quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

José Feldman (A beleza das pequenas coisas)

Acordo com o som familiar do despertador, um pequeno aparelho que luta contra a gravidade da minha vontade de ficar na cama. Ao meu redor, a modernidade se faz presente: smartphones, tablets e uma infinidade de gadgets que tornam a vida mais prática, mas que, ao mesmo tempo, me fazem lembrar de um tempo em que a simplicidade era a regra e não a exceção.

Na minha infância, o despertador era um relógio que precisávamos dar corda manualmente. O ritual de acordar era cheio de sons e movimentos. Eu me lembro do cheiro do café fresco que minha mãe preparava na cozinha, enquanto o rádio tocava músicas que embalam a vida de uma forma mais lenta e reflexiva. A tecnologia avançou, mas também trouxe um ritmo apressado à vida. E, por mais que eu adore a conveniência do mundo moderno, não consigo esquecer as delícias do passado.

Quando olho pela janela, vejo a rua repleta de carros modernos, com suas formas aerodinâmicas e repletos de tecnologia. 

A primeira vez que andei em um carro, era um fusca gelo, com seu motor barulhento e aquele cheiro característico de gasolina misturado com couro desgastado. O carro não tinha direção hidráulica, ar-condicionado ou, muito menos, assistente de estacionamento. Era uma experiência visceral, cheia de imperfeições que tornavam cada viagem única.

Hoje, os carros se tornaram verdadeiras máquinas. São equipados com telas sensíveis ao toque, sistemas de navegação e uma infinidade de recursos que prometem segurança e conforto. A tecnologia é impressionante, sem dúvida, mas sinto falta daquelas discussões acaloradas no caminho, dos engarrafamentos em que se contava histórias e se cantava músicas. O que era uma jornada simples se transformou em uma sequência de comandos e aplicativos, onde a interação humana parece ter diminuído.

As ruas, por sua vez, estão adquirindo carros elétricos que deslizam praticamente em silêncio. Enquanto isso, o barulho dos motores rugindo e o cheiro do escapamento dos carros antigos vão se tornando memórias distantes. A modernidade trouxe eficiência e uma nova forma de pensar sobre sustentabilidade, o que é admirável. Mas, em meio a tanta inovação, pergunto-me: onde foram parar as conversas informais que aconteciam em um semáforo vermelho? Onde estão os momentos de pausa que a vida moderna parece ter eliminado?

Os aparelhos domésticos também passaram por uma revolução. Antigamente nossas avós passavam horas na cozinha, utilizando um fogão de lenha que aquecia não apenas os alimentos, mas o coração da casa. Era um espaço de convívio, onde as histórias se entrelaçavam com o cheiro do pão fresco saindo do forno. Hoje, a cozinha é dominada por micro-ondas, air-fryers, fogões digitais e eletrodomésticos que prometem agilidade e eficiência. Cozinhar se tornou uma tarefa rápida, mas com isso, muitos perderam a arte da paciência e do envolvimento emocional na comida.

Ainda assim, algo me toca quando penso nos aparelhos da modernidade. Eles são, sem dúvida, impressionantes. Um smartphone na palma da mão nos conecta ao mundo inteiro, traz informações, entretenimento e a possibilidade de interagir com pessoas de diferentes partes do planeta em um segundo. Ao mesmo tempo, essa conexão global muitas vezes nos desconecta do que está bem diante de nossos olhos. As reuniões familiares se tornaram encontros onde todos estão imersos em suas telas, enquanto o calor humano e as conversas profundas ficam em segundo plano.

Na busca pela eficiência e pela rapidez, parece que esquecemos da beleza das pequenas coisas: um passeio de carro sem destino, uma conversa à mesa ou o tempo gasto para preparar uma refeição. A modernidade trouxe muitos avanços, mas também nos ensinou a viver no modo automático. Precisamos lembrar que a vida é feita de momentos, e não apenas de tarefas a serem cumpridas.

Às vezes, num encontro entre amigos para um jantar, em vez de usar o fogão, opto por preparar algo simples, como um prato que minha avó fazia. Usar as mãos, sentir os ingredientes, ouvir as histórias que emergem enquanto cozinhamos juntos. E, à medida que o cheiro do prato se espalha pela casa, percebo que, mesmo em meio à modernidade, ainda é possível encontrar um espaço para a tradição e o afeto.

A verdade é que, enquanto os carros e aparelhos evoluem, somos nós que decidimos como queremos viver. Podemos escolher ser reféns da tecnologia ou podemos usá-la como uma ferramenta para enriquecer nossas experiências. Assim, ao olhar para o passado, não consigo deixar de valorizar o que a modernidade trouxe, mas também não quero esquecer as lições que a simplicidade do passado nos ensina.

E assim, entre o som do despertador e o ronco do motor, entre as telas brilhantes e as conversas à mesa, sigo navegando por essa dualidade. Afinal, a vida é uma dança entre o que foi e o que é, e cabe a nós encontrar o equilíbrio que nos faça encontrar a felicidade das pequenas coisas..

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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