Aldo, pai de Georgina, gostava de contar histórias fantásticas. Nos serões, depois do jantar, ele se empolgava em narrar fatos intrigantes de amor e almas do outro mundo. Uma dessas histórias ela jamais esqueceu: de Ana Helena e o mestiço José Maria.
Vivia em São Luiz Gonzaga um rico fazendeiro que tinha uma filha em idade de casar. Ana Helena era uma guria bonita de cabelos vermelhos como o céu no entardecer, olhos esmeralda como a campina, pele branca quase translúcida e faces rosadas. José Maria (era assim chamado pelos padres, pois não sabiam quem eram seus pais, então era filho de José e de Maria), meio índio meio branco, forte como o corcel negro que cavalgava em pelo e livre como o vento do Rio Grande.
O pai de Ana resolve que ela vai se casar com o filho mais velho de seu amigo de infância, que vive lá em São Miguel. Naqueles tempos, tudo se arranjava, principalmente casamentos. Na época aprazada, Ana Helena e sua mãe seguem para São Miguel acompanhadas por muita bagagem e duas mucamas.
Luiz, o noivo, espera ansioso para comprovar a beleza da futura esposa, tão decantada por seu pai. José Maria, atrás do patrão, aguarda para carregar as malas.
Ao descer da carroça, os olhos de Ana são atraídos para o belo mestiço, e ambos mergulham no verde olhar da moça e nos olhos negros do rapaz. Apaixonam-se. Amor à primeira vista.
Não demorou muito para conseguirem escapulir e se encontrar na velha Igreja dos Jesuítas. Trocam juras de amor eterno, pensam em fuga, querem ir para bem longe. Mas são descobertos.
Luiz manda o capataz amarrar o mestiço pelos pés no seu próprio corcel, que dizem ter vindo lá das arábias (Há... vai saber). Começam a açoitar o cavalo, José Maria então brada angustiado:
- Vai, meu velho, corre! Foge do açoite!
O cavalo obedece ao comando do dono, deixando cair grossas lágrimas de pavor de seus olhos negros e redondos. O corpo do rapaz foi jogado no Rio Jacuí e suas águas o envolveram em carinhoso abraço. O cavalo nunca mais foi visto.
Ana Helena, enlouquecida, sobe na mais alta torre da Igreja e se joga para a morte. Este foi o fim trágico dos dois amantes.
No entanto, conta a lenda que, quando o sol se põe e o vento assovia nas ruínas da igreja, veem uma moça vestida de branco, tendo sob o vestido saias multicoloridas. Dá a impressão de que desliza sobre o arco-íris. E um rapaz de pele trigueira desmonta do corcel negro, a encontra, e juntos, de mãos dadas, chegam ao pé do altar. Ali realizam na morte o sonho que não concretizaram em vida.
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* Lígia Messina nasceu em 1946, em Porto Alegre/RS. Formou-se professora normalista em julho de 1968. Casou-se com um médico militar pernambucano em janeiro de 1972, que havia conhecido por correspondência. Após o casamento, foi morar em Recife. Depois foi para o Rio de Janeiro, pela necessidade de trabalho do marido. Foi morar em Belém/PA, onde ficou por quase 20 anos. Formou-se em Pedagogia, com duas habilitações (supervisão e administração escolar) em 1982. Pedagoga com mais de dez publicações em poesia e prosa.
Fontes: Alda Paulina Borges et al. Contos contemporâneos. (Oficina de Criação Literária Alcy Cheuiche). Porto Alegre/RS: AGE, 2016.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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