sábado, 28 de dezembro de 2024

Monsenhor Orivaldo Robles (Nem tudo é verdade)

Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), filósofo grego, era um pensador cuja sabedoria sobrepujava em muito à dos conterrâneos. Dono de admirável autodomínio, não perdia a serenidade nem mesmo por causa de ofensas que recebesse de forma gratuita. Opondo-se ao sistema de vida dos concidadãos, foi condenado à morte. Aceitou-a sem nenhum protesto. Conta-se que, certa vez, envolvido em debate filosófico com discípulos, recusou-se a atender Xantipa, sua mulher, que o chamava com insistência e em tom cada vez mais alto. Depois de algum tempo, irritada com o descaso do marido, ela se aproximou e, sem que ele notasse, derramou-lhe uma vasilha de água na cabeça. Ele nem se moveu. Todo ensopado, comentou calmamente: “Era natural que, depois da trovoada, caísse uma tempestade”. De outra feita, um orgulhoso ateniense, muito convicto de sua importância pessoal, irritou-se por não receber de Sócrates a atenção que julgava merecer e o agrediu com violento pontapé. Surpresos com a não reação do mestre, os discípulos o questionaram se não ia tomar providência por ter sido ferido. Ele respondeu: “Ora, se um asno me desse um coice, eu deveria levá-lo ao tribunal?”.

É surpreendente como passa o tempo, mas a gente não muda. Bem observou Belchior, genialmente interpretado por Elis Regina – os mais jovens talvez não conheçam nenhum dos dois – “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Por mais que nos ufanemos de progredir e de alcançar condição de vida melhor do que no passado, ainda continuamos cometendo os mesmos erros.

A sociedade pós-moderna que construímos só dá valor a quem conquistou dinheiro, cargo importante ou brilho social. Quem desfruta disso está acima do bem e do mal. Não precisa admitir que erra. No mundo competitivo em que vivemos, as pessoas estão armadas umas contra as outras. Nosso convívio social acabou tornando-se uma permanente luta de todos contra todos. Vige a lei do mais forte, a regra do “quem pode mais chora menos”. A partir do exemplo que vem de cima, ninguém aceita os próprios erros. Se algo não deu certo, a culpa só pode ser dos outros; jamais nossa. Baste um exemplo: no trânsito é mais fácil ouvir “desculpe” ou, ao contrário, “seu burro” (para não falar outra coisa)?

Somos falíveis. Com frequência caímos em falhas, inseparáveis de nossa pobre condição. Erros humanos quase sempre magoam pessoas à volta de quem os cometeu. De seres civilizados e, mais que isso, de cristãos, espera-se compreensão com as faltas alheias. E coragem de reconhecer as próprias.

Quem presta serviço voluntário não cansa de receber pontapé em vez de gratidão. Abre mão do próprio conforto, do uso do seu tempo, da convivência com familiares, até do seu dinheiro para prestar serviço à comunidade. Sem interesse pessoal, por pura bondade de coração. E o que ganha em troca? Crítica, chacota, ofensa à própria honra, por vezes. Com a invenção do blog, do twitter, do facebook, de tantos recursos informáticos ficou ainda mais fácil acabar com o nome de alguém. É só um tipo de maus bofes, indignado por não ver satisfeito um capricho qualquer, postar um comentário venenoso. Pronto! Foi para o brejo a honra de pessoa respeitável. Vá depois provar que focinho de porco não é tomada!
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Monsenhor Orivaldo Robles nasceu em Polôni (SP) em 1941. Estudou em Jales e Poloni e ingressou no Seminário Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, em 1953. Cursou Filosofia em Curitiba (PR), graduando-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Mogi das Cruzes SP, com diploma reconhecido pela USP, São Paulo. Graduou-se em Teologia no Studium Theologicum de Curitiba, afiliado à Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma. Lecionou no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, e no Instituto de Educação, em Maringá (PR) (1967-1969). No Colégio Estadual e na Escola Normal de Paranacity (PR) (1970-1972). Por quase onze anos trabalhou como pároco de Marialva, de onde saiu no início de 1983 para assumir, por seis anos, o cargo de reitor do Seminário Arquidiocesano Nossa Senhora da Glória – Instituto de Filosofia de Maringá. Em 1989 assumiu a Paróquia Santa Maria Goretti, em Maringá, onde trabalhou por mais de 20 anos. Desde 2009, trabalhou na Catedral Metropolitana de Maringá, exercendo a função de vigário paroquial. Foi palestrante convidado a discorrer, em colégios ou outros núcleos humanos, sobre temas ligados à cidadania, formação pessoal e sobre ética pessoal ou pública. Em 2012 teve publicado o livro “Celeiro Desprovido”, com 270 páginas, contendo 118 crônicas e artigos escritos desde 1995. Em 2017, foi publicado o livro dos 60 anos da Diocese de Maringá. Foi articulista mensal ou semanal, por mais de quinze anos, de jornais editados em Maringá, além de ter matérias reproduzidas em revistas ou blogs da região. Faleceu de enfisema pulmonar, em 2019, em Maringá/PR.

Fonte:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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