A doce voz das camenas*,
na fonte, sempre a chorar…
Vai dobrando as minhas penas,
nas penas do meu cantar!
Amores na mocidade!…
Depois, a contrapartida:
Cansaço, dor e saudade,
na curva extrema da vida!
Aquela casinha pobre,
piso de terra batida…
Fiz dela, a mansão mais nobre,
na infância de minha vida!
A saudade é sempre afoita,
mansa, chega sutilmente,
depois que chega e se amoita,
começa a bater na gente!
Da engenhoca de madeira,
que vovó fiava nela…
Eu guardo o fuso, a cadeira
e a dor da saudade dela!
Em seus varais, sempre expostas,
bem cedo ao romper do dia…
As nuvens, trazem nas costas,
mil caçuás** de poesia!
Esta dor que, em mim, persiste
e não me deixa dormir!…
É “aquela” lembrança triste
do que deixou de existir!
Eu e tu, meu passarinho,
no penar, somos iguais!
Penas longe do teu ninho,
e eu, do ninho de meus pais!
Mesmo que o amigo te ofenda,
não temas, sê mais feliz;
que a mão do tempo remenda
toda e qualquer cicatriz!
Não tinha ceia!… No entanto,
ao lado de nosso pais,
brindamos noites de encanto,
no encanto e outros Natais!
Nas areias calcinadas
do meu sofrido sertão,
a seca deixa pegadas
e rastros de solidão!
Nunca me entrego aos fracassos,
o amor, tanto me seduz…
Que, preso à cruz dos teus braços,
esqueço da minha cruz!
O sol, a brisa e esta rede,
no entardecer, que esplendor!
E o mar, morrendo de sede,
mata-me a sede de amor!
Para a criança sem teto,
que mendiga o pão que come,
qualquer palavra de afeto
é alívio que mata a fome.
Para que brilhe o esplendor
no Natal, entre os irmãos,
que a mão que semeia o amor,
encha de amor, outras mãos!
Pela crença se deduz,
que, numa justa aliança,
Deus pinga gotas de luz,
nas pegadas da esperança!
Quando, à tarde, ao pôr do sol,
tu te sentires tristonho,
busca teu novo arrebol,
no arrebol de um novo sonho!
Rasga o manto que te cobre,
mostra teu riso e esplendor…
Pois, a cortina mais nobre,
não cobre um riso de amor!
Sei que pouca gente sabe,
perdoar, pedir perdão;
não tem dor que não se acabe,
quando se abraça outro irmão!
Sem revelar meus segredos,
as minhas mãos de aprendiz,
vão descobrindo, em teus dedos,
o amor que me faz feliz!
Sem rumo, o meu barco avança,
e à deriva, à fé se agarra…
Enfim, a luz da esperança
do velho Farol da Barra!
Talvez, por nossos deslizes
ou ausência de nitidez…
Nós somos dois infelizes,
escravos da insensatez!
Tarde sem luz!… E eu, tristonho,
vejo, sem graça, o sol posto!…
Finjo um sorriso e me ponho
a por mais luz no meu rosto!
_______________
Notas:
* Camenas: Na mitologia romana, as camenas (em latim: Camenae) eram originalmente deusas da primavera, do bem, e das fontes ou ninfas das águas de Vênus. Eram sábias e muitas vezes profetizavam o futuro.
Existiam quatro camenas: Carmenta, Egéria, Antevorta e Postverta. Carmenta era a chefe das ninfas; o bosque fora da Porta Capena era dedicado a Egéria.
No dia do seu festival, a Carmentália, celebrado entre os dias 11 e 15 de janeiro, as virgens vestais retiravam água das nascentes.
As camenas foram depois identificadas com as musas da mitologia grega. Na tradução da Odisseia, Lívio Andrônico traduziu a palavra grega Mousa por Camena.
** Caçuá: Cesto de cipó, taquara ou vime, fasquias de bambú para colocar na cangalha nas costa do burro, cavalo ou jumento no transporte de alimentos. O mesmo que jacá em outras regiões brasileiras.
Berços de cipó e balaios de taquara, caçuás sem fundo (Euclides da Cunha, em Grandes Sertões).
Fontes:
– Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. Natal/RN: CJA Edições, 2017.
– Camenas. Wikipedia.
– Caçuá. Dicionário Informal.
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