sábado, 13 de agosto de 2022

Vanice Zimerman (Tela de Versos) 3: Saudades

 

Fabiano Wanderley (Glosas) – 5

ADOTE A SUA CRIANÇA,
ANTES QUE A DROGA LHE ADOTE.


Dê-lhe amor, paz e esperança,
ame-a, com o coração,
dê-lhe estudo, educação,
adote a sua criança.

Seja dela, a segurança,
não deixe que o amor se esgote,
saiba que um papelote,
a deixará sem guarida,
dê-lhe amparo, dê-lhe vida,
antes que a droga lhe adote.
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ONTEM FOI NINHO DE AMOR,
HOJE, É TERRA DE NINGUÉM.


Ele, em seu interior,
abrigou paixões, outrora;
se sozinho vive agora,
ontem, foi ninho de amor.

Teve o cárdio ao seu dispor,
segredado, um grande bem,
mas, no entanto, já não tem
quem lhe aguce o palpitar,
é vazio, em seu estar,
hoje, é terra de ninguém.
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O SONHO DO JOÃO NINGUÉM,
É MAIOR QUE DO ABASTADO.


Nos anseios que detém,
tem grandezas, tem magias,
são cheios de fantasias,
o sonho do João Ninguém,

Sempre aspira ser alguém,
com destaque afortunado
e em seu delírio acordado,
trás para si, a bonança,
por quanto, sua esperança,
é maior que do abastado.
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POR TRÁS DO AMIGO SISUDO,
ESBOÇA UM LARGO SORRISO.


Quando afirmo, eu não me iludo
e falo com convicção;
há sempre um bom coração
por trás do amigo sisudo.

Ele é o famoso faz tudo,
Rogério é justo e preciso,
detesta ver prejuízo,
protege até os incertos;
traz sempre os braços abertos,
esboça um largo sorriso!

(Versos endereçados ao meu amigo Rogério Vilar, pelas suas qualidades, que tão bem, as desempenha e as merece.)
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TEREZA, A SANTA DAS ROSAS
ENFEITA O JARDIM, DO CÉU


Entre freiras fervorosas,
contrita, em sua oração,
cumpriu a sua missão,
Tereza, a santa das rosas.

Pelas ações virtuosas,
mostrou-se sempre fiel,
é para Deus um troféu
e por todos seus louvores,
entre rosas multicores,
enfeita, o jardim do céu.

Fonte:
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley. Versos Di Versos. Natal/RN, 2014.

Sammis Reachers (Meganha, raça do cão)

Uma das aventuras mais divertidas – hoje é tudo muito divertido – que passei em minha vida de coletor de reciclagem com Renato foi assim: Num belo e ensolarado dia, enquanto transitava sozinho por um trecho da RJ 106 um pouco distante de nossas casas, já no final do bairro Arsenal, Renato viu, desperdiçado ao fundo de um riacho ou valão que cortava a rodovia, um eixo de automóvel. Sim, cinquenta ou mais quilos de ferro estavam ali, jogados fora, sem marca nem dono.

Acontece que o ferro-velho em que vendíamos os frutos de nosso trabalho era relativamente perto daquele ponto – talvez a menos de um quilômetro... Bem, Renato não conseguiria levantar aquele peso lá de baixo do riacho até a altura do asfalto, pois eram quase três metros de pequena e íngreme ribanceira. E mesmo que fossem 30 centímetros: Uma criança não suportaria aquele peso.

Foi já com um plano em mente que Renato chegou na Beira Rio. Após o relato, entendi que não poderíamos carregar aquilo sozinhos. Pergunta daqui, chama dali, e nenhum dos “tradicionais” catadores se dispôs – ou tinha disponibilidade – a ir. Por fim conseguimos convencer dois primos, os “amadores” Rodrigo e Andinho, a nos acompanharem naquele garimpo. Conseguida uma corda, sem a qual não poderíamos içar o butim, partimos em marcha de quase três quilômetros até o tal valão.

Chegados ao local, o diligente líder da expedição logo desceu para tentar amarrar a corda em volta do grande eixo. Agora restava a parte mais doce: Suspender todo aquele peso “no braço”, numa encosta íngreme. Enquanto nós três puxávamos com tudo o que tínhamos, Renato empurrava o grande troço, que vinha lento e agarrando-se vez por outra nas ramas de mato, como quem resiste a sair de seu cemitério pacífico.

Acho que nunca nenhum dos quatro fizera tanta força na vida. Conseguido o suado intento, agora era fácil: Após a pausa para respirar, bastava arrastar asfalto afora aquele pedação de ferro, até o ferro-velho. E lá fomos nós.

A (des)graça da aventura aconteceu quando, poucos metros após o tal riacho, passamos em frente a uma loja de telhas coloniais e pedras ornamentais. Lá de dentro daquele estabelecimento decorativamente burguês, um indivíduo barbudo gritou, espavorido: “Ei! Ei! Cheguem aqui!” Suspeitosos, e ocupados que estávamos arrastando aquele fardo, fizemos menção de seguir nosso caminho. Mas o indivíduo veio ao nosso encontro, e nos fez arrastar o peso para dentro do “quintal” da tal loja. Em seguida, iniciou um interrogatório digno de filmes de mocinho e bandido. Queria saber onde conseguíramos aquele eixo, afirmando peremptoriamente que era de um carro roubado. Queria informações do roubo. Explicamos que ele estava “jogado fora” dentro de um valão ali perto, talvez há anos já. Mas o elemento, apresentando-se agora como policial, não se satisfazia. Apertava-nos, queria confissões, queria saber se conhecíamos ladrões e já nos tratava, moleques de dez e onze anos, como tais.

O agravante que enfurecia o meganha era Renato, que não segurava o riso durante aquele interrogatório, fato que nem eu compreendia. Os outros dois expedicionários, Andinho e Rodrigo, esvaíam-se em lágrimas, achando que seríamos presos, e imaginando a surra que levariam em suas casas. Não posso afirmar com certeza, mas talvez até eu tenha chorado...

Resumo da ópera bufa: O pilantra supostamente a serviço da lei, após nos explicar que aquilo era de um carro roubado e que todas as peças possuem um registro numérico, disse que não poderíamos de maneira alguma vendê-la, e nos obrigou a arrastar o eixo novamente até o riacho, e jogá-lo ribanceira abaixo. Embaralhados em alívio e revolta, fizemos isso, enquanto o canalhinha nos observava, de frente à loja – que, passados quase trinta anos, ainda existe.

Voltamos para casa, uns desiludidos, outros aliviados, e todos com calos nas mãos, lanhadas por aquela maldita corda, por aquela maldita ideia de Natão, o elocubrador de ideias...

Terá nascido aí, em arquétipo, minha ojeriza contra a classe policial? Quem sabe.

Fonte:
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 11

 

Caldeirão Poético LIII


Adão Ventura
Santo Antonio do Itambé/MG, 1939 – 2004

PRECONCEITO

— Muitas vezes
a cor da pele
é uma grande parede.

Daí
o abraço frouxo,
o beijo mal dado
e o sorriso amarelo.
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Betty Vidigal
(Elizabeth Vidigal Hastings)
São Paulo/SP


PITANGAS

Era uma febre, um delírio,
Uma mandinga bem feita,
cama com cheiro de lírio.

Era um delírio, uma febre,
amor que não se endireita,
quebranto que ninguém quebra,
tremedeira de maleita,
uma mulher e um ébrio
de amor que não toma jeito.
E ela, que não se emenda?

Meus dedos fazendo renda
com os pêlos do seu peito;
o coração que se escuta
pelo quarteirão inteiro;
pitangas no travesseiro,
cama com cheiro de fruta.
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Carlos Pena Filho
Recife/PE, 1929 – 1960


SONETO DO DESMANTELO AZUL

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.
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Dora Ferreira da Silva
Conchas/SP, 1918 – 2006, São Paulo/SP


O VENTO

Na palma do vento
pouso a fronte. Nele confio.
A quem confiaria senão a ele
este rude labor?

Abandono-me à tormenta
(lumes mastros
gaivotas do mar próximo).

Enreda-me a noite.
Mas dele são os dedos leves
que me fecham os olhos. E é manhã.
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Ésio Macedo Ribeiro
Frutal/MG


NOME

O poeta quer ter nome fácil: João.
Ninguém erra,
ninguém esquece,
tão barro.

João estuda o céu para o plantio,
poema de outra lavra.

O poeta colhe no espaço uma nuvem-açucena,
que cheira na página que não vinga.

João dorme cedo,
acorda com o galo.

O poeta nunca dorme,
nunca acorda.
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Fernando Fábio Fiorese Furtado
Juiz de Fora/MG


COMO DESFAZER BAGAGENS

Como quem de viagem
demora a acomodar-se
ao clima, ao horário,
às vogais de outra sintaxe,
também escrever estranha
quando muda de paisagem.

Como quem de viagem,
o que carrega apouca
a dicionários, passagens
e alguma muda de roupa,
também escrever exige
aprender a descartar-se.

Como quem de viagem
pouco ou nada decifra
do manuscrito-cidade
(mal soletra as esquinas),
também escrever ensina,
menos importa encontrar-se.

Como quem de viagem
evita, quando sabe,
os apelos do fóssil,
do que é fausto adrede,
também escrever prefere
o que se dá sem salvas.

Como quem de viagem
sabe o prazer de andar
sem endereço ou idade,
com a roupa amassada,
também escrever comparte
esse corpo sem abas.

Como quem de viagem,
para rever a janela onde
lhe sorriu uma criança,
o embarque adiaria,
também escrever alcança
os vestígios desse dia.

Como quem de viagem,
das malas faz relicário
de rostos, ruídos e mares,
de balas, livros e ácidos,
escrever também seria
como desfazer bagagens.
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Graça Pires
Figueira da Foz/Portugal


AMOR

Quando te procurei
em rotas de seda e ouro,
eu não sabia que o amor
é uma espera de mágoa e mel.
Nem suspeitava
que há nos corpos nus
a enchente das marés
que altera a tempestade.
E desconhecia que é preciso
empunhar o leme
para que as mágoas inundem
desesperadamente as margens.

Sílvio Romero (A mulher gaiteira)

(Folclore do Rio de Janeiro)

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Havia uma mulher casada e que não tinha filhos. Defronte dela morava um padre, pelo qual a mulher apaixonou-se. Ela chamava-o de Rabo de Galo, por ele ter os cabelos muito bonitos.

O padre não correspondia e mesmo nem sabia de tal paixão.

A mulher já não governava mais a casa e só queria estar na janela para ver o padre. Estava já tão doida, que chegava a dizer ao marido: “Não é bonito aquele padre?” O marido fingia não compreender e afirmava o que ela dizia.

Não satisfeita de ver o padre só da janela, a mulher não perdia missa um só dia, a pretexto de ir rezar, e o marido suportando tudo calado. Querendo ver até que ponto chegava aquela mulher, pretextou uma viagem e escondeu-se perto de casa, recomendando à negra que lhe fizesse sabedor de tudo o que sua mulher praticasse na sua ausência.

Não tardou em que a negra lhe viesse entregar um bilhete que a senhora ia mandar por ela ao padre, no qual pedia-lhe uma entrevista à noite, visto o marido não estar em casa. O homem apoderou-se do bilhete, disse à negra que dissesse à senhora que o tinha entregado ao padre, e escreveu, disfarçando a letra, outro bilhete, dizendo ser do padre, aceitando o convite e marcando a hora da dita entrevista.

Trouxe a negra o bilhete e deu-o à senhora. Esta não cabia em si de contente, e à hora marcada, entrou o marido, que se disfarçou no padre, vestido de batina, e com um grande chicote de couro cru escondido. A mulher convidou-o a entrar no quarto para descansar.

Aí não teve dúvida; o marido empurrou-lhe o chicote a torto e a direito, ainda fingindo ser o padre e dizendo: “Mulher casada, sem vergonha, como é que seu marido não está em casa, e manda-me um bilhete convidando-me para vir aqui! Tome juízo”, dizia o padre, e empurrava o chicote na mulher.

Ela, desesperada com as bordoadas, dizia: “Vai-te embora, padre dos diabos, se eu soubesse que tu eras tão mau, não tinha caído nesta. Sai, malvado, tu queres me matar? Basta, não me dês tanto.”

O marido, depois que deu-lhe muito, saiu deixando a mulher quase morta de pancadas. Mudou toda a roupa, e veio para casa, fingindo ter chegado da viagem. Perguntou pela mulher e disseram-lhe que ela estava doente. Ele, muito penalizado, perguntou que moléstia era aquela, pois ele a tinha deixado tão boa. Ela respondeu que sentia muitas dores pelo corpo, mas que também não sabia o que era. Mal pôde dizer estas palavras ao marido, e começou logo a gritar, tão forte era o seu sofrimento. Então o marido disse que ela estava muito mal, e que ele ia mandar chamar aquele padre, que morava defronte, para confessá-la.

A mulher ouvindo isto, exclamou: “Não, marido, por Nossa Senhora não me mande chamar aquele padre.”

O marido replicou: “Pois mulher, você não o acha tão bonito, e como não quer que ele venha lhe confessar?”

E para apreciar bem o efeito da surra, mandou chamar o padre do Rabo de Galo, como a mulher o chamava, e este veio confessá-la, alheio a tudo o que tinha se passado. A mulher, assim que foi vendo o padre, foi dizendo: “Sim, seu diabo, ainda achou pouca a surra que me deu, e ainda se atreve a vir aqui?

“Sai, diabo, vai-te embora.” O padre ficou espantado, e acreditou que a mulher estava com efeito muito doente, que talvez estivesse com o diabo no corpo, e então benzia-a e dizia: “Filha, acomoda-te, lembra-te de Deus, que estás para morrer. Eu esconjuro este mau espírito, em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, amém”.

“Sim”, dizia a mulher: “Eu esconjuro é a surra que tu me deste.”

O padre, depois de muita reza retirou-se, e o marido quase que não podia conter o riso. Passados muitos dias, de cama, levantou-se a mulher curada da grande surra. A primeira coisa que fez foi pregar a janela que dava para a casa do padre, com uns pregos bem fortes, o que, vendo o marido, disse-lhe que não fizesse aquilo, que aquela janela era para ela se distrair nas horas vagas. Por mais que o marido pedisse, a mulher não foi capaz de deixar de pregar a janela e nunca mais olhou o padre.

Fonte:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Coleção Acervo Brasileiro vol. 3. Jundiaí/SP: Cadernos do Mundo Inteiro, 2018. Publicado originalmente em 1954.

Silmar Böhrer (Croniquinha) 59

Os versos acharam interessante como esta forma de escrita - a crônica - entrou em nossa vida. Na verdade, ela sempre andou junto a nós, versejares, embora pouco lembrada. Jamais desprezada.

As delícias da vida devem ser sempre cultivadas. O mel dos dias está em todo lugar. E nós, na condição de abelhas, devemos ensalivar o melífluo da existência, repassando doçuras em doses homeopáticas.

Os pensares, os versos, os viveres, as crônicas, são unidades que entremeiam constantemente. E deslindam, e cantam, e semeiam vozes perenes que Gaia oferece nas incendiárias manhãzinhas, nas tardes ventaneiras, nas silentes madrugadas.

Vozes vívidas vivenciando viveres.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 12

Fonte: Facebook
 

Mário Quintana em prosa e verso – 23 –


O TEMPO E O VENTO


(Para Érico Verissimo, em comemoração aos seus 65 anos)

Havia uma escada que parava de repente no ar
Havia uma porta que dava para não se sabia o quê
Havia um relógio onde a morte tricotava o tempo

Mas havia um arroio correndo entre os dedos buliçosos dos pés
E pássaros pousados na pauta dos fios do telégrafo

E o vento!

O vento que vinha desde o princípio do mundo
Estava brincando com teus cabelos...
*****
A beleza dos versos impressos em livro
— serena beleza com algo de eternidade —
Antes que venha conturbá-los a voz das declamadoras.
Ali repousam eles, misteriosos cântaros,
Nas suas frágeis prateleiras de vidro...
Ali repousam eles, imóveis e silenciosos.
Mas não mudos e iguais como esses mortos em suas tumbas.
Têm, cada um, um timbre diverso de silêncio...
Só tua alma distingue seus diferentes passos,
Quando o único rumor em teu quarto
É quando voltas, de alma suspensa — mais uma página
Do livro... Mas um verso fere o teu peito como a espada de um anjo.
E ficas, como se tivesses feito, sem querer, um milagre...
Oh! que revoada, que revoada de asas!
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CRÔNICA

(SÃO PAULO, 23 — Morreu ontem o trapezista René Bugler, internado quando o mastro em que fazia acrobacias quebrou e ele caiu de uma altura de 10 metros. (Do noticiário.))

A pantera é uma curva em movimento:
vai-se desenrolando como um desenho.
Mas a sua harmonia é linear como
a figura que, na sucessão de um friso,
repete-se, com o andante ritmo de um verso
num poema...
O trapezista,
entanto,
não quer a pauta de uma corda única
e a curva do seu voo traça geometrias no espaço,
vai e volta, mergulha, sobe, entrelaça-se
como se brincasse consigo mesma.
Só não se brinca com a imperfeição das coisas...
e a tua dança aérea, ó pobre René Bugler,
interrompeu-se:
tombaste, da altura de 10 metros, os braços abertos em cruz
e a maravilhosa curva que traçavas
imobilizada de súbito num corpo inerte.
Sim, tu estás, agora, na reta horizontalidade da morte.
A morte odeia as curvas, a morte é reta
como uma boca fechada.
Tenho até remorsos de fazer-te um poema...
O poema
— o poema da tua vida
está apenas nisto,
nestas simples palavras:
“René Bugler, trapezista,
morto aos 22 anos
no exercício da sua arte”.
*****

Nítido, no espelho,
Meu quarto projeta-se
Em parte nenhuma...
Um dia estarei,
Tão nítido assim,
Em parte nenhuma?
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RETRATO

Morreu ontem.
Portanto, o seu retrato está completo.
A longa vida — sabe Deus com que trabalho —
deixou-nos, na lembrança,
por final,
em companhia de um velhinho suave...

Mas um velhinho suave como os couros gastos,
as madeiras polidas pelo uso,
como os seixos rolados

— suave e rijo!

Sua voz grave e trêmula tinha o som do tempo
e nós sempre nos espantávamos de a estar ouvindo

porque era como se alguém tangesse o silêncio.
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PAISAGEM

Sol e sombra brincavam de esconder
sobre o rosto do primeiro morto.

Perto dele, cantavam as águas,
porque ainda apenas sabiam cantar.

Cantavam as águas inocentemente
sua canção de continuar...

— e ele também não sabia de nada!
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EMERGÊNCIA

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
— para que possas profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.
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VIDAS

Nós vivemos num mundo de espelhos,
mas os espelhos roubam nossa imagem...
Quando eles se partirem numa infinidade de estilhas
seremos apenas pó tapetando a paisagem.

Homens virão, porém, de algum mundo selvagem
e, com estes brilhantes destroços de vidro,
nossas mulheres se adornarão, seus filhos
inventarão um jogo com o que sobrar dos ossos.

E não posso terminar a visão
porque ainda não terminou o soneto
e o tempo é uma tela que precisa ser tecida...

Mas quem foi que tomou agora o fio da minha vida?
Que outro lábio canta, com a minha voz perdida,
nossa eterna primeira canção?!
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ARQUITETURA FUNCIONAL

(Para Fernando Corona e Antonieta Barone)

Não gosto da arquitetura nova
Porque a arquitetura nova não faz casas velhas
Não gosto das casas novas
Porque as casas novas não têm fantasmas
E, quando digo fantasmas, não quero dizer essas assombrações vulgares
Que andam por aí...
E não-sei-quê de mais sutil
Nessas velhas, velhas casas,
Como, em nós, a presença invisível da alma... Tu nem sabes
A pena que me dão as crianças de hoje!
Vivem desencantadas como uns órfãos:
As suas casas não têm porões nem sótãos,
São umas pobres casas sem mistério.
Como pode nelas vir morar o sonho?
O sonho é sempre um hóspede clandestino e é preciso
(Como bem sabíamos)
Ocultá-lo das visitas
(Que diriam elas, as solenes visitas?)
É preciso ocultá-lo das outras pessoas da casa,
É preciso ocultá-lo dos confessores,
Dos professores,
Até dos Profetas
(Os Profetas estão sempre profetizando outras coisas...)
E as casas novas não têm ao menos aqueles longos, intermináveis corredores
Que a Lua vinha às vezes assombrar!

Fonte:
Mário Quintana. Apontamentos de história sobrenatural. 1976.

Jaqueline Machado (Olhai os lírios do campo)

"Olhai os lírios do campo" é uma importante obra literária, escrita pelo gaúcho Érico Veríssimo.

O livro faz um retrato da sociedade brasileira, usando Porto Alegre como cenário principal, no ano de 1938, período marcado pelas consequências do golpe do então presidente Getúlio Vargas, golpe esse, que  marcaria o início de uma ditadura inclemente, claramente inspirada no regime Mussolini, intitulada de Estado Novo. Tendo de contraponto o socialismo de Stálin. Nesse período o mundo estava às vésperas do início da segunda grande guerra e, com isso, surge a crise da democracia liberal.

Abalado com a dramática situação do mundo,  Veríssimo, num ato de desabafo, dá início a essa obra, que segundo ele disse, não estava entre suas obras favoritas, ao contrário, esse livro foi rejeitado por ele, pois trazia pensamentos muito humanitários por parte da personagem Olívia, que mais parecia santa do que gente. Revoltado, Érico Veríssimo se percebeu tolo, pois tais virtudes descritas pela personagem, não pareciam pertencer à raça humana (desumana).

O protagonista da história é Eugênio, um rapaz de origem humilde, filho de um alfaiate e de uma lavadeira de roupas. Ele sabia da bondade dos pais, mesmo assim, sentia vergonha da família. Queria ter nascido rico. Não entendia porque Deus dava tudo para uns, e nada para outros, já que todos eram seus filhos, frutos de sua obra.

Eugênio ganhou uma bolsa da escola onde sua mãe trabalhava e, por isso, teve uma boa educação, tornou-se médico. Gostava de Olívia, sua colega de faculdade. A única mulher em meio a um bando de rapazes a cursar medicina. Mas Olívia, também era de origem muito humilde. Por isso, Eugênio preferiu casar com Eunice, uma mulher de posses, porque assim, finalmente faria parte da elite da sociedade.

Nos jantares e almoços de família assuntos ligados à situação mundial, especialmente sobre a perseguição aos judeus, estavam sempre  presentes. Uns contra as atrocidades ocorrentes, outros, a favor.

Durante as discussões, por vezes, se dispersava e se deixava levar pelas palavras de Olívia, que com suavidade, ressoavam em sua mente. Ele a amava e não podia esquecê-la.  Os dois tiveram uma espécie de “amizade colorida”. Ele não sabia, mas desse relacionamento, a jovem teve uma filha. Olívia adoece, e prestes a morrer, o chama, fala sobre as vontades de Deus, sobre a beleza da vida, ensina-lhe que as verdadeiras riquezas não estão nas conquistas materiais e que todos deveriam dar atenção ao que Jesus disse no Sermão da Montanha. Disse ele: “Olhem os lírios do campo, que não trabalham nem tecem! E contudo nem Salomão em toda a sua glória se vestiu tão bem como eles”.

 A amada morre, ele separa-se de Eunice. Passa a viver o que realmente importa, ajudando os doentes necessitados, relendo as cartas que Olívia lhe escrevia quando estavam separados, e buscando ser um bom pai, à filha órfã. Herança de Olívia.

Fonte:
Texto enviado pela autora.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 15: Epígrafe

 

Humberto de Campos (Zurtz)

Quando o professor Krause esteve no Rio de janeiro, em 1920, falou-nos, a mim e ao seu colega Dr. Fernando de Magalhães, em uma descoberta que estava revolucionando a fisiologia nas vésperas da sua partida da Alemanha. Tratava-se de uma comunicação feita à Academia de Ciências Médicas, de Berlim, pelo professor Zurtz, de Munich, o qual havia conseguido uma fórmula miraculosa para aumentar o crescimento do cabelo. O poder desse preparado era tão prodigioso que, posto pela manhã, o aumento constatado à tarde era de, pelo menos, meia polegada. Um destes dias, ia eu pela Avenida, quando encontrei, com grande alegria de coração e de espírito, o ilustre diretor da Maternidade, que me foi, logo, perguntando:

- Conselheiro, lembra-se daquela descoberta de que nos falou o professor Krause?

- Qual?

- A do professor Zurtz.

Eu fiz um esforço de memória, remexi, com os dedos do pensamento, no escaninho cerebral das minhas lembranças, e respondi afirmativamente.

- Pois, aquilo, - continuou o Dr. Fernando - é um fato. As revistas francesas, italianas, alemãs e inglesas que ultimamente recebi, falam, já, no prodígio.

- Deveras?

- É verdade. E com uma circunstância mais: aperfeiçoando o seu invento, o professor Zurtz conseguiu três modalidades do mesmo preparado, com diversas aplicações. A primeira serve unicamente para o cabelo, o qual pode crescer, com ele, dez centímetros por dia. A segunda é de aplicação zootécnica: faz crescer em poucas horas, com vantagem para a indústria, a lã dos carneiros. E a terceira, destinada à pecuária, faz nascer, com rapidez, os chifres aos bois, aos cordeiros, às cabras e a outros animais que os tenham atrofiados. A esse preparado deu o inventor o seu próprio nome, com diversas numerações: n. 1, n. 2, e n. 3, como os produtos químicos de Mme. Selda Potocka.

Nesse momento, um cavalheiro alto, magro, calvo, que estava perto, aproximou-se de nós, e, pedindo licença, indagou, respeitoso:

- Os senhores acreditam nisso?

O Dr. Fernando olhou-o de alto a baixo, e confirmou.

- Pois, eu, - tornou o desconhecido, sou uma prova da ineficácia desse remédio. Calvo, há muitos anos, mandei buscá-lo, usei-o, e veja!

E descobriu o crânio irregular, pelado como um ovo.

O Dr. Magalhães escorregou os olhos pela cabeça do homem, franziu a testa, mordendo o dedo, com aborrecimento. E, ao fim de um minuto, pediu:

- Diga-me uma coisa.

O indivíduo fitou-o.

- O senhor não tomou errado?

O careca desapareceu.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXXIII

A amizade verdadeira
não se apega à falsidade,
sobrevive à vida inteira
se embasada na verdade.
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A criança, pela idade,
fala e não pede segredo,
não teme a privacidade,
mas privada sente medo.
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A mais flagrante jactância
presente na humanidade,
tem menor protuberância
que a de crer na falsidade.
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A pior das excrescências
que inflama o radicalismo,
tem melhores consequências
que ostentar o pessimismo.
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A semeadura bem feita
nunca trai seu plantador,
gera uma farta colheita
se perfeita e com labor.
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A vida que nos foi dada
mesmo envolta à finitude,
não deve ser olvidada
mas, levada à plenitude.
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Da vida ouço um forte grito,
clamando por liberdade,
a ecoar sob o infinito
da inquieta humanidade.
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De que vale um rico teto
sobre estacas de metais,
se não brilhar nele o afeto,
entre os filhos e seus pais?
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Embora a noite não tenha
o mesmo brilho que o dia,
às trevas se esconde a senha
que aciona a nostalgia.
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Fonte de assombro e de medo
tal força vinda do além,
vê-se no impacto ao rochedo
o poder que a maré tem.
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Não bata a porta, esperando,
ser por alguém atendido,
mas, se o fores, vai pensando,
ser mais um agradecido.
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Não podemos nos prender
às respostas do passado,
mas ao que nos responder,
o porvir, se questionado.
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Nossa alma clama por paz,
verte em pranto se a não tem,
cônscia, busca-a e se compraz,
sempre que a buscar também.
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O final de qualquer linha
a casa se debilita,
o alicerce se definha
e o fim passa a ser visita.
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O mais fácil preferimos,
menos duro e proveitoso,
olhamos, mas confundimos,
rocha com solo arenoso.
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O perdão dá nova vida,
grande sedativo à dor,
que cicatriza a ferida
na enfermidade do amor.
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Pode ser que o justo caia
no abismo da ostentação
e assim a conduta o traia
conduzindo-o à perdição.
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Quando acontece um combate
é porque um ataque ocorre,
ninguém oprima, nem mate,
mas seja alguém que socorre.
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Que um gesto sincero e amigo
abra as portas da amizade,
nunca aquela de um jazigo
que conduz à obscuridade.
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Se à tua vida mentires
tu mesmo te enganarás,
pois, se a verdade omitires,
ao nada sucumbirás.
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Sempre que uma luta ocorre
numa batalha campal,
o afã de vencer não morre
ancorado no ideal.
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Sobre a mesa dos prazeres
o álcool não deve existir,
assim, sempre que o beberes,
nunca deves dirigir.
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Toda a justiça divina
não se assenta sobre a morte,
pode tardar, mas culmina,
por julgar o fraco e o forte.
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Toda a palavra bem dita,
é bendita se escutada,
mostra-se à vida na escrita
quando bem interpretada.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Versejando 118

 

A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) Com Verdelírio, no trem

Meados dos anos 1950. Na estação de Maringá embarquei no último vagão do “Expresso Verde”, uma boa maneira de ir a São Paulo naquela época. Antes mesmo de o trem partir, aproximou-se de mim um rapaz, que perguntou: “Você por acaso é o Assis?”. Respondi que sim, e ele se apresentou: “Meu nome é Verde – Verdelírio Barbosa. Te conheço de nome e de foto. Costumo ler o que você escreve nos jornais”. De imediato me lembrei também do nome dele. Era ainda muito jovem, porém já aparecia de vez em quando assinando textos na imprensa local e iniciava carreira no rádio.

Verde sentou-se numa poltrona a meu lado e a conversa foi longa e animada, cada um esmiuçando a vida do outro. Descobri até que ele, além de apaixonado pelo jornalismo, curtia também compor versinhos – sonetos e trovas.

A viagem era comprida, cerca de 20 horas até a capital paulista. Havia três opções: vagão de segunda, vagão de primeira e, de Londrina em diante, cabine em carro leito. Parava em um monte de estações: Sarandi, Marialva, Mandaguari, Jandaia, Apucarana, Arapongas, Rolândia, Cambé... Depois de Londrina parava menos. Em Ourinhos costumava trocar a locomotiva.

Para distrair o tempo, os passageiros achavam chique ir ao vagão-restaurante, onde se podia almoçar, jantar, comer um lanche ou simplesmente tomar uma cervejinha. A gente se sentia como se estivesse numa cena de cinema, esperando ver entrar a qualquer momento uma daquelas bonitonas de Hollywood com chapéu enorme e piteira na boca.

O trem fazia também frequentes paradas nas caixas d’água, para reabastecer a caldeira. Verdelírio comentou: “O comum era ao lado de cada caixa d’água haver uma casa onde morava o responsável pelo serviço. Com o tempo, ali se construíam outras casas e o local virava uma aldeia. Foi por isso que, principalmente no trecho paranaense, se formaram tantas cidades distantes 10 ou 15 quilômetros uma da outra”.

Dia desses Verde e eu almoçamos juntos no Açukapê e no meio do papo essas lembranças vieram à tona. Éramos os dois, naquele tempo de pioneirismo, bem moços ainda, ele mais moço que eu, começando a labuta na imprensa e no rádio. Trabalhamos juntos em emissoras de rádio e em jornais. Depois ele teve intensa participação em programas de televisão, enquanto eu passei a me dedicar mais ao ensino, como professor em alguns colégios e finalmente na UEM, onde me aposentei. Hoje o Verde é o diretor do “Jornal do Povo” e desfruta de grande e merecidíssimo prestígio, não só em Maringá, mas em todo o Paraná e no Brasil.

Como o “Jornal do Povo” fica próximo de onde moro, frequentemente nos encontramos e cada encontro é uma nova oportunidade para a troca de abraços. Mais que colegas e velhos amigos, somos antes de tudo irmãos.

Fonte:
http://aadeassis.blogspot.com/2020/04/com-verdelirio-no-trem.html

Solange Colombara (Ramalhete de Versos) 2

ENCANTOS DA NATUREZA

Céu cinzento
Nuvens carregadas
A chuva cai...

O arco-íris dá sinais
De que amanhã
O sol voltará a brilhar.

Como é bom sentir o vento...
As mágoas são levadas,
A mãe natureza jamais nos trai.

Andorinhas gorjeiam
Em voos matinais
Num balé majestoso...

O crepúsculo desce no horizonte...
O sol encontra o mar num abraço caloroso
Com seus raios a bailar...
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ENCONTRO

Que eu não perca minha essência...
Mesmo quando a tristeza me abater.
Que eu não perca a magia
E o encanto que vejo nas pessoas...
Mesmo quando a decepção se apresentar.
Que eu não perca minha alegria...
Mesmo quando tudo parecer desmoronar.
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ENCONTRO (II)

Nessa espera sem fim
Busco algo dentro de mim.
Não sei ao certo o quê.
Talvez respostas
Ou perguntas...
Quem sabe alguns porquês?
Enquanto espero
Divago em pensamentos
Desejos contidos.
E nessa busca entendo
Que o que sempre esperei,
O que sempre busquei,
Está aqui.
Que bom que te encontrei...
Que bom que me achei...
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EU, POETISA

Sentir o romantismo em um
Fim de tarde no outono...
Permitir que o horizonte
Se misture com o mar...
Sorrir com o olhar...
Imaginar o sol se despedindo...
A poesia se fazendo presente
Em cada veia, em cada batida
Que meu coração dá.
É algo intenso...
Muito maior do que eu...
Um dom misturado a um sentimento.
Impossível de descrever...
Meus escritos expressam
Essa minha maneira de ser.
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INFINITO INSTANTE

Momentos preciosos, momentos só meus.
Somente um instante...
Onde o tempo parece parar.
A vida flui...
A caminhada tem que continuar...
Mas alguns momentos
É impossível deixar para trás.
Sinto relances através do meu olhar.
Vejo lembranças em um futuro
Que parece nunca chegar.
Desfazer os nós é dolorido, sofrido...
Necessário...
Uma alma sonhadora
De vez em quando sem chão...
Sou alegria, sou colorida,
Às vezes cinzenta,
Desprovida de emoção...
Mas sem jamais deixar de acreditar
Que dias melhores e felizes virão.
Sou o caos, sou a calmaria
Contidos no imenso frasco da solidão.
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INSONE MADRUGADA

Nesse silêncio
Essa quietude
Esse sentimento...
Essa vontade de me pertencer.

Mergulho
No inconsciente.
Sinto meu corpo
Amolecer, entardecer...

Percebo,
Com o dia clareando,
Que finalmente
Poderei adormecer.
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INTROSPECÇÃO

Hoje percebo que toda mágoa,
Todo ressentimento, se foi...
E sinto um alívio, uma paz,
Um sentimento bom.
Será esse o verdadeiro amor?
O amor puro, o amor que não fere,
O amor que simplesmente ama
Sem pedir nada em troca,
Sem exigir, sem sofrer, sem doer?
Talvez eu nunca saiba essas respostas...
Mas nesse instante
Eu sei que amo.
E sei que esse momento ficará eterno
Dentro de mim...

Fonte:
Solange Colombara. Dançando com as palavras. SP: Futurama, 2018.
Livro enviado pela autora.

Machado de Assis (Filosofia de um par de botas)

 
Uma destas tardes, como eu acabasse de jantar, e muito, lembrou-me dar um passeio à Praia de Santa Luzia, cuja solidão é propícia a todo homem que ama digerir em paz. Ali fui, e com tal fortuna que achei uma pedra lisa para me sentar, e nenhum fôlego vivo nem morto. — Nem morto, felizmente. Sentei-me, alonguei os olhos, espreguicei a alma, respirei à larga, e disse ao estômago: — Digere a teu gosto, meu velho companheiro. Deus nobis haec otia fecit. (Deus fez esses lazeres para nós)

Digeria o estômago, enquanto o cérebro ia remoendo, tão certo é, que tudo neste mundo se resolve na mastigação. E digerindo, e remoendo, não reparei logo que havia, a poucos passos de mim, um par de coturnos velhos e imprestáveis. Um e outro tinham a sola rota, o tacão comido do longo uso, e tortos, porque é de notar que a generalidade dos homens camba, ou para um ou para outro lado. Um dos coturnos (digamos botas, que não lembra tanto a tragédia), uma das botas tinha um rasgão de calo. Ambas estavam maculadas de lama velha e seca; tinham o couro ruço, puído, encarquilhado.

Olhando casualmente para as botas, entrei a considerar as vicissitudes humanas, e a conjeturar qual teria sido a vida daquele produto social. Eis senão quando, ouço um rumor de vozes surdas; em seguida, ouvi sílabas, palavras, frases, períodos; e não havendo ninguém, imaginei que era eu, que eu era ventríloquo; e já podem ver se fiquei consternado. Mas não, não era eu; eram as botas que falavam entre si, suspiravam e riam, mostrando em vez de dentes, umas pontas de tachas enferrujadas. Prestei o ouvido; eis o que diziam as botas:

BOTA ESQUERDA.- Ora, pois, mana, respiremos e filosofemos um pouco.

BOTA DIREITA.- Um pouco? Todo o resto da nossa vida, que não há de ser muito grande; mas enfim, algum descanso nos trouxe a velhice. Que destino! Uma praia! Lembras-te do tempo em que brilhávamos na vidraça da Rua do Ouvidor?

BOTA ESQUERDA.- Se me lembro! Quero até crer que éramos as mais bonitas de todas. Ao menos na elegância...

BOTA DIREITA.- Na elegância, ninguém nos vencia.

BOTA ESQUERDA.- Pois olha que havia muitas outras, e presumidas, sem contar aquelas botinas cor de chocolate... aquele par...

BOTA DIREITA.- O dos botões de madrepérola?

BOTA ESQUERDA.- Esse.

BOTA DIREITA.- O daquela viúva?

BOTA ESQUERDA.- O da viúva.

BOTA DIREITA.- Que tempo! Éramos novas, bonitas, asseadas; de quando em quando, uma passadela de pano de linho, que era uma consolação. No mais, plena ociosidade. Bom tempo, mana, bom tempo! Mas, bem dizem os homens: não há bem que sempre dure, nem mal que se não acabe.

BOTA ESQUERDA.- O certo é que ninguém nos inventou para vivermos novas toda vida. Mais de uma pessoa ali foi experimentar-nos; éramos calçadas com cuidado, postas sobre um tapete, até que um dia, o Dr. Crispim passou, viu-nos, entrou e calçou-nos. Eu, de raivosa, apertei-lhe um pouco os dois calos.

BOTA DIREITA.- Sempre te conheci pirracenta.

BOTA ESQUERDA.- Pirracenta, mas infeliz. Apesar do apertão, o Dr. Crispim levou-nos.

BOTA DIREITA.- Era bom homem, o Dr. Crispim; muito nosso amigo. Não dava caminhadas largas, não dançava. Só jogava o voltarete, até tarde, duas e três horas da madrugada; mas, como o divertimento era parado, não nos incomodava muito. E depois, entrava em casa, na pontinha dos pés, para não acordar a mulher. Lembras-te?

BOTA ESQUERDA.- Ora! por sinal que a mulher fingia dormir para lhe não tirar as ilusões. No dia seguinte ele contava que estivera na maçonaria. Santa senhora!

BOTA DIREITA.- Santo casal! Naquela casa fomos sempre felizes, sempre! E a gente que eles frequentavam? Quando não havia tapetes, havia palhinha; pisávamos o macio, o limpo, o asseado. Andávamos de carro muita vez, e eu gosto tanto de carro! Estivemos ali uns quarenta dias, não?

BOTA ESQUERDA.- Pois então! Ele gastava mais sapatos do que a Bolívia gasta constituições.

BOTA DIREITA.- Deixemo-nos de política.

BOTA ESQUERDA.- Apoiado.

BOTA DIREITA (com força).- Deixemo-nos de política, já disse!

BOTA ESQUERDA (sorrindo).- Mas um pouco de política debaixo da mesa?... Nunca te contei... contei, sim... o caso das botinas cor de chocolate... as da viúva...

BOTA DIREITA.- Da viúva, para quem o Dr. Crispim quebrava muito os olhos? Lembra-me que estivemos juntas, num jantar do Comendador Plácido. As botinas viram-nos logo, e nós daí a pouco as vimos também, porque a viúva, como tinha o pé pequeno, andava a mostrá-lo a cada passo. Lembra-me também que, à mesa, conversei muito com uma das botinas. O Dr. Crispim sentara-se ao pé do comendador e defronte da viúva; então, eu fui direita a uma delas, e falamos, falamos pelas tripas de Judas... A princípio, não; a princípio ela fez-se de boa; e toquei-lhe no bico, respondeu-me zangada: “Vá-se, me deixe!” Mas eu insisti, perguntei-lhe por onde tinha andado, disse-lhe que estava ainda muito bonita, muito conservada; ela foi-se amansando, buliu com o bico, depois com o tacão, pisou em mim, eu pisei nela e não te digo mais...

BOTA ESQUERDA.- Pois é justamente o que eu queria contar...

BOTA DIREITA.- Também conversaste?

BOTA ESQUERDA.- Não; ia conversar com a outra. Escorreguei devagarinho, muito devagarinho, com cautela, por causa da bota do comendador.

BOTA DIREITA.- Agora me lembro: pisaste a bota do comendador.

BOTA ESQUERDA.- A bota? Pisei o calo. O comendador: Ui! As senhoras: Ai! Os homens: Hein? E eu recuei; e o Dr. Crispim ficou muito vermelho, muito vermelho...

BOTA DIREITA.- Parece que foi castigo. No dia seguinte o Dr. Crispim deu-nos de presente a um procurador de poucas causas.

BOTA ESQUERDA.- Não me fales! Isso foi a nossa desgraça! Um procurador! Era o mesmo que dizer: mata-me estas botas; esfrangalha-me estas botas!

BOTA DIREITA.- Dizes bem. Que roda viva! Era da Relação para os escrivães, dos escrivães para os juízes, dos juízes para os advogados, dos advogados para as partes (embora poucas), das partes para a Relação, da Relação para os escrivães...

BOTA ESQUERDA.- Et coetera (e o resto). E as chuvas! e as lamas! Foi o procurador quem primeiro me deu este corte para desabafar um calo. Fiquei asseada com esta janela à banda.

BOTA DIREITA.- Durou pouco; passamos então para o fiel de feitos, que no fim de três semanas nos transferiu ao remendão. O remendão (ah! já não era a Rua do Ouvidor!) deu-nos alguns pontos, tapou-nos este buraco, e impingiu-nos ao aprendiz de barbeiro do Beco dos Aflitos.

BOTA DIREITA.- Com esse havia pouco que fazer de dia, mas de noite...

BOTA ESQUERDA.- No curso de dança; lembra-me. O diabo do rapaz valsava como quem se despede da vida. Nem nos comprou para outra coisa, porque para os passeios tinha um par de botas novas, de verniz e bico fino. Mas para as noites... Nós éramos as botas do curso...

BOTA DIREITA.- Que abismo entre o curso e os tapetes do Dr. Crispim...

BOTA ESQUERDA.- Coisas!

BOTA DIREITA.- Justiça, justiça; o aprendiz não nos escovava; não tínhamos o suplício da escova. Ao menos, por esse lado, a nossa vida era tranquila.

BOTA ESQUERDA.- Relativamente, creio. Agora, que era alegre não há dúvida; em todo caso, era muito melhor que a outra que nos esperava.

BOTA DIREITA.- Quando fomos parar às mãos...

BOTA ESQUERDA.- Aos pés.

BOTA DIREITA.- Aos pés daquele servente das obras públicas. Daí fomos atiradas à rua, onde nos apanhou um preto padeiro, que nos reduziu enfim a este último estado! Triste! triste!

BOTA ESQUERDA.- Tu queixas-te, mana?

BOTA DIREITA.- Se te parece!

BOTA ESQUERDA.- Não sei; se na verdade é triste acabar assim tão miseravelmente, numa praia, esburacadas e rotas, sem tacões nem ilusões, — por outro lado, ganhamos a paz, e a experiência.

BOTA DIREITA.- A paz? Aquele mar pode lamber-nos de um relance.

BOTA ESQUERDA.- Trazer-nos-á outra vez à praia. Demais, está longe.

BOTA DIREITA.- Que eu, na verdade, quisera descansar agora estes últimos dias; mas descansar sem saudades, sem a lembrança do que foi. Viver tão afagadas, tão admiradas na vidraça do autor dos nossos dias; passar uma vida feliz em casa do nosso primeiro dono, suportável na casa dos outros; e agora...

BOTA ESQUERDA.- Agora quê?

BOTA DIREITA.- A vergonha, mana.

BOTA ESQUERDA.- Vergonha, não. Podes crer, que fizemos felizes aqueles a quem calçamos; ao menos, na nossa mocidade. Tu que pensas? Mais de um não olha para suas ideias com a mesma satisfação com que olha para suas botas. Mana, a bota é a metade da circunspecção; em todo o caso é a base da sociedade civil...

BOTA DIREITA.- Que estilo! Bem se vê que nos calçou um advogado.

BOTA ESQUERDA.- Não reparaste que, à medida que íamos envelhecendo, éramos menos cumprimentadas?

BOTA DIREITA.- Talvez.

BOTA ESQUERDA.- Éramos, e o chapéu não se engana. O chapéu fareja a bota... Ora, pois! Viva a liberdade! viva a paz! viva a velhice! (A Bota Direita abana tristemente o cano). Que tens?

BOTA DIREITA.- Não posso; por mais que queira, não posso afazer-me a isto. Pensava que sim, mas era ilusão... Viva a paz e a velhice, concordo; mas há de ser sem as recordações do passado...

BOTA ESQUERDA.- Qual passado? O de ontem ou de anteontem? O do advogado ou o do servente?

BOTA DIREITA.- Qualquer; contanto que nos calçassem. O mais reles pé de homem é sempre um pé de homem.

BOTA ESQUERDA.- Deixa-te disso; façamos da nossa velhice uma coisa útil e respeitável.

BOTA DIREITA.- Respeitável, um par de botas velhas! Útil, um par de botas velhas! Que utilidade? que respeito? Não vês que os homens tiraram de nós o que podiam, e quando não valíamos um caracol mandaram deitar-nos à margem? Quem é que nos há de respeitar? — aqueles mariscos? (olhando para mim) Aquele sujeito que está ali com os olhos assombrados?

BOTA ESQUERDA.- Vanitas! Vanitas! (vaidades!vaidades!)

BOTA DIREITA.- Que dizes tu?

BOTA ESQUERDA.- Quero dizer que és vaidosa, apesar de muito acalcanhada, e que devemos dar-nos por felizes com esta aposentadoria, lardeada de algumas recordações.

BOTA DIREITA.- Onde estarão a esta hora as botinas da viúva?

BOTA ESQUERDA.- Quem sabe lá! Talvez outras botas conversem com outras botinas... Talvez: é a lei do mundo; assim caem os Estados e as instituições. Assim perece a beleza e a mocidade. Tudo botas, mana; tudo botas, com tacões ou sem tacões, novas ou velhas; direita ou acalcanhadas, lustrosas ou ruças, mas botas, botas botas!

Neste ponto calaram-se as duas interlocutoras, e eu fiquei a olhar para uma e outra, a esperar se diziam alguma coisa mais. Nada; estavam pensativas.

Deixei-me ficar assim algum tempo, disposto a lançar mão delas, e levá-las para casa com o fim de as estudar, interrogar, e depois escrever uma memória, que remeteria a todas as academias do mundo. Pensava também em as apresentar nos circos de cavalinhos, ou ir vendê-las a Nova Iorque. Depois, abri mão de todos esses projetos. Se elas queriam a paz, uma velhice sossegada, por que motivo iria eu arrancá-las a essa justa paga de uma vida cansada e laboriosa? Tinham servido tanto! tinham rolado todos os degraus da escala social; chegavam ao último, a praia, a triste Praia de Santa Luzia... Não, velhas botas! Melhor é que fiqueis aí no derradeiro descanso.

Nisto vi chegar um sujeito maltrapilho; era um mendigo. Pediu-me uma esmola; dei-lhe um níquel.

MENDIGO.- Deus lhe pague, meu senhor! (Vendo as botas) Um par de botas! Foi um anjo que as pôs aqui...

EU (ao mendigo).- Mas, espere...

MENDIGO.- Espere o quê? Se lhe digo que estou descalço! (Pegando nas botas) Estão bem boas! Cosendo-se isto aqui, com um barbante...

BOTA DIREITA.- Que é isto, mana? que é isto? Alguém pega em nós... Eu sinto-me no ar...

BOTA ESQUERDA.- É um mendigo.

BOTA DIREITA.- Um mendigo? Que quererá ele?

BOTA DIREITA (alvoroçada).- Será possível?

BOTA ESQUERDA.- Vaidosa!

BOTA DIREITA.- Ah! mana! esta é a filosofia verdadeira: — Não há bota velha que não encontre um pé cambaio.

Fonte:
Publicado originalmente em O Cruzeiro, 23 de abril de 1878.

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Isabel Furini (Poema) 32: eu e Eu

 

Baú de Trovas LIV


Errar nunca foi demérito,
e eu também estou sujeito.
– Nem mesmo o velho pretérito
é totalmente perfeito.
A. A. de Assis – PR
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Na tarefa que lhe cabe,
Deus trabalha com você;
mas, por você, já se sabe,
Deus não faz nem diz por quê.
Amilton Maciel Monteiro – SP
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Sem fazer-me de rogada,
só persiste uma verdade:
poesia em mim fez pousada,
sem ter qualquer leviandade.
Andréa Motta – PR
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Quis colher o sol e a lua,
Depô-los no teu regaço,
Quis cantar de rua em rua,
Os versos que já não faço.
Antonio Barroso - (Tiago) - Portugal
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Família é um livro lindo,
obra de muitos autores,
é um livro jamais findo
de risos, choros e amores.
Cesar Sovinski - PR
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Trovas devem ser escritas
com bastante inspiração,
passando em frases bonitas,
mensagens do coração.
Cláudio Morais - SP
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– “Mas, mamãe, se é gravidez,
que remédio é sugerido?”
– “Arranjar, com rapidez,
algum trouxa, pra marido!”…
Darly O. Barros – SP
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Não há palavra nenhuma
tão grande quanto “saudade”
que em sete letras resuma
a dor e a felicidade.
Diamantino Ferreira – RJ
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Quando chegaste ao portão
para saber quem batia,
batia o meu coração
que de saudades morria.
Domingos Freire Cardoso - Portugal
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Das ofensas de um irmão
não guardes nenhum rancor,
que um minuto de perdão
vale uma vida de amor!
Domitilla Borges Beltrame – SP
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Sou livre, sem restrição,
mas afinal, para quê?
Mil vezes a escravidão…
mas juntinho de você.
Dorothy Jansson Moretti – SP +
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Seja de que modo for
e sem qualquer preconceito,
na casa onde mora o amor,
mora também o respeito.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho – MG
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Pelo calor castigado,
vou seguindo tão sozinho
neste sertão demarcado
pelas cruzes do caminho.
Edweine Loureiro – Japão
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Refletia a luz da lua,
o orvalho da noite fria;
sobre o menino de rua,
que na calçada dormia.
Edy Soares – ES
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De armas, não precisaste.
palavras brutais, somente…
com elas apunhalaste
meu coração, friamente!
Ester Figueiredo – RJ
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As pedras do meu caminho
vou transpondo-as com ardor,
e cada dia um trechinho
vira caminho de amor.
Flávio Roberto Stefani – RS
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Malandro vive sem grana,   
é um eterno vadio.
Sua pinta de bacana
esconde o bolso vazio.
Francisco Gabriel – RN
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Embora o tempo me marque
com várias rugas na tez,
se um dia voltar ao parque
serei criança outra vez.
Francisco José Pessoa – CE +
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Refém de ti, não recuo,
réu do amor que me corrói:
cada sonho que construo,
tua apatia destrói…
Gilvan Carneiro – RJ
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O mar é o mais doce amante
pois não cansa de beijar,
num lirismo alucinante,
toda praia que encontrar!
Gislaine Canales – RS +
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O “ser feliz” nesta vida
está na simplicidade,
um só carinho, querida,
traduz a felicidade!
Glória Tabet Marson – SP
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Esta  frase  refletida
leva  a  conceitos  profundos:
" Perca  horas  e  horas  na  vida,
mas  nunca, a  vida  em  segundos"!...
Henrique Eduardo – CE
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Um cenário me devasta:   
a garrafa de champanhe,
duas taças, vela gasta
e ninguém que me acompanhe.
Jérson Brito – RO
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Mesmo se é pobre a mobília
e às vezes falta alimento,
é na casa da família
que a esperança encontra alento.
Jorge Fregadolli – PR
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Ao contrário da mentira,
é reta a sinceridade;
aquela desperta a ira,
esta, a credibilidade.
Lairton Trovão de Andrade – PR
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Antes, a família à mesa,
em sagrada comunhão.
Hoje, silêncio e frieza,
por conta da evolução.
Leonilda Yvonneti Spina – PR
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De tanto viver sonhando,
levo o meu barco, a sorrir,
tranquilamente aguardando
mais sonhos em meu porvir!
Lucília Trindade Decarli – PR
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Foi no tempo da janela
e do namoro à distância
que a vida, muito mais bela,
tinha tão grande importância!
Luiz Carlos Abritta – MG +
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Em meu livro da memória
há uma página refeita,
que mudou a minha história…
A rasura… foi perfeita!
Luzia Brisolla Fuim – SP
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Por te amar tanto é que a vida,
embora dure um segundo,
possui o espaço e a medida
das horas todas do mundo!…
Mara Melinni – RN
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Felicidade: ei-la aqui,
aponta pra cima a seta.
Basta que todos daqui
entendam essa indireta!
Maria Cristina Cacossi -SP
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Maria Danusa Almeida,
Nunca mostres apatia
diante da luta na vida,
mas brinda com simpatia
e a inércia será vencida!
Maria Luíza Walendowski – SC
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Quando a dúvida se instala
dentro de um peito infeliz,
não importa o que ela fala,
já se sabe o que ela diz!
Maria Thereza Cavalheiro – SP +
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Meu caminho é o teu caminho!
Se a morte nos separar,
quem chegar no céu sozinho
chora até o outro chegar.
Milton de Souza – RS +
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O amor que escolhi um dia
expõe-me à língua do povo?
Dane-se o povo! Eu faria
a mesma escolha, de novo!
Newton Vieira – MG
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Escute, esta é a voz do vento
que me traz doces cantigas,
invadindo o pensamento
de lembranças tão antigas.
Nilsa Alves de Melo – PR
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O sonho, eterna magia,
ao retratar o passado,
mostra a doce fantasia
de estar, ainda, a teu lado.
Olga Maria Ferreira – RS
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Olhando o escorregador,
palco da infância sem pressa,
filosofa o trovador:
 – Os anos passam depressa!
Olympio Coutinho – MG
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Tudo na vida tem preço
e prazo de validade…
Quando tu vais, não te esqueço:
pago teu preço em saudade!
Renato Alves – RJ
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Meu amor deu-me um pacote
embrulhado com barbante...
Eu logo vi que era um trote :
Lindo vidro de laxante!
Renato Benvindo Frata – PR
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Áureo outono, que beleza…
Nada abate o teu fulgor!
A esplêndida natureza
te fez tão encantador.
Roberto Pinheiro Acruche – RJ
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Na praia deixei meus sonhos
e, junto às ondas do mar,
pousei meus olhos tristonhos
à espera de te encontrar.
Sarah Rodrigues – PA
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O canto ensina que a vida
encanta em qualquer momento.
Mesmo a luta mais renhida
traz nela o seu próprio alento!
Sinclair Casemiro – PR
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Quem se concentra no estudo
vence o mundo, sem esquema.
Leva consigo um escudo:
– Enfrentar qualquer problema.
Vânia Ennes – PR

Aparecido Raimundo de Souza (Encrenqueiros)

NA HORA do intervalo para o recreio, Jujuba se aproxima do colega Brucólio. Puxa conversa. Na verdade, Jujuba não gosta de Brucólio, porque ele está de olho na sua irmã Josefina.

Jujuba:
— Estava te observando de longe, Brucólio. Como você é baixo. Não sei o que a minha mana viu em você!

Brucólio:
— Olha quem fala. Despeitado. Como se você fosse alto o suficiente...

Jujuba:
— Pelo menos vejo meu tênis nos pés mais longe que você enxerga os seus... se é que enxerga.

Brucólio:
— Tá me tirando?

Jujuba:
— Não, só estou dizendo que você é miúdo. Parece aqueles cachorrinhos da raça Chihuahua que não crescem.

Brucólio:
— Você tem mãe, Jujuba?

Jujuba:
— Você sabe a resposta... que pergunta mais besta. Está até querendo que ela venha a ser futuramente a sua sogra. Se depender de mim...

Brucólio:
— Me responda, seu verme. Você gosta dela?

Jujuba:
— Dela quem? Da minha mãe? Claro. Amo! Por?

Brucólio:
— Me faz um favor. Vai cantar as suas idiotices nos ouvidos dela. Deixa eu aqui quietinho no meu canto.

Jujuba não dá a mínima e segue colocando defeitos em seu colega.

Jujuba:
— Olha para isso! Até seu sanduiche é mirrado. E o refri? Não tinha uma garrafinha maior?

Brucólio:
— Jujuba, seu filho de uma égua. Vai torrar a paciência de outro. Olhe em sua volta. Tem tanto piá dando sopa. Por que implica logo comigo?

Jujuba, com ar de deboche:
— Por dois motivos. Um. Você está de olho comprido na Josefina. Dois. Seu aspecto amorrinhado me lembra do Guran, aquele pigmeu que vive no Trono da Caveira, junto com o Fantasma.

Brucólio:
—  Amorrinhado, pigmeu e Fantasma é o seu pai...

Jujuba:
— Meu pai tem quase dois metros de altura.

Brucólio:
— Jujuba, me deixa em paz. Vai ver se estou no banheiro fazendo xixi na sua carcaça...

Jujuba cai em estrondosa gargalhada.
— A sua paz pelo menos é grande?

Brucólio acaba perdendo as estribeiras. Parte para o ataque. Atira o seu lanche no rosto de Jujuba. Jujuba se esquiva a tempo e ridiculariza:

— Errou. Ta vendo? Até a sua direita é fraca. Você não acerta nem mosca. Boboca, boboca, bobocaaaaaa...

Em face de não ter atingido o alvo, Brucólio se enfurece ainda mais. Vocifera:

— Vou te pegar, seu idiota...

Das palavras parte para a ação. Se arma, em contínuo, de uma vassoura e pula com tudo para cima de seu opositor. Jujuba dispara em ziguezague espiralando em meio de outros albergados. O pátio da escola é enorme e Brucólio não consegue acompanhar a velocidade do seu desafeto.

Jujuba:
— Nem correr sabe – troça o Jujuba, galhofando. Parece uma barata tonta. Vem, vem, vem...veemmmmmm...

Brucólio:
— Quando você sentir na pele a minha raiva, a sua mãe não vai reconhecer a sua fuça. Eu te mato...

Jujuba:
— Do jeito que você corre, me lembra o Zangado...

Brucólio:
— Quem é Zangado?

Jujuba:
— Um dos “anão” da Branca de Neve...

Brucólio:
— Filhote de verme... vou fazer você engolir tudo o que está me dizendo...

Jujuba:
— Vai ser fácil. Suas palavras são tão atrofiadas que engolirei numa só abocanhada. Venha, venha, venha, venhaaaaaa... aproveita e monta na vassoura...

A correria desordenada acaba quando ambos esbarram na professora Sofia, coordenadora e diretora do estabelecimento.

Em decorrência, a jovem tropeça numa galera de pernas e braços que igualmente voava atrás dos tresloucados, em apavorantes gritarias. A professora cai de costas e se estabana no chão de cimento.

Professora Sofia:
— Ei, vocês dois, que diabo está acontecendo aqui?

Os ajuntados oriundos de outras dependências se aglomeram em volumosa curiosidade. Abrindo caminho em meio ao furdunço, serventes acorrem em socorro da professora Sofia, enquanto educadores seguram os travessos encrenqueiros.

— Os dois, na minha sala, agora...

Jujuba e Brucólio imediatamente são impedidos de voltarem aos seus locais de estudos. Os pais chamados. Cada um dos brigões toma suspensão de três dias e a promessa solene de serem expulsos se outra mazorca* tornar a criar vida e forma.       
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* Mazorca = baderna, tumulto

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

domingo, 7 de agosto de 2022

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 11

 

Leandro Bertoldo Silva (A literatura é uma escada muito alta)

Uma das condições que nos faz ser humanos é a nossa capacidade de ler. Ser leitor é estar inserido, não em um universo, mas em algo maior, uma espécie de pluriverso que é, ainda, mais vasto. Gosto dessa palavra: “Vasto”. Lembro-me de Drummond ao escrever: “Mundo, mundo, vasto mundo. Se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução”. Bem, não me chamo Raimundo, mas supondo ser esse o nome de todos os alunos e alunas que dizem ter horror à leitura por não entenderem como, ao ler, somos transportados aos vastos mundos, conscientes e inconscientes, reais ou imaginários, busquemos a solução com licença ao poeta.

Antes, o que nos faz verdadeiramente humanos em nossa experiência leitora é perceber que não lemos somente as palavras. Há algo a mais nessa experiência que reflete a nossa condição lúcida de seres racionais dotados de uma inteligência superior. Sempre digo: precisamos aprender a ler a verdadeira natureza íntima de todas as coisas. Eu, como escritor, gosto dos leitores que leem os cheiros, os sabores, as lembranças, as saudades, as esperanças, as suposições… As letras são materializações do que sentimos, mas não devemos ficar presos nelas, pois se assim acontece, ficamos na superficialidade, no espelho das águas e perdemos a oportunidade de desfrutar o encontro das profundidades. É como a árvore; vemos o seu tronco, galhos, folhas e frutos, mas não enxergamos o mais importante: suas raízes. Na escrita se dá o mesmo. É preciso ler as raízes, o que está “escondido”, pois são elas a sustentar sua existência.

Mas deixemos as digressões. Até porque estava nelas quando um aluno levantou a mão no meio da sala.

— É o seguinte, fessô, — disse ele coçando a cabeça. - Eu sei que o senhor é escritor e fala essas coisas aí, mas eu não consigo entender essas paradas de ler o que não tá escrito. Como isso é possível?

— Ora, Raimundo, você ouviu o que eu falei sobre a árvore?

— Ouvi, fessô, mas isso tudo é poético demais… Falando assim até dá pra entender, mas sei lá…

— Certo. Vou te explicar de outra forma. Vamos fazer uma pequena viagem mental.

— Fazer o quê?

— Um faz de conta, vou contar uma história e você vai se vendo dentro dela.

— Pô, fessô, maneiro. A galera pode vir junto?

— Pode. Mas você precisa se concentrar, pode ser?

— Pode crer.

— Vamos lá. Imagina que você está indo para uma cachoeira com alguns amigos.

— Maneiro.

— Porém, durante o trajeto e ao chegar lá o sol foi se escondendo e dando lugar a um tempo nublado e até com alguns pingos de chuva, poucos, mas suficientes para turvar a água e impedir a sua bela visão cristalina.

— Pô, fessô, sacanagem…

— Concentra, Raimundo.

 — Vai nessa.

— Se algum de seus amigos falasse para você pular na água de cabeça, você pularia?

— Com a água turva? Tá doido, fessô, de jeito nenhum!

— Ora, e por quê?

— Por quê?! Cê tá doido mesmo! Com a água turva não dá pra ver o fundo e nem onde as pedras estão. É perigoso pacas!

— Pedras? Mas que pedras? Eu não falei em pedras! Além do mais, você nem as viu! Como sabe que tem pedras?

— Ô, fessô, se liga! Cachoeiras são lugares de pedras a contar pelas que existem nas margens. A gente pode até não tá vendo, mas isso porque a chuva que o senhor falou fez mexer as paradas lá embaixo da água e a lama subiu pra superfície. Mas que tem pedra, ah isso tem. E vai que tem uma exatamente onde eu pularia…

— Hummm… Sabe o que você fez, Raimundo?

— Me livrei de uma?

— Isso também. Mas você acabou de fazer uma leitura perfeita da natureza e das suposições.

— Hã?!

— Sim, Raimundo, percebe! Você leu a água, a lama, a chuva… E não havia palavras aí, ou seja, as pedras. Você enxergou o que não estava visível, exatamente como devemos fazer em uma leitura: ler nas entrelinhas, nos espaços vazios onde as palavras já não são necessárias… Entendeu?

Nem era mais preciso perguntar. A sua expressão disse tudo. Ele ficou satisfeito com a explicação. Eu mais ainda por ter, talvez, despertado mais um leitor crítico. Ao vê-lo com seu ar alegre e orgulhoso de si mesmo e em meio à algazarra da turma que o saudava, fiquei a pensar… É, a literatura é mesmo uma escada muito alta e para se chegar ao topo é preciso subir degraus.
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Pois é, essa é uma fala corriqueira minha. Quem me conhece sabe disso. Infelizmente, tem muita gente adepta ao salto à distância e quer alcançar, de um pulo só, o último degrau. Vemos isso muito nas escolas quando “obrigam” alunos a lerem autores e obras que ainda não estão preparados e, além de não prepará-los, ainda dão prova de livros, prática que eu nunca fui adepto, pois acredito mesmo que há muitas outras maneiras de se avaliar uma leitura… E você, o que acha disso?

Fonte:
Texto enviado pelo autor, disponível no blog Árvore das Letras.
https://arvoredasletras.com.br/2022/05/21/a-literatura-e-uma-escada-muito-alta-2/