sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

José Feldman* (Textos & Trovas) O lamento da terra

Texto construído tendo por base a trova de José Lucas de Barros (Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN)

Viram cinza os verdes braços
de árvores tão bem formadas
e a terra morre aos pedaços
por onde vão as queimadas!

Na pequena cidade de Verdeluz, onde a natureza sempre foi a protagonista, o verde das árvores e o canto dos pássaros formavam uma sinfonia que encantava a todos. As colinas eram cobertas por florestas densas, e os rios serpenteavam alegremente, trazendo vida e frescor ao ambiente. No entanto, nos últimos anos, algo sombrio começou a se espalhar por aquelas terras outrora vibrantes.

Os moradores de Verdeluz, sempre em harmonia com a natureza, notaram que as árvores, antes exuberantes e saudáveis, começaram a perder seu brilho. “Viram cinza os verdes braços de árvores tão bem formadas”, murmuravam os mais velhos, enquanto as crianças, sem entender a profundidade da tristeza, brincavam entre os troncos que começavam a se tornar estéreis. A terra, que um dia parecia pulsar com vida, agora mostrava sinais de cansaço e desespero.

O responsável por essa transformação drástica era a prática das queimadas. A busca desenfreada por terras para cultivo e pastagem levou muitos a incendiar áreas florestais, sem considerar as consequências. As chamas consumiam tudo em seu caminho, deixando atrás de si uma paisagem desoladora, uma cicatriz permanente na terra que nutria a vida. 

“A terra morre aos pedaços por onde vão as queimadas”, pensava Ana, uma jovem ativista local que sempre se preocupou com o meio ambiente.

Ana cresceu em Verdeluz e tinha uma conexão profunda com a natureza. Desde criança, costumava passar horas explorando as florestas, aprendendo sobre plantas e animais, e sonhando em um dia se tornar uma defensora da Terra. Ao ver a devastação ao seu redor, ela sentiu que precisava agir. Com o apoio de alguns amigos, decidiu organizar uma campanha de conscientização sobre a preservação da floresta.

Com cartazes coloridos, encontros comunitários e palestras, Ana e seu grupo começaram a mobilizar a população. Eles contavam histórias sobre a importância das árvores, não apenas como provedores de madeira e sombra, mas como guardiãs de um ecossistema que sustentava a vida. A cada reunião, mais pessoas se juntavam à causa, unindo forças para tentar reverter o cenário trágico.

Certa tarde, enquanto caminhava pela floresta, Ana encontrou um velho sábio, conhecido por todos como o Guardião da Floresta. Ele estava sentado sob uma árvore imponente, cujos galhos pareciam tocar o céu. 

“Você trouxe um peso grande em seu coração, minha jovem”, ele disse, olhando nos olhos dela. 

Ana se sentou ao seu lado e desabafou sobre suas preocupações. “Sinto que estamos perdendo nossa casa. As queimadas estão destruindo tudo e ninguém parece se importar.”

O velho sorriu, mas havia tristeza em seu olhar. 

“A natureza sempre encontrará uma forma de se regenerar, mas precisamos cuidar dela com amor e respeito. As árvores têm uma sabedoria que muitas vezes ignoramos”, respondeu ele. “Viram cinza os verdes braços, mas se você reacender a esperança, pode fazer com que voltem a florescer.”

Inspirada pelas palavras do Guardião, Ana decidiu que era hora de agir de forma mais intensa. Com a ajuda da comunidade, organizaram um grande evento: o Festival da Reflorestação. Seria um dia de celebração, conscientização e, principalmente, plantio de árvores. O evento atraiu a atenção de muitos, e pessoas de várias partes da cidade se uniram à causa.

No dia do festival, a atmosfera era mágica. Músicos tocavam, crianças corriam com sorrisos iluminados, e os adultos se preparavam para plantar novas árvores. Ana sentiu que a esperança estava renascendo naquelas pequenas mãos que seguravam mudas de árvores. Ela viu ali uma nova geração disposta a lutar pelo que é certo.

Com cada árvore plantada, Ana sentiu que a conexão com a terra se fortalecia. As raízes que se entranhavam na terra eram como promessas de um futuro mais verde. “Juntos, podemos mudar o curso da história”, ela dizia para todos os que se reuniam ao seu redor. “Cada árvore que plantamos é um passo em direção à cura da nossa terra.”

Os meses se passaram, e o que começou como um pequeno movimento cresceu. As árvores plantadas começaram a brotar, e a vida retornou lentamente às áreas que haviam sido devastadas. As pessoas começaram a perceber a importância de cuidar da natureza, e a consciência coletiva despertou para a necessidade de preservar o que restava.

Certa manhã, ao acordar e olhar pela janela, Ana viu que a floresta estava mais vibrante do que nunca. As árvores, que antes pareciam tristes e cinzentas, agora exibiam uma nova folhagem, como se dançassem ao vento, agradecendo por terem sido resgatadas. 

“A terra não morre, ela se transforma”, pensou Ana, sentindo uma onda de gratidão.

O Guardião da Floresta apareceu novamente, e Ana correu até ele. 

“Olhe para o que conseguimos fazer!”, exclamou, cheia de alegria. 

O velho sorriu, seus olhos brilhando. “Vocês reacenderam a luz que havia se apagado. Mas lembre-se, a luta é contínua. A proteção da natureza é uma jornada, não um destino.”

E assim, em Verdeluz, a luta pela preservação se tornou uma parte da vida cotidiana. As queimadas diminuíram, e a floresta começou a se recuperar. A comunidade aprendeu que a beleza da natureza não é apenas um presente, mas uma responsabilidade. Pois onde a sombra cobre e embaça, ainda há esperança, e cada gesto de cuidado pode reacender a luz que ilumina a vida da Terra.
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* José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia devido a situação financeira. Foi professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos, sendo enxadrista de 1a. Categoria; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente pertence a Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Fontes 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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