Essa é uma expressão idiomática genuinamente brasileira. E por ser brasileira, sintomaticamente teve origem no mundo do futebol em terras paulistanas, haja vista que a pizza foi introduzida na nossa culinária com os imigrantes italianos que aqui chegaram desde o final do século XIX, sendo São Paulo conhecida como a capital nacional da pizza e na pauliceia, o Bixiga, a Mooca e o Brás são bairros que se destacam pela cultura vibrante, histórias fascinantes e rica culinária, com seus restaurantes, pizzarias famosas e padarias inigualáveis.
Remonta ao ano de 1874 a chegada dos primeiros colonos italianos ao Brasil a bordo do veleiro “La Sofia”, que atracou em Vitória (ES), a partir de onde a maioria se estabeleceu nos estados do Sul e Sudeste, especialmente em São Paulo e no Rio Grande do Sul, estados onde a forte influência italiana é percebida também na arquitetura, nos eventos culturais e na vida social.
E a pizza, inicialmente consumida apenas pela comunidade italiana, aos poucos foi conquistando paladares brasileiros, até que na década de 50 foi inaugurada a “Casa Vêneta” em São Paulo (SP), considerada a primeira pizzaria do país, a partir da qual o consumo de pizza se popularizou de maneira irreversível, e aos poucos chegou a todos os Estados brasileiros. E o que tem a ver o costume de comer pizza com essa expressão famosa?
Para os desavisados, ela foi criada pelo jornalista e apaixonado torcedor palmeirense Milton Peruzzi, que trabalhava na radio e TV Tupi como locutor e comentarista esportivo, titular da coluna “Periscópio” no jornal A Gazeta Esportiva. E por causa do seu incondicional amor pelo clube, o Palmeiras, muitos anos após sua morte, a Diretoria Palmeirense colocou em 2008 seu nome na sala de imprensa do famoso clube, que nos primórdios chamava-se Palestra Itália, nome abolido durante a 2.ª Guerra Mundial, na qual o Brasil lutou contra as potências do Eixo, integrado por Alemanha, Itália e Japão.
Conta-se que na década de 1960, quando uma grave crise se instalou entre os dirigentes da Sociedade Esportiva Palmeiras, foi marcada uma reunião para estabelecer diretrizes para equacionar e encerrar um amontoado de problemas que estavam inviabilizando o clube e o próprio time de futebol, conclave que se estendeu por mais de mais de quatorze horas, chegando a um ponto em que os participantes foram vencidos pelo cansaço e pela fome.
Sendo a maioria dos “cartolas” descendentes de italianos, fizeram eles uma pausa nas discussões e encomendaram nada menos que 18 pizzas gigantes, chope, vinho e acepipes diversos, para que, assim alimentados, pudessem prosseguir naquela jornada de acusações e debates, em busca de alguma solução para tantos problemas, que pela complexidade, se afigurava difícil.
Ao fim do bate-boca, dos dedos em riste e daquela pantagruélica comilança, chegou-se a um acordo por via do qual ninguém seria diretamente considerado culpado de nada ou responsável pela caótica situação que provocou a própria reunião. Mercê desse desfecho inesperado, o inteligente e criativo jornalista esportivo Milton Peruzzi, antes citado, publicou a notícia em sua prestigiada coluna, com o seguinte título: “CRISE DO PALMEIRAS TERMINA EM PIZZA”.
Foi o que bastou para que assim passassem a serem conhecidas todas as crises ao fim das quais, por força do corporativismo profundamente entranhado nas instituições brasileiras, “não pega nada para ninguém” ou “tudo termina numa boa”, ficando tudo sem qualquer punição, com os comprovadamente culpados saindo absolutamente incólumes de seus deslizes.
E de tanto ser utilizada no cotidiano, tal expressão chegou à política, mas esse tipo de cambalacho não se limita ao futebol e à política, seus laboratórios prediletos. Atualmente, em qualquer instituição que se possa imaginar, surgem espertalhões que concebem manobras escusas, com o único fito de tirar proveito pessoal e quando o escândalo vem à tona, entram em cena os apadrinhadores, esgrimindo enfáticos argumentos para não deixar prosperar a apuração, capaz de desmascarar e punir o autor da fraude ou do engodo.
Talvez por isso o saudoso Milton Peruzzi, falecido em 21/02/2001, nos deixou sabendo que a expressão idiomática por ele definitivamente criada, nesses mais de 50 anos se tornou sinônimo de compadrio, de conchavo, de arranjo, de ação entre amigos em prol da impunidade, apostando no “deixa tudo como está para ver como é que fica”...
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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