sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Mário Prata (Impossível não escrever esta clônica)


Eu juro que eu não pretendia escrever sobre o clone. Todo mundo já escreveu. Até o João Paulo II (seria clone do João Paulo I?) já colocou suas manguinhas de fora.

De tudo que li, a que mais me chamou a atenção foi a do sempre bom Luis Fernando Verissimo. Ele levantou (literalmente) no Globo a questão dos nossos ínfimos espermatozóides. Qual será a utilidade deles no futuro, pô? Clona e pronto, pô! Não vão mais existir depósitos de esperma, mas, sim, de células. Da mão do Oscar, da inteligência do Darcy, das pernas da Raia, dos pés do Ronaldinho e assim por diante.

Também não sei por que tanto alarde mundial se, aqui mesmo no Brasil, o Congresso Nacional aprovou (em dois turnos) a reclonagem do nosso simpático presidente.

Depois de ler, estupefato, em todos os jornais brasileiros que os americanos (eles nunca ficam atrás) já fizeram dois macacos clonados. Ou seja, segundo a evolução das espécies do Darwin, estamos quase lá. Se macaco pode, o homo sapiens também, não é Charles?

E no mesmo dia, aqui mesmo no Estadão, leio (ainda estupefato) que o nosso querido Brasil poderá produzir alimentos por clonagem. E prova-se por a mais b que isso já está sendo feito. E os especialistas afirmam que as modificações genéticas tornam plantas mais resistentes a pragas.

E o homem clonado, também será mais resistente à, digamos, Aids? Fica a pergunta. E fazer clones de apenas alguns órgãos, vai poder? Por exemplo: tirar a célula de um olho bom e colocar num cego. Clonar uma perna num paralítico, vai poder? E um novo pênis bem clonado e ornado, quem é que não vai querer? Você poderá até escolher a cor do doador em uma célula penicular.

Mas eu fico pensando no clone do Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que vem vencendo nas pesquisas de clonagens nacionais. Claro que vai nascer um sujeito igual a ele. Mas, para chegar a presidente, ele terá que ser exilado (para isso vamos ter outra revolução de clones militares?), morar no Chile e na França? Encontrará uma mulher tão sábia como a doutora Ruth? Terá os mesmos simpáticos filhos Paulo Henrique, Luciana e Bia? Encontrará um Lula para disputar uma eleição? São dúvidas que eu não sei responder.

E você, como é que agirá com o seu próprio clone? Vai evitar que ele faça as besteiras que você fez quando era criança ou adolescente? O clone do Pelé teria que começar passando fome em Três Corações para virar o Atleta do Século 21? Penso nisto tudo e não sei as respostas.

Como disse o Mateus Shirts, ovelha sempre pareceu tudo igual, não é surpresa nenhuma a Hello Dolly se parecer com ela mesma. Igual clone de japonês. Vai sair tudo igual, sorrindo daquele jeitinho clonado.

Não adianta clonar o Romário. Todos serão baixinhos, andarão daquele jeito e vão querer viajar nas janelas dos aviões. Vai sair briga de foice. Entre eles.

Já o meu querido amigo Eduardo Suplicy já está numa de clones há muitos anos. O Suplicy, podem reparar, não é apenas um. E, no mínimo, três. Numa mesma edição de um jornal, ele aparece em Brasília, São Paulo, Rio e ainda acorda no Pontal. E ainda escreve cartas e artigos para todos os jornais do Brasil. Eu não tenho dúvidas. O Suplicy é clonado. Acho que a Marta, minha companheira numa peça de teatro, também não é apenas uma. No caso dos dois, felizmente, o Brasil agradece.

Fico imaginando o meu clone. Magrinho, dentuço. Não sei ainda como vou chamá-lo. De filhinho, vem cá? Mas cadê o espermatozóide, pô?, perguntaria o Veríssimo. De irmão? Mas meu clone (vamos chamá-lo de Pratinha) não é filho da minha mãe. Como seria a carteira de identidade dele? Nome do pai e da mãe? Teria o meu RG e CIC? Poderia falsificar a minha assinatura? Teria um Antonio e uma Maria? Estaria escrevendo clônicas no Estadão?

Meu Deus, meu Deus, diria o clone do Castro Alves, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes, embuçado nos céus?

Pense bem: Jesus teria sido clone de Deus? Afinal, dizem, foi feito à sua imagem e semelhança. Creio que sim, pois, segundo reza a lenda, ele teria nascido sem o espermatozóide do pai José, mais preocupado em clonagens de marcenaria.

Onde estamos, senhor Deus, que não respondes?

É melhor se clonar de novo que a humanidade está precisando de outro Redentor. Desta vez, a gente não deixa a polícia matar ele, não.

Fonte:
100 crônicas de Mario Prata. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997. p.69.

Nenhum comentário: