domingo, 7 de agosto de 2022

Caldeirão Poético LII


Caio de Melo Franco
Montevidéu/Uruguai, 1896 – 1955, Paris/França

EVANGELHO DA VELHICE

— "Quando a Velhice te bater à porta,
queres ouvir nosso Evangelho? — escuta:
Abre de manso e trêmula perscruta
aquela face que a tristeza corta.

Olha-a de frente... e uma alegria morta
verás em cada sulco que a labuta
deixou, fundo, ficar da insana luta,
que não nos confortou, nem nos conforta!...

Enxugarás o olhar inconsolado...
E ficarás pungentemente olhando,
de mãos postas, a orar para o Passado...

E assim, velhinha e triste, e eu triste e velho,
viveremos tremendo... mas rezando
a saudade sem fim desse Evangelho..."

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Carlos Guimarães
Rio de Janeiro/RJ, 1915 – 1997


ÚLTIMO SONETO


Este soneto — o último que faço —
põe um ponto final em nossa história,
que, hoje, termina de maneira inglória,
sem um beijo de adeus, sem um abraço.

Peço, apenas, que guardes na memória,
qual de nós teve culpa do fracasso;
quem primeiro deu mostras de cansaço,
reduzindo a farrapos nossa glória...

Pedes que eu parta e eu cedo. Indiferentes,
teus lindos olhos nem me seguirão...
Trilharemos caminhos diferentes,

porque temos Destinos desiguais:
— Tu vais feliz, em busca de ilusão,
e eu carregando um desengano a mais!

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Cesídio Ambrogi
Natividade da Serra/SP, 1893 — 1974, Taubaté/SP

MANHÃ GLORIOSA


Cintila em ouro o sol pelos caminhos,
no esplendor da manhã que vem raiando;
ouve-se, além, o murmurar dos ninhos
e cruzam-se no espaço asas, noivando.

De em torno a um velho cocho, atropelando
inocentes e mansos cordeirinhos,
anda um poldro, a saltar. Passam riscando
o céu — flechas de neve — dois pombinhos.

E toda a terra que de luz se banha,
despe-se, enfim, das pérolas do orvalho,
para a luta da vida, intensa e estranha.

Obscuro e cruento o embate principia,
e tudo vibra à orquestra do trabalho,
na conquista do pão de cada dia...

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Cícero Acaiaba
Cambuquira/MG, 1925 – 2009, Varginha/MG

MINHA SOMBRA

Depois de te esperar inutilmente
na esquina desta rua abandonada,
eu volto mais sozinho e, lentamente,
marcam meus passos versos na calçada.

O coração, de súbito, se sente
liberto dessa angústia exasperada,
ao ver que minha sombra, obediente,
arrasta-se a meus pés, escravizada.

Ao menos, a que sempre me acompanha,
sombra fiel de tantas confidências,
mártir da mesma dor, do mesmo espinho,

ouve em silêncio minha voz estranha,
e vai beijando as longas reticências
das lágrimas que deixo no caminho.

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Cidoca da Silva Velho
São Luís do Paratinga/SP, 1920 – 2015, Jundiaí/SP

POENTE DA VIDA

É impossível voltar ao tempo antigo,
com tudo começando novamente!
Mesmo assim, quero ser o teu abrigo,
nesta fase da vida de sol poente!

Quantas horas perdemos, meu amigo,
na escalada dos tempos, tristemente!
E passou a ilusão que hoje eu bendigo,
por ver-te em minha estrada, frente a frente.

Foge do vento frio dos caminhos!
Escondido nos galhos farfalhantes,
vê quanto amor existe pelos ninhos.

Há de florir em versos palpitantes
o nosso amor, só feito de carinhos,
num turbilhão de rimas delirantes...


Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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