sábado, 15 de novembro de 2008

Adriana Lisboa (Aventura)

Chuva de primavera —
Uma criança
Ensina o gato a dançar
.

Issa

No banco de trás do carro, meu filho dorme. Estacionamos em frente ao supermercado. Precisamos comprar para ele uma bola de futebol que não seja de couro, porque as de couro são muito pesadas. Na semana passada, vi no supermercado umas bolas de futebol coloridas. Multicoloridas. Roxo, amarelo, azul, acho que ele vai gostar.

Espero no carro pelo pai, que foi comprar a bola. Abro os vidros das janelas, entreabro as portas e espero. Ligo o rádio baixinho e um solo de oboé sublinha muito discreto o que vejo — as pessoas indo e vindo no estacionamento do supermercado, um azul domingo no céu. Carrinhos de compras cheios. Ouço uma frase num tom mais alto de voz, um tom aborrecido. Ouço uma gargalhada. À minha frente, na parede de pedra, as sombras deixam vazar um polígono de luz que vai sem pressa mudando de lugar.

Chegam os dois: o menino gordinho de camiseta cinza e a mulher que me parece muito jovem para ser mãe dele mas nunca se sabe. Ela sugere que se sentem um pouco para descansar, no muro baixo. Sentam-se. O menino gordinho está muito suado e fica brincando de olhar ao redor sempre com um olho fechado. Os dois sentam-se ali por cinco, dez minutos. Depois a mulher sugere, vamos?, e ele obedece em silêncio, ainda com um olho fechado e uma expressão gozada na boca, um meio-sorriso torto e desleixado.

O solo de oboé há muito já deu lugar a uma grande orquestra. Desligo o rádio e espero pela bola colorida de futebol. No banco de trás do carro, meu filho dorme.

Fonte:
Ruffato, Luiz (org.). 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 221.

2 comentários:

leonara disse...

bom acho uma estoria até interessante mas não tem aventura de verdade boa sorte em suas próximas histórias

Giuseppe Paolo Dell'Orso disse...

Leonara
Dependendo do ponto de vista das pessoas pode não ser uma aventura. Mas, voce não deve esquecer que uma aventura tem diversas conotações conforme o vivenciamento de cada um. Uma pessoa que está num asa delta é uma aventura, uma viagem é uma aventura, mas temos que ver também aqueles que vivem o seu dia-a-dia sempre igual, seja a dona de casa, seja o trabalhador que trabalha na mesma coisa o dia inteiro e depois vai para casa dormir. Qualquer coisa fora de sua rotina se torna uma aventura. A pessoa que ficou em coma e de repente acorda e se levanta, está se aventurando. Sabe aquele seriado da Record, o Monk, um detetive diferente? O irmão dele que ficou enclausurado em casa durante 7 anos com medo de sair, quando abre a porta da rua, está se aventurando. Conforme o que sentimos a aventura pode ser ou não ser, pois uns veem ela como algo com muita ação e outros como o que ocorrerá no memento seguinte. Finalizando, nossa vida no dia-a-dia é uma aventura, pois cada segundo que virá a seguir é desconhecido. Ok?