Zhang Weimin. Durante dez anos, traduziu 'Os Lusíadas' para mandarim. Residente em Portugal, tem a seu cargo o acervo bibliográfico em língua chinesa da Fundação Oriente, onde acaba de ministrar um 'workshop' de caligrafia. Por vezes é intérprete oficial. Fala de Camões com admiração
Chama-se Zhang Weimin, nasceu em Pequim, na República Popular da China, e chegou a Portugal, em 1988, como bolseiro de investigação do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa para o estudo e tradução d'Os Lusíadas. A versão em mandarim acabou por ser publicada, em 1995, na China. Tem, desde 2002, a responsabilidade de tratamento do acervo bibliográfico da Fundação Oriente, onde há bem pouco tempo ministrou um curso de caligrafia chinesa. Fala de Camões com admiração e pertence a este país que não lhe pertence, do seu tem saudades amargas. Dir-se-ia um exilado de si próprio.
A tradução foi realizada num tempo em que o computador não era instrumento de trabalho comum e nem existia a teia de aranha da Net. Apesar de parecer impossível, vivia-se sem esses recursos. Zhang Weimin foi, por isso, trabalhando o texto palavra a palavra, página a página. Traduziu-o com a devoção paciente dos monges copistas, no silêncio dos calígrafos.
Leu e releu Os Lusíadas, trabalhou até às 04.00 da manhã. Quis sentir a história, tentou perceber o que o poeta quis expressar. Havia lido João de Barros, Gil Vicente, Pessoa (que traduziu) e, por ser conhecedor da literatura chinesa antiga, não estranhou o mundo que Camões, cantador de um universo conhecido e por conhecer, nos revelou na sua epopeia de navegadores e conquistadores, heróis de feitos imortais.
"Os Lusíadas contam histórias. E não pode ler-se a obra sem o contexto da época. Há uma lógica que não só deve ser entendida como respeitada. O tradutor não pode inventar", diz, veemente. Para Zhang Weimin, "Camões era um génio e a sua cabeça uma enciclopédia." Conhecia tudo, da geografia à história e à mitologia. Ele que desejava a passagem da barbárie à civilização. Da tormenta à esperança.
"Se o tradutor é um criador, o leitor decidi--lo-á", sublinha. São universos muito distintos, os da língua portuguesa e chinesa: "O resultado final nunca será o de um texto igual. A partir das ideias, da elegância poética, tive de encontrar uma forma possível para dar a conhecer a obra em mandarim. Havia que fazer chegar à China "o canto camoniano integrado no património da grande literatura mundial".
Para além de ter traduzido nove mil versos, desde "As armas e os barões assinalados" até "Sem à dita de Achiles ter enveja", escreveu 880 notas sobre mitologia greco-latina, geografia e história que permitem ao leitor uma melhor e mais adequada compreensão do texto. Foram quase dez anos de trabalho contínuo que levaram Os Lusíadas ao público chinês, amante do mitológico e do romântico "caminho tão árduo, longo e vário"....
Se, no início do trabalho, Zhang Weimin pretendia transmitir a imagem dos portugueses "cavalheiros e aventureiros", a mensagem de amor à Pátria e do humanismo que atravessa a obra, acabou por apaixonar-se pela beleza poética dos versos e tentou vertê-la para mandarim.
"Como a nossa língua é poética, fui pela correspondência dos sons, pela ginástica dos quatro tons do chinês mandarim. Encontrei uma estrutura de onze caracteres em cada verso, às vezes dez ou doze." Transmitir a poética e o significado do texto foi tão importante como perceber a contextualização histórico-mitológica.
Para isso valeu-lhe o conhecimento da civilização chinesa antiga, que , mais do que uma filosofia, possui uma sagesse. Ao ensinar a caligrafia, Zhang Weimin vai, lentamente, contando histórias guardadas pelos antigos. Afinal, escreveu-se, em tempo idos, nas carapaças das tartarugas, na pele dos animais, nas folhas das árvores, em madeira, bambu ou metal. E assim faz quando está só. Esquecendo-se de que existe, entrando na noite dos tempos, ausente de si.
Fonte:
Chama-se Zhang Weimin, nasceu em Pequim, na República Popular da China, e chegou a Portugal, em 1988, como bolseiro de investigação do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa para o estudo e tradução d'Os Lusíadas. A versão em mandarim acabou por ser publicada, em 1995, na China. Tem, desde 2002, a responsabilidade de tratamento do acervo bibliográfico da Fundação Oriente, onde há bem pouco tempo ministrou um curso de caligrafia chinesa. Fala de Camões com admiração e pertence a este país que não lhe pertence, do seu tem saudades amargas. Dir-se-ia um exilado de si próprio.
A tradução foi realizada num tempo em que o computador não era instrumento de trabalho comum e nem existia a teia de aranha da Net. Apesar de parecer impossível, vivia-se sem esses recursos. Zhang Weimin foi, por isso, trabalhando o texto palavra a palavra, página a página. Traduziu-o com a devoção paciente dos monges copistas, no silêncio dos calígrafos.
Leu e releu Os Lusíadas, trabalhou até às 04.00 da manhã. Quis sentir a história, tentou perceber o que o poeta quis expressar. Havia lido João de Barros, Gil Vicente, Pessoa (que traduziu) e, por ser conhecedor da literatura chinesa antiga, não estranhou o mundo que Camões, cantador de um universo conhecido e por conhecer, nos revelou na sua epopeia de navegadores e conquistadores, heróis de feitos imortais.
"Os Lusíadas contam histórias. E não pode ler-se a obra sem o contexto da época. Há uma lógica que não só deve ser entendida como respeitada. O tradutor não pode inventar", diz, veemente. Para Zhang Weimin, "Camões era um génio e a sua cabeça uma enciclopédia." Conhecia tudo, da geografia à história e à mitologia. Ele que desejava a passagem da barbárie à civilização. Da tormenta à esperança.
"Se o tradutor é um criador, o leitor decidi--lo-á", sublinha. São universos muito distintos, os da língua portuguesa e chinesa: "O resultado final nunca será o de um texto igual. A partir das ideias, da elegância poética, tive de encontrar uma forma possível para dar a conhecer a obra em mandarim. Havia que fazer chegar à China "o canto camoniano integrado no património da grande literatura mundial".
Para além de ter traduzido nove mil versos, desde "As armas e os barões assinalados" até "Sem à dita de Achiles ter enveja", escreveu 880 notas sobre mitologia greco-latina, geografia e história que permitem ao leitor uma melhor e mais adequada compreensão do texto. Foram quase dez anos de trabalho contínuo que levaram Os Lusíadas ao público chinês, amante do mitológico e do romântico "caminho tão árduo, longo e vário"....
Se, no início do trabalho, Zhang Weimin pretendia transmitir a imagem dos portugueses "cavalheiros e aventureiros", a mensagem de amor à Pátria e do humanismo que atravessa a obra, acabou por apaixonar-se pela beleza poética dos versos e tentou vertê-la para mandarim.
"Como a nossa língua é poética, fui pela correspondência dos sons, pela ginástica dos quatro tons do chinês mandarim. Encontrei uma estrutura de onze caracteres em cada verso, às vezes dez ou doze." Transmitir a poética e o significado do texto foi tão importante como perceber a contextualização histórico-mitológica.
Para isso valeu-lhe o conhecimento da civilização chinesa antiga, que , mais do que uma filosofia, possui uma sagesse. Ao ensinar a caligrafia, Zhang Weimin vai, lentamente, contando histórias guardadas pelos antigos. Afinal, escreveu-se, em tempo idos, nas carapaças das tartarugas, na pele dos animais, nas folhas das árvores, em madeira, bambu ou metal. E assim faz quando está só. Esquecendo-se de que existe, entrando na noite dos tempos, ausente de si.
Fonte:
Reportagem de Ana Marques Gastão para o Diário de Notícias de Portugal
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece
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