quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

José Feldman (A Solidão das Cadeiras Vazias)

O crepitar dos fogos de artifício ecoava pela cidade, iluminando o céu noturno com cores vibrantes. Era a época do ano em que a alegria parecia contagiar a todos, mas, para muitos, essa festa era apenas um lembrete da solidão. Nas janelas empoeiradas de um pequeno apartamento, Dona Lucinda se acomodava em sua cadeira de balanço, o mesmo lugar que ocupava há décadas. Com um olhar distante, observava os fogos riscando o céu, enquanto lembranças do passado dançavam em sua mente.

Dona Lucinda era uma mulher de noventa anos, cheia de histórias e vivências. Nos tempos áureos, sua casa estava sempre repleta de risadas, familiares e amigos. Ela era a matriarca da família, a que organizava as festas, as ceias, a que contava histórias de um tempo em que o mundo parecia mais gentil. Mas, ao longo dos anos, as perdas foram se acumulando. Filhos que se foram, amigos que se afastaram, e a solidão, silenciosa, se instalou em sua vida.

Enquanto os fogos iluminavam o céu, Dona Lucinda não conseguia evitar a tristeza que a envolvia. A saudade apertava o seu peito. Lembrou-se de como costumava dançar com seu falecido marido, Jorge, sob as estrelas, com a música embalando seus sonhos. “Como o tempo passa”, pensou, enquanto uma lágrima escorria por seu rosto enrugado. O barulho da festa lá fora parecia distante, quase como um eco de um mundo que já não pertencia a ela.

A solidão dos mais velhos, especialmente nas festividades de fim de ano, é um tema que frequentemente passa despercebido na correria das celebrações. Muitas vezes, todos estão tão ocupados com os preparativos, os encontros e as festanças que esquecem que, do outro lado da rua, existem pessoas que gostariam de ser lembradas. A vida moderna, com sua agitação e individualismo, muitas vezes deixa para trás aqueles que construíram as bases da sociedade.

Dona Lucinda não era a única. Em cada esquina, havia histórias semelhantes. O senhor Manoel, que morava no andar de cima, também estava sozinho. Ele costumava ser um contador de histórias, mas agora suas narrativas eram apenas sussurros perdidos no vento. E a dona Rita, que sempre preparava os melhores doces para a ceia, agora se via cercada por caixas vazias, enquanto o cheiro de panetone no mercado a lembrava de tempos melhores.

A conscientização sobre a solidão dos mais velhos deve ser um esforço coletivo. Precisamos olhar para além de nossas vidas agitadas e enxergar aqueles que estão à nossa volta. Um simples gesto – uma visita, um telefonema, ou mesmo um convite para a ceia – pode fazer toda a diferença. É preciso que cada um de nós se lembre que, enquanto estamos cercados de amigos e familiares, há quem deseje apenas um pouco de companhia, quem apenas anseia por um ouvido atento.

Naquela noite de Ano Novo, ao invés de se deixar consumir pela tristeza, Dona Lucinda decidiu fazer algo diferente. Lembrou-se de um projeto que havia começado anos atrás: uma cartinha escrita à mão para cada um de seus netos, contando um pouco de suas memórias e desejos. Com um novo ânimo, pegou papel e caneta e começou a escrever. Enquanto as palavras fluíam, sentiu-se menos sozinha. Era como se, ao relembrar sua história, ela pudesse compartilhar um pedaço de sua vida com aqueles que amava.

A festa lá fora continuava, mas dentro do pequeno apartamento, um novo brilho começava a surgir. A cada palavra escrita, Dona Lucinda sentia que estava, de alguma forma, conectando-se novamente ao mundo. Assim como os fogos de artifício que iluminavam a noite, suas lembranças também brilhavam, oferecendo um vislumbre de esperança.

MORAL:
A vida continua, e a importância de estender a mão a quem está sozinho é uma responsabilidade que todos devemos carregar. Que no fim de ano, ao celebrarmos juntos, possamos sempre lembrar das cadeiras vazias e fazer delas, por um momento, lugares cheios de histórias e amor. Porque, no fundo, cada um de nós é um pouco da história do outro.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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