segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

José Feldman (A solidão no coração da cidade)

PRÓLOGO
A linha entre a solidão como um refúgio e como uma prisão é tênue. Para aqueles que se sentem abandonados, a solidão pode rapidamente se transformar em um estado de desespero. O que começa como um momento de paz pode se transformar em uma espiral de tristeza, onde a conexão com o mundo exterior se torna cada vez mais difícil. A falta de interação social pode provocar sentimentos de inadequação e a crença de que não se é digno de amor ou amizade. Nesse cenário, a pessoa pode se isolar ainda mais, criando um ciclo vicioso que parece não ter fim. 
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Em um pequeno apartamento no coração da cidade, onde a agitação nunca termina, vive um homem chamado Luca. O espaço é modesto, mas acolhedor, decorado com quadros de paisagens que ele mesmo pintou em momentos de inspiração. Ao seu lado, sempre, está a fiel companheira, uma cadela chamada Bolota, que se tornou sua única fonte de amor e alegria. 

A rotina de Luca é marcada pela solidão. Os dias começam com o sol tímido percorrendo suas janelas, e o primeiro som que ouve é o leve arranhar das patas de Bolota no chão de madeira. Ela se aproxima, balançando o rabo, e isso, por um breve momento, desvanece a nuvem que paira sobre seu coração. Com um carinho suave, Luca a cumprimenta, e, juntos, eles se preparam para mais um dia que se desenha no horizonte. 

Nos últimos anos, a vida de Luca tomou um rumo inesperado. A família, antes unida, se desfez em desentendimentos e distâncias. Os amigos, que não eram muitos, foram se afastando, cada um mergulhando em suas próprias rotinas e compromissos. A solidão se tornou a constante e, com o passar do tempo, ele aprendeu a conviver com essa dor. Mas a presença de Bolota, com seu olhar profundo e amoroso, trazia um pouco de luz a essa escuridão. 

As tardes se perdem em longas caminhadas no parque, onde Luca observa as famílias se reunindo, as crianças brincando, e os sorrisos compartilhados. Cada risada que ecoa ao seu redor é como uma flecha que fere seu peito. Ele vê pais segurando as mãos dos filhos, amigos se abraçando, e sente a ausência de tudo isso. A tristeza se torna uma companheira constante, uma sombra que caminha ao seu lado. Mas Bolota, com sua energia contagiante, faz com que ele sinta que ainda há vida em meio à dor. Ela corre livre, seu pelo brilhando sob a luz do sol, e Luca sorri, mesmo que por um instante, ao ver a felicidade simples que ela traz para si. 

À noite, quando a cidade se acalma e o silêncio domina o apartamento, o vazio se intensifica. As paredes parecem ecoar sua solidão, e os quadros, antes fontes de inspiração, agora lembram momentos de alegria tão distantes. Ele se senta no sofá, e Bolota se aninha ao seu lado, oferecendo a companhia que ele tanto necessita. O calor do corpo dela é um bálsamo para sua tristeza, e ele se perde nos olhos dela, que parecem entender sua dor. 

As conversas que antes compartilhava com a família se tornaram ecos em sua mente. Ele relembra os jantares em família, as risadas, as histórias contadas à mesa. Agora, as refeições são solitárias, e ele tem que cozinhar, mesmo que o apetite tenha diminuído. Bolota, sempre atenta, observa cada movimento, como se soubesse que ele precisa dela mais do que nunca. Ao lado dela, Luca encontra um propósito: cuidar, amar, e ser amado de volta. 

Algumas noites, a solidão se torna insuportável. Ele se vê preso em pensamentos, questionando onde tudo deu errado, porque as pessoas que amava estão tão distantes. A tristeza é palpável, quase uma entidade que ocupa o espaço entre ele e o mundo. Mas, então, Bolota se levanta e coloca a cabeça em seu colo, um gesto simples, mas cheio de significado. A conexão entre eles é eterna; ela não precisa de palavras para expressar seu amor. E, por um momento, Luca percebe que, mesmo na solidão, não está completamente só. 

O tempo passa, e as estações mudam. O inverno traz o frio, e Luca se vê cercado pela escuridão mais intensa. As noites são longas, mas Bolota se torna seu cobertor, aquecendo seu coração. Ele aprende a encontrar beleza nas pequenas coisas: o jeito como ela corre atrás das folhas secas, como se cada uma fosse uma nova aventura. A vida, embora marcada pela solidão, ainda reserva pequenos momentos de alegria. 

Ele se dá conta de que a solidão não é apenas dor; é também um espaço para reflexão e crescimento. Com Bolota ao seu lado, ele começa a redescobrir a arte de viver. A cadela se torna sua musa, inspirando-o a escrever, a pintar, a capturar a essência do amor que ainda existe entre eles. Em cada traço, em cada palavra, Luca expressa sua gratidão por ter alguém que o ama incondicionalmente. 

E assim, dia após dia, Luca e Bolota continuam sua jornada. A solidão pode ser um fardo, mas também é um espaço onde o amor verdadeiro pode florescer. Ele sabe que, mesmo na ausência de pessoas, o amor se manifesta de formas inesperadas. Bolota, com seu olhar profundo e afetuoso, mostra que a felicidade pode ser encontrada mesmo nos momentos mais sombrios. 

Às vezes, enquanto observa a cidade adormecer pela janela, Luca sorri ao perceber que, apesar de tudo, ele não está completamente só. A solidão pode envolver seu ser, mas o amor de sua cadela ilumina até os cantos mais escuros de sua alma. E isso, ele sabe, é um presente que poucos têm a sorte de receber.
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José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia devido a situação financeira. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente escreve por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Fontes 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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