sábado, 15 de setembro de 2018

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) I


LÍMBICO SISTEMA

Do límbico sistema eu nada entendo, 
nem igualmente de psicologia,
mas sempre tive e continuo tendo
horror ao palavrão, que me arrepia!

Não é que eu seja algum varão pudendo,
e intransigente com a pornografia...
E nem sequer eu sou um reverendo,
talvez se trate mais é de mania...

Assim, eu tenho a língua policiada
e meus ouvidos fogem da moçada
que fala tudo, indistintamente...

Sei é que palavrão, jamais usei,
a não ser este, que aprendi e sei:
inconstitucionalissimamente!

O CRIADOR

No mesmo instante em que nos concebeu,
o Criador dotou o nosso ser
de inspiração, com todo o seu querer...
E mais, o livre-arbítrio ele nos deu!

Com isto eu posso mesmo até escolher
ser um cristão, um crente, e até um ateu...
Dar sempre a quem precisa, o que for meu,
ou só levar a vida a bel-prazer!

A liberdade dada a todos nós,
desde bem antes de nossos avós
é a grande prova de que Deus nos ama!

Para evitar, no entanto, nosso abuso,
nos deu Ele a consciência para uso;
ela é quem nos condena... ou nos aclama!

RESILIÊNCIA

Tenho perdido às vezes a paciência, 
e isto me aborrece até demais;
por qualquer coisa fico na iminência
de me tornar o pior dos “imortais”...

De fato eu nunca fora assim, jamais,
até que o meu amor, sem ter clemência,
deixou-me à-toa, por coisas banais...
Preciso, agora, de resiliência.

O meu poder de recuperação
ante um desgosto ou de sofrer pressão,
foi sempre o forte em mim, até na dor!

Quero voltar a ser resiliente;
quando ela me perdoar completamente,
de volta eu hei de ter meu grande amor!

SER POETA

Fazer poesia é fácil, meu amigo,
basta um por cento só de inspiração,
e a conclusão do poema está contigo,
é só tirá-la na transpiração.

Isto é assim já desde o tempo antigo,
na liberdade e até na escravidão,
colocada a semente num abrigo,
o restante é cuidar da plantação...

Vale a pena o suor que tu verteres,
por tudo o que requerem os afazeres,
seja no campo, ou com papel e pena.

Seja a poesia, ou mesmo outra arte,
e quem com enxada faz a sua parte,
perante a Pátria jamais se apequena!

TRIPÉ VITAL

Três relações sustem a vida humana: 
com nosso Deus, o sumo criador,
com nosso próximo, o que nos irmana, 
e com a terra, que nos dá o calor...

Confio nessa tese franciscana,
da qual o social corpo é fiador,
porque,  a felicidade,  dela emana, 
se bem cumpridas as partes, com amor!

Mas se a degradação ambiental,
e a pobreza, esse outro grande mal,
se tornam cânceres da exploração...

Desponta a crise socioambiental,
falta ao excluído a vida trivial
e ao ganancioso, sobra a indigestão!

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta

Malba Tahan (Dez anos de kest)


Interessante seria, meu bom amigo, iniciar este conto, à maneira dos escritores clássicos israelitas, citando cinco ou seis pensamentos, admiráveis, colhidos nas páginas famosas do Talmude. Como me recordar, porém, dos trechos mais belos da Sabedoria de Israel, quando é tão fraca, incerta e claudicante a minha memória? Vem-me apenas à lembrança, neste momento, um velho provérbio muito citado pelos judeus russos:

“Quando o homem é feliz, um dia vale um ano.”

A verdade contida nesse aforismo é indiscutível. E a história que a seguir vou narrar poderá servir para ilustrar a minha asserção.

Vivia em Viena, há mais de meio século, um jovem chamado Davi Kirsch, filho de um malamed (professor), homem prudente e sensato. Davi Kirsch adornava o seu espírito com uma qualidade bastante apreciável. Não ousava tomar resolução alguma de certa relevância sem se sentir esclarecido e orientado pelos conselhos dos mais velhos.

Quando pensou em casar-se, ouviu de seu judicioso pai a seguinte recomendação:

— Cabe-me dizer-te, meu filho, que deverás evitar qualquer casamento quando no consórcio resultar aproximação, por parentesco, com um roiter-id (judeu vermelho).

E acrescentou, em tom grave, com a prudência que a longa experiência da vida só ensinava aos homens:

— Se algum dia, porém, por triste fatalidade, caíres nas garras de um roiter-id procura sem demora o auxílio de outro roiter-id.

Quis o jovem Davi, com grande empenho, conhecer, mais por curiosidade que por outro motivo, a razão de ser daquele estranho conselho, mas o velho malamed se recusou terminantemente a dar, sobre o caso, qualquer explicação, alegando que tinha, para assim proceder, motivos que de consciência não poderia revelar.

Algumas semanas depois, o jovem Davi Kirsch foi procurado por um schatchhen, isto é, por um agenciador de casamentos. Trocadas as saudações habituais — Scholem Aleichem! Aleichem Scholem —, o schatchhen assim falou, assumindo como sempre um ar de máxima reserva e discrição:

— Como sei que pretendemos resolver do melhor modo possível o problema do teu futuro, com a escolha de uma companheira digna, quero informar-te de que obtive para o teu caso uma solução admirável. A noiva que tenho em vista é formosa, de família honestíssima e, além do mais, muito culta e prendada.

— E o dote? — indagou Davi grandemente interessado, procurando tocar com a máxima finura naquele assunto tão delicado.

— Quanto ao dote — aclarou logo o schatchhen, com um sorriso que traduzia o orgulho de bom profissional — está combinado que será de mil coroas e terás, ainda, dez anos de kest!

— Dez anos de kest! — repetiu Davi, numa sinceridade de veemente surpresa. — Mas isto é espantoso, inacreditável!

Sou forçado a interromper a presente narrativa para dar ao leitor não judeu, isto é, ao meu bom amigo gói (apelido com que os judeus, em geral, designam um indivíduo que não é judeu. O vocábulo “gói” [ou góim] pertence ao idioma denominado ídiche) um esclarecimento que me parece indispensável. O kest é costume tradicional entre os judeus. O pai da noiva, além do dote (que é de uso também entre os cristãos) concede ao genro, a título de auxílio para iniciar a vida, a permissão de viver durante algum tempo em sua casa, sem fazer a menor despesa, quer com a alimentação, quer mesmo com o vestuário. Esse período, durante o qual o pai da jovem toma a seu cargo a subsistência completa dos recém-casados, é denominado kest, e em geral varia de um a três anos. Para um jovem egoísta, sem ânimo para a vida, pouco inclinado ao trabalho, a oferta de um kest prolongado constitui uma isca irresistível. Era esse precisamente o caso de Davi Kirsch, indolente como um falso mendigo, amigo da boa vida e do feriado permanente.

Dez anos de kest?

Um judeu sensato não poderia hesitar. A cerimônia do noivado, com a clássica apresentação das famílias, foi marcada para alguns dias depois. Quando Davi Kirsch foi levado à presença da sua noiva, ficou maravilhado; o schatchhen não o havia iludido pintando com as cores vivas do exagero os encantos da noiva prometida. A menina era uma judia realmente graciosa, esbelta, cheia de vida, e os dez anos de kest emprestavam-lhe ao olhar, ao sorriso e aos lábios todos os ímãs inconcebíveis da beleza. Rébla, a filha do rei de Gorner, não parecera mais sedutora aos olhos do grande Salomão! Dela diria certamente o poeta: “De longe parece uma estrela; de perto, uma flor.”

Dolorosa foi, porém, a surpresa do noivo judeu ao defrontar, pela primeira vez, com o futuro sogro. Pela cor fulva dos cabelos, pelas sardas que repintavam o carão avermelhado, era o velho um tipo perfeito e inconfundível de roiter-id! Naquele momento, invadido por negrejante inquietação, recordou-se Davi do conselho que a prudência paterna lhe ditara: “Evitar qualquer aproximação, pelo casamento, com um roiter-id”! Mas que fazer naquela dependura? A sua palavra estava dada, ademais, acima de qualquer compromisso, esmagando dúvidas e receios, os dez anos de kest constituíam um argumento irrespondível diante do qual desapareciam todos os motivos que militavam contra o consórcio que se lhe afigurava tão promissor. 

Pouco tempo depois realizou-se o enlace nupcial e o jovem passou a viver, com sua adorada esposa, o seu belo período de kest, em casa do rico roiter-id.

“Esse judeu vermelho”, pensou Davi, desconfiadíssimo do caso, “alguma peça desagradável prepara contra mim. Custa-me acreditar que ele mantenha essa liberalíssima promessa dos dez anos de kest. Naturalmente aqui, em sua casa, terei um tratamento tão vil e humilhante, que nem mesmo um cão seria capaz de aturar, e ao fim de dois ou três meses, é certo, serei forçado, pela situação, a procurar outro pouso e trabalho. Alguma perfídia o meu sogro já planejou contra mim!”

Com grande espanto, entretanto, o jovem Davi verificou que o pai da esposa era de um feitio que desmentia por completo seus temores e desconfianças. O roiter-id mostrava-se delicado e afetuoso, e dispensava ao novo genro um tratamento principesco. Fazia multiplicar os pratos saborosos nas refeições, proporcionava passeios agradabilíssimos, dava-lhe roupas finas e enchia-o de presentes valiosos.

“Meu pai não tinha razão”, meditava o jovem, refletindo sobre a vida regalada e invejável que desfrutava em casa do sogro. “Que outro marido poderá ser mais feliz do que eu? Rivekelê (diminutivo carinhoso de Rachel), a minha esposa, é encantadora; por longo prazo, sem o menor trabalho, preocupação ou contrariedade, terei, nesta bela casa, mesa sempre lauta, agasalho, carinho e consideração!”

Ao cabo de alguns dias, o velho roiter-id chamou o indolente marido da filha e interpelou-o muito sério:

— Dize-me, ó Davi! És, na verdade, feliz na tua nova situação de homem casado e chefe de família?

— Muito feliz, meu sogro — confirmou o jovem, num retraimento de espanto. — Sinto-me, aqui, incomparavelmente feliz!

— Se assim é — tornou gravemente o judeu vermelho, medindo-o de alto a baixo — se é assim, o teu kest está terminado!

— Terminado o meu kest? — protestou atônito o marido parasita. — Mas se eu estou casado há pouco mais de uma semana! Como pode ser isso?

— Como pode ser? — repetiu o sogro num tom muito sério, tomando uma atitude que irradiava antipatia. — Nada mais simples. Vou provar claramente. Estás casado com minha filha há dez dias. Bem sabes que no livro dos Provérbios encontramos exalada esta sentença: “Quando um homem é feliz, um dia vale um ano.” Logo, de acordo com esse tradicional provérbio, estás casado há dez anos! Amanhã, portanto, levarás de minha casa tua esposa e irás para a tua residência. Creio que deverás, também, procurar um emprego, um meio qualquer de vida, pois de mim já recebeste o necessário auxílio, o dote e o kest prometidos.

E o nosso herói, diante da imposição do sogro, sentiu-se preso de grande furor. Quis apresentar argumentos que militavam em seu favor, mas o astucioso roiter-id se manteve intransigente, e não houve como levá-lo a reconsiderar a resolução que havia tomado, insistindo em afirmar que nada mais fazia senão atender à verdade contida no provérbio: “Quando o homem é feliz, um dia vale um ano.

Não se conformava Davi Kirsch com a ideia de ser obrigado a trabalhar para viver, e a situação a que fora, de repente, atirado envenenou-lhe o espírito com todas as toxinas do rancor. Tinha sido, a seu ver, indigno o proceder do pai de Rivekelê. Prometera-lhe, sob palavra, dez anos de kest e depois, por evidente má-fé, baseando-se num idiota brocardo judeu, reduzira o prazo a dez dias! Que tratante! Era um grande velhaco o roiter-id! Quando o interesse estava em jogo, sabia transformar um simples provérbio em lei social!

“Meu pai tinha razão”, murmurou Davi, recalcando os seus rancorosos impulsos. “Toda razão tinha, meu pai! Pratiquei uma imprudência muito séria, fazendo-me surdo aos conselhos daquele que melhor do que eu deve conhecer a vida e os filhos de Israel!”

E, resolvido a não incidir mais uma vez no erro, o jovem, recordando-se da segunda parte do conselho paterno, foi nesse mesmo dia procurar um conhecido seu, chamado Elias Bloch, também judeu vermelho, e pediu-lhe que indicasse um meio que o permitisse sair da situação crítica em que se encontrava. O inteligente Elias Bloch atendeu com amabilidade o jovem Davi, e depois de ouvir o minucioso relato da burla do kest, expediu uma risadinha seca e maldosa, e respondeu com um relâmpago de inspiração no olhar:

— Não vejo dificuldade alguma em resolver o teu caso. Irás amanhã à casa de teu sogro, e se seguires as minhas instruções sairás vencedor nesse litígio.

No dia seguinte Davi Kirsch, tendo nas mãos um exemplar da Torá — que é o livro da lei entre os hebreus — foi ter à rica vivenda do seu astucioso sogro. Depois de saudar o velho roiter-id com certa reserva e cerimônia, como se as relações entre ambos estivessem profundamente abaladas, assim falou com teatral entonação:

— Por motivos muito graves sou forçado a vir agora à sua presença. Vou divorciar-me!

Divórcio! Essa palavra para a família judaica representa uma calamidade só comparável às maiores calamidades.

— Estás louco, rapaz! — protestou o velho empalidecendo ligeiramente. — Bem sabes que o divórcio só pode ser obtido segundo a lei de Moisés. Que motivo poderá ser aludido para justificativa dessa nódoa infamante com que pretendes golpear a minha família?

— Tenho a lei a meu favor — acudiu com altivez o moço. — Como o senhor mesmo declarou e provou, vivi em sua companhia os dez anos de kest. Os doutores e rabis não ignoram que o Livro da Lei de Moisés — a Torá — diz com a maior clareza: “Quando a mulher não concebe ao fim de dez anos, o marido pode requerer o divórcio.” Ora, eu estou casado há dez anos e não tenho filhos; cabe-me, portanto, segundo a Lei, o direito de repudiar minha esposa!

— Que brincadeira é essa, meu filho! — retorquiu o roiter-id, emergindo da sua estupefação e abraçando amavelmente o genro. — Afastemos de nós as ideias tristes, pois já não foi pequeno o susto com que abalaste meu coração de pai. Fizeste mal em tomar a sério o meu gracejo sobre o tal provérbio, dos dias felizes, e, se assim é, fica o dito pelo não dito. Se eu prometi dez anos de kest é certo que poderás viver todo esse tempo em minha casa.

E concluiu, com um gesto convencido e superior, passando lentamente a mão pelos cabelos avermelhados:

— Jamais deixei, menino, como um bom judeu, de cumprir a palavra dada.
____________________________
Fonte:
Malba Tahan. Lendas do Bom Rabi. 
Rio de Janeiro/RJ: Editora Record, 2011

Nei Garcez (Elos de Trovas) Eclipse



O sol vive amargurado
sem ninguém pra conversar,
nem estrelas, ao seu lado,
que pudessem cintilar.

Fulgurava, tanto, tanto,
com seu brilho tão bonito,
que as estrelas, pelo encanto,
se apagavam no infinito.

Soube que elas aparecem
só à noite pra brilhar,
pois, ao rei sol, esmaecem,
escondendo o cintilar.

Sem perder sua paciência,
esperou o dia certo...
E não é que a providência
o deixou boquiaberto!

Viu a lua, em pleno dia...
Não parava no lugar.
Assim mesmo a perseguia
pra poder se enamorar.

Encontrando a amada sua,
começou por ofuscar…
Era o sol beijando a lua
em pleno eclipse solar!

Fonte:
Trovas em Marcadores de Livros,  enviados pelo trovador curitibano Nei Garcez.

Carolina Ramos (Quem somos nós?)


Duas linhas paralelas correm rumo ao mesmo objetivo – desvendar a origem do Universo e dos porquês da vida, ou seja, o eterno questionamento que se debate dentro de cada um e não apenas na cabeça dos filósofos: - “quem somos, donde viemos, para que viemos e para aonde iremos”, quando, enfim, virarmos pó?!

Uma, dessas linhas, em traço sinuoso, leva, continuamente a um enovelado de teorias filosóficas e científicas, evolucionistas e sempre bastante complexas! Algumas dessas teorias, aceitando ou corrigindo, dão continuidade às definições que as precederam; ou, abandonam o que foi dito e defendem pontos conflitantes, sem que, no entanto, nenhuma delas, sempre avançando em estudos, chegue, através dos tempos, a uma definição convincente e conclusiva, capaz de satisfazer, inclusive, aos próprios autores.

Esta indefinição, com certeza, há de perdurar por um tempo indefinido, que se estenderá, com certeza, até muito além da vivência de qualquer um de nós.

E, se essa linha científica, Evolucionista -  embora impulsionada por uma gama fantástica de pesquisas conduzidas através de séculos por inteligências das mais privilegiadas - ainda hoje esbarra em mistérios intransponíveis, sem  conseguir chegar a uma conclusão conciliatória, quem sou eu, para aventurar-me a segui-la?!  E, muito menos, a arvorar-me em explicá-la, o que ainda seria mais grave?!

Já a outra linha doutrinária, a Criacionista, apresenta, em contraposição, uma Verdade absolutamente plena: – Deus!

 E, com argumentação definitiva, oferece-me certo repouso ao conciliar-me comigo mesma, embora apresente, também, mistérios a serem  aceitos, sem conflitos por quem, com humildade e sem pretender desvendá-los, sente  que aquela Verdade, colocada ao seu alcance, o satisfaz!

A primeira vertente me atrai como curiosidade. Não sendo, entretanto,  conclusiva,  não me satisfaz plenamente. Esclarece muita coisa, mas... estaca, assim que chega ao principal. Aponta o desconhecido, contudo, não o desvenda. Consequentemente, não oferece o repousante desfecho àquela curiosidade que impulsiona o leitor até a derradeira página  de um alentado livro.

Já a linha oposta, a Criacionista,  responde aos meus porquês e me oferece objetivos. Ao dar sentido à vida, tranquiliza-me  e me ajuda a viver, sem maiores questionamentos.  E, acima de tudo, ao valorizar o rumo dos meus passos, abre um caminho à minha frente! Caminho capaz de me conduzir a algo que me determino a alcançar, desde que me fiz gente.

Portanto, continuo a ler, passivamente, e com muita satisfação, o que me vem às mãos, com o mesmo diletantismo ávido de quem quer saber algo mais sobre esse apaixonante e contestado assunto, mas, também, com a certeza de que, virada a última página, nada terá alterado as convicções de quem crê porque quer crer, convicta de que, se a Ciência tem limitações...  a Fé jamais as  tem!

Fonte:
Texto enviado pela autora

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

37ª Semana Literária SESC Maringá (17 a 22 de setembro – Programação)

Local:
Av. Duque de Caxias,1517
Telefone: (44) 3265-2750

DIA 17/09 – Segunda-Feira

 9h  ; 10h ; 14h
Conto de fadas às avessas, com Fernanda Munhão
O espetáculo reúne histórias inspiradas em contos de fadas clássicos com finais surpreendentes, entre outras situações engraçadas. Porquinhos, fadas, príncipes e duendes são repaginados de forma cômica e atual. Além das histórias, o espetáculo é composto de músicas autorais da própria narradora, que interagem com a narração de modo divertido para todos os públicos.

14h ; 15h
A maior flor do mundo, com Cia TPK
“A maior flor do mundo” é uma magnífica história para crianças, mas, antes de tudo, é um legítimo Saramago, o que o torna uma fonte de prazer também para adultos. Em perfeita sintonia com a sensibilidade dos pequenos leitores, o autor transmite para este livro, a inventividade poético-narrativa contida em suas obras. A Cia TPK vem contar esta história de uma forma a dialogar com as linguagens cênicas.

15h
Produção literária e seus caminhos
com Domingos Pellegrini
Neste encontro, Pellegrini vai falar sobre sua trajetória como escritor desde o início da carreira até os dias atuais: o dia a dia da profissão e como funciona o processo criativo de uma obra. Pellegrini contará também sobre o desafio de escrever para um público mais jovem, contando a história de suas obras.

20h
Vozes femininas e literatura
com Letícia Wierzchowski e Karen Debértolis
Durante longos anos, a literatura foi cenário dominado pelos homens, cabendo às mulheres o papel de frágeis e doces donzelas, o que foi alterado com as percursoras da escrita feminina, que mesmo sob pseudônimos encontraram uma fenda e se infiltraram no universo da escrita. Ondas feministas contribuíram diretamente para o fortalecimento das escritoras, sendo o trabalho delas ferramenta de propagação dos ideários do movimento. Contudo, esse foi um processo árduo e lento de ruptura de toda uma cultura imposta sobre a falta de intelecto das mulheres. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a produção feminina se intensifica entre os séculos 18 e 19, apenas na segunda metade do século 19 que a escrita feminina se intensificou no Brasil, embora grandes nomes já tivessem despontado anteriormente. Estaria a escrita feminina impreterivelmente atrelada ao movimento feminista? Em tempos onde o termo empoderamento é tão forte e representativo, seria adequado limitarmos a escrita de mulheres ao termo literatura feminina, considerando a busca atemporal por igualdade entre os gêneros? Por que ela se diferenciaria dos textos de escritores?

DIA 18/09 – Terça-Feira

9h ; 14h ; 15h
Africontos, com Cia Mapinguary
A Cia Mapinguary traz como centro do espetáculo Africontos o continente africano, berço da civilização, onde a oralidade se faz de extrema importância para a manutenção de todo um repertório cultural de um povo. A sabedoria e cultura de um povo através das histórias. Ao tocar do tambor, começa a narração das histórias, como Os gêmeos do tambor, oralidade do povo Massai, a cigarra e o camundongo, história do Mageb, depois o Macaquinho de Nariz Branco, conto da Guiné-Bissau, e por fim Ananse e o Pote da sabedoria, entre muitas outras!

10h
Histórias de arrepiar: literatura policial e suspense
com Raphael Montes
Raphael Montes é um dos nomes com maior destaque atualmente no gênero policial, considerado o mais importante romancista policial da nova geração no Brasil. Desprendido de estigmas de “como se escrever um bom livro”, enreda as histórias de maneira que o escritor fica preso a elas e à trama envolvida. Todo esse despojamento e sagacidade o colocam no topo dos livros mais vendidos do estilo e garante a ele uma legião de fãs. Montes participará de um bate papo sobre suas obras e sobre os desafios de escrever romances policiais na atualidade e sobre o seu estilo de escrita.

DIA 19/09 – Quarta-Feira

9h
Canções paranaenses com a Banda Retrosense e orientadores do Centro de Difusão Musical (CDM)
Apresentação de canções paranaenses com os orientadores de Atividades do Centro de Difusão Musical (CDM) - SESC Maringá e a Banda Retrosense. Retrosense é uma banda de Rock Alternativo de Maringá- PR. A banda foi formada em 2012 por Rash (vocal), Otávio Kosak (guitarra), José Roberto (bateria), influenciados por bandas como ABBA, Roxette, The Cramberries, Paramore.

09h30 ; 10h30 ; 14h30 ; 15h30
Encontro com a escritora Vanessa Meriqui
A autora remete primeiramente à oralidade, ferramenta primordial do seu ofício: contar histórias é possivelmente uma das mais antigas manifestações artísticas da humanidade. Desde sempre, reunir adultos e crianças para ouvir histórias, conhecer personagens que falam à nossa alma, que ultrapassam obstáculos, enfrentam desafios e longas jornadas para, ao final, serem felizes ou simplesmente nos dizer algo, é dar voz à imaginação humana, é buscar a construção de um mundo mais leve.

14h ; 15h
Helena de Curitiba
“Helena de Curitiba” narra a história da professora e poetisa paranaense Helena Kolody. O documentário traz imagens e depoimentos inéditos da poetisa, colhidos um mês antes de sua morte, em fevereiro de 2004, aos 92 anos. O enredo do filme nasce com cenas fictícias da infância e adolescência dela em meio à natureza paranaense, passando pelo amadurecimento da escritora, professora e mostrando a sua história como filha, jovem, mulher e autora. Relata parte da história da imigração ucraniana no Paraná através de imagens do acervo da Cinemateca de Curitiba.

DIA 20/09 – Quinta-Feira

9h ; 10h  ; 14h
Pitico, o menino que queria voar, com João Luiz do Couto
O espetáculo une músicas, narrativas e imagens. Por meio da musicalização, brincadeiras e trava-línguas emoldura a história de um menino ávido por voar no mundo da literatura, que morava em uma cidade cercada por muros, e que sonha em um dia poder ver a luz além da muralha. Uma história para gostar de ler!

14h
Sarau poético-musical com os textos de “Samba de Uma Noite de Verão”
com Renato Forin Jr.
O encontro com o escritor, jornalista e diretor de teatro Renato Forin Jr. é sobre as relações entre literatura, música e teatro. O trabalho terá como base o seu livro-CD “Samba de Uma Noite de Verão”, premiado na categoria “Adaptação” na última edição do Jabuti. Nesta dramaturgia, o autor de Londrina reescreve o clássico “Sonho de Uma Noite de Verão”, de Shakespeare, como uma metáfora da formação do país, só com elementos e personagens da cultura brasileira. A oficina terá caráter teórico-prático e passará por conversas sobre identidade nacional, poesia, oralidade e transposição do texto escrito para o corpo e para a voz.

16h30
Lira Otaku, com o escritor Roberth Fabris
O bate-papo consiste numa homenagem ao Imin 110 - amizade Brasil Japão, por meio de poemas de anime como Pokemon, Saint Seya, Bleach, tarde de autógrafos, curiosidades e fotos com os presentes, sendo que o escritor vai estar com roupas temáticas vindas do Japão valorizando o mundo otaku, será uma tarde uma tarde geek animada.

19h
O Contador de Causos, com a escritora Loide Caetano
O contador de causos, de autoria da escritora Loide Caetano, é um livro que une história e ficção. A obra é baseada em algumas das inúmeras histórias contadas por Agenor Borghi, conhecido como Zico Borghi, um pioneiro que chegou a Maringá com a sua família em 1946 e nela vivenciou todo o processo de uma cidade em formação. Viu a mata ser derrubada, a chegada de muitas famílias e a plantação de lavouras de café. Por ser uma pessoa criativa, Zico Borghi apropriou-se de alguns elementos da cultura popular e criou suas próprias histórias como se ele mesmo tivesse enfrentado animais estranhos como a mula sem cabeça, o lobisomem, o tamanduá chupa-cabra, entre outros.

DIA 21/09 – Sexta-Feira

9h  ; 15h
Histórias da nossa gente, com Viramundo
Você já ouviu falar de um tal vaqueiro que não sabia mentir? Ou, quem sabe, conhece Alexandre e seu olho torto? Já ouviu os causos sobre o duelo entre o sábio e o camponês? Sabe como as crianças indígenas da América do Norte colocaram o céu no lugar onde ele está até hoje? Essas e outras histórias e personagens são evocadas e nos transportam ao fantástico da cultura popular oral e do universo mágico da literatura infanto-juvenil.

10h ; 14h
Vermelho de dar dó, com Cristiano Gouveia
O músico, escritor e contador de histórias Cristiano Gouveia apresenta um  encontro entre as linguagens artísticas: o som vira narrativa, a literatura vira uma história cantada, uma música ganha as páginas de um livro para crianças. Cristiano apresenta contos cantados inspirados em livros, causos, fábulas e histórias do mundo inteiro. E apresenta também seu livro/cd Vermelho De Dar Dó, a uma história cantada inspirada no conto clássico da Chapeuzinho Vermelho.

19h

Canções paranaenses com a Banda Retrosense e orientadores do Centro de Difusão Musical (CDM)
Apresentação de canções paranaenses com os orientadores de Atividades do Centro de Difusão Musical (CDM) - SESC Maringá e a Banda Retrosense. Retrosense é uma banda de Rock Alternativo de Maringá- PR. A banda foi formada em 2012 por Rash (vocal), Otávio Kosak (guitarra), José Roberto (bateria), influenciados por bandas como ABBA, Roxette, The Cramberries, Paramore.

DIA 22/09 – Sábado

8h às 12h; 14h às 18h
Oficina: Formação de contação de histórias com Viramundo
Partindo da máxima da literatura enquanto arte da palavra, esta oficina propõe refletir acerca do texto literário tomando-o como fundamental para a formação humanizada do indivíduo. Deste modo, serão pautados diálogos acerca da arte do narrar: a contação de histórias e suas aplicações em sala de aula.
Carga Horária: 8h
Número máximo de participantes: 50
Custo: Gratuito

Fonte:

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

MIFORI (Participe de Duas Cirandas de Trovas)

I. CIRANDA DE TROVAS 
USANDO A PALAVRA SONO

1. O que determina o sono
não é a maciez de uma cama
nem o tempo inverno – outono.
Sua mente é que declama.
Mifori – UBT/ S. José dos Campos

2. Quase sempre eu me emociono
quando eu sonho com você;
e acordo feliz do sono,
tão feliz! Será por que? 
Amilton Maciel Monteiro – UBT/ S. José dos Campos

3. Ao desafeto abandono
e durmo feliz assim:
pois não vou perder o sono
por quem não gosta de mim.
Edweine Loureiro - UBT-Japão

4. O sono é suave estrada,
macia como veludo...
que, embora não tenhas nada, 
um  sonho te dará tudo!
Carolina Ramos – UBT/ Santos

II. CIRANDA DE TROVAS 
USANDO A PALAVRA ESPELHO

1. O que determina o sono
não é a maciez de uma cama
nem o tempo inverno – outono.
Sua mente é que declama.
Mifori – UBT/ S. José dos Campos

2. O espelho é amigo sincero,
que às vezes, sem caridade,
não diz aquilo que eu quero,
mas... sempre diz a verdade!
Carolina Ramos – UBT/ Santos

Enviar trovas para mifori@terra.com.br

Joaquim de Melo Freitas (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 5) III


ANTONIO PEDRO

Antonio Pedro, astro fulgurante
Que cruzas do tablado a vasta senda
Como guerreiro impávido da lenda,
Que, em busca de proezas, vaga errante.

Ei-lo cingindo as armas de diamante!
Sem que o cansaço, ou vil temor o prenda,
Cada vez mais se engolfa na contenda,
Em prol da esquiva fama alti-sonante.

Quando o véu do futuro descortino
No alcáçar da justiça, que rebrilha
Sabeis o que descubro, e vaticino?

(Isto me pasma! transporta! e maravilha!)
Votado a berço humilde p'lo destino
Filho do povo, “a Gloria te perfilha”!

MISTERIOSO ABISMO

Tépido sonho de luz
corpo, que destila aroma
sublime e claro axioma
espargindo amor a flux!

Uma vertigem produz
teu olhar, o seio, a coma,
voluptuoso sintoma
que a fantasia traduz.

Débil flor, que o sol admira
beijando com azedume
as estrelas de safira...

mas ninguém sequer presume
que o meu coração expira
na mortalha do ciúme.

NA FLORESTA

Conversa nos abetos a bafagem,
Nas franças range o vento compassado
E à matilha esquivando-se um veado
Pasma de ver no brejo a sua imagem.

Que rumor tão sutil, que doce agrado,
Poesia terna e pérfida, selvagem,
Em que os ecos se arrastam na folhagem
Entre dóceis de musgo aveludado.

Irrompem as gazelas nos aceiros
E as cobras aparecem na gesta
Quando as gralhas alagam os olmeiros.

Triste como o silencio da floresta,
Ouço dentro de mim uivos d'horror.
Combatem dois leões – “Ciúme e Amor!”

O CÃO DE BORDO

A cerração é densa. O pobre iate
Sem leme desarvora na refrega;
Penetra na escotilha a onda cega,
Alquebra-se o baixel no duro embate.

A trovoada estala, a proa abate;
No escaler a maruja ao céu se apega,
Este a vida infeliz surdo lhe nega,
Que as lágrimas não bastam p'ra resgate!...

Um cão hirsuto, magro, avermelhado,
Com os olhos chorosos, flamejantes,
Que brilham como negros diamantes

Late com desespero, busca a nado,
Mergulha entre os cadáveres boiantes,
O dono encontra, e morre extenuado.

NO HARÉM

No matiz do tapete auri-felpudo
Haydé reclina as formas langorosas,
Cismam d'inveja purpurina as rosas
Admirando-lhe as faces de veludo.

Modelo, que convida a obsceno estudo
N'um desmaio entre gases vaporosas
Pelas cassoulas de prata suntuosas
O âmbar, o beijoim arde a miúdo.

Quando rompe nos céus a madrugada
Sentem-se beijos em lascivo espasmo
Que iluminam a alcova perfumada

E um eunuco decrépito sarcasmo!-
Que a barbacã vigia na esplanada,
Crê-se na terra um mero pleonasmo.


ESCULTURA

Que bela estátua! Colo d'alabastro,
Um riso de cristal, faces ardentes,
Um adereço de pérolas os dentes
E os olhos chispam o fulgor d'um astro!

De maus intentos o porvir alastro
Porque passando desdenhosa sentes,
Que intimidas com lívidas correntes
Quem doido beija o sulco do teu rastro.

Paradoxo cruel! treva d'arminho,
Ídolo deslumbrante, ruim criança
Que da ternura forjas sevo espinho!

Quando te vejo ocorre-me a lembrança,
Flor de gelo, sinistro rosmaninho,
D'enforcar-me a sorrir na tua trança.

Fonte:
Joaquim de Melo Freitas. Garatujas. 
Aveiro/Portugal: Imprensa Commercial, 1883

Irmãos Grimm (O Pássaro de Ouro)


Houve, uma vez, um rei que possuía, atrás do castelo, um belíssimo parque, no qual havia uma macieira que dava maçãs de ouro. Quando as maçãs ficaram maduras, contaram-nas todas, mas logo na manhã seguinte faltava uma. Avisaram o rei e ele ordenou que todas as noites ficasse um guarda vigiando debaixo da macieira.

O rei tinha três filhos, e ao anoitecer, mandou o mais velho ficar no jardim, mas este, à meia-noite, não pôde resistir ao sono e, na manhã seguinte, faltou mais uma maçã. Na outra noite, foi a vez do segundo ficar de guarda, mas não teve melhor sorte: quando soou meia- noite, adormeceu e, pela manhã, faltava outra maçã. Chegara a vez do terceiro, mas o rei não confiava muito nele, pensando que faria ainda menos que os irmãos; contudo, acabou por consentir que ficasse vigiando. O jovem deitou-se sob a macieira e velou sem deixar-se vencer pelo sono. Quando bateu meia-noite, percebeu no ar um ruflar de asas e, à claridade da lua, viu chegar um pássaro voando, cujas penas cintilavam como ouro.

O pássaro pousou na árvore e tinha apenas desprendido uma maçã com o bico, quando o jovem lhe atirou uma seta. O pássaro fugiu, mas a seta atingira-lhe as penas de ouro, deixando cair uma no chão. O jovem apanhou-a e, na manhã seguinte, foi levá-la ao rei, narrando-lhe tudo o que ocorrera durante a noite.

O rei convocou o conselho, e os ministros todos afirmaram que uma pena dessas valia mais do que o reino todo.

- Se esta pena é tão preciosa, - disse o rei - de que vale possuir uma só? Eu quero o pássaro inteiro e hei de consegui-lo.

O filho mais velho, pôs-se a caminho e, confiando na própria inteligência, ia com a certeza de encontrar o pássaro de ouro. Após ter caminhado bom trecho, avistou uma raposa à entrada da floresta; apontou sobre ele a espingarda para atirar, mas a raposa gritou:

- Não atires, eu te darei um bom conselho. Sei que vais em busca do pássaro de ouro; hoje, à noite, chegarás a uma aldeia onde há duas estalagens, uma em frente da outra. Uma delas é bem iluminada e oferece ambiente alegre, mas não entres nela, vai para a outra, embora tenha aspecto feio e pouco acolhedor.

"Como pode, um animal tão estúpido, dar conselhos acertados!" pensou o príncipe, e atirou mas errou o alvo. A raposa esticou o rabo e correu para a floresta. Ele prosseguiu caminho e, à noite, chegou à aldeia onde estavam as duas estalagens; numa cantavam e dançavam; a outra tinha aspecto pobre e tristonho. "Eu seria um grande louco, - pensou ele, - se fosse para aquela estalagem miserável, em vez de ir para esta outra bem melhor." Assim, entrou na que se apresentava alegre e festiva e lá, todo entregue aos prazeres, esqueceu-se do pássaro, do rei e de todos os bons preceitos.

Após certo tempo, vendo que o irmão mais velho não voltava, o segundo pôs-se a caminho à procura do pássaro de ouro. Tal como seu predecessor, encontrou a raposa, que lhe repetiu o bom conselho, mas ele não lhe deu atenção. Chegou ao local das duas estalagens e, daquela em festança, surgiu o irmão na janela chamando-o. Ele não pôde resistir, entrou e entregou-se aos divertimentos.

Decorrido mais algum tempo, o menor dos três irmãos quis, por sua vez, tentar a sorte, mas o pai não queria permitir, dizendo aos que o cercavam:

- É inútil. Se os irmãos não encontraram o pássaro de ouro, muito menos o encontrará este; além disso, se lhe acontecer alguma complicação, não saberá como sair-se dela, falta-lhe um "parafuso"!

Mas, por fim, para que o filho o deixasse em paz, deixou-o partir. À entrada da floresta estava a raposa, a qual lhe suplicou que lhe poupasse a vida e deu-lhe um bom conselho. O jovem príncipe era generoso e respondeu:

- Fica sossegada, raposinha, não te farei mal algum.

- E não te arrependerás, - respondeu a raposa - se queres chegar mais depressa, monta na minha cauda.

Assim que o príncipe se instalou na cauda da raposa, ela deitou a correr desabaladamente, com os cabelos zunindo ao vento. Quando chegaram à aldeia, o jovem desmontou e seguiu o conselho dado; sem olhar para nenhum lado, entrou na estalagem indicada, onde pernoitou tranquilamente. Na manhã seguinte, quando chegou ao meio do campo, a raposa já estava lá e disse:

- Vou ensinar-te o que deves fazer. Anda sempre direito para a frente, chegarás finalmente a um castelo, na frente do qual encontrarás um batalhão de soldados. Mas não receies nada, porque estarão todos dormindo e roncando; passa no meio deles, entra diretamente no castelo e atravessa todas as salas, até chegar àquela onde está dependurada uma gaiola de madeira com o pássaro de ouro dentro. Aí perto, bem à mostra, encontrarás uma gaiola de ouro vazia; não queiras tirar o pássaro da gaiola feia para pô-lo na outra preciosa: poderia ser-te fatal.

Tendo dito isso, a raposa esticou, novamente, a cauda e o príncipe montou nela; depois, com o vento zumbindo por entre os cabelos, desabalaram em carreira vertiginosa. Chegando ao castelo, o príncipe encontrou tudo, exatamente, como lhe havia dito a raposa. Entrou na sala onde estava o pássaro na sua gaiola de madeira, tendo ao lado a gaiola de ouro; viu as três maçãs de ouro espalhadas pelo chão. Então, achou que seria ridículo deixar aquele belo pássaro na gaiola tão feia; abriu a portinhola, pegou-o e colocou-o na outra de ouro. Imediatamente o pássaro soltou um berro agudo; os soldados acordaram, precipitaram-se dentro do castelo, prenderam o príncipe e o conduziram à prisão. Na manhã seguinte, foi julgado e, sendo réu confesso, condenado à morte.

O rei disse-lhe que o libertaria, com a condição, porém, de trazer-lhe o cavalo de ouro, que era mais veloz que o vento, e lhe daria ainda, como recompensa, o pássaro de ouro.

O príncipe saiu andando, suspirando tristemente: onde iria encontrar o cavalo de ouro? Nisso avistou a sua velha amiga raposa deitada na estrada.

- Viste, - disse ela - o que te aconteceu por me desobedeceres? Mas não te amofines, eu te ajudarei e te ensinarei o que tens a fazer. Deves andar sempre direito para a frente até chegar a um castelo e ali, na estrebaria, encontrarás o cavalo de ouro. Diante da estrebaria estarão deitados os cavalariços, dormindo e roncando sossegadamente; assim não te será difícil tirar o cavalo de ouro. Mas presta bem atenção: poe-lhe a sela feia de madeira e couro, não aquela de ouro dependurada perto; se não tudo te correrá mal.

Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e sairam em carreira desabalada, com os cabelos zumbindo ao vento. Tudo se processou conforme dissera a raposa: ele chegou à estrebaria onde estava o cavalo de ouro; mas, no momento de pôr-lhe a sela feia, pensou: "Um animal tão bonito faz uma figura ridícula se não lhe ponho a sela que lhe compete." Mal o tocou com a sela de ouro, o cavalo pôs-se a relinchar com toda a força. Os cavalariços acordaram, agarraram o jovem e o trancaram na prisão. Na manhã seguinte, o tribunal condenou-o à morte, mas o rei prometeu fazer-lhe mercê e dar-lhe, ainda por cima, o cavalo de ouro se conseguisse trazer-lhe a bela princesa do castelo de ouro.

O jovem pôs-se a caminho com o coração anuviado; felizmente não tardou a encontrar a fiel amiga raposa, que lhe disse:

– Eu deveria deixar-te na desventura, mas tenho pena de ti e, ainda desta vez, quero auxiliar-te. O caminho te conduzirá direto ao castelo de ouro, onde chegarás à tarde; durante a noite, quando tudo estiver silencioso, a bela princesa vai banhar-se no pavilhão. Quando ela entrar, agarra-a e dá-lhe um beijo: então ela te seguirá e poderás levá-la contigo. Mas não deixes que diga adeus aos pais, do contrário, tudo te correrá mal.

Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e, em carreira desabalada, saíram, com os cabelos zumbindo ao vento. Quando chegou ao castelo de ouro, encontrou exatamente o que lhe dissera a raposa. Ele aguardou até meia-noite. Então, fez-se silêncio, tudo dormia, e a bela princesa entrou no pavilhão para banhar-se; ele, num gesto rápido, agarrou-a e deu-lhe um beijo. Ela disse que o seguiria de bom grado, mas suplicou, chorando, que a deixasse dizer adeus aos pais. No começo, ele se opôs às suas súplicas mas, como ela chorava cada vez mais, prostrando-se aos seus pés, acabou por consentir. Assim que a princesa se aproximou do leito do pai, este despertou ao mesmo tempo que despertavam todos os que dormiam no castelo; prenderam o jovem e trancaram-no na prisão.

Na manhã seguinte, disse o rei:

– Tu mereces a morte; mas serás absolvido se conseguires arrasar a montanha que há defronte da minha janela e que me impede ver longe; terás de fazer isso dentro de oito dias. Se o conseguires, terás minha filha como recompensa.

O príncipe pôs-se a cavar, a cavar sem interrupção, mas, passados sete dias, vendo quão pouco havia feito e que todo o seu trabalho nada representava, abismou-se em profundo abatimento, perdendo todas as esperanças. Na noite do sétimo dia, porém, apareceu-lhe a raposa, dizendo:

– Não mereces que me preocupe contigo, mas podes ir dormir, eu farei o trabalho.

Na manhã seguinte, quando o príncipe acordou e olhou para fora da janela, a montanha havia desaparecido. Louco de alegria foi correndo levar a notícia ao rei; então o rei, querendo ou não, foi obrigado a cumprir a promessa e dar-lhe a filha.

Partiram os dois. A fiel raposa não tardou a alcançá-los e disse-lhe:

– É verdade que possuis o melhor, mas à princesa do castelo de ouro pertence, também, o cavalo de ouro.

– Que hei de fazer para obtê-lo? - perguntou o príncipe.

– Digo-te já. - respondeu a raposa - Primeiro leva a bela princesa ao rei que te enviou ao castelo de ouro. Ficarão todos extasiados e de boa vontade te darão o cavalo. Monta-o depressa e despede-te de todos, estendendo-lhes a mão; por fim estende a mão à bela princesa, agarra-a, monta-a rapidamente no cavalo e sai correndo à rédea solta. Ninguém conseguirá apanhar-te, pois o cavalo corre mais que o vento.

Tudo correu perfeitamente bem e o príncipe levou consigo a bela princesa no cavalo de ouro, A raposa não se fez esperar muito e disse-lhe:

– Agora te ajudarei a capturar também o pássaro de ouro. Perto do castelo onde se encontra o pássaro, a princesa apeará e eu tomarei conta dela. Tu, no cavalo de ouro, entra no pátio; quando te virem ficarão todos felizes e te darão o pássaro. Assim que tiveres na mão a gaiola, volta voando a buscar a princesa.

Tendo corrido tudo perfeitamente, o príncipe quis regressar a casa com todos os tesouros conseguidos, mas a raposa disse-lhe:

– Agora tens que me recompensar por todo o auxílio que te prestei.

– O que desejas? - perguntou o príncipe.

– Quando estivermos na floresta, tens que matar-me e cortar-me a cabeça e as patas.

– Que bela recompensa! - disse o príncipe - Não posso absolutamente atender ao teu pedido.

– Se não queres fazê-lo, - disse a raposa - terei de abandonar-te; mas, antes disso, quero dar-te ainda um bom conselho. Livra-te de duas coisas: comprar carne destinada à forca e sentar-te à beira de um poço. 

Dizendo isto, fugiu para a floresta.

O jovem pensou: "Que animal esquisito! Tem cada ideia extravagante! Quem jamais compraria carne destinada à forca? E vontade de sentar-me à beira de um poço também nunca tive." Continuou o caminho, levando a linda jovem. O caminho passava pela aldeia onde haviam ficado os irmãos; ao chegar lá, viu um grande aglomerado de gente e muita algazarra. Tendo perguntado o que se passava, responderam-lhe que iam enforcar dois facínoras. Aproximando-se do local, viu que eram seus dois irmãos, os quais, tendo cometido toda espécie de perversidade e tendo malbaratado todos os haveres, estavam condenados a morrer na forca. O jovem perguntou se não era possível libertá-los.

– Sim, - responderam-lhe - se estás disposto a gastar todo o teu dinheiro para resgatá-los!

O jovem, sem hesitar, pagou tudo por eles; assim que ficaram livres viajaram em sua companhia.

Chegaram à floresta onde, da primeira vez, tinham encontrado a raposa. O sol queimava como fogo e, como o lugar aí fosse ameno e fresco, os dois irmãos disseram:

– Descansemos um pouco aí junto do poço e aproveitemos para comer e beber.

O jovem concordou e, entretido na conversa, sentou-se distraidamente na beirada do poço. Então os irmãos o fizeram cair de costas e o empurraram para dentro do poço; depois apoderaram-se da princesa, do cavalo e do pássaro e voltaram para a casa do pai.

– Não trazemos apenas o pássaro de ouro, - disseram - conquistamos também o cavalo de ouro e a princesa do castelo de ouro.

Todos estavam perfeitamente felizes, menos o cavalo, que não comia, o pássaro, que não cantava, e a princesa, que não parava de chorar.

Mas o irmão menor não tinha morrido. Por felicidade, o poço estava seco e ele caiu sobre o musgo macio, sem sofrer o menor mal; não conseguia, porém, sair de lá. Também, nessa angustiosa emergência, a fiel raposa não o abandonou; pulou para junto dele e repreendeu-o, severamente, por ter-lhe esquecido o conselho.

– Contudo, não posso deixar de restituir-te à luz do sol.

Mandou que se agarrasse e segurasse bem na sua cauda e, assim, puxou-o para fora. Depois disse:

– Ainda não estás livre de todos os perigos, teus irmãos mandaram sentinelas cercar a floresta, com ordens para te matar se te virem.

O rapaz agradeceu e foi andando. Ao chegar a um atalho, viu um pobre maltrapilho sentado, muito triste, e pediu-lhe que trocassem as respectivas roupas; assim disfarçado, conseguiu chegar são e salvo ao castelo real. Ninguém o reconheceu, mas logo o pássaro se pôs a cantar, o cavalo a comer e a jovem parou de chorar. O rei muito admirado, perguntou:

– Que significa isso?

– Não sei explicar, - disse a jovem - mas eu estava tão triste e eis que agora me sinto tão alegre! Como se tivesse chegado o meu verdadeiro noivo.

E contou ao rei tudo o que ocorrera, muito embora a houvessem, os dois irmãos, ameaçado de morte se revelasse qualquer coisa. Ouvindo isso, o rei ordenou que se apresentasse diante dele toda a gente do castelo; o jovem também compareceu, disfarçado em pobres andrajos. A princesa, porém, reconheceu-o imediatamente e correu a lançar-se-lhe ao pescoço.

Os perversos irmãos foram presos e condenados; enquanto que o menor casou com a bela princesa e foi nomeado herdeiro do trono.

E a raposa, que fim levou?

Muito tempo depois, o príncipe voltou à floresta e lá encontrou a raposa, que lhe disse:

– Tu agora tens tudo o que desejar se possa, mas a minha infelicidade nunca tem fim; entretanto, está em teu poder libertar-me.

E, novamente, suplicou-lhe que a matasse e lhe cortasse a cabeça e as garras. Ele obedeceu e, no mesmo instante, a raposa transformou-se num homem, o qual outro não era senão o irmão da bela princesa, libertado, finalmente, do encanto a que fora condenado.

Assim nada mais faltou para que fossem todos felizes até o resto de suas vidas.