domingo, 1 de dezembro de 2024

José Feldman (O Ônibus da Confusão)

Nota do autor: Há cerca de 50 anos trabalhei no transporte de passageiros de ônibus urbano, na cidade de Belo Horizonte/MG, verificando quantas pessoas subiam e desciam no ônibus, para calcular a distância apropriada entre os pontos, daí caiu um temporal, as ruas alagaram, o motorista se perdeu ao desviar, saiu discussão, teve gente histérica, foi uma confusão generalizada, daí a ideia deste conto.

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Era uma tarde chuvosa na cidade, e o ônibus lotado seguia sua rotina habitual. As gotas de chuva tamborilavam no teto, fazendo uma sinfonia que misturava-se ao barulho das conversas e risadas dos passageiros. No entanto, o clima descontraído logo foi interrompido por um forte estrondo.

— O que foi isso? — gritou Dona Maria, uma senhora de cabelo grisalho, segurando a bolsa com firmeza.

— Deve ser só o trovão, Dona Maria! — respondeu João, um jovem de camiseta vermelha, tentando manter o bom humor.

Mas o motorista, preocupado com a enxurrada que começava a invadir as ruas, decidiu desviar o trajeto. Ele virou à esquerda, depois à direita, mas logo percebeu que estava perdido.

— Pessoal, estamos enfrentando um pequeno desvio! — anunciou ele pelo microfone, mas a voz dele mal conseguiu se sobrepor ao barulho dos passageiros.

— Pequeno desvio? Estou a caminho de uma reunião importante! — protestou o Sr. Almeida, um executivo apressado que estava ao telefone. Ele olhou pela janela e viu a água subindo. — Isso não é um desvio, é uma aventura!

— Eu conheço um atalho! — gritou Tânia, uma estudante com uma mochila cheia de livros. — É só seguir pela Rua das Flores!

— Rua das Flores? Você está louca? — respondeu Carlos, um senhor com um chapéu de palha. — Essa rua está sempre alagada! Vamos pela Avenida Central!

— Avenida Central? — interrompeu Mariana, uma jovem com um guarda-chuva quebrado. — A última vez que passei por lá, estava um caos! Precisamos de um plano!

Os passageiros começaram a discutir entre si, cada um defendendo sua própria ideia de qual caminho seguir.

— Pessoal, calma! Eu tenho um mapa! — anunciou Pedro, um rapaz que estava na parte de trás do ônibus. Ele estava tão empolgado que quase levantou do banco. — Aqui diz que podemos pegar a Rua da Alegria!

— Rua da Alegria? — riu Dona Maria. — Com esse temporal, só se for alegria de ver o barco que vamos precisar para atravessar!

— Olha, eu não sei de vocês, mas eu vou descer. Não estou a fim de ser levado por um tsunami! — disse a Sra. Glória, uma mulher mais velha, já se levantando.

— Não, não! Fica todo mundo aqui! — gritou o motorista, tentando manter a ordem. — Precisamos decidir juntos!

— Eu sempre confiei no GPS! — disse o jovem com um celular na mão. — Vamos ver pra onde ele nos leva!

— GPS? E se ele estiver errado? — retrucou Carlos. — Eu confio mais no meu instinto!

A discussão continuava, e o ônibus parecia um verdadeiro tribunal. Cada um defendia sua ideia com fervor, e logo o motorista se viu sem saber a quem ouvir.

— Olha, uma solução pode ser perguntar ao pessoal da rua! — sugeriu Tânia, apontando para um grupo de pessoas que se abrigava em uma marquise.

— Boa ideia! — exclamou o motorista, aliviado. — Vou parar!

Ele estacionou o ônibus em um lugar seguro, e todos os passageiros se aglomeraram na porta.

— O que está acontecendo? — perguntou um dos homens na marquise, enxugando a chuva do rosto.

— Estamos perdidos! Qual é o melhor caminho para a Avenida Central? — perguntou o motorista.

O homem olhou para o céu, pensou por um momento e respondeu:

— Amigo, se eu fosse você, fugiria para o mais perto possível da praia. Aqui não vai ter Avenida Central, só um mar de água!

Os passageiros se entreolharam, um misto de risadas nervosas e uma leve sensação de desespero.

— Eu não vou pra praia! — gritou a Sra. Glória, já com a mão na cintura. — Isso é loucura!

— Então que tal seguir pela Rua do Sol? — sugeriu a jovem Mariana, que parecia ter uma ideia mais otimista. — Pode ser que lá a água não esteja tão alta.

— Rua do Sol? É a única que ainda não ouvi! — disse Pedro, com um sorriso.

— Vamos nessa! — decidiu o motorista, voltando para o volante. — Rua do Sol, aqui vamos nós!

O ônibus seguiu pela nova rota, e a tensão começou a se dissipar. Os passageiros voltaram a conversar, agora em um tom mais leve.

— Vocês acham que vamos chegar a tempo? — perguntou João, olhando pela janela.

— Chegar a tempo do quê? — riu Tânia. — Se não nos afogar primeiro!

— Olha, se tudo der certo, ainda podemos fazer uma festa na praia! — brincou Carlos, arrancando risadas.

— Festa? Com essa chuva? — ironizou a Sra. Glória. — O que vai ter na festa? Natação?

A conversa fluiu e, de repente, o ônibus parecia mais um salão de festas do que um transporte público sufocado. Momentos depois, eles chegaram à Rua do Sol, que estava inundada, mas a água não era tão alta.

— Ufa, estamos a salvo! — exclamou Dona Maria, aliviada. — Agora só falta saber como voltamos pra casa!

— Ah, isso é fácil! — disse Pedro, puxando seu mapa. — Vamos descobrir juntos!

E assim, entre risadas e histórias, o ônibus lotado virou um ponto de encontro, onde a amizade e a camaradagem floresceram mesmo diante da tempestade. Aquele dia, que começou com um temporal, acabou em uma verdadeira aventura, unindo pessoas diferentes por um único objetivo: encontrar o caminho de volta para casa.
 
Fontes: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul,
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