sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

José Feldman (A outra face do Natal)


Numa grande cidade, o Natal se aproximava, e as vitrinas das lojas brilhavam com cores e luzes, como se quisessem ofuscar a realidade dura que se escondia nas sombras. Entre essas sombras, um menino chamado Leandro caminhava pelas ruas, seu pequeno corpo envolto em roupas desgastadas e seu olhar carregado de sonhos.

Ele vivia nas ruas há anos. De manhã, ele coletava garrafas vazias para ganhar algum dinheiro e, à noite, se encolhia em um canto qualquer, tentando encontrar um pouco de calor. Quando avistava as vitrines decoradas, seu coração se apertava. Ele imaginava um Natal repleto de presentes, de risadas e de uma família que o amasse. Mas, para ele, o Natal era apenas um dia como os outros, repleto de solidão e esperança não correspondida.

Naquela noite fria, enquanto caminhava, ele ouviu um som fraco vindo de um beco. Curioso, se aproximou e encontrou um cachorro abandonado, tremendo de frio e com os olhos tristes. Leandro não hesitou, se agachou e estendeu a mão.

— Olá, amigão. Você está sozinho também? — perguntou, acariciando o cão que, após um momento de hesitação, se aproximou e começou a lamber sua mão. Leandro sorriu, sentindo uma conexão imediata. O cachorro, que ele decidiu chamar de Faísca, parecia entender sua dor.

Os dias seguintes foram repletos de calor inesperado. Leandro e Faísca se tornaram inseparáveis. Juntos, enfrentavam a solidão das ruas e encontravam conforto um no outro. Leandro dividia o pouco que tinha com seu novo amigo, e Faísca, em troca, oferecia carinho e lealdade. Eles se aqueciam com o calor de seus corpos, e, pela primeira vez, Leandro sentia que não estava tão sozinho neste mundo.

Na véspera de Natal, a cidade estava envolta em um manto de neve, e as luzes brilhavam mais intensamente. Leandro encontrou um pequeno presente em uma caixa de papelão: um velho cachecol que alguém jogara fora. Ele imediatamente o colocou em Faísca, e o cachorro parecia feliz, sacudindo o rabo em agradecimento. Leandro sorriu, imaginando que, talvez, aquele Natal pudesse ser diferente.

No entanto, o destino tinha outros planos. Naquela mesma noite, enquanto caminhavam pelo centro da cidade, um motorista bêbado perdeu o controle de seu carro e avançou pela calçada. Leandro não teve tempo de reagir. O impacto foi rápido e brutal. Faísca foi atingido e caiu ao lado do menino, gemendo de dor.

Leandro correu até seu amigo, abraçando-o com desespero. Ele sentiu a vida de Faísca se esvair, enquanto o cachorro olhava para ele com os olhos cheios de amor e dor. As pessoas que passavam viraram o olhar, algumas até riram, sem se importar com o garoto e seu amigo. O mundo continuou, indiferente ao sofrimento que se desenrolava.

— Não, Faísca, por favor! — Leandro implorava, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. — Não me deixe, eu preciso de você! 

Mas, enquanto o frio da noite invadia seu coração, Faísca fechou os olhos pela última vez. Leandro sentiu uma dor imensa, como se a própria vida tivesse sido arrancada de seu peito. Ele chorou, e o pranto ecoou na solidão da cidade, mas ninguém ouviu. A magia do Natal, que um dia ele sonhou, se desfez em uma onda de desespero.

Na manhã de Natal, uma forte nevasca cobriu a cidade, e o frio se intensificou. As pessoas saíram de casa para celebrar, mas, ao passar pelo beco onde Leandro e Faísca estavam, encontraram os dois juntos, abraçados. O menino estava imóvel, congelado, seu corpo ainda aquecido pelo amor que nutrira por seu amigo de quatro patas.

A imagem do garoto abraçado ao cachorro emocionou algumas pessoas, mas muitos ainda passaram de forma indiferente, sem entender a profundidade da dor e da solidão que aqueles dois haviam enfrentado. Os olhos de Leandro, que um dia brilhavam com esperança, agora estavam fechados, mas seu coração, ao lado de Faísca, havia encontrado a paz que tanto buscara.

Naquele Natal, a cidade estava cheia de luzes e risos, mas, em um canto esquecido, a verdadeira essência do amor e da amizade se despedia. Leandro e Faísca, juntos na eternidade, provaram que, mesmo em meio à solidão e ao desprezo, o amor sincero é capaz de transcender até mesmo a morte. E, enquanto as luzes brilhavam, um novo tipo de silêncio se instalou, um lembrete de que a verdadeira magia do Natal reside na compaixão e na conexão que formamos com aqueles que amamos.

Fontes: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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