjunto de leis, um dos mais antigos que se tem notícia. Baseado na lei de talião, presente também num dos livros da Bíblia, o Levítico, prescreve para o transgressor pena igual ao crime que praticou. Ainda é aplicado em várias sociedades do Oriente.

O PIOR CEGO É O QUE NÃO QUER VER
Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D`Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.

O PODER É O AFRODISÍACO MAIS FORTE DO MUNDO
O Prêmio Nobel da Paz de 1973, Henry Alfred Kissinger (73), surpreendeu os jornalistas com esta frase que ficaria famosa, proferida em entrevista coletiva que tinha como assunto principal as negociações que levariam ao fim da guerra do Vietnã, nos anos 70. Responsável também pelo cessar-fogo de uma das muitas guerras travadas entre árabes e israelenses, Kissinger foi o secretário de Estado de 1973 a 1977 e um dos primeiros idealizadores das aproximações políticas dos Estados Unidos com a ex-União Soviética e a China. Atuando como um dos homens mais poderosos do mundo numa época marcada pela geração que proclamava ser melhor fazer o amor do que a guerra, apresentou, com esta frase, um outro mirante de desejo.

O POVO QUER PÃO E CIRCO
Segundo uma das sátiras do escritor latino Décimo Júnio Juvenal (60-140), a plebe romana só queria saber de pão e circo, sendo esta uma das razões do declínio do Império. Vários imperadores providenciaram o cumprimento desta máxima, entre os quais Lúcio Vero (130-169), que partilhava com o povo o gosto pelos esportes, principalmente os espetáculos de gladiadores, bem antes das perseguições que levaram os cristãos à maior arena do Ocidente para serem comidos por leões. A frase, retomada por autores de diversas épocas e países, consolidou-se como sinônimo de uma certa preguiça universal. Mas certamente este não é um ponto de vista popular, já que quem mais come, bebe e se diverte é a classe social privilegiada, tanto no capitalismo como no socialismo, haja vista a famosa nomenklatura soviética.

ORDEM E PROGRESSO
Esta frase, lema inscrito em nossa bandeira, é de autoria de Benjamim Constant, cujo nome completo é Benjamim Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), militar e político brasileiro, um dos fundadores da República. Foi ele quem, inspirado nas idéias do fundador da sociologia, o positivista francês Auguste Comte (1798-1857), orientou o desenho da bandeira nacional. Engenheiro de formação e defensor da premissa de que a ordem é indispensável ao progresso, lutou na Guerra do Paraguai, onde foi o responsável pelas fortificações de Tuiuti. Foi ministro da Guerra do governo provisório e mais tarde da Instrução, onde travou sua melhor guerra, realizando uma reforma educacional de excelentes resultados em instituições que se tornaram famosas pela qualidade de ensino, como o Colégio Pedro II e a Escola Normal, ambos no Rio.

O REAL NÃO ESTÁ NEM NA SAÍDA NEM NA CHEGADA: ELE SE DISPÕE PARA A GENTE É NO MEIO DA TRAVESSIA
Eis uma frase que poderia ser inscrita na nova moeda brasileira, o real. É da autoria do grande escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967). Foi profecia pelo jagunço letrado Riobaldo no célebre Grande Sertão: veredas, publicado pela primeira vez em 1956 e levado à televisão com Bruna Lombardi no papel, misterioso e repleto de sutis complexidades, de Diadorim. Guimarães Rosa recomendava a quem já tinha lido o livro que não revelasse o grande segredo do romance, envolvendo Riobaldo e Diadorim, porque, como sugere a frase, no desfecho do romance é que os leitores entendem melhor algumas de suas passagem mais memoráveis.

O REI REINA, MAS NÃO GOVERNA
Esta frase e seu sentido estão muito bem estudados numa obra clássica do ensaísta brasileiro Raymundo Faoro (71), Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, que recebeu no ano de seu lançamento o prestigioso Prêmio J´se Veríssimo de Ensaio e Crítica da Academia Brasileira de Letras. A frase sintetiza a base das monarquias constitucionais. Válida para as outras cortes, no caso da portuguesa não poderia ser empregada, pois o rei reinava e governava, sendo chefe político, religioso e militar. Acima do rei e seu poder incontestável, estava apenas o papa. O papa, e não o clero. Um dos primeiros a proclamar esta frase foi o célebre político, historiador e depois presidente francês Adolphe Thiers (1797-1877).

OS ACIONISTAS SÃO OVELHAS OU TIGRES
Esta frase é de autoria do lendário banqueiro israelense Mayer Amschel Rothschild (1744-1812), fundador da casa de crédito que levaria seu nome. A família obteve muita fortuna com suas operações, especialmente com o financiamento de várias guerras européias. No final do século XIX, os Rothschild lideravam o ranking dos bancos, mas depois outras casas de créditos os superaram. A família distinguiu-se também na política, tendo vários membros barões do então poderoso império austríaco, além de um descendente deles ter sido o primeiro judeu a entrar para o parlamento britânico. A frase indica o comportamento dos acionistas diante de operações que dão lucro ou prejuízo.

OS ADULADORES SÃO OS PIORES INIMIGOS
A cada nova mudança no governo, surgem, inevitáveis, os aduladores, que se comprazem em lisonjear com o fim de obter recompensas que de outro modo não alcançariam, dada a ausência de méritos. Em todas as sociedades, os favores prestados a aduladores demonstraram ser perigosos àqueles que os concederam, beneficiando apenas aos puxa-sacos, que é como a linguagem popular, sem nenhum eufemismo, os denominou. A frase é do historiador latino Públio Cornélio Tácito (55-120), alertando as autoridades romanas contra esta praga universal. O mesmo pensamento foi expresso em outras palavras na Bíblia em textos de doutores de Igreja.

O SENHOR COMBINOU COM OS ADVERSÁRIOS?
Esta frase lendária entrou para o folclore do futebol como tendo sido dita por Garrincha (1933-1983) após ouvir a preleção do técnico Vicente Feola (1909-1975) sobre o esquema de jogo contra a então União Soviética na Copa de 1958. Garrincha, tido por simplório, mas um dos maiores jogadores de todos os tempos, fez uma pergunta que, por sua lógica absurda, desconcertou a todos. Segundo ele, do modo como o técnico explicava, para o esquema dar certo era indispensável a ajuda dos adversários. No primeiro minuto de jogo, Garrincha esqueceu os planos, driblou meio mundo e chutou na trave. Diante do carnaval que fez, a derrota por 2 a 0 saiu barata a URSS.

O SER HUMANO NÃO PODER SUPORTAR MUITA REALIDADE
A imprensa caracteriza-se por extremado realismo, tanto em jornais e revistas como no rádio e na televisão, como fez a literatura do século passado e até meados deste século. Entretanto, todas as pessoas têm necessidade de fantasia e para tanto a indústria cultural tem-se esforçado para atender a este anseio. A sétima arte, como é chamado o cinema, tem sido, entre todas as manifestações artísticas, a que mais se preocupou em fornecer fantasia ao público, com o intuito de atenuar a realidade, cada fez mais dura, da vida cotidiana. Em outros tempos este propósito teria sido acusado de alienante, mas os tempos modernos deram razão a esta famosa frase do escritor anglo-americano Thomas Stearns Eliot, mais conhecido como T.S. Eliot (1888-1965).

O SERTANEJO É, ANTES DE TUDO, UM FORTE
Esta frase, uma das mais repetidas da vida nacional, foi escrita pela primeira vez em O Estado de S. Paulo pelo engenheiro civil, professor de lógica e jornalista, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, que se tornaria escritor famoso justamente com as reportagens onde está esta frase, depois reunidas em livro sob o título de Os sertões, em 1902. Cobrindo a campanha de Canudos, o escritor captou e expressou com argúcia o sertão, o povo e sua famosa trágica luta. Soube ver a força dos fracos, escondida em aparências que indicavam, ao primeiro olhar, o cansaço e a fraqueza do sertanejo, que ele chamou de "Hércules-Quasímodo", desgracioso, desengonçado, torto. Mas, antes de tudo, um forte.

OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS
A idéia de que não importam que os meios sejam ilícitos quando os fins são nobres consolidou-se nesta frase, atribuída, entre outros, aos jesuítas e aos autores italianos Niccolò Machiavelli (1469-1527) e Francesco Guicciardini (1483-1540), dois filósofos que se preocuparam com o poder e a ética dos governantes, o último dos quais é autor das célebres Ricordi – em italiano, advertências, conselhos – somente agora traduzidas para o português com o título de Reflexões, mais de acordo com os temas do livro.

O SILÊNCIO É DE OURO
Esta frase já estava na boca de muitos povos quando o cineasta René Clair (1898-1981) a utilizou literalmente, no original francês, como título de um filme, Le silence est d’or, cujo tema é o cinema antigo, quando o som não era ainda utilizado. A aquisição da linguagem é etapa decisiva do desenvolvimento humano. Porém, tendo aprendido a falar, o homem precisa aprender também a calar, daí a razão da sabedoria desta frase, presente em muitas outras línguas, algumas dos quais acrescentam que a palavra é de prata. Saber calar e cultivar a discrição são recomendações tão antigas que já estão presentes também em famoso livro da Bíblia, o Eclesiastes. No Brasil, a variante popular é "em boca fechada não entra mosca".

OS NEGÓCIOS SÃO O DINHEIRO DOS OUTROS
Esta frase, tornada proverbial, aparece em A questão do dinheiro, comédia do escritor francês Alexandre Dumas Filho (1824-1895), também autor de A dama das camélias. É pronunciada na cena sete do segundo ato. A frase desagradou um importante banqueiro francês, que atacou o autor pelos jornais. O teatrólogo respondeu com ironia, também pela imprensa: "Quando quiser uma peça honesta, pedirei seus conselhos; quando você fizer uma operação bancária honesta, pedirei ações". Filho natural de Alexandre Dumas (1802-1870), suas obras obtiveram grande sucesso de público, mas algumas foram proibidas várias vezes. As do banqueiro, não.

O VIADUTO É A MENOR DISTÂNCIA ENTRE DOIS ENGARRAFAMENTOS
Frase do ex-prefeito de Curitiba e atual governador do Paraná, Jaime Lerner (59), já famosa, mas que se tornou ainda mais célebre depois de proferida na Conferência Internacional do Meio Ambiente, denominada Hábitat 2, realizada em junho de 1996, em Istambul, principal cidade da Turquia. O autor da frase imprimiu à cidade de que foi prefeito por muitos anos um projeto urbanístico marcado por eficiente rede viária para os transportes públicos, tornando-a cidade-modelo no mundo, segundo critérios adotados pela Unesco. Para substituir os viadutos, evitados pelo governador, são feitas propostas alternativas de trânsito, como as vias expressas e o ônibus conhecido como Ligeirinho, a grande vedete daquele evento internacional.

Fontes:
- Expressões e Suas Origens (Deonísio da Silva)
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=curiosidades/docs/vempalavras1
- Expressões Populares - De onde sai isso? (André Batista)
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=curiosidades/docs/expressoespopulares