domingo, 21 de agosto de 2022

Sammis Reachers (Ri por último quem ri de bolso cheio)

 As catanças de ferro-velho abarcavam, a partir de nosso sub-bairro Jardim Nazareth ou Palha Seca (a “fronteira” entre os bairros de Tribobó e Arsenal) diversos outros bairros: No poder arcano da canela, alcançávamos Jockey Club e Anaia, Capote e Arsenal, chegando até a Rio do Ouro e Maria Paula, quando não Colubandê e Bairro Almerinda. Era muito chão!

Naqueles finais da década de 80, o bairrismo não era armado pelo tráfico como depois tornou-se, mas existia: Os daqui não se misturavam com os de lá. Mesmo que os de lá fossem os dali, da rua seguinte à sua...

Nessa época de “galeras” e entreveros, surgiu certa feita aqui na Beira do Rio uma dupla de irmãos folgazões, ou folgadaços mesmo. Metidos a bambas, vinham na intenção de namoricar as meninas da área. Bem, as NOSSAS meninas. Na época eu não estava realmente interessado em namoros, mas a marra daqueles espertões incomodava, tanto a mim quanto a muitos outros. Mais fortes que eu e Renato, me lembro de uma feita em que, em plena e nossa área, os sacanas nos intimidaram com sinistras ameaças. Acuados, num tempo em que eu ainda era um péssimo ou inútil boxer de rua, colocamos a viola no saco e ficamos quietinhos...

Eles vinham de uma área próxima, uma espécie de sub-bairro a que chamávamos de “Buraco Quente”. Acontece que este mesmo Buraco Quente era área fiel de nossas coletas, pois havia lá um enorme lixão comunitário, instalado numa espécie de cratera. E não é que foi numa dessas andanças naquelas paragens que acabamos descobrindo em que casa moravam os tais Romeus valentões?

Tempo passou, e belo dia fomos nós nos abeirando da casa deles, cuja cerca de arame farpado, já banguela, coitada, fazia lado a um terreno baldio, coberto por moitas e arbustos. Apenas batíamos aquele terreno em busca de algo, inchados de inocência, quando, lá ao fundo do tal terreno e fronteiriço à cerca da casa dos sacanas, percebemos uma enorme caixa de ferro – um desses baús de geladeiras antigas. Ao nos acercarmos com cuidado, a falha dos valentinos foi descoberta: Os trouxas deixavam, do lado de fora de seu quintal, um depósito de reciclagens composto apenas de alumínio, cobre, chumbo e metal, um depósito repleto. Alumínio já bem amassado, fios de cobre já descascados ou queimados, com sabor de mel.

Não era preciso dizer mais nada, e Renato nem tentou. Apenas sorriu cinicamente; e Deus, como sinto falta daquele sorriso! Eu entendi o que faríamos.

Nas semanas seguintes, aplicamos sobre aqueles canalhinhas nossa velha e experimentada tática do morde-e-assopra: A cada semana pegávamos uma pequena “carga” das mercadorias, para que as vítimas não sentissem o impacto.

A marra daqueles garotões, que depois acabaram “expulsos” de nossa área pelos moleques maiores, nós a consumimos nos sabores Chocolate e Flocos dos sorvetes da Kibon, nossos preferidos...

O dono da padaria sorria quando entrávamos, sujos e amarrotados, mas cheios de dinheiro de nosso suado trabalho – e nossa justa e vingativa rapina!

Fonte:
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

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