quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Nilto Maciel (Literatura Fantástica no Brasil - Parte Final)



OS NOVOS

Assis Brasil subdividiu a Literatura Brasileira neste século em Pré- Modernismo (1909–1922), Modernismo (1922–1955) e Nova Literatura (1956–1976). No caso específico deste esboço histórico da literatura fantástica no Brasil, ousaremos chamar de “novos” aqueles escritores que estrearam em livro no final dos anos 1960. Critério puramente didático, sem deixar de lado a cronologia. E embora alguns ficcionistas que surgiram no início do século, e que chamamos de “sucessores”, tenham continuado ou continuem escrevendo e publicando.

Vejamos, pois, um a um, os mais importantes novos cultores do fantástico no Brasil.

Edla van Steen apresentou ao público seu primeiro livro em 1965. O romance Corações Mordidos é de 1983 e sobre ele Telenia Hill escreveu o artigo “Realismo Mágico de Edla van Steen”. É dele este trecho: “Do realismo minucioso, que se registra com a dimensão do contemporâneo, transita-se para um realismo mágico, em que as coisas acontecem inexplicavelmente, criando uma atmosfera de surrealidade.”

Luiz Vilela estreou em 1967, com os contos de Tremor de Terra.

Analisando o terceiro livro do contista, Assis Brasil sustenta: “E sua versatilidade se faz sentir mais uma vez, quer quando explora a temática erótica, como em Ousadia, quer no conto que dá título ao volume, Tarde da Noite, onde mistura o real com o fantástico e tira deste “jogo” subsídios para situar a vida morna e parada de um casal.”

Também Temístocles Linhares se atém ao fantástico na obra de Vilela: “– Não sei bem se podemos classificá-lo como contista do fantástico infantil. Mas muita coisa da atração que a criança tem pelo mistério, pelo espírito de aventura, por certos valores ambíguos, perpassa por estas páginas. Na verdade, o fantástico e o real são vividos pela criança como sucede nestes contos. Visivelmente os dois estados transparecem em algumas personagens do livro. O primeiro conto se inicia com a declaração de uma delas que dizia ter visto o demônio quando tinha oito anos. A parte fantástica, porém, logo se alterna ou mistura com a real, diante do padre, da igreja, do pedido feito à Virgem, cuja imagem era vesga e que fez o menino disparar de riso e da igreja. Não era só o diabo, contudo, que aparecia à noite. Também o avô barbudo e forte imprimia em sua figura os dois lados, o real e o fantástico.”

Juarez Barroso, que faleceu em 1976, havia inaugurado sua obra em 1969, com Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal.

Após ressaltar o regionalismo na obra do escritor de Baturité, o crítico Temístocles Linhares se detém num dos contos de seu primeiro livro: “O conto melhor do livro, a meu ver, é precisamente o mais extenso, onde não se vê sombra desse linguajar inculto. E onde o “fantástico” se mostra em cena culminante. O conto se intitula “Estória de D. Nazinha e de seu cavalo encantado” e o fantástico, como elemento macabro e mórbido, está. na descrição da corrida interminável do Capitão, o marido de D. Nazinha, em frente de seu quarto, na fazenda, que montava o cavalo milagroso por ele dado de presente à mulher, agora castigada no seu orgulho e progênie (...)"

Elias José teve o primeiro livro A Mal-Amada editado em 1970. Temístocles Linhares dedica-lhe um capítulo inteiro de seus 22 Diálogos. Para ele os mini-contos de A Mal-Amada não chegariam a ser contos, se não fosse o “fantástico” deles. E conclui: (...) “os melhores contos do livro são os da segunda parte, onde o “fantástico” se mostra mais débil, e eles assentam em outros elementos dramáticos, bastante intensos também, como esse da incompreensão entre os homens. Os contos de grande categoria do livro prescindem totalmente do “fantástico”.

Note-se, ainda, a seguinte observação do crítico paranaense: (...) “pode arrolar estes contos entre os “fantásticos”, pois o fantástico se mostra em muitos deles, em muitas de suas passagens, embora não seja desejo do autor, quero crer, permanecer no reino do mistério como seu iniciado.”

Ricardo L. Hoffmann fez sua estréia em 1967, porém sua “experiência plena” viria em 1971, com A Crônica do Medo, “onde passa da visão provinciana do grupo familiar a um “laboratório” da experiência humana, num romance algo fantástico, cruel, irônico”, no dizer de Assis Brasil.

Diz ainda esse crítico: “Longe de ser um romance objetivo, Hoffmann entra mais agora, decididamente, na área de uma ficção mágica, que tem caracterizado a novelística brasileira dos últimos anos. Naquela estranha casa tem lugar a “fervura” de todos os sentimentos humanos, num cadinho onde as paixões são jogadas, numa linhagem que por vezes lembra o sombrio Edgar Allan Poe de A Queda da Casa de Usher.”

Victor Giudice estreou com Necrológico, em 1972. Segundo Hohlfeldt, “desde a estréia, Giudice primou pela ironia e até mesmo o humor-negro, seja na temática da morte, que atravessa todo este volume, seja pela organização formal dos contos...” Exemplo claro desse humor-negro e o conto O Arquivo, onde um burocrata, de redução salarial em redução salarial, de rebaixamentos de postos em rebaixamentos de postos, vai, pouco a pouco, se metamorfoseando em coisa, até terminar num simples arquivo.

No prefácio de Os Banheiros, segundo livro de Giudice, saído em 1979, diz Elizabeth Lowe: “Todo o humorista é um moralista disfarçado, e as histórias de Victor Giudice, quase sempre, são acentuadamente alegóricas. Por baixo da pintura, do cetim e do brilho do mundo do Pierrot, encontra-se a poeira das ilusões fugazes. Assim como fez com a linguagem, Giudice também corporifica a moral.”

Francisco Sobreira Bezerra iniciou-se em livro com os contos de A Morte Trágica de Alain Delon, em 1972. No segundo livro, A Noite Mágica, o absurdo é o ingrediente principal da iguaria narrada. Às vezes um absurdo que, de tão cotidiano, perde o sabor de coisa literária. No conto “A Lâmina”, por exemplo.

Outras vezes, o absurdo apresenta-se como se o personagem fosse apenas um deficiente mental, incapaz de perceber o que ocorre ao seu redor, manejado por tentáculos tão torturantes quanto os fantasmas dos pesadelos. A realidade marrada aproxima-se, então, do sonho. Os protagonistas e os espectadores são meros joguetes nas malhas de seres todo-poderosos. Não é por outra razão que em certos contos desse livro a presença do elemento onírico e perfeitamente perceptível ou mesmo preponderante. Os atos e as imagens se sucedem de forma incoerente, deixando o personagem simplesmente perplexo, espantado diante da estranha realidade que vive e de que tenta desesperadamente fugir. Antes, reduz à condição de ficção, de brincadeira de mau gosto, de encenação, quando muito de logro, a peça que lhe pregam. Não acredita ser possível tão absurda realidade. Por fim se convence e tenta fugir. Mas já é tarde.

Nagib Jorge Neto teve editado seu primeiro livro, O Presidente de Esporas, em 1972. Hermilo Borba Filho chegou a dizer que o contista conseguira fundir “o realismo-fantástico, o sonho, o poético, a linguagem nova numa escrita correta de gente e terra que se aproxima, e muito, da mais extraordinária literatura latino-americana de agora” (...)

O segundo livro de Nagib, As três princesas perderam o encanto na boca da noite, publicado em 1976, saiu com uma substancial análise crítica de Ivan Cavalcanti Proença. Depois de esquadrinhar palmo a. palmo a estória-título, constata o crítico: “Em O Presidente de Esporas, que passou despercebido do grande público e da crítica, possivelmente dos mais importantes livros de contos dos últimos tempos, sem “boom” (o que equivale a dizer sem festividades), sem mais nada, a gente já encontrava o material que, aqui, vai ampliar-se e ganhar novas roupagens em alegorias mais ou menos favorecedoras de uma retomada do real.”

Cláudio Aguiar começou em 1972, com os contos de Exercício para o Salto. Seu grande passo foi dado, porém, com o romance Caldeirão, de 1982.

Para Dimas Macedo, trata-se da maior epopéia brasileira depois de Grande Sertão: Veredas e Sargento Getúlio. Quanto a defini-lo como romance fantástico, vale lembrar o parágrafo em que falamos das semelhanças entre certos acontecimentos reais e fatos narrados em obras de ficção. Ora, o fantástico não é o irreal, o nunca acontecido, o impossível. Os acontecimentos de Caldeirão são obra dos homens em sociedade. Transfigurados em ficção, adquirem uma conotação maravilhosa, mágica, absurda.

Gilmar de Carvalho publicou o primeiro livro, Pluralia Tantum, subtitulado “um livro de legendas”, em 1973. Na orelha do livro escreveu Juarez Barroso: “Seu estilo é clássico, sua narração, fabular, levemente borgeana.” E mais adiante: “Gilmar não escreve contos. O conto, por mais de vanguarda que seja, tem a sua disciplina, sua forma de discurso. Gilmar é um compositor de cantos em prosa, discípulo remoto do Rei Salomão” (...).

Dimas Macedo diz: “Sua concepção borgeana e, portanto, inusitada do apreender a concretude do universo ficcional, aliada a uma refinada capacidade de resgatar o insólito através de recursos estilísticos alegorizantes, tudo isso tem concorrido para emprestar à produção 1iterária de Gilmar de Carvalho uma situação privilegiada entre o inventário dos seus contemporâneos de geração.”

O grande momento de Gilmar de Carvalho é, no entanto, Parabelum, de l977. Para muitos, um grande romance. Para outros, uma formidável obra literária sem gênero definido.
Nilto Maciel publicou o primeiro livro, Itinerário, em 1974.

Em artigo incluído em Textos & Contextos, Francisco Carvalho observou: “Nunca será demais louvar-lhe a extrema habilidade em conduzir a fabulação das narrativas e o desenvolvimento harmonioso das situações ficcionais, muitas vezes transportadas ao plano do chamado realismo fantástico.” E mais adiante: (...) “também cultiva, em altíssimo grau, gosto acentuado pela arquitetura dos labirintos e pela recriação de temas literários da antiguidade clássica, sobretudo na esfera da mitologia, chegando a ombrear-se nesse tocante com o engenhoso Jorge Luís Borges” (...).

Referindo-se especificamente ao livro As Insolentes Patas do Cão, Francisco Carvalho faz mais duas observações que nos interessam aqui: “O conto Ilusões de Gato e Rato (p. 42) possui todos os ingredientes de uma fábula moderna, onde o bichano encarna a selvageria do poder, e o rato faz às vezes de vítima indefesa. É uma história com todas as implicações alegóricas de uma narrativa kafkiana.” (...) “Um fato que desperta a curiosidade do leitor é a presença ostensiva de gatos e ratos na ficção de Nilto Maciel. Uns e outros circulam arrogantemente em alguns dos melhores contos do livro, numa promiscuidade antropomórfica que só encontra paralelo nas célebres fábulas de La Fontaine.”

Haroldo Bruno deixou dois bons romances: A Metamorfose, publicado em 1975, e As Fundações da Morte. Aquele é uma parábola, uma alegoria que teria “um pouco de Kafka e quase nada de Apuleio”, explica o autor.

Gilvan Lemos é autor de diversos romances e contos. Publicou em 1975 Os Olhos da Treva, obra de mistérios e enigmas.

Roberto Drummond fez estréia também naquele ano, com o festejado A Morte de D.J. em Paris.
No dizer de Antonio Hohlfeldt, ele “traduz com clareza um sentimento de deslocamento, de marginalização, de expulsão do ser humano em relação à sociedade organizada.” E mais adiante: “Seja qual for a situação dramática abordada, a ação do conto encontra-se sempre envolta numa série de elementos da sociedade de consumo, que vai da escova de dentes ou dentifrício ao cigarro, os calçados, a calça, o refrigerante e assim por diante, o que levou um crítico a afirmar que todo o conto de Roberto Drummond assume um tom de “inventário” dos objetos disponíveis e absolutamente desnecessários criados pela sociedade de consumo, de onde emana “uma enorme dor, uma saudade imensa do que já foi e inexiste neste momento”, sem que se atinja qualquer grau de nostalgia, porque em momento algum a personagem pode sequer imaginar em restaurar aquele universo .”

Naomar de Almeida Filho é autor do romance Ernesto Cão, publicado em 1978. Pelo título já percebemos tratar-se de obra filiada ao mito da metamorfose. O protagonista se perde nas ruas e nos becos, atraindo sobre si os cães da cidade. Ernesto é um ser dividido, espécie de Gregor Samsa em estado de pré-metamorfose. Homem-cão, lobisomem urbano.

Socorro Trindad estreou com Os Olhos do Lixo. Em 1978 teve editado Cada Cabeça uma Sentença.
Airton Monte publicou o primeiro livro, O Grande Pânico, em 1979. No conto “A última noite” até a personagem principal tem nome simbólico – Cidadão. É o homem diante do medo coletivo de desobedecer a norma ou o costume. Alguém tem de se fazer ovelha negra e pintar a casa de azul, numa sociedade onde o costume impõe a cor cinzenta.

Paulo Véras não teve tempo de escrever muito. Em 1979 publicou O Cabeça-de-Cuia e a seguir a novela Ita.

Na opinião de Ligia Morrone Averbuck, “os vagos limites entre o real e o fantástico, a razão e a loucura, a verdade e o faz-de-conta emergem das páginas de O Cabeça-de-Cuia” (...).

Carlos Emílio Corrêa Lima surgiu em 1979, com o caudaloso A Cachoeira das Eras: a Coluna de Clara Sarabanda.

Na opinião de José Alcides Pinto, “não encontramos entre escritores contemporâneos quem, como ele, possua um potencial criativo tão variado e rico de símbolos e signos. O fantástico, o misterioso e o mítico andam de mãos dadas nesse livro.”

José Lemos Monteiro estreou em 1980, com A Valsa de Hiroxima. Seguiu-se A Serra do Arco-Íris, sobre o qual Moreira Campos disse: “Literatura fantástico-real ou absurdo-real, como se queira chamar, a lembrar também o rinoceronte de Ionesco, autor sempre referido por mim, em casos dessa natureza.”

Cristovam Buarque estreou em 1981, com o romance Sinandá. Seu quarto livro, Os Deuses Subterrâneos, se inscreve na linha da ficção científica, segundo Wilson Pereira.
Airton Maranhão tem publicados até aqui apenas dois livros. O segundo é A Dança da Caipora, de 1994. Segundo Dimas Macedo, o romance “configura uma atmosfera de ameaças e assombros, uma fusão original e envolvente dos processos de sintetização do imaginário e do alegórico presentes no inconsciente místico da tradição popular.”

CONCLUSÃO

É este o primeiro ensaio (mais no sentido de tentativa) de elaboração de uma História da Literatura Fantástica brasileira. E é também um esboço, que poderei servir de base a um livro, onde os escritores relacionados tenham suas vidas e obras esmiuçadas.

O historiador poderá, ainda, dedicar capítulos exclusivos a cada uma das modalidades da literatura neo-realista, distinguindo uns de outros escritores. Assim, aqui estarão os cultores do conte alegórico, ali os do romance gótico, acolá...

Nomes importantes terão deixado de ser mencionados nestas páginas, é que seus nomes não constam dos compêndios de História da Literatura ou dos estudos de crítica literária como cultivadores de quaisquer das categorias estéticas que, noutros tempos, se amoldavam ao estereótipo da literatura fantástica. Isto não quer dizer tenhamos realizado o trabalho tão-somente de consulta. No entanto, abstivemo-nos de emitir juízo de valor. Aqui pouco importa se tal livro é literariamente mais valioso que outro. Interessou-nos saber apenas se a obra pode ser catalogada como de literatura fantástica.

Por outro lado, não tivemos acesso à “biblioteca geral”. Assim, é possível que ensaios, teses e artigos sobre autores e livros concernentes ao assunto aqui tratado tenham escapado aos nossos olhos. Como a tese “O fantástico no conto brasileiro”, defendida por Maria Luisa do Amaral Soares, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1970.

De qualquer forma, temos certeza de que são poucos os livros, quer de História, quer de Crítica, dedicados à literatura fantástica no Brasil. Até porque também são poucos os cultores desse gênero em nosso país. E mais ainda porque cada obra dessa literatura não-real, seja ela dita simbolista, alegórica, surreal, surrealista, grotesca, estranha, maravilhosa, fantástica, real-mágica, ou como queiramos chamá-la, cada obra literária dessa natureza é, na verdade, uma obra singular e, portanto, difícil de ser classificada.

Fonte:
http://www.vastoabismo.xpg.com.br/6.html
Imagem =
http://correiodofantastico.blogspot.com

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