sábado, 28 de dezembro de 2024

Francisca Júlia (A ovelha)

A ovelha, um dia, muito triste por não ter forças para lutar com os cães que a mordiam, ou armas de defesa contra a ferocidade dos lobos, dirigiu-se a Júpiter e expôs-lhe suas queixas:

— Pai, todos os animais que vivem sobre a terra, desde o inseto ao paquiderme, têm meios de defender-se contra os ataques; e coragem para provocar as lutas. Eu, porém, sou tímida e indefesa: tudo me causa medo. Queria, pois, que me désseis uma arma qualquer.

Júpiter, tocado de piedade, perguntou-lhe:

— Queres um veneno oculto nos dentes, para dar a morte aos que te fizerem mal?

— Oh! não! respondeu a ovelha. Os animais venenosos são nojentos e causam medo a todos.

— Queres ter na boca duas fileiras de dentes afiados, como os leões e os lobos?

— Oh! não! Os animais carnívoros são tão odiosos e antipáticos!

— Queres saber arremeter, como os touros, com duas pontas na cabeça?

— Oh! não! Eu causaria terror aos outros animais, e não seria acariciada pelos pastores.

— Que queres, pois? gritou Júpiter, impaciente.

— Nada, senhor, nada quero. Prefiro viver assim, tímida e fraca, porém estimada e afagada por todos.
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Francisca Júlia da Silva Munster, escritora parnasiana, nasceu em Eldorado Paulista/SP, em 1871  e faleceu em São Paulo em 1920. Quando tinha oito anos de idade, a poetisa e sua família mudaram-se para a cidade de São Paulo, para que a menina pudesse estudar. De 1892 a 1895, Francisca Júlia escreveu para o Correio Paulistano, além de periódicos do Rio de Janeiro, onde seus versos geraram a dúvida se seu autor era realmente uma mulher ou um homem que usava pseudônimo feminino. Seu primeiro livro — Mármores — foi publicado em 1895. A recepção dessa obra foi bastante positiva em São Paulo e no Rio de Janeiro, e recebeu elogios inclusive de Olavo Bilac. Em 1898, fez parte do júri do Concurso de Poesia do Correio Paulistano, em 1899, Livro da infância foi publicado pelo governo de São Paulo e adotado em escolas da época. Em 1902, ajudou a fundar a revista Educação. Em 1904, tornou-se membro do Comitê Central Brasileiro da Societá Internazionale Elleno-Latina, de Roma. Foi convidada a participar da Academia Paulista de Letras em 1907, mas a autora rejeitou o convite, por não acreditar em academias. A poetisa começou a ter um envolvimento mais profundo com as questões metafísicas. Em 1908, realizou palestra intitulada A feitiçaria sob o ponto de vista científico, em Itu. Logo depois, ficou doente, devido à intoxicação por ácido úrico, que lhe provocava alucinações, levando Francisca Júlia a acreditar, no início, que estava se tornando médium. Em 1920, o marido da escritora morreu, vítima de tuberculose. No dia em que ele foi sepultado, morreu também Francisca Júlia, em um provável suicídio. No enterro da poetisa, estavam presentes Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida e Di Cavalcanti.

Publicações: 1895 - Mármores; 1899 - Livro da Infância; 1903 - Esfinges; 1912 - Alma Infantil (com Júlio César da Silva); 1962 - Poesias (organizadas por Péricles Eugênio da Silva Ramos)

Fontes: 
Francisca Júlia. Livro da infância. 1899. Disponível em Domínio Público
Biografia (excerto): https://brasilescola.uol.com.br/literatura/francisca-julia.htm
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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