O céu estava carregado de nuvens cinzentas, prenunciando uma tempestade que se aproximava da cidade. Era um dia típico de outono, quando o clima inconstante trazia consigo a promessa de chuva. Na esquina da Avenida Paraná, um grupo de pessoas aguardava o semáforo abrir, suas expressões variando entre impaciência e resignação. A maioria estava com guarda-chuvas em mãos, mas havia quem, como sempre, insistisse em não se deixar levar pelo mau tempo.
Entre eles, estava Laura, uma jovem mulher de cabelos cacheados e um sorriso que iluminava o rosto, mesmo sob a ameaça de chuva. Ela observava a movimentação ao seu redor, notando como a cidade se transformava com a chegada das gotas de água.
Para Laura, a chuva era uma benção, uma pausa no ritmo frenético da vida urbana. Ela adorava o som da água batendo no chão e o cheiro da terra molhada.
— Olha como as pessoas reagem à chuva! — disse Laura para seu amigo Cido, que estava ao seu lado.
Cido, um homem de olhar sério e pragmático, apenas balançou a cabeça.
— Para mim, é só um incômodo. Nada como um dia ensolarado, onde as coisas funcionam. — Ele olhou para o céu, já escuro, e suspirou.
Laura riu.
— Mas você não vê a beleza nisso? As pessoas se apressam, mas a chuva transforma tudo. As cores ficam mais vivas, e há uma certa poesia no caos.
Enquanto conversavam, um grupo de mulheres passou apressado, rindo e se protegendo sob um único guarda-chuva. Laura notou a camaradagem entre elas, a forma como se apoiavam mesmo em meio ao desconforto da chuva.
— Olha só! — Laura apontou. — Elas estão se divertindo, mesmo com o tempo ruim.
Cido fez uma careta.
— Ou estão apenas tentando não se molhar. A chuva faz com que as pessoas fiquem mais irritadas, não mais felizes.
— Você tem uma visão tão negativa! — Laura retrucou, mas não pôde deixar de notar como as gotas começavam a escorregar pelo rosto de Cido. — Às vezes, é preciso relaxar e deixar a chuva te tocar.
— Relaxar? — ele perguntou, arqueando uma sobrancelha. — E ficar encharcado? Não consigo entender como você consegue ver beleza nisso.
O semáforo finalmente abriu, e eles começaram a caminhar. A cidade, em sua essência, parecia se dividir: os que corriam, os que se protegiam e os que, como Laura, simplesmente decidiam aproveitar o momento.
Ela observou um homem, provavelmente com uns sessenta anos, que caminhava lentamente, sem guarda-chuva, deixando a chuva molhar seu cabelo grisalho. Ele parecia alheio ao mundo, perdido em seus pensamentos.
— Olha aquele homem. — Laura disse, apontando. — Ele parece estar em paz.
— Ou é apenas imprudente. — Cido respondeu, com um tom sarcástico. — Ninguém gosta de ficar molhado.
— Às vezes, a imprudência é uma forma de liberdade. — Laura insistiu. — Ele deve estar lembrando de algo bom, uma lembrança que a chuva trouxe à tona.
Cido revirou os olhos.
— Você e suas teorias. Eu só quero chegar seco ao trabalho.
Enquanto continuavam a caminhar, Laura se lembrou de sua infância, das tardes passadas em casa, ouvindo a chuva tamborilar no telhado. Aqueles eram momentos de aconchego, de histórias contadas pelo avô, de chocolate quente e risadas. Para ela, a chuva sempre foi sinônimo de calor humano.
— Você não sente falta de momentos assim? — perguntou Laura, olhando para Cido. — De simplesmente parar e apreciar?
— Não posso me dar ao luxo de parar. — Ele respondeu, com um tom de voz que não deixava espaço para discussão. — O mundo não espera.
Laura não queria discutir mais. Eles chegaram a um ponto onde a calçada estava cheia de poças, e ela decidiu dar um salto. A água espirrou, e Cido a olhou, incrédulo.
— Você é louca! — ele exclamou, mas não pôde evitar um sorriso. — Vai ficar ensopada!
— E daí? — Laura respondeu, rindo. — Às vezes, é preciso se molhar!
Enquanto caminhavam, outros homens e mulheres se juntavam ao caminho, cada um com suas reações à chuva. Algumas mulheres, com seus sapatos de salto, pulavam de maneira cuidadosa para não sujar as roupas. Homens, por sua vez, pareciam mais apressados, com expressões de frustração, tentando evitar as poças.
— Olha a diferença! — Laura exclamou. — As mulheres parecem mais adaptáveis, enquanto os homens estão tão preocupados em manter as aparências.
— Não é bem assim. — Cido argumentou. — A questão é que muitos homens foram ensinados a não demonstrar vulnerabilidade. Para eles, ficar molhado é um sinal de fraqueza.
Laura refletiu sobre isso.
— E será que isso não é um problema? A pressão para se manter firme e forte pode ser pesada. Eu vejo isso em muitos dos meus amigos.
Cido ficou em silêncio, considerando as palavras da amiga. Enquanto isso, a chuva continuava a cair, e a cidade parecia ganhar vida própria. Os sons da água, os risos, e até mesmo as reclamações se misturavam em uma sinfonia urbana.
Quando chegaram ao destino, Laura estava completamente molhada, mas com um sorriso no rosto.
— Viu? Sobrevivi! E, no final das contas, a chuva não é tão malvada assim.
— Você é impossível. — Cido disse, balançando a cabeça, mas sem esconder um sorriso. — Você sempre encontra uma maneira de ver o lado bom das coisas.
— E você sempre encontra um jeito de se preocupar demais. — Laura respondeu, com um olhar brincalhão. — Vamos tomar um café e aquecer esses pensamentos pessimistas!
Enquanto entravam no café, a cidade continuava a ser banhada pela chuva, e em cada gota, havia histórias, sentimentos e a beleza de um momento compartilhado.
Laura e Cido, com suas visões distintas, aprenderam um pouco um com o outro naquele dia, enquanto o mundo lá fora continuava a girar, indiferente e majestoso.
Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Nenhum comentário:
Postar um comentário