quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) Vagões 71 e 72


DIÁLOGO FILOSÓFICO


— As coisas não são o que são, mas também não são o que não são — disse o professor suíço ao estudante brasileiro.

— Então, que são as coisas? — inquiriu o estudante.

— As coisas simplesmente não.

— Sem verbo?

— Claro que sem verbo. O verbo não é coisa.

— E que quer dizer coisas não?

— Quer dizer o não das coisas, se você for suficientemente atilado para percebê-lo.

— Então as coisas não têm um sim?

— O sim das coisas é o não. E o não é sem coisa. Portanto, coisa e não são a mesma coisa, ou o mesmo não.

O professor tirou do bolso uma não barra de chocolate e comeu um pedacinho, sem oferecer outro ao aluno, porque o chocolate era não.
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DIÁLOGO FINAL

— É tudo que tem a me dizer? — perguntou ele.

— É. — respondeu ela.

— Você disse tão pouco.

— Disse o que tinha para dizer.

— Sempre se pode dizer mais alguma coisa.

— Que coisa?

— Sei lá. Alguma coisa.

— Você queria que eu repetisse?

— Não. Queria outra coisa.

— Que coisa é outra coisa?

— Não sei. Você que devia saber.

— Por que eu devia saber o que você não sabe?

— Qualquer pessoa sabe mais alguma coisa que outro não sabe.

— Eu só sei o que eu sei.

— Então não vai mesmo me dizer mais nada?

— Mais nada.

— Se você quisesse…

— Quisesse o quê?

— Dizer o que você não tem para me dizer. Dizer o que não sabe, o que eu queria ouvir de você. Em amor é o que há de mais importante: o que a gente não sabe.

— Mas tudo acabou entre nós.

— Pois isso é o mais importante de tudo: o que acabou. Você não me diz mais nada sobre o que acabou? Seria uma forma de continuarmos.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

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