sábado, 22 de novembro de 2008

Os escritores de hoje acham que literatura é só contar uma história, e não é



Eu acho que não são os tempos mais ricos que o Brasil já teve, em termos de qualidade. O país já teve Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos... Por outro lado, hoje existe um mercado editorial muito sólido, cada vez chegando a mais pessoas, inclusive fazendo livros de bolso, de banca, publicando mais e mais livros por ano... Acho também que há bons escritores, que muitas vezes não recebem a devida divulgação”. Essa é a opinião sobre literatura contemporânea do jornalista Daniel Piza, que esteve em Sorocaba no dia 30 de outubro, quando proferiu a palestra “Machado de Assis - Um Gênio Brasileiro”.

Daniel faz questão de destacar o trabalho de Milton Hatum, autor de “Dois Irmãos”. “Esse é um dos maiores livros publicados nos últimos 15, 20 anos. Também quero ressaltar o trabalho de Carpinejar, que é o melhor poeta de sua geração. E mesmo fora da ficção, do romance, da poesia, você tem grandes historiadores e ensaístas, como o Elio Gáspari, o Ruy Castro... É um momento bom, mas tem de ser lido com a devida serenidade”.

Para ele, a internet veio para acrescentar. “Qualquer coisa relacionada ao mundo da informação está lá, na internet. Mais do que nunca, hoje em dia, e graças a Deus! Quem não gosta de informação é ditador. A primeira coisa que o ditador faz é controlar a informação. A informação está lá e eu celebro isso, evidentemente, mas a grande questão nossa é o que fazer com essa informação”, reflete.

A literatura na internet, conforme Piza, está aumentando. “Tem blogs, muitas obras disponíveis graças à tecnologia dos livros digitais, que está melhorando, e isso não significa que veio acabar com o livro e sim vem acrescentar ao livro. Tem sites de jornais, enfim, muita coisa que dá força para a literatura. Na escola, os professores têm de ajudar os alunos a distinguir o que é uma boa informação, como trabalhar essa informação, contextualizar, debater”.

Ainda de acordo com o jornalista, a reportagem que incorpora recursos literários é uma coisa que tem reaparecido no Brasil nos últimos tempos. “Seja em jornais como o Estadão, revistas como a Piauí, ou ainda livros-reportagem”, afirma. Apesar disso, para ele ainda há uma falha no que se refere ao jornalismo sobre a literatura. “Esse tipo de reportagem perdeu espaço, acredito que pela guerra que existe entre outras áreas como o cinema e a música, que chamam mais a atenção do que a literatura. A crítica ou o debate em torno dos livros, e a sua própria divulgação, como matérias sobre os escritores e reportagens sobre as tendências literárias brasileiras são poucas. Temos bons escritores não conhecidos e temos muitos escritores conhecidos que não são bons”, diz.

Sobre a contemporaneidade na obra de Machado de Assis, Daniel Piza observa que existe muita coisa. “A criatividade verbal dele, com seu texto que mistura humor, filosofia, romance e milhões de recursos lingüísticos, acho que é muito atual, e principalmente pelo que ele diz, literalmente. O Machado tem a bossa da ilegalidade. Ele sempre teve a visão que o Brasil não tem de se dividir entre dois projetos, o europeu e o americano, que o país tem de encontrar o seu próprio caminho como nação”, reflete.

Piza ainda ressalta que a obra de Machado tem uma inquietude muito grande. “Os escritores de hoje acham que literatura é só contar uma história, e não é. Tem de colocar a reflexão filosófica e existencial da época. Dom Casmurro, por exemplo, não é apenas o relato de um suposto adultério. Essa obra reflete o mundo na psicologia de um homem chamado Bentinho e de uma mulher chamada Capitu, com uma profundidade intelectual. Essa inquietude filosófica de Machado é uma coisa que está faltando na literatura de hoje”.

Fonte:
Reportagem de Daniel Jacinto para o Caderno de Domingo do Jornal O Cruzeiro do Sul, pag.2. 16 de novembro. http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=86&id=136902

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