quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

José Feldman* (Companheiros de Infortúnio)

Era uma fria manhã de dezembro quando o Professor Bruno, um ex-professor universitário de filosofia, acordou em um canto da calçada na cidade de Fênix, interior do Paraná, que antes considerava seu lar. O sol mal havia surgido, e a brisa gelada cortava o ar, lembrando-o de mais um dia de luta. Ao seu lado, um filhote de cachorro, que ele carinhosamente nomeara de Akira, se espreguiçava e se aconchegava em seu casaco velho. Akira não era um cão de raça pura; seu pai era um vira-lata cruzou com uma akita, e o resultado era um adorável, mas pouco convencional, companheiro.

A história de Bruno era uma das muitas tristes histórias que a cidade escondia sob sua fachada vibrante. Ele havia investido todas as suas economias em uma escola que prometia revolucionar a educação da região. Infelizmente, a escola faliu, levando consigo não apenas o sonho dele, mas também a sua família. Sua esposa, sem conseguir suportar a pressão financeira, e seus dois filhos, que cresceram em meio a dificuldades, decidiram deixá-lo. Bruno ficou sem nada, apenas com suas memórias e um sentimento profundo de perda.

Os anos passaram e, enquanto a cidade se enchia de luzes e decorações natalinas, Bruno e Akira sobreviviam nas ruas, buscando restos de comida nos restaurantes e se aquecendo juntos sob cobertores velhos. Ele mantinha sua dignidade; ele nunca pediu dinheiro. Em vez disso, usava seu tempo para observar as pessoas, refletindo sobre a vida e as escolhas que o levaram àquela situação. Akira, com seu olhar inocente e leal, era seu único conforto.

Na véspera de Natal, enquanto Bruno e Akira se aqueciam com o pouco que tinham, um jornalista chamado Lídio passava pela rua. Ele estava em busca de histórias humanas para compartilhar em uma reportagem especial sobre o espírito natalino. Ao ver a cena do professor idoso com seu cachorro, se aproximou, sentindo uma mistura de compaixão e curiosidade.

— Olá, senhor! — disse Lídio, oferecendo um sanduíche que havia comprado. — Quer comer algo?

Bruno, com um sorriso gentil, agradeceu e, em um gesto inesperado, pediu licença para dar o conteúdo do sanduíche a Akira, ficando apenas com o pão.

— Por que você faz isso? — indagou Lídio, intrigado.

— Akira é meu guarda-costas — respondeu Bruno, com um brilho nos olhos. — Quando me deito para dormir, preciso que ele esteja bem alimentado e alerta. Ele me protege enquanto eu descanso. 

Lídio ficou impressionado com a resposta. Ali estava um homem que, mesmo em meio ao sofrimento, ainda encontrava formas de cuidar e valorizar a amizade que tinha com seu cachorro. Bruno começou a contar sua história: suas esperanças, seus sonhos, e a dolorosa queda que o levou àquela vida. O jornalista, emocionado, escutava atentamente, sentindo que havia mais naquele homem do que as circunstâncias da vida haviam deixado à vista.

Movido pela história do professor e a pureza do amor entre ele e Akira, decidiu levá-los para passar o Natal em sua casa. 

Quando chegaram, a casa estava cheia de amigos jornalistas, todos prontos para celebrar. Lídio apresentou Bruno e Akira e, ao contar a história deles, a sala se encheu de emoção. As pessoas estavam tocadas, e as câmeras começaram a registrar aquele encontro inusitado.

A reportagem que Lídio criou trouxe a história de Bruno e Akira para a televisão. À medida que a história se espalhava, algo maravilhoso aconteceu. O espírito natalino despertou nos corações das pessoas. Doações começaram a chegar de toda a cidade. As pessoas se uniram, não apenas para oferecer dinheiro, mas também carinho e apoio. O prefeito, sensibilizado pela história, fez questão de oferecer uma casa para eles.

Na manhã de Natal, Bruno acordou em um lar, rodeado por amigos e pessoas que se importavam com ele. A felicidade não estava apenas nas doações, mas na conexão humana que se formou ao redor de sua história. Ele percebeu que, apesar de todas as dificuldades e das perdas, ainda havia amor e solidariedade no mundo.

Enquanto Akira corria pelo quintal, ele refletiu sobre a nova vida que começava. Ele se sentiu grato não apenas pelas doações, mas pela empatia que havia encontrado nas pessoas. O Natal não era apenas uma data; era uma oportunidade de recomeçar e de lembrar que, mesmo nas piores situações, a bondade humana pode brilhar intensamente.

Após o Natal, a vida de Bruno e Akira começou a se transformar de maneira surpreendente. Com o apoio da comunidade e a nova casa que o prefeito havia oferecido, Bruno sentiu que estava finalmente recuperando um pouco da dignidade que havia perdido. Mas, no fundo de seu coração, havia uma dor persistente: a saudade de sua família.

Um dia, enquanto passeava com Akira pelo parque próximo à nova casa, viu um grupo de crianças brincando e rindo. Aquelas risadas o lembraram de seus filhos, de como suas vidas haviam mudado e do quanto ele sentia falta deles. 

Decidido a tentar, começou a escrever cartas. Ele escreveu para cada um deles, expressando seu amor, sua dor e o desejo de se reconectar, mesmo que houvesse passado tanto tempo.

Com a ajuda de Lídio, o jornalista que se tornara seu amigo, enviou as cartas. Lídio ajudou a encontrá-los, e, após semanas de espera, uma resposta finalmente chegou. Sua esposa, Bianca, escreveu que, embora a dor da separação ainda fosse grande, ela nunca deixou de pensar nele. As cartas dele tocaram seu coração e despertaram uma vontade de recomeçar.

Bianca e os filhos concordaram em se encontrar com Bruno. 

O reencontro aconteceu em um dia ensolarado de primavera, no mesmo parque onde ele costumava passear com Akira. Bruno estava nervoso, mas também esperançoso. Quando viu Bianca e as crianças se aproximando, seu coração disparou. Os olhos dela brilharam ao reconhecer o homem que ainda amava, e ele sentiu que, apesar dos anos, o amor ainda estava presente.

As crianças, agora um pouco mais velhas, foram até ele, hesitantes, mas curiosas. Ele se ajoelhou para abraçá-las e, naquele momento, as lágrimas rolaram por seu rosto. Akira, percebendo a emoção, se aproximou, abanando o rabo e buscando carinho.

— Eu sinto tanto a falta de vocês — disse com a voz embargada. — Nunca deixei de amar vocês.

Bianca, emocionada, respondeu: — Nós também sentimos sua falta. A vida não foi fácil, mas suas cartas nos mostraram que ainda existe esperança.

A conversa fluiu, repleta de histórias e risadas, e os ressentimentos começaram a se dissipar. Ele compartilhou como havia mudado, como o amor de Akira o ajudou a encontrar força e dignidade novamente. As crianças estavam fascinadas pelo cachorro, e ele foi cercado por elas, recebendo carinho e atenção.

Com o passar do tempo, o reencontro se transformou em um recomeço. Eles começaram a reconstruir a confiança e a amizade, enquanto as crianças se acostumavam a ter o pai de volta em suas vidas.

O Natal daquele ano foi especial de uma forma que Bruno nunca imaginou. Ele não apenas reconquistou um lar, mas também a possibilidade de um futuro juntos. A empatia e a solidariedade que haviam florescido em sua vida agora se estendiam a sua família, mostrando que, mesmo após as maiores adversidades, o amor pode sempre encontrar um caminho de volta.

E assim, Bruno, Bianca, os filhos e Akira celebraram o Natal juntos, cercados por amor e gratidão, prontos para enfrentar o futuro como uma família unida novamente.

A história de Bruno é um testemunho poderoso da resiliência humana e da capacidade de recomeçar. Ele nos ensina que, mesmo diante das adversidades, o amor e a empatia podem nos guiar de volta à esperança. A conexão que ele reconstrói com sua família, junto ao carinho incondicional de Akira, demonstra que os laços familiares e a solidariedade têm o poder de curar feridas profundas. É uma lembrança de que nunca estamos sozinhos e que sempre há espaço para a renovação e o perdão. Essa jornada nos inspira a valorizar as relações e a buscar a luz mesmo nos momentos mais sombrios.
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* José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Foi professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos, sendo enxadrista de 1a. Categoria; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Paulo Leminski, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente pertence a Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Diversas premiações em trovas e poesias.

Fonte:s 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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