terça-feira, 18 de setembro de 2018

Jardim de Versos II


Orlando Lovecchio
Santos/SP

Soneto da Eletricidade

De tudo, ao meu computador, serei atento,
antes e com tal zelo, e sempre, e de modo tão terno
que mesmo em face de um modelo mais moderno
dele serei sempre o tiete mais sedento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
e em seu louvor hei de pagar as contas da Light
que alimenta seus megabytes
sem nenhum pesar ou descontentamento.

E assim, quando mais tarde, num outro dia,
quem sabe a assistência técnica, angústia de quem vive,
pedir pelo seu conserto uns 800 paus,

eu possa dizer do computador que tive:
Que não seja imortal, posto que é fabricado em Manaus,
mas que seja infinito enquanto dure (a garantia)
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Alfredo dos Santos Mendes
Lagos/Portugal

O Dilema

A concepção da vida, é um poema…
Que se compõe, sem nunca se escrever!
É um bailado a dois, que irá fazer,
Um musical de amor…um sonho…um tema!

Um tema transformado num dilema,
Que terão de enfrentar, de resolver!
Mais uma personagem vai haver,
Há que pôr no guião, mais uma cena!

Um corpo de mulher em movimento.
Um cântico de amor. Um nascimento.
Atores desempenhando um novo lema!

Vai ter mais um compasso, a melodia.
Vai ter mais uma estrofe, a poesia.
Mas tem final feliz, este dilema!
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Alma Welt
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)

A Travessia

 "O mundo é um moinho... " (Cartola) 

Todos nós temos corda onde agarrar,
A vida nos dá sempre uma saída
Que nos evite o risco de abismar
No medo natural da própria vida.

Por certo cada um pega o que pode:
Um amor, uma paixão ou mesmo um vício;
Um poema, um soneto ou uma ode,
Um portal com a cruz no frontispício,

Ou então, o que é pior, com um convite
Para entrar mas deixando a Esperança, 
Última paz que o mundo nos permite... 

Mas pra saíres vivo do moinho,
Não como Don Quixote e Sancho Pança,
Terás que atravessar a ti sozinho...
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Antônio Manoel Abreu Sardenberg 
São Fidélis/RJ

Alforria

Rompi o elo que me atava a vida,
Dei alforria à falsa liberdade,
Curei a chaga cruel e dolorida,
Joguei no lixo o resto da saudade.

Deixei meus sonhos ao sabor do vento
Vagando solto pelo mundo afora,
Livrei do peito todos os momentos
Que eu guardava comigo até agora.

Livre do laço, então, lanço-me ao léu,
Busco o abrigo que queria tanto,
Não quero mais provar do amargo fel!

Liberto, assim, de todas as correntes,
E já despido do pesado manto,
Busco outro amor sempre seguindo em frente...
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Francisca Júlia
Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP (1871 - 1920) São Paulo/SP

Noturno

Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério...
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua...
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.

E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele, em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.
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Henrique do Cerro Azul
Fortaleza/CE

Contraste

Longe de ti, eu te imagino perto:
Vejo esse teu sorriso a todo instante;
Qual se te visse, o coração amante
É um doce ninho ao teu amor aberto.

Perto de ti, te julgo tão distante…
Nem mesmo vejo o teu sorriso incerto;
Com saudade de ti o peito aperto
Relembrando o fulgor do teu semblante.

Também tu és como eu:- os teus sentidos
Se enganam, como os meus, pelos caminhos…
E assim passamos desapercebidos

Do erro de nossos múltiplos carinhos:
- Quanto mais longe tanto mais unidos,
- Quanto mais juntos tanto mais sozinhos !
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Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa/PR

Os grãos do teu rosário

Tratas da terra e nos provês a mesa,
ó tu, simples e rude brasileiro,
que entregas teu vigor à enorme empresa
de fazer do país um bom celeiro!
.
De mãos calosas e coluna tesa,
pões no roçado teu suor inteiro…
E o teu empenho faz da natureza
um promissor e salutar viveiro!
.
No chão bendito jaz um relicário:
dormem sementes já por ti plantadas!
O dia finda e à oração convida…
.
Rezas, por fim… E os grãos do teu rosário
são como contas bem manuseadas
que têm no bojo uma explosão de vida!
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Miguel Russowsky
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC

Joia maior!…

Começo por supor, nos ares, o desenho
De um verso magistral procurando agasalho.
Cabe a mim (sou poeta) encontrar um atalho
Para vê-lo nascer nos recursos que tenho.

Com as rimas gentis nas estrofes, me empenho
Em ser original, (Poucas vezes eu falho),
Já nem ouso explicar se é prazer ou trabalho
Exibir ao leitor as farturas do engenho.

O esmeril dá-lhe o brilho e lhe poda as arestas…
Assim é que se faz um soneto bonito,
Para ser declamado em saraus ou em festas.

Ninguém pode dizer o valor de uma joia,
Se polida não foi pela mão do perito.
É na lapidação que a beleza se apoia.
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Vicente de Carvalho
Santos/SP (1866 – 1924)

Inteiramente Louco

Senhora minha, pois que tão senhora
Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo
Que sorrindo negais quanto, gemendo,
Amor com os olhos rasos d'água implora.

Meu coração, coitado, não ignora
Que num sonho bem vão todo o dispendo
E é sem destino que assim vai correndo
Cansadamente pela vida afora.

Dizeis do meu amor que é coisa absurda,
E ele, teimando, faz ouvido mouco;
Nem há razão que o desvaneça ou aturda.

Não o escutais? Nem ele a vós tampouco.
Que, se sois surda, inteiramente surda,
Amor é louco, inteiramente louco.

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