quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Marcos Antonio Campos* (Aurora)


É um belo anel, mesmo esquecido pelo tempo dentro de uma caixinha de joias. Ele foi posto lá no exato momento em que teus olhos fugiram de mim. Foste embora nas velas de tua nau à procura de auroras distantes. A saudade não mitigou teu nome em minha lembrança.

Este anel não me foi dado. Foi devolvido quando partiste. Não quis refratar os teus sonhos nem caminhar no teu arco-íris. Eu não queria aventuras, tinha medo de voar e perdi a estrela que estava em minha mão.

Acordo cedo e vou trabalhar, sempre faço o mesmo percurso. Não me aventuro por caminhos desconhecidos. A aurora ainda está acordando e já vai dourando os cachos da acácia, a cor dos teus cabelos. As xananas** ainda estão abrindo suas pétalas para o sol e eu vejo o teu sorriso. Os passarinhos começam a cantar e eu lembro como era melodiosa tua voz.

Atravessar o canteiro central é como ter o coração transpassado por uma flecha. As rosas vermelhas têm a cor de teus lábios, as flores têm o perfume que roubaram de ti e as pétalas têm a maciez de tua pele. 

Além do anel, você deixou-me também a bandeira de seu país, que, na aurora desfraldada, tem a cor do teu cabelo, o azul de teus olhos e o carmim de tua boca. À noite, a bandeira amarrotada cobre-me os olhos para o crepúsculo e acende minha narina com teu perfume. Acordo com os acordes da aurora. Mãos como raios de luz esquentando minha pele. O galo cantando, avisando-me a hora, os girassóis sorrindo para mim, alegrando-me o dia.

Vbu navegar o horizonte, abrir minhas velas, atracar em outros cais. Talvez tu tenhas ido a Macondo, voar com as araras, quem sabe estás nas montanhas de Shangri-lá ou ainda matriculada na Universidade Corânica de Tumbuctu. Certezas não as tenho, mas acredito que tu foste procurar o nascer da aurora, desde a terra do sol nascente ao solar da Bela Vista.

Desejo ardentemente acordar nos braços de minha Aurora, seguir meu caminho livre dessa quarentena. É difícil seguir os passos de minha gazela, principalmente quando meu corcel está a todo galope, por isso comprei uma passagem para Boa Vista.
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* O autor é de Natal/RN

** Xanana = é uma planta da América tropical com potencial ornamental, por suas flores e folhagem atrativas, que ocorre naturalmente em pastagens, pomares, beira de estradas, carreadores e terrenos baldios. Apesar de ser rústica e, provavelmente, exigir tratos culturais simples, ainda não possui informações suficientes que permitam a definição de técnicas visando o seu cultivo.

(esta crônica obteve o Menção Honrosa no Concurso de Crônicas Adulto Nacional “Foed Castro Chamma”, em 2020, com o tema Aurora)

Fontes: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. 
Livro enviado por Luiza Fillus.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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