sábado, 10 de julho de 2010

Olga Agulhon (O Bezerrinho Malhado)

Ilustração de Neide Rocha Portugal
Isa havia completado cinco anos. Houve festa na Fazenda São Pedro, mas não ganhou, no dia, o presente que mais esperava dos pais, pois o que tinha pedido ainda estava para nascer. Queria, há muito, um bezerrinho só para ela.

Duas semanas depois, três vacas deram cria. Isa, quando viu os bezerrinhos, não teve dúvida. Encantou-se, de imediato, com o bezerrinho malhado, cria da Mimosa.

– É esse, papai! Que lindo o meu presente!

– Escolha outro, filha. Esse é macho, vai virar touro. Já temos muitos na fazenda; o suficiente para cobrir as vacas que temos; não pretendo ficar com ele.

– Mas, pai, ele…. É o meu presente… É esse que eu quero.

– As outras duas são novilhas. Escolha uma delas, e os bezerrinhos que ela tiver, quando ela crescer, também serão seus. Se escolher o malhadinho, não prometo que ficará com ele até adulto.

Mas Isa nem ouvia mais o pai. Estava a acariciar o bezerrinho. Ninguém a faria mudar de idéia.

Sua vida mudou. Tornou-se mais alegre. Na maior parte do tempo estava com o bezerrinho. No começo ele era arisco, mas logo se tornou dócil; parecia entender a menina, que chegava a fazê-lo de cavalinho.

O bichinho chegou a desgarrar-se da mãe, como se ela fosse menos importante que Isa. Ambos foram crescendo e a amizade entre eles era cada vez maior.

As coisas na fazenda também foram mudando. O pai de Isa estava mecanizando a terra para plantar soja e, para isso, estava acabando com o rebanho. Ficara apenas com umas poucas vacas de leite e escolhera o melhor touro.

Malhado crescera, já era touro e não havia mais lugar para ele na fazenda. O pai de Isa nem pensou que a filha, depois de tanto tempo, iria ligar. Vendeu-o, junto com os outros, para um leiloeiro.

Quando a menina chegou da escola, ficou desesperada. Chorou o resto do dia, mas os pais não lhe deram muita atenção. Acharam que passaria a sua dor.

Ao levantar-se, no dia seguinte, Isa continuou fazendo suas tarefas. Nos momentos em que estaria com Malhado, permanecia no quarto, tentando ler alguma coisa, mas não conseguia distrair os pensamentos. Foi ficando cada dia mais triste, comendo menos, até cair doente. Pegou uma forte gripe, a gripe piorou, virou pneumonia.

Já havia passado um mês da venda do Malhado, quando o pai de Isa viu-se obrigado a sair à procura dele. Buscou notícias por toda parte. Achou a pessoa que o havia comprado do leiloeiro.

O dono, um tal de Onofre, adquirira o animal para cobrir suas vacas, mas não teve sorte.

– Olha, moço, não sei o que tinha o touro! Parecia doente, às vezes até triste. Estava sempre isolado do resto do gado e não cobria as vacas. Nem umazinha. Assim, não servia, não senhor.

Homem prático e conhecedor de gado que era, o senhor Onofre não insistiu; comprou um bom reprodutor e vendeu Malhado para o frigorífico.

Desanimado e desorientado, o pai de Isa pensou, então, em procurar um substituto, outro touro bem parecido. Talvez Isa percebesse que não era o mesmo; afinal, já fazia muito tempo que ela não via o Malhado. Ficou dois dias fora de casa rodando a região e, enquanto isso, Isa piorava.

No terceiro dia, ele retornou com um touro em cima do caminhão.

– Que sorte, Marta! Comprei pelo dobro do preço, mas vai valer a pena. Achei um touro igualzinho ao Malhado. Nossa filha não perceberá nenhuma diferença. Ficará contente, ficará boa. Vá correndo buscá-la.

Dona Marta voltou com a filha no colo, pois a menina estava muito fraca para andar.

– Olhe, Isa, achamos os seu Malhado!

A menina virou a cabeça, sem forças, em direção ao touro. Seus olhos se entristeceram ainda mais. Não disse palavra alguma. Voltou a cabeça para o colo da mãe e deu mais um suspiro.

Fonte:
AGULHON, Olga. Germens da terra. Maringá: Midiograf, 2004.

Bernardo Sá Barreto Pimentel Trancoso (A Rosa Branca)



Tantas púrpuras rosas no rosal;
Grosas e grosas, tão bonitas rosas;
Entre as rosas vultosas, majestosas,
Brota uma branca rosa, desigual.

Meu olhar só percebe a rosa tal;
Prefere-lhe, entre rosas mais charmosas;
Rosas prá te dizer que, em meio às grosas,
És como a rosa branca, especial.

Tens no andar que alucina novas cores;
É por ter novas cores que alucina;
És preferida, dentre mil amores.

Como a flor no rosal, tão pequenina
Que, perante outras mais formosas flores,
Difere e, o coração, logo ilumina.
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Lygia Fagundes Telles (As Meninas)


O livro narra a história de três universitárias de condição social e origens diversificadas, que se conhecem em um pensionato de freiras na cidade de São Paulo, tornam-se muito amigas, apesar das diferenças de valores e personalidades, convivem durante algum tempo, compartilham seus dramas e sonhos, ajudam-se nos momentos difíceis e terminam por separar-se definitivamente. O encanto e a dificuldade aparente da leitura repousam no foco narrativo cambiante: Lorena Vaz Leme, Ana Clara Conceição e Lia de Melo Schultz contam a própria história através do fluxo de consciência, misturando suas falas, ações, lembranças e críticas recíprocas. Depois dessa surpresa inicial, o leitor acaba por identificar o estilo de cada personagem e sente-se desafiado a desvendar o universo interior das três "meninas"- uma paulista quatrocentona, uma baiana "terrorista" e uma modelo de moral "duvidosa" e viciada em drogas.

Os capítulos não têm nome, mas números:

"Um"

Lorena Vaz Leme divaga em seu quarto dourado e rosa - com cozinha, geladeira, banheira etc - no pensionato Nossa Senhora de Fátima: pensa na amiga Lia de Melo Schultz, que tem pretensões a escritora e é militante política; no gato Astronauta, que cresceu e abandonou-a; em Che Guevara, que foi líder de toda uma geração; em M.N., homem misterioso que lhe desperta desejos eróticos, em Jesus Cristo, a quem dedica a música de Jimi Hendrix; e na morte desse roqueiro e de Rômulo, seu irmãozinho querido. Lia aparece para pedir-lhe o carro de "mãezinha" emprestado, e enquanto tomam o chá especial de Lorena, conversam e divagam sobre tolices e sobres coisas sérias, concomitantemente a greve na faculdade; a prisão de Miguel, namorado de Lia e militante político também; na alienação da burguesia acomodada; na repressão militar, nos amigos que estão presos e sendo torturados. Lorena lembra a morte traumática de Rômulo e sua agonia nos braços da mãe, vitimado por um tiro acidental dado pelo outro irmão, Remo.

Da fuga deste para o exterior através da Diplomacia, dos freqüentes presentes que ele envia a ela (sinos, lenços, roupas, comida...). Mistura a esses pensamentos a figura do médico Marcus Nemésios (o M.N.), casado e bem mais velho, de quem ela sonha receber amor, carinho e proteção (Aliás, passa o livro todo aguardando um telefonema dele, que nunca se concretiza); evoca ainda a figura de Ana Clara, suas origens "suspeitas", no excesso de tranqüilizantes que consome; pensa na própria adolescência, ao piano, no gostoso convívio familiar, nos banhos de banheira, na decisão de morar no pensionato, no aluguel e decoração do quarto por Mieux, o atual namorado da mãe. Lia fala sobre o livro que escrevera e acabara por rasgar. Criticam Ana Clara e o namorado Max, traficante que a viciou em drogas, e o provável e desconhecido noivo rico com quem ela pretende se casar para "sair do buraco", após plástica restauradora da virgindade, "bancada" por Lorena.

Lia pede várias vezes o carro emprestado, e um pouco de "oriehnid" (dinheiro "ao contrário", para dar sorte) para o "aparelho"(= grupo de resistência à ditadura militar). Apesar de temer envolvimentos com o grupo e suas conseqüências, Lorena é incapaz de dizer "não" aos pedidos da (s) amiga (s).

"Dois"

Ana Clara e Max drogam-se na cama e deliram. Ela sente-se travada, bloqueada, apesar das sessões de terapia - ela odeia o analista. Acha-se bonita (modelo, 1,77 m) e carente - a mãe, prostituta, nunca lhe deu atenção. Lembra-se do Dr. Algodãozinho, que deixava seus dentes apodrecerem para abusar sexualmente dela e da mãe, em sua cadeira de dentista. Pensa no quanto ama Max, mas que em janeiro casa-se com o noivo rico e resolve seus problemas. Sente ódio de Deus - e de negros. Resgata a infância carente, repleta de ruídos (ratos, baratas) e cheiros, nos prédios em construção, onde vivia com a mãe e os sucessivos amantes.Também evoca detalhes da vida das amigas Lia e Lorena. Max também delira. Reza. Teve educação esmerada (fala francês, é fino) mas empobreceu e tornou-se traficante. Tem uma irmã que sumiu com
as jóias da família e encontra-se internada em sanatório. Ana e Max se amam, mas seu relacionamento é difícil e complicado.

"Três" - Lorena reflete sobre a violência do mundo; assaltos a bancos; a morte de Rômulo; a profissão de Remo propiciando sua "fuga" para o exterior. Gostaria de poder alienar-se da "máquina desse mundo" violento (intertextualidade com o texto "A Máquina do mundo", de Carlos Drummond de Andrade), como uma ostra dentro de sua concha dourada (= seu quarto - refúgio). Rememora a chegada de Lia e A. Clara e a "invasão" das duas à sua privacidade, a amizade das três, apesar das personalidades opostas.

Miúda e magra, mostra certa inveja da beleza de Ana Clara, apesar da diferença cultural... Através da visão de Lorena, conhecemos um pouco mais sobre as duas amigas: Lia de Melo Schultz tem um "pé" baiano, da mãe Diú (D. Dionísia) e outro berlinense, do pai seu Pô (Herr Paul, exoficial nazista). Herdou do pai o vigor germânico; da mãe, as "proporções gloriosas e a cabeleira de sol negro" e o açúcar da voz.

É uma "mulher-hino", enquanto Lorena vê-se como uma civilizada, requintada "balada medieval" (ou "Magnólia desmaiada", para os colegas da Faculdade de Direito). Ana Clara "arrombou" a privacidade de Lorena, obrigando-a a verdadeiros exercícios de caridade cristã: mexe em tudo, nos livros, nos objetos pessoais. Tem olhos verdes, é modelo, linda, mas "de cuca embrulhada", deprimida e deprimente, juntadíssima, afetadíssima, mentirosíssima - "ni ange ni bête" - (nem anjo, nem demônio). Envolvida com sexo e drogas. Enquanto lancha ao sol, Lorena recorda o aborto de Aninha, resgatando a fábula da formiga e da cigarra (inconsciente, bagunceira, irresponsável), com quem compara a amiga. Recebe carta de Remo e pensa na morte de Rômulo. Filosofa sobre o lado omisso das relações humanas.

Sonha em casar-se com M.N., pois sente-se frágil, insegura, precisando de um homem em tempo integral. Ao voltar para o quarto, pensa no colega Fabrízio, na noite chuvosa em que ele veio estudar mas preferiu envolvê-la nos braços, ameaçando sua virgindade; na falta de luz e subseqüente chegada de Lia, estragando o momento mágico com suas alpargatas molhadas e suas pesquisas sobre a vida das prostitutas, sua obsessão por Miguel. Lia sai, mas chega Ana Clara, e "se instala". Fim da noite para Fabrízio e Lorena. No dia seguinte, conheceu o Dr. M.N. na sua Faculdade e ganhou carona. Passa a viver aguardando seu telefonema, fantasiando um amor edipiano.

"Quatro"

Max delira na cama. Gosta de Chopin, de Renoir. Conversa com a Coelha (A. Clara) sobre a riqueza passada, as viagens. Ana compara os diferentes níveis de artistas abstratos e reclama de estar lúcida - teria tomado aspirina? Lembra o passado de miséria e sonha com o futuro promissor como psicóloga de ricaços

- "Nessa cidade as pessoas não se preocupam mais com nome, mas com o saco de ouro" (de que adianta o nome Vaz Leme de Lorena, descendente de bandeirantes?). Quer esquecer a mãe, os amantes, Jorge, Aldo, Sérgio... e o suicídio com formicida. Lembra-se da amiga Adriana, feia e vesga, mas com casa na praia, onde A. Clara tentou lavar a memória do passado num banho de mar. Max desperta e os dois deliram juntos. Ela está grávida e quer abortar. Ele deseja o filho, cuja voz diz ter ouvido. Vão ficar ricos e fazer cruzeiros pelo mundo.

Ela é a gata borralheira, que tem encontro marcado com o noivo, que já deve estar inquieto com o atraso.

"Cinco"

Lorena aguarda o telefonema de M.N., como sempre. Pensa em arte, em literatura (Dante, Beatriz) , em música (jazz), em cheiros (incenso); em morte (Rômulo); na mãe e no carro (teme que Lia seja metralhada dentro dele). Gostaria de poder sair de moto com Fabrízio, um cinema, um jantar... mas acha que ele deve estar na faculdade, incitando a greve e namorando uma poetazinha que resolveu seduzi-lo. Recebe a visita da irmã Bula e desconfia que esta é a autora das cartas anônimas, que falam coisas horríveis sobre as meninas e as freiras, para Madre Alix, a superiora. Enquanto serve licor e biscoito para a freira, relembra a morte de Rômulo, as manchetes nos jornais; pensa em Lia, em Simone de Beauvoir (escritora francesa), em segundo e terceiro sexos, em M.N., em Che Guevara, em morrer e renascer (segundo S. Marcos, "é necessário nascer de novo").

Recupera a teoria da amiga "terrorista" sobre a perda de pureza do baiano e do índio, e cita Gonçalves Dias. Coloca um Noturno de Chopin e serve constantemente vinho à freirinha. Quando tampa a garrafa, pensa na ferida de Rômulo, na fuga de Remo. Despede-se da Irmã Bula e de sua velhice sem sentido.

"Seis"

Na sala imunda e mal iluminada onde montaram o "aparelho", Lia ("Rosa de Luxemburgo") e Pedro começam a separar material para o jornal. Conversam sobre experiências homossexuais; Jango; o nazismo; conceito de santidade; sobre Che Guevara; Martin Luther King (líder negro americano), engajamento político-social, atuação da Igreja progressista, casamento de padres, amor... Sai para uma operação noturna com o Bugre, que lhe conta sobre a próxima deportação de Miguel para a Argélia. De volta ao pensionato, feliz, conversa com Madre Alix: fala de seu amor pela família, do passado com saudade, do presente (fases da vida!...); de A. Clara, Max e seu envolvimento com drogas; na sua pretensa vocação para escritora; na desilusão com Miguel (muito cerebral) e Lorena (muito sofisticada). Madre Alix quer ajudá-las, mas sente-se impotente e teme por seu futuro. Sugere uma epígrafe para o livro de Lia e que serve para a vida das duas: "Sai da tua terra e da tua parentela e da casa de teu
pai e vem para a terra que eu te mostrarei"(Gênesis).

"Sete"

Irmã Clotilde leva frutas para Lorena, que se exercita na bicicleta. Falam sobre as duas Santas Teresas; sobre Tolstói; sobre homossexualismo (comenta-se no pensionato que I. Clotilde é lésbica); sobre beleza, ideais, filosofias de vida. A freira vai lavar as mãos e volta criticando a cor, a saúde e a alimentação das três amigas. Lorena anseia por beleza e um telefonema... Quer ficar só, mas a freira se demora na visita e no exame do quarto, dos animais, dos livros da moça. Esta lê um pedaço de um livro de Direito, cita frases em latim, enquanto pensa sobre o lado oculto das pessoas: a vida é um jogo de espelhos, e Lorena tem sede de autenticidade... Lia chega, a freira se vai. Devolve a chave do carro, conta sobre a viagem à Argélia, brinca de entrevistar Lorena (os assuntos de sempre: virgindade, casamento, M.N., Fabrízio, Pedro) e diz que esta é edipiana. Ambas mostram-se preocupadas com a gravidez de Ana "Turva" e sua dependência.

Divertem-se no jardim e despedem-se no portão. Lia pede roupas para os "revolucionários". Lorena fica pensando na iniciação sexual das amigas e imagina como será sua "primeira vez"(M.N. é ginecologista, um "gentleman").

"Oito"

Ana Clara e Max acordam e conversam: ele e Lorena são "aristocratas", têm álbum de retratos... Os de Lorena estão na garagem do pensionato. Criticam o amante jovem de "mãezinha", Mieux. Max vai até a geladeira, come e volta a dormir. Ana pensa na desculpa que vai inventar para o noivo aceitar seus sumiço. Arruma-se e sai. Chove. São quase 11 h da noite. Não consegue táxi e aceita carona de um industrial em um Mercedes. Foge dele e refugia-se em um bar, onde encontra um velhote estranho que a convida para seu apartamento. Confundindo-o com "um pai" que nunca teve, segue-o.
Apartamento de boêmio - retratos na parede, vitrola de corda, discos de tangos. Ana deita-se na cama e dorme, enquanto ele lê para ela textos sobre Napoleão, Rodolfo Valentino e tem orgasmo. Diz que o platonismo amoroso é a forma mais sutil e temível da paixão infinita e insaciável.

"Nove"

Na banheira, Lorena filosofa sobre "ser" ou "estar" no mundo - na desintegração do ser humano na cidade grande, no papel do filósofo, do advogado, do médico, do psiquiatra. Sente todos os sintomas de todas as doenças mentais, apesar de charmosa e inteligente. Lembra-se da fazenda, das procissões em que se vestia de anjo. Rememora o primeiro encontro com M.N. e imagina as reações de mãezinha quando lhe contar sobre ele. Sai do banho emocionada e veste um robe. Chega o colega Guga, que lhe conta ter abandonado a família, a escola e estar vivendo em um porão, numa comunidade. Escandalizada com sua sujeira, Lorena corta-lhe as unhas, alerta-o sobre promiscuidade e lê para ele uma carta de M.N. Guga se excita e tenta amá-la. Ela quase cede, mas reage e ele se vai.

Chega Lia. Conversam sobre filosofia, Lacan, auto-identificação, transferência de afetos.
Lia quer provar que M.N. está mais para pai que para namorado, mas Lorena não admite. Falam sobre o telefonema de Herr Pô e da promessa de ajuda em dinheiro para a viagem. Lorena entrega a Lia um cheque em branco e pede-lhe para usar uma cruz na corrente, enquanto filosofa sobre Deus, religião, fé. Lia sai rindo. Lorena faz caretas.

"Dez"

Lia pega carona com o motorista de mãezinha de Lorena e vai visitá-la. No caminho, consegue fundir a cabeça do senhor com seu discurso sobre família e liberdade. Recebida no hall pelo mordomo, fuma, examina os objetos e tapetes luxuosos, enquanto imagina sua viagem, a desunião da esquerda; vê-se na Argélia escrevendo seu diário e exaltando a Pátria. Mãezinha chora, na cama, a morte do psiquiatra Dr. Francis. Desajeitada, Lia tenta consolá-la e ouve suas lamúrias sobre a diferença de idade entre ela e Mieux, a impossibilidade de acompanhá-lo em seus programas, a dificuldade em aceitar a velhice e a morte. Lia lembra-se de sua família (tão equilibrada!) com saudade e amor. Mãezinha pergunta sobre os namoros de Lorena e Lia (acha-a masculinizada) e quer trazer a filha de volta à casa. Conta uma versão totalmente diferente sobre a morte de Rômulo (falência cardíaca, ainda bebê). Lia sente-se nauseada e pensa em ver o álbum de fotos na garagem: acha que mãezinha está escamoteando a tragédia por auto-defesa. Ganha roupas e mala para a viagem.

"Onze"

Tarde da noite. Ana Clara chega transtornada ao quarto de Lorena, que está estudando para a prova no dia seguinte (a greve terminara). Entra arrastada, gritando de dor no peito e imunda. Lorena coloca-a na banheira - seu corpo está cheio de nódoas roxas e sofre alucinações com formigas, baratas, Deus e Max. Pede uísque e a bolsa. Delira. Lorena pensa no abismo entre o ser e o estar, num futuro feliz no campo, fora de sua casca. As novelas da vizinhança encobrem os ruídos e finalmente A. Clara adormece. Lorena toma chá. Finalmente Lia chega para preparar as malas (a viagem será na manhã seguinte) e Lorena vai até seu quarto. Conversam muito - sabem que estão se despedindo - e Lia conta-lhe que Guga virá procurá-la. Não vêem futuro na relação com M.N., que jamais abandonará a família, pois a "dor do remorso dói mais que a dor física"(Tolstói). Ao voltar para o quarto, Lorena tem um choque: A. Clara está morta.

"Doze"

Lia corre aos acenos da amiga. Ao entrar, encontra Lorena massageando o peito de A. Clara, tentando revivê-la, enquanto reza. Lia pensa em chamar o pronto-socorro, em acordar todo mundo, em que poderia ter feito mais pela amiga, além dos "discursos". A bolsa de A. Clara está aberta: talvez dali ela tirara a própria morte. Lorena tem idéias e age: encomenda o corpo, reza em latim, veste e pinta A. Clara como se esta fosse a uma festa. Elimina todas as pista comprometedoras para Aninha e Max, além das freiras do pensionato. As duas amigas carregam A. Clara através da noite providencialmente nebulosa e abandonam o corpo em um banco em uma linda praça do bairro.

Voltam para o pensionato e separam-se: cada uma vai viver a própria vida. Lia no exílio. Lorena de volta para a casa de mãezinha, deixando sua concha para a futura hóspede, que vem do Pará. Ação A ação do livro é prevalentemente interiorizada. Quase nada acontece na realidade exterior; a vidinha pacata e rotineira no pensionato, as conversas intermináveis, os estudos, as visitas das personagens ao redor do quarto de Lorena - centro daquele microcosmo -, poucos momentos na faculdade e no "aparelho"; as atitudes contraditórias de Ana Clara e sua morte; a solução dada pelas amigas para se livrarem de um cadáver comprometedor.

Tudo se passa no âmbito da memória, enquanto as meninas resolvem o passado e evocam suas experiências em busca de auto-conhecimento, de solução para seus traumas e conflitos interiores, para a exorcização de seus "fantasmas". Personagens Lorena Vaz Leme, filha de fazendeiros, culta, fina, aristocrática, descende de bandeirantes. É aluna na Faculdade de Direito e bastante estudiosa: cita com freqüência passagens da Bíblia, frases em latim, em francês, em espanhol, de filósofos variados, escritores e músicos. Demonstra cultura e educação esmerada, onde se fundem harmoniosamente o erudito e o popular.

Assistiu impotente à derrocada da própria família e evoca freqüentemente esse passado, onde contrapõe os momentos felizes da infância, na fazenda, à morte acidental do irmão e a subseqüente desagregação do núcleo familiar - a fazenda vendida, o pai internado em sanatório, o irmão traumatizado pela culpa, a mãe vivendo de fantasias, terapias e falsas ilusões. Lorena tenta "equilibrar-se" fechando-se em uma concha dourada dentro do pensionato de freiras, onde pratica ginástica, faz chá, recebe cartas e presentes do irmão, visitas freqüentes de colegas, e de onde ajuda as amigas. Toma sol, lê, filosofa, mas pouco age. Segundo Lia, trata-se de uma burguesa alienada, apesar da bondade e do carinho com que recebe e ajuda a todos.

Mas o mundo insiste em invadir sua privacidade - as amigas, as freiras, Fabrízio, Guga, o amor impossível pelo médico mais velho colocam-na em freqüente conflito com o mundo exterior. Procurando viver de sonhos, perde várias oportunidades de realizar-se afetivamente e ser feliz. No entanto, diante da morte de A. Clara, consegue definir-se e agir positivamente, encontrando, por um lado, solução para o problema imediato; e, de outro, um possível desfecho para sua alienação: voltará para a casa da mãe, acabará por perceber a impossibilidade de um compromisso com M.N. e se abrirá para o amor de Guga, enquanto se resolve a enfrentar o mundo e a deixar sua "concha" definitivamente. Lia de Melo Schultz serve como contraponto à "finesse" de Lorena: veste-se mal, usa alpargatas, não gosta muito de banho, não cuida da aparência.

Veio da Bahia para fugir da mãe superprotetora e do pai com um passado misterioso de ex-oficial nazista. Matricula-se no curso de Ciências Sociais (foco de agitações estudantis na década de 60), onde se envolve com um grupo militante da esquerda e apaixona-se por Miguel, que acaba preso. Sua preocupação consiste em angariar dinheiro e roupas para o "aparelho", e está sempre discursando contra a alienação da burguesia, das amigas, e a pobreza do Nordeste. Seu equilíbrio repousa sobre dois referenciais: em seu engajamento político (doação de amor aos amigos e à liberdade da Pátria) e na segurança que encontra no amor de Miguel e no apoio da família, que, mesmo à distância, protege-a e dispõe-se a ajudá-la em sua fuga para o exterior. Escolhe seu próprio caminho e resolve-se bem.

Ana Clara Conceição apresenta o temperamento mais problemático e a personalidade mais inconsistente das três, apesar do fascínio que a força de suas evocações exerce sobre o leitor, as amigas e Madre Alix, principalmente. Filha de pai desconhecido, amargou uma infância carente, junto a uma mãe prostituída e constantemente machucada pelos sucessivos companheiros, um dos quais a induz ao suicídio pela ingestão de formicida. Ana foi seduzida por um dentista, que abusa sexualmente da mãe e da filha. Traumatizada, não consegue encontrar prazer nos seus relacionamentos amorosos. Permanece quase o livro todo na cama com o namorado Max, traficante que a viciou em drogas e, embora conversem muito, seu discurso aparece truncado - amam-se, mas não conseguem ser felizes. Sob o efeito das drogas, suas evocações são basicamente sinestésicas: ruídos (o roque-roque dos ratos e o barulho das baratas, nas construções), cheiros (do consultório do dentista, da bebida, do mar, do corpo de Max...), sensações variadas de frio e de calor entrecruzam-se enquanto ela desnuda seus traumas sem qualquer pudor e, fugindo à realidade, adia todas as soluções para "o ano que vem".

Só que o peso da memória é mais forte: nem a aspirina; nem a ilusão de um noivo rico; nem a probabilidade da plástica restauradora da virgindade; nem a perspectiva de ascensão social através da Faculdade de Psicologia, da carreira de modelo, do dinheiro que conseguirá na clínica para a burguesia; nem o amor e os conselhos de Madre Alix e das amigas conseguem salvá-la. Seu fim é trágico: morre de overdose no quarto de Lorena, e, vestida e enfeitada, cumpre seu destino num banco de praça, sem prejudicar aquelas pessoas que conseguiram dar-lhe um pouco de afeto, mas não a paz de que tanto necessitava.

Tempo

Subjaz à narrativa uma seqüência cronológica pouco marcada de alguns dias ou poucas
semanas: o tempo é voluntariamente vago e difícil de precisar. O que prevalece é o tempo psicológico, pois tudo acontece através do entrecruzar da memória, da evocação do passado, da mistura com algumas ações no presente. Alguns fatos permitem a localização da obra no final dos anos 60, pois evocam as agitações sociais, as greves universitárias, a prisão e a tortura de militantes políticos sob o enrijecimento da ditadura militar, o crescimento agressivo da megalópole que tritura o jovem e esmaga sua individualidade, alienando-o, censurando-o e dificultando-lhe a busca de caminhos. Passado e presente fundem-se de modo inextricável, e nos traumas da memória encontram-se as explicações para os problemas existenciais das três meninas - símbolos de toda uma geração massacrada e alienada por forças do passado e das
circunstâncias.

Espaço

Oprimidas pela cidade grande e sua violência, as três meninas refugiam-se no Pensionato N. Senhora de Fátima, na região central de São Paulo. O quarto-concha de Lorena constitui-se no refúgio para onde as pessoas convergem em busca de conforto, de carinho, de segurança, de afeto e compreensão - um tipo de oásis dentro de um mundo desorganizado, caótico e extremamente ameaçador, onde "Deus vomita os mortos".

Foco Narrativo

O foco narrativo em primeira pessoa é manipulado pela Autora de forma magistralmente cambiante: ele se desloca constantemente (e inesperadamente!) para o fluxo de consciência das três amigas, que se entrevistam, que se apresentam umas às outras e ao leitor, que refletem continuamente sobre si mesmas e umas sobre as outras, arrastando-nos nessas freqüentes invasões à privacidade de A. Clara, Lorena e Lião, que se vão desnudando paulatinamente diante de nós.

Existe uma dificuldade inicial para a leitura até a identificação do estilo peculiar de cada personagem, pois cada uma delas se exprime dentro de seu "dialeto" coloquial - o discurso mais elaborado e culto de Lorena, o regionalismo politicamente engajado de Lião e o pensamento confuso e truncado de Ana "Turva". Superada essa dificuldade, o leitor mergulha de corpo e alma no universo fantástico dessas três meninas encantadoras, representantes autênticas daquele que foi um dos períodos mais importantes e difíceis para a emancipação da mulher, para a liberdade de pensamento e para a realização individual dentro de um universo politicamente conturbado.

O romance As Meninas oferece-nos, de um lado, um painel saboroso das vivências de três pessoas em busca de si mesmas; de outro, uma amostra dos problemas cruciais que agitaram a juventude durante um dos períodos mais conturbados da história do Brasil, que Lygia Fagundes Telles teve a ousadia e a coragem de denunciar.

Fonte:
Cd Digeratti CEC003

Lucilene Machado (A Morte Nossa de Cada Dia)


Acordo para mais um dia. Tudo igual. Cruzo com as mesmas pessoas, com os mesmos carros... passo pelas mesmas ruas com a mesma pressa e, sem reparar muito, vou atravessando o tempo sem criar espaço para desenhar a vida.

Cansada, entrego-me ao abraço da noite como se fosse uma despedida. Cada dia morro um pouco. Paro diante do espelho como uma última atitude diária. Escovo vagarosamente os fios de cabelo na tentativa de alinhar as diferenças. Foram cortados de forma assimétrica. Corte de navalha, fio por fio. Ficaram tão diferentes uns dos outros. Escovo também os anos que a navalha do tempo não corta. Eles vão se ondulando pelo corpo e fazendo caracóis na alma. A idade é um arreio que ninguém desata. Deixa o coração sôfrego pelas batidas futuras.

Diante do espelho não ouso sonhos grandes. Meu olhar interrogativo parece exigir decisões para as quais não me sinto preparada. Vou ficando distante. Há silêncios pesando sobre minhas pálpebras. De repente, vejo uma tarde dentro dos meus olhos. Uma tarde verde que não aconteceu. Quantas horas perdidas modelando uma esperança? A infinita ternura da minha insônia. Os olhos semicerrados vigiam o tempo sonhando surpresas. Talvez nunca virão. Os desenganos vão matando o desejo. As emoções vão ficando mecânicas. Perdas irreparáveis. Arrependo-me por não ter amado mais quando podia. O viver intenso me escapou. Nunca percebo se estou amando. Só quando a saudade se aproxima penetrando além da superfície, é que constato a veracidade da situação. Aí nego. Nego-me veementemente. Já até desenvolvi uma habilidade em me auto-enganar. É uma espécie de suicídio. Vai-se matando a própria afetividade, pouco a pouco para não doer tanto e depois, supõe-se, a vida volta a ser bela.

Há muito cansaço no ar. Um cansaço que vem dos edifícios vizinhos abrindo clareiras pela cidade adormecida. É a triste paz da noite sobre as ruas. Há vozes caladas sobre o asfalto. Flores caídas sobre as calçadas. Cristais quebrados de um azul de lua. É doloroso morrer sozinha, sobretudo em setembro quando as flores oferecem perfume ao vento. Mas a vida é feita de morte. Pequenas mortes que vão matando a inocência e cobrindo de luto as tardes verdes.

Mas amanhã quando a aurora voltar, será tudo igual. Todos dispersos pelo mundo, enfrentando a selva, o imprevisto, o grito. Amanhã seremos todos selvagens. Embora de uma mesma espécie, cada um em sua jaula. Cada um vítima de uma serpente que devora o lirismo do dia-a-dia. Amanhã seremos dirigidos pela insígnia da vaidade e das ausências. O hoje será apenas uma imagem de um álbum de família empoeirado. E eu continuarei representando aquela que não sou enquanto morre um pouco aquela que sou.

Fontes:
Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
Imagem = http://diariovirtualdeumlouco.blogspot.com

Urda Alice Klueger (Os Campos de Érico Veríssimo IV)



(Para Jorge Gustavo Barbosa de Oliveira)

E então, num dia, numa tarde, eu estive lá, dentre eles, neles, e caminhei por eles num dos que foi um dos grandes encantamentos da minha vida, e era como caminhar pelo país das fadas, pois aqueles eram os mágicos campos de Érico Veríssimo, e eu esperara desde os 12 anos para um dia conseguir chegar lá, sem nunca crer muito que tal fosse possível, pois como pode acreditar em campos pessoas como eu, que passam suas vidas dentro de um Vale? Fui, no entanto, no último inverno, e fazia uma temperatura de 1,5 graus Centígrados, e a verdura daqueles campos que deviam ter amanhecido cobertos de geada era uma coisa tão impressionante, como se de esmeraldas fossem feitos e como se nunca tivessem sido tocados pelo gelo, que fiquei meio em dúvida se eles eram de verdade, mesmo, ou se, quem sabe, eu divagava, caminhava por campos imaginários, somente sonhados pela mente de um escritor único...

Uma estrada atravessava os campos, e fui caminhando pela beirada dela, bem longe, bem longe, não tão longe quanto meu coração pedia, pois queria, além do espaço, atravessar o tempo, e encontrar, de repente, na beirada da estrada, andando comigo, o padre que possuía um punhal que era como que um estigma, e que criou um menino que ficaria para todo o sempre com o nome de Pedro Missioneiro... Pois é, depois da destruição das Missões, Pedro Missioneiro muito errou por muitos campos, à deriva, na espera do seu destino, e como ali eram os campos de Érico Veríssimo, com toda a certeza ele andara por ali também, e o que me faltava era a possibilidade de atravessar o tempo, tão poucos séculos, para caminhar por ali com a candura daquele Pedro gerado por uma índia nas antigas Missões, e que, com certeza, era antepassado de tantas daquelas gentes que viviam naquela cidade rodeada dos campos, e no entorno da cidade que era também rodeado pelos campos...

Eu mal acreditava que estava ali mesmo, onde tanta coisa tinha acontecido na História e no meu imaginário que vinha desde a infância, que daqueles campos se alevantara tamanha onda de energia quando um menino chamado Érico Veríssimo aprendera o be-a-bá e deixara de só imaginar, para começar a escrever o fantástico mundo que legou a mim e a tantos pelo mundo afora, e que lá no escondido do meu Vale eu fora atingida por aquela onda, e nunca mais, depois, pudera ser como antes!

A emoção me fechava a garganta, e eu pensava se lá do alto do gelado céu azul daquele dia Érico Veríssimo estaria podendo ver que os campos dele, agora, tinham muitas coisas novas, como aquela comprida fita que se desenrolava no meio do verde e que era uma ferrovia, e que atravessando aquela fita havia outra, que era uma fita de asfalto e que levava a outra coisa nova naqueles campos chamada universidade – que diriam os padres das Missões se soubessem que o saber, um dia, já não seria teocrático? Pois os padres das Missões muitas coisas também sabiam e ensinavam, e um lugar especializado no ensinar e aprender não era uma idéia nova naqueles campos - mas agora a ciência tomara o lugar da teocracia. Só que na hora não refleti muito nisto, não – o encantamento que me possuía me fazia como que flutuar entre Pedro Missioneiro e uma legião de outros personagens que dele descendiam ou não, subindo e descendo coxilhas vestidas de verde, e era tão fantástica aquela realidade de estar, de verdade, um dia, andando pelos campos de Érico Veríssimo, que fui colhendo um matinho cá, um galhinho lá, flores inesperadas dentro daquela vegetação de inverno, desde delicadas camélias até hirsutas flores de espinhos, todas tão lindas, tão etéreas, mesmo as hirsutas, que segurá-las era como ter as mãos levitando. No alto de uma coxilha, já quase ao pôr do sol, parei para conversar com um homem velhinho que guiava uma pequena carroça com uma pequena carga – quem seria ele, na verdade? Qual seu parentesco com Pedro Missioneiro? Não sei, mas sei que ele era de verdade e estava ali, e me perguntou:

- Por que você está colhendo esse mato?

E eu entendi que ele não tinha consciência de ser o personagem que era, mas mesmo assim lhe expliquei:

- São flores dos campos de Érico Veríssimo!

Era complicado, para ele, entender aquilo, mas ele me olhou com bondade, como decerto olham até hoje os descendentes de Ana Terra.

Então, voltei para o meu Vale e trouxe aquelas flores. Arranjei-as dentro de um frasco de vidro, colei nele uma etiqueta onde está escrito “Flores dos campos de Érico Veríssimo” – e como sabia que as flores acabariam ficando secas e parecendo não ter importância, colei ao redor do frasco pequenas borboletas emprestadas de Quintana, para que ficasse sempre muito clara a magia que emana dali. Eu me emociono até às lágrimas, quando olho para elas. Aquelas flores são a certeza de que não sonhei, e que um dia, de verdade, andei até muito, muito longe, pelos reais campos de Érico Veríssimo!

Blumenau, 12 de Janeiro de 2008.

Fonte:
Stammtisch Confraria e Patotas

Urda Alice Klueger em Preto e Branco, por Luiz Eduardo Caminha


Produzir livros e crônicas qualquer um pode. Sim, se tiver condições de sobrepujar as exigências de um mercado que, no Brasil, é ainda oneroso, ou ainda atravessar as barreiras dos editorialistas, eu concordaria. Mas há um senão em Urda. Sua produção tem, sobretudo, qualidade. E aí, a coisa muda. Produzir com qualidade é outros quinhentos. Pois Urda o faz. Qualquer que sejam seus livros, qualquer que seja a crônica, da vez ou não, ela se supera pela qualidade do que escreve. E isto, faz uma enorme diferença.

Leitora contumaz e escritora compulsiva, talvez sejam estas as virtudes que a diferenciem. A sensação que se te é que Urda vive para escrever. Parafraseando Gandhi quando diz que “a oração é a respiração da alma”, para Urda, talvez escrever seja a respiração de seu ser existencial. O oxigênio que lhe clareia a mente.

Entretanto, aí está uma outra diferença. Urda não apenas escreve e lê. Além disto, está sempre envolvida em movimentos sociais, em manifestações culturais, acampa, viaja e, não bastasse, cuida com zelo das publicações de outros autores que leva a público através de sua Editora, a Hemisfério Sul.

Ela mesma se define uma escritora e afirma: “não sou poeta”. Mas a poesia parece permear seus textos. E não sou apenas eu quem diz isto. Vejamos o que Luiz Carlos Amorim escreve sobre Urda:

“O romance está muito bem representado na Literatura Catarinense, por uma moça loura, brejeira e loura como outras nascidas em Blumenau, mas com uma grande diferença: ela escreve. Escreve coisas com sabor de poesia, com sabor de vida, uma fonte inesgotável de emoção e sensibilidade. Ela escreve obras-primas. Essa moça é Urda Alice Klueger, que já publicou títulos como "Verde Vale", o seu primeiro grande sucesso, com sucessivas edições, a saga dos primeiros colonizadores em Santa Catarina, uma canção verde da cor do amor e da serenidade, da cor da ternura; "As brumas dançam sobre o Espelho do Rio", "No Tempo das Tangerinas", "Vem, Vamos Remar", "Te Levanta e Voa", "Cruzeiros do Sul", "Recordações de Amar em Cuba II", "A Vitória de Vitória" - o primeiro livro infanto-juvenil da romancista e, lançado recentemente, "Entre Condores e Lhamas". "As Brumas dançam Sobre o Espelho do Rio" é poesia em prosa, é um hino de liberdade e à natureza, é uma canção de amor - amor como podemos concebê-lo em todas as suas formas”.

E vai mais além o comentário:

POETISA DA PROSA

Os romances de Urda têm o poder de prender o leitor da primeira à última página, fazendo com que a gente os leia de um fôlego só. Não importa o tema: a força narrativa da autora, a construção dos personagens, humanos e autênticos, o cuidadoso e minucioso trabalho de delinear os cenários, o engendramento da trama, consistente e verossímel, fazem de Urda a escritora mais importante desta Santa e bela Catarina.

Cecília Meirelles já disse, em seu "A Arte de Ser Feliz" que é preciso saber olhar para ver." E Urda sabe olhar a natureza e ver que "a manhã vem com muitas brumas, mas depois o sol chega se espreguiçando todo de tanta beleza, devagar, com uma lentidão cheia de prazer, vai tocando a branquidão que o rio forma para o alto, para longe, de encontro aos morros distantes, onde elas acabam por se desfazer numa beleza transcendental...

Urda também transcende o romance trazendo, como historiadora que é, a história para suas estórias. Vejam, por exemplo, o que diz o professor e historiador Viegas Fernandes Costa:

Muito já se escreveu a respeito da escritora Urda Alice Klueger, mas pouco se falou sobre a historiadora Urda. Na verdade, a obra da historiadora confunde-se com a obra da escritora, já que seus livros refletem uma preocupação com o tempo e o cotidiano...

Em toda esta trajetória literária, a influência da história nos textos da escritora Urda Alice Klueger é cada vez maior, porém as influências da romancista sobre a historiadora também permanecem com força, tornando-se impossível desvincular uma da outra.

Mas Urda não é um fenômeno literário apenas por produzir com qualidade. Há que se alicerçar melhor esta tese e nada como os números para ratificar o que afirmo. Afinal, são 19 livros, mais de 500 crônicas publicadas no Brasil e em Portugal, um livro tema de um filme. Muitos de seus livros são referência nas provas de Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina e da UDESC. Dos livros, o primeiro, “Verde Vale”, já está em sua 11ª. Edição, “No tempo das tangerinas”, na 10a., “Vem, vamos remar”, “Blumenau, a loira cidade no sul” e “Crônicas de Natal e Histórias da minha Avó”, todos na 4ª. prensagem. E já que estamos na internet, um outro número que impressiona é traduzido pelo site de consultas do “Google”. Ao digitar o nome da escritora aparecem nada menos que 3.470 referências. E tem mais, muito mais.

Fonte:
Stammtisch Confraria e Patotas

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Concursos da UBT São Paulo - Versão 2010


CONCURSO NACIONAL /INTERNACIONAL

Tema: FEITIÇO

Âmbito Nacional: VENCEDORES

Feiticeiro sem magia
ou bruxo sem qualidade,
eu não aprendo a alquimia
da poção “Felicidade”!

ARLINDO TADEU HAGEN
Belo Horizonte – MG

Para ter o compromisso
do amor de certa mulher,
eu, que não creio em feitiço
faço o feitiço que houver!
ARLINDO TADEU HAGEN
Belo Horizonte – MG

Facilmente me dominas,
bastando apenas piscar...
- É o feitiço das meninas
que brincam no teu olhar!
A. A. DE ASSIS
Maringá – PR

Nem mesmo o sol nos desperta
do feitiço sem pudor,
que nos envolve e acoberta
nas madrugadas de amor!
ÉLEN DE NOVAIS FÉLIX
Niterói – RJ

Por teu feitiço ou magia,
mesmo sabendo quem és,
troquei a minha alforria
e fui escravo a teus pés...
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru – SP

Noel, em tarde tranquila,
compondo um samba sutil,
fez o Feitiço da Vila
enfeitiçar o Brasil!...
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO
Rio de Janeiro – RJ

Do teu feitiço um cativo,
por livre-arbítrio me fiz;
mas juro por Deus que vivo
num cativeiro feliz!
JOSÉ TAVARES DE LIMA
Juiz de Fora – MG

Aos erros, não fique omisso,
nem tente aos outros culpar:
- a pedra não faz feitiço
para a gente tropeçar!
NEIDE ROCHA PORTUGAL
Bandeirantes – PR

Desprezei-te, fui omisso,
quis um “caso” passageiro...
Mas o Amor fez o feitiço
virar contra o feiticeiro!
RENATO ALVES
Rio de Janeiro – RJ

Quando o amor se distancia
e o sonho fica apagado,
não há feitiço ou magia
que salve o encanto quebrado...
THEREZA COSTA VAL
Belo Horizonte – MG

Tens tal feitiço no olhar
que, em nosso adeus, por encanto,
foram gotas de luar
que escorreram do teu pranto!
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte – MG

Tema: FEITIÇO

Âmbito Internacional: VENCEDORES

Feitiço do feiticeiro
cura todas as “mésinhas”,
se não for um trapaceiro,
cura as tuas, mais as minhas...
ANTÓNIO DOS SANTOS BOAVIDA PINHEIRO
Lisboa – Portugal

Todo o pobre sabe bem
como dobrar vencimentos;
feitiço é viver com cem
e precisar de duzentos.
ANTÓNIO JOSÉ BARRADAS BARROSO
Parede – Portugal

O teu olhar feiticeiro,
quando se cruzou com o meu,
fez um feitiço certeiro
que o meu coração prendeu.
EMILIA PEÑALBA DE ALMEIDA ESTEVES
Porto - Portugal
CONCURSO ASSINANTES DO “INFORMATIVO”

Tema: DESEJO

Âmbito Nacional: VENCEDORES

Um contraste eu sempre vejo
neste teu beijo febril
pois ao matar um desejo
eu ressuscito outros mil!
ARLINDO TADEU HAGEN
Belo Horizonte – MG

Você voltou e hoje eu vejo
que o meu abraço de então
foi muito mais de desejo
do que, de fato, perdão!
ARLINDO TADEU HAGEN
Belo Horizonte – MG

São meus desejos sedentos
fantoches do coração
se movendo ao movimentos
das linhas da tua mão!
ARLINDO TADEU HAGEN
Belo Horizonte – MG

O amor é perene chama,
desejo, só a posse almeja...
Quem deseja, às vezes ama,
porém, quem ama... deseja!
ÉLBEA PRISCILA DE SOUSA E SILVA
Caçapava – SP

Quando me dizes, sem pejos,
sensual em demasia,
que és um rio de desejos...
Ser teu mar... Como eu queria!
JOSÉ TAVARES DE LIMA
Juiz de Fora – MG

“Tenta esquecê-la”... Alguém fala.
O meu desejo, porém,
de algum dia conquistá-la,
não ouve a voz de ninguém!...
JOSÉ TAVARES DE LIMA
Juiz de Fora – MG

Alta noite e tu não vinhas...
Em desejos, só, no leito,
estrelas eram tachinhas
martirizando o meu peito.
MOACYR FIGUEIREDO
Florianópolis – SC

De que vale eu ficar mudo,
os desejos sufocar,
se os meus olhos dizem tudo
quando encontram teu olhar.
MOACYR FIGUEIREDO
Florianópolis – SC

Na madrugada, em teus braços,
o nosso amor se faz pleno.
E o desejo, com seus laços,
torna este mundo pequeno.
RELVA DO EGYPTO REZENDE SILVEIRA
Belo Horizonte – MG

Se o desejo me arrebata,
preceitos são esquecidos:
vivo paixão insensata
na linguagem dos sentidos.
RELVA DO EGYPTO REZENDE SILVEIRA
Belo Horizonte – MG

Quando o desejo desponta
e a razão tenta se opor,
eu brinco de faz de conta
e levo em frente esse amor!
RITA MARCIANO MOURÃO
Ribeirão Preto - SP

Não malogre o seu desejo...
Nem pense que é uma vergonha,
pois é nas asas de um beijo
que chega à lua... quem sonha!
ROBERTO RESENDE VILELA
Pouso Alegre – MG

O fascínio antigo existe
nesse amor que não tem prazo
e o desejo em nós persiste,
sem limite e sem ocaso...
THEREZA COSTA VAL
Belo Horizonte – MG

Na espera há doces demoras,
quando eu desejo te ver.
O relógio, ao som das horas,
solfeja, em vez de bater...
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba – PR

Que bom seria um enlace
entre a mente e o coração:
o que a gente desejasse
também quisesse a razão!
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte – MG

Tema: DESEJO

Âmbito Internacional: HOMENAGEM

Um desejo bem guardado
trago dentro do meu peito:
o de ser só bem amado
pelo bem que eu tiver feito.
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ílhavo – Portugal
CONCURSO ASSOCIADOS DA SEÇÃO SÃO PAULO - SP

Tema: ORVALHO

Âmbito: VETERANOS

De manhã, se a vista espalho
para olhar coisas mimosas,
vejo pérolas de orvalho
sobre as pétalas das rosas...
ANALICE FEITOZA DE LIMA

Ela do trem me acenando,
secava os olhos morenos,
enquanto os meus orvalhando,
já não viam seus acenos!
CAMPOS SALES

Uma gotinha de orvalho...
E o poeta percebeu
que era lágrima do galho
chorando a flor que morreu!
CAMPOS SALES

Pai, abençoa meu filho
que pelas drogas foi morto;
o orvalho não perde o brilho
nas folhas de um galho torto!
CAMPOS SALES

Manhã de inverno, gelada,
e, em ação, se põe o orvalho,
criando falsa florada
na ponta seca de um galho...
DARLY O. BARROS

Oh! minha mãe, quando eu falho,
tua lágrima rolada,
é qual pérola de orvalho
sobre a rosa machucada!...
DOMITILLA BORGES BELTRAME

Cai o orvalho, de mansinho,
nesta aridez do sertão...
e o povo aceita o carinho
que ameniza a insolação!
GIVA DA ROCHA

Seria a vida mais doce
e as dores bem mais amenas,
se toda lágrima fosse
um pingo de orvalho apenas...
JAIME PINA DA SILVEIRA

Gota de sonho e magia,
sopro de um anjo... tão leve...
orvalho, suave poesia,
que a noite, inspirada, escreve.
MARIA HELENA CALAZANS MACHADO DUARTE

Hora do adeus... sutilmente,
eu disfarço o meu desgosto,
quando o orvalho, gentilmente,
lava a lágrima do rosto!...
MARILUCIA REZENDE

A madrugada encontrou
um pobre e triste espantalho
e, comovida, o enfeitou
com ricos cristais de orvalho.
MARINA BRUNA

Se, a foto, o orvalho umedece
- depois que o amor teve fim –
à minha ilusão parece
que ainda choras... por mim!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

À noite, se estou contigo
e o sereno a rede orvalha,
em teus braços eu me abrigo
e o teu amor... me agasalha!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Faze o bem, mesmo a quem falha
ao cruzar os teus caminhos...
Repara que Deus orvalha
as rosas e os seus espinhos.
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
Tema: ORVALHO

Âmbito: NOVOS TROVADORES

Sentado naquela praça,
enquanto o sono não vem,
sinto que o orvalho me abraça
e me faz lembrar de alguém.
EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO

Não sei se é lenda ou verdade
que Cristo se entristeceu,
chorou pela humanidade
e assim o orvalho nasceu.
EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO

A gotícula de orvalho
congelada, fragilmente,
enfeita o velho carvalho
qual diáfano pingente...
J. B. XAVIER

Vendo o orvalho na campina,
enfeitando a madrugada,
pude ver a mão divina
sobre a noite enluarada...
J. B. XAVIER

Vai-se embora todo o orvalho
com o sol esfuziante,
deixando o velho carvalho
sem um único diamante...
MARIA DE LOURDES PAIVA REIS

Orvalho, brilho de prata
sob a densa luz da lua,
que em solene passeata
faz espelho em minha rua...
MARIA DE LOURDES PAIVA REIS

Condoído, o sol, tão doce
secou a folha da flor,
pensando que o orvalho fosse
uma lágrima de amor...
MARIA DE LOURDES PAIVA REIS

Grande Noel, ao compor,
atento no seu trabalho,
pingava gotas de amor
até nas gotas do orvalho.
WALDIR GERSON GRANZOTTI

Quando há seca em nossa roça,
pedimos em oração,
que, ao menos, o orvalho possa
vir molhar o nosso chão.
YEDDA MAIA RAMOS PATRÍCIO

A quem cultiva um jardim
a natureza lhe ensina:
se a estiagem não tem fim,
orvalho é bênção divina.
YEDDA MAIA RAMOS PATRÍCIO

Os teus olhos, orvalhados
pela emoção do momento,
são dois sóis iluminados
pela luz do sentimento!
YEDDA MAIA RAMOS PATRÍCIO
CONCURSO HUMORÍSTICO ASSOCIADOS DA SEÇÃO SÃO PAULO - SP

Tema: APITO

Âmbito: VETERANOS E NOVOS TROVADORES


Sempre que o noturno apita,
rangendo nos velhos trilhos,
desperta o marido e a Dita,
que vão aumentando os filhos...
CAMPOS SALES

Casal novo, bom de cria,
trinta meses, três nenéns!
É que havia a ferrovia
e ouvia o apito dos trens...
DIVENEI BOSELI

Num elevador lotado,
um som cavo, muito agito
e um guarda ruborizado:
“foi descontrole... do apito”.
EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO

“Apitando” mais que flauta,
- e com sonora potência -,
O Zé nem olha na pauta,
Vai de cor... na “flautulência”!
HÉRON PATRÍCIO

- Mas, “seu” guarda, por favor,
ao apito obedeci.
Culpado é o muro, senhor,
que não deu ré... e eu bati!!!
MARIA HELENA CALAZANS MACHADO DUARTE

Engoliu o seu apito
durante um jogo agitado...
Agora, o juiz aflito,
apita do lado errado!!!...
MARILUCIA REZENDE

- Apite se alguém chegar!
Pediu o amante vaidoso...
Mal podia imaginar,
que o vigilante era o esposo!!!...
MARILUCIA REZENDE

Escuta o apito e pergunta:
- Eu entrei na contramão?
Não, não, diz o guarda... e ajunta:
- Vai entrar é no talão!
MARISA RODRIGUES FONTALVA

Diz que é soprano... e padece
com muito cristal quebrado,
pois sua voz mais parece
apito desafinado...
RENATA PACCOLA

Aqueles a quem indago,
- e a resposta não me vem –
Será que apito de gago
a-pi-pi-ta assim tam-bém?
SELMA PATTI SPINELLI

O torcedor se consome!...
E a cada apito infeliz,
se é feito o gol, grita o nome
que é dado... à mãe do juiz!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Fonte:
http://www.ubtsp.com.br/page5.aspx

98º Concursos de Quadras do Clube da Simpatia (Olhão - Portugal )


Tema: JARDIM

PREMIADOS

1º Prêmio

No jardim da minha vida,
meus filhos são minhas flores.
Vivo a ternura nascida
entre mim e os meus amores!
GISLAINE CANALES - BRASIL

2º Prêmio
Basta olhar com muito amor,
para se ver tudo assim:
em cada rosto uma flor
e o mundo um grande jardim:
ARGEMIRA FERNANDES MARCONDES - BRASIL

3º Prêmio
Enquanto um menino existe,
um passarinho, um jardim,
o mundo, apesar de triste,
distante estará do fim.
ANTÓNIO AUGUSTO DE ASSIS - BRASIL

MENÇÕES HONROSAS

Esta vida é um jardim
onde ninguém é capaz,
depois de chegar ao fim
poder voltar para trás…
MARIA ALIETE CAVACO PENHA - PORTUGAL

No Mundo da Fantasia,
eu construi um jardim:
com versos...rimas...poesia,
que sorriam para mim!
DELCY CANALLES - BRASIL

Viver é estar num jardim
a colher o que plantarmos:
espinho ou flor de jasmim,
se bem ou mal semearmos.
ÂNGELA TOGEIRO - BRASIL

Pus sementes de sorriso
No meu jardim de bonança:
Construi um paraíso
Colhi risos de criança…
FERNANDO MÁXIMO - PORTUGAL

Fonte:
Colaboração de A. A. de Assis

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Artur Azevedo (Entre a Missa e o Almoço)



Entreato cômico

Representado no Teatro Recreio Dramático, em 25 de outubro de 1907.

Rio de Janeiro. Atualidade.

Sala em casa da viscondessa. Boa mobília, quadros, objetos de arte, etc. Porta ao fundo dando para o jardim. Duas portas à direita, janela à esquerda.

CENA I

PEDRO, depois ARNALDO
(Ao levantar o pano, Pedro, o copeiro da casa, espana os móveis; alguns momentos depois, ouve-se uma campainha elétrica. Ele vai à porta do fundo e olha para fora).

PEDRO - Oh! O sr. dr. Arnaldo! Entre, sr. doutor! (Arnaldo entra). Como tem passado vossa senhoria? Vossa senhoria não se lembra de mim? Sou o Pedro... o Pedro, que foi copeiro de vossa senhoria!ARNALDO - Ah!

PEDRO - Tenha a bondade de sentar-se.

ARNALDO - Obrigado. Estou bem.

PEDRO - A sra. d. Alice está boa?

ARNALDO - Creio que sim.

PEDRO - Não fique querendo mal à sra. d. Alice, não senhor; mas a sra. d. Alice foi muito injusta para comigo.

ARNALDO, quase interessado, a seu pesar: - Por quê?

PEDRO - Pois vossa senhoria não se lembra que ela me despediu sem razão?

ARNALDO - Não sei disso.

PEDRO - Eu fazia muito bem a minha obrigação; não havia motivo de queixa; entretanto, o pretexto foi que o meu serviço era mau. (Sorrindo). Depois vim a saber de tudo...

ARNALDO, desta vez interessado: - Tudo quê?

PEDRO - Quem me disse foi seu Ferreira.

ARNALDO - Quem é seu Ferreira?

PEDRO - O homem da venda. A cozinheira contou que eu era "onze letras" de vossa senhoria, que trazia recadinhos em segredo a vossa senhoria... Ora seja tudo por amor de Deus!...

ARNALDO - Bom! Isso não tem importância.

PEDRO - Como não tem importância? Tem importância, sim senhor! Eu sou um pobre criado de servir, um homem de cor, mas nunca foi Mercúrio de ninguém!

ARNALDO - Isso lá vai...

PEDRO - Nunca tive patroa mais ciumenta que aquela! Vossa senhoria vivia muito apoquentado!

ARNALDO, a quem desagrada a conversa, naturalmente por ser com quem é, - O visconde está em casa?

PEDRO - Está sim senhor... está ali (Apontando para a direita baixa), no seu gabinete, ocupado com a sua advocacia!... Oh! O sr. visconde trabalha muito! Às 6 da manhã já está de pé... Senta-se à mesa de trabalho e desunha até às 11, mesmo aos domingos, como hoje!

ARNALDO - Está sozinho?

PEDRO - Sozinho. A sra. viscondessa foi ouvir missa ali na matriz. É verdade que a missa está a acabar, e a sra. viscondessa não tarda ai com as amigas.

ARNALDO - As amigas?

PEDRO - Sim, senhor. Todos os domingos, depois da missa, ela traz consigo, da igreja, quatro ou cinco senhoras da vizinhança, que vêm tomar café e conversar, aqui na sala, sobre todos os assuntos da semana... é assim uma espécie de folhetim... (Animado por um quase sorriso de Arnaldo) Cortam na pele das outras... e principalmente das outras, que é um gostinho. Se vossa senhoria assistisse, escondido, a uma dessas conversas entre a missa e o almoço, divertia-se a valer! são terríveis! Sabem de tudo quanto se passa na casa alheia! A sra. viscondessa é a que menos fala, mas parece que dá o cavaquinho por ouvir falar. É uma boa senhora, vossa senhoria não acha?

ARNALDO - Acho que você não perderia nada se também falasse menos. Ande, leve o meu cartão ao visconde, e pergunte-lhe se me pode receber.

PEDRO (que recebe o cartão, sai pela direita e volta logo depois.) O sr. visconde pede a vossa senhoria que entre. (Arnaldo, que examinava os quadros, sai pela direita baixa. Ouvem-se os sinos da igreja próxima.) Chi! Acabou a missa e a sala não está completamente espanada! (Espana às pressas.) A sra. viscondessa, vendo um poucochinho de pé, faz um tempo quente! Bom! Pronto! Agora é tratar do café!

(Olhando para fora ao passar pela porta do fundo). Era tempo: aí vem o folhetim'... (Sai pela direita alta).

CENA II

A VISCONDESSA ISALTINA, DUDU, LUÍSA, LAURA E ELISIÁRIA

(Bem trajadas todas, mas em cabelo. Traz cada uma o seu livro de missa. A viscondessa vai para os cinqüenta. Dudu tem apenas dezessete anos. É mal-educada. Luísa, sua mãe, é quarentona. As outras são senhoras de vinte e cinco a trinta anos.)

A VISCONDESSA, entrando - Vão entrando sentem-se. Eu vou lá dentro ver o café.

(Entram outras. Dudu vai para a janela).

ELISIÁRIA - Viscondessa, não se esqueça de recomendar que tragam a minha xícara com muito pouco açúcar! (A viscondessa sai pela direita alta).

LUÍSA - Tomara que o de hoje esteja melhor e o do domingo passado. Café, ou muito bom ou nenhum! (De repente, vendo Dudu à janela) Sai da janela, Dudu!

DUDU - Ora, mamãe!

LUÍSA - Não ouves! (Dudu sai da janela).

ELISIÁRIA - Há quatro, não: há cinco!

LAURA - Vocês também! Creio que há três!

ELISIÁRIA - Há cinco! Tem ouvido muita missa com aquela toilette!

LUÍSA - Pudera! O marido está pronto!

DUDU - Pronto para quê?

LUÍSA - "Pronto" quer dizer sem dinheiro.

DUDU - Nesse caso, também papai está pronto...

LUÍSA - Cala a boca, menina!

CENA III

AS MESMAS, A VISCONDESSA, PEDRO

(A viscondessa entra da direita alta, acompanhada por Pedro, que traz o café numa bandeja
de prata.)

A VISCONDESSA, às senhoras que estão de pé - Então, sentem-se!

(Estão sentadas todas. Pedro oferece-lhes café. Todas se servem).

ELISIÁRIA - Qual é a que tem pouco açúcar?

PEDRO - Esta. (Enquanto as senhoras tomam café, Pedro espera ao fundo, com a bandeja na mão. Luísa ao provar a sua xícara, faz uma careta).

VISCONDESSA - Está bom?

LUÍSA - Esplêndido!

LAURA - Magnífico!

ISALTINA - Delicioso!

DUDU, com ironia - Supimpa!

LUÍSA - Dudu!

(Pedro recolhe as xícaras vazias)

ISALTINA, pondo a sua xícara na bandeja - Estou tão habituada a este cafezinho depois da missa, que não poderia mais passar sem ele!(Pedro sai pela direita alta, levando a bandeja. Silêncio).

DUDU solenemente - Está aberta a sessão! (Todos riem).

LUÍSA - Dudu!

VISCONDESSA - Esta menina tem lembranças! Pois bem, está aberta a sessão. Quem pede a palavra!

ISALTINA - Eu!

VISCONDESSA - Tem a palavra.

ISALTINA - Quero dar-lhes uma grande novidade.

TODAS - Qual?

ISALTINA - Uma novidade de sensação! Preparem-se!

VISCONDESSA - Estamos preparadas.

ISALTINA - A Alice Viegas separou-se anteontem do marido!

TODAS - Hein!

VISCONDESSA - Que está dizendo, Isaltina? Isso pode lá ser!

LUÍSA - Não é possível!

ISALTINA - É o que lhes digo: separaram-se! A Alice está em casa dos pais, no Andaraí. Vão tratar do divórcio!

VISCONDESSA - Quem lhe deu essa noticia?

ISALTINA - Pessoa fidedigna: o médico da casa que assistiu, sem querer, ao final da cena de rompimento, e depois foi ao Andaraí para ver a Alice, que estava excessivamente nervosa.

VISCONDESSA - O Dr. Getúlio?

ISALTINA - Esse mesmo. Como sabem, é meu compadre. Foi, como todos os sábados jantar comigo ontem e contou-me tudo.

DUDU - Ora! Briga de marido e mulher não dura. Qualquer dia têm saudades. um do outro e fazem as pazes!

LUÍSA - Cala a boca menina!

VISCONDESSA - É difícil de acreditar! O Arnaldo Viegas vivia com a mulher como dois pombinhos...

LAURA - Não quer dizer nada.

ISALTINA - As aparências iludem. Eles ultimamente não se podiam ver...

ELISIÁRIA - Pode ser tudo verdade. A minha engomadeira, que serviu em casa deles não há multo tempo, disse-me que andavam sempre como o cão e o gato.

VISCONDESSA, em tom repreensivo - E você calada, Elisiária?

ELISIÁRIA - Esqueci-me de lhes dizer.

ISALTINA - Em todo o caso, não creio que a razão esteja com o marido...

DUDU, arrebatadamente - Por quê?

LUÍSA - Cala a boca, Dudu! Não te metas onde não és chamada!

LAURA - Conheço perfeitamente Alice; fomos companheiras de colégio; é uma senhora acima de qualquer suspeita.ELISIÁRIA - Quem sabe lá? Tem se visto tanta coisa extraordinária!...

VISCONDESSA - Sim, tem-se visto muita coisa... mas não há dúvida que até hoje ninguém lembrou de dizer mal de Alice.

ISALTINA, apoiando - Ninguém. Não gosto dela nem ela de mim, mas devo ser justa! Ninguém, nem mesmo nós!...

LAURA - Por que é que você não gosta dela? Alice é tão boazinha!...

ISALTINA - Não duvido; mas de tempos a esta parte começou a tratar-me por cima do ombro, fingindo que não me vê quando me encontra em qualquer parte, minha amiga, mas não me quis dizer por que.

DUDU - Então seria melhor que não a prevenisse!

LUÍSA - Cala a boca, Dudu!

DUDU - Eu, quando me tratam mal, quero por quê!

LUÍSA - Então?

DUDU - Ora, mamãe! Estou dizendo alguma asneira?

LUÍSA - Estas conversas não são para senhoritas.

DUDU - Então por que a senhora me trouxe?

(Vai de mau modo para a janela).

ISALTINA - Sou tão superior a essas pequenices, que a defendo, mesmo sem conhecer os motivos da separação!

VISCONDESSA - Conheço de perto o Dr. Arnaldo, que é contraparente do visconde. É um moço distintíssimo, correto, bem-educado, e nada consta que o desabone.

ELISIÁRIA - A Alice tem um grande defeito.

TODAS, com interesse - Qual?

ELISIÁRIA - É muito ciumenta. A esse respeito a minha engomadeira contou-me coisas muito interessantes.

LUÍSA, vendo Dudu à janela - Dudu, sai da janela! Oh, que menina teimosa!...

VISCONDESSA - Deixa-a. Que tem?

LUÍSA - O filho do Oliveira estava na igreja e não tirava os olhos dela. Naturalmente anda a rondar. - Dudu!

DUDU, saindo da janela - Ora, mamãe!... Não sei o que faça!... Se fico aqui, não devo ouvir a conversa, que é gênero livre; se vou para a janela, não devo estar na janela! Que coisa! (Senta-se amuada a folhear um álbum de retratos).

LUÍSA - Coisa ruim!...

LAURA - Também eu creio que sejam os ciúmes o motivo da separação. O Dr. Viegas vivia num cortado!

ISALTINA - Minha cara, não há desconfiança de esposa que não tenha razão de ser. Isso de ciúmes infundados é uma história inventada pelos senhores homens. A Alice era ciumenta porque provavelmente o marido lhe dava razão para isso.

VISCONDESSA - Deus me livre de defender homens, mas hão de convir; há casos em que a injustiça de certas senhoras...

ISALTINA - As vitimas somos sempre nós!

ELISIÁRIA - Sempre? Isso é muito absoluto!

ISALTINA - Será, mas é assim mesmo. Nesse ponto sou intransigente. Defendo contra os homens até as minhas próprias inimigas!...

VISCONDESSA - É levar muito longe o feminismo ou o espírito do sexo.

ISALTINA - Não há maridos irrepreensíveis... e compreende-se: eles saem, vão a toda são parte, são livres, e não há ninguém que não abuse da liberdade... Isso está na massa do sangue humano... E nós ficamos em casa, metidas entre paredes...

DUDU - Entre quatro paredes? Pois sim! Há senhoras casadas que apanhando os maridos na rua...

LUÍSA - Cala a boca, Dudu.

ISALTINA - Se o Dr. Arnaldo Viegas aparecesse aqui neste momento, eu interpelá-lo-ia e vocês veriam se tenho ou não tenho razão!

(Abre-se a porta da direita baixa e aparece Arnaldo Viegas. Espanto geral. Todas as senhoras se levantam.)

CENA IV

AS MESMAS, ARNALDO VIEGAS

ARNALDO, tomando a cena depois de uma larga pausa - O Dr. Arnaldo Viegas aqui está, minha senhora, e pronto para responder à interpelação... Ouvi sem querer... Estava naquele gabinete em conferência com o visconde, e ao sair...

VISCONDESSA - Não sabíamos. A sua presença foi para nós uma surpresa, e o seu aparecimento produziu um efeito verdadeiramente teatral (rindo-se). Mas não faça caso do que disse a Isaltina.

ISALTINA - Ah! Eu não recuo, viscondessa! Os homens não metem medo!...

ARNALDO - O mesmo não digo eu das mulheres, mas faz v. exa. muito bem e, uma vez que deseja interpelar-me, interpele-me à vontade!

DUDU - Quero ver como d. Isaltina descalça essa bota!

LUÍSA - Dudu!

ARNALDO - O assunto da interpelação não pode ser outro senão o lamentável incidente, quese acaba de dar na minha casa, e do qual foi testemunha, em parte, o Dr. Getúlio, compadre de v. exa. - mas vossas excelências estavam sentadas... levantaram-se quando eu entrei... queiram sentar-se. Também eu me sento. (Sentam-se todos). Pois, é verdade, minhas senhoras, separei-me de minha mulher. Era dela que falavam? Destruiu todo o meu laborioso sonho de futuro... "Destruiu" é um modo de dizer: destruído estava ele há muito tempo. Agora mesmo solicitei do visconde que se encarregasse do meu processo de divórcio... Divórcio? Quando poderia eu pensar que o meu amor tivesse um epílogo judiciário! (Silêncio). Enganei- me? Não era esse o objeto da interpelação?

ISALTINA - Era, sim, senhor. Eu defendi sua senhora. O doutor bem sabe que ela, não sei por que, deixou de simpatizar comigo; portanto, não sou suspeita... Qual dos dois é o culpado? Ela? Duvido!

ARNALDO - Somos culpados ambos, ela e eu. Ela, porque era injusta, porque fazia da nossa casa um inferno e não me deixava trabalhar, e porque, casado há quase três anos, não tratei de corrigir desde os primeiros dias, os seus defeitos de educação. Alice entendeu que eu deveria ser, não o seu esposo, não o seu companheiro, amante, leal e dedicado, mas o escravo dos seus caprichos, das suas fantasias, das suas ilusões. Fiz todos os esforços para viver só para ela e para o trabalho, mas não consegui. Se continuássemos ligados um ao outro, em pouco tempo estaríamos velhos e gastos. Não nos compreendíamos, e já não nos amávamos. Não tínhamos filhos, éramos ricos, o melhor que podíamos fazer era procurar cada qual outro rumo. Foi o que fizemos.

ISALTINA - Mas Alice é uma senhora honesta.

ARNALDO - Quem diz o contrário? Posso dar o melhor testemunho da sua honestidade, empregando a palavra honestidade na acepção em que v. exa. a empregou, isto é, tenho certeza de que Alice, depois de casada, nunca pensou noutro homem que não fosse eu.

LUÍSA - Dudu, vai para a janela.

DUDU - Que coisa! (Vai para a janela).

ARNALDO - Ela é honesta, e também eu o sou, conquanto, ela e v. exas. não creiam.
(Murmúrios de protestos). Mas a honestidade não basta para fazer a ventura de um casal; é preciso também o amor. Desde que este desapareceu para dar lugar à mentira e à hipocrisia, só as conveniências sociais me obrigariam a aceitar uma situação intolerável e eu - com perdão de v. exas. - declaro que não sacrifico a minha vida à sociedade, nem o meu quinhão de felicidade a essa moral despótica que é a desgraça dos fracos. Não sou fatalista, não creio na boa ou má sorte dos indivíduos, e acho que toda a criatura humana, quando mais não seja senão pelo instinto de conservação, tem o direito de remover quantos obstáculos as circunstâncias oponham à sua felicidade. O destino é um preconceito.

VISCONDESSA - Mas não me parece que o seu caso seja caso para divórcio.

ARNALDO - O divórcio não foi instituído exclusivamente para os desonestos. Serve também para os infelizes... para os que se ligaram por um equivoco. Apenas lamento que o não tenhamos ainda absoluto e completo e Alice e eu não possamos recobrar senão parte da nossa liberdade.

LAURA, tristemente - Alice era muito ciumenta.

ARNALDO - Ainda bem que v. exa. o sabe. Foram os seus ciúmes que envenenaram a nossa existência conjugal e deram cabo do nosso amor. Não eram zelos, que os zelos são um condimento melindroso de toda a afeição sincera; eram ciúmes, ciúmes terríveis, extravagantes, absurdos, odiosos, - ciúmes que me ofendiam profundamente e muitas vezes me colocavam numa situação desairosa e ridícula, - ciúmes de todas as senhoras com que eu falava - ciúmes das mulheres desconhecidas que se sentavam a meu lado no bonde ou no teatro: - ciúmes das amigas, das parentes, das criadas e até das cozinheiras....

ISALTINA - Não é crível que tantos ciúmes fossem à toa, não é crível que o doutor não lhe tivesse dado, ao menos, uma vez, razão para...

DUDU, deixando a janela - Isso agora é impertinência!

LUÍSA - Dudu!...

ARNALDO, depois de uma pausa, tomando uma resolução e aproximando a sua cadeira da de Isaltina - Ouça bem, minha senhora, e responda. Invertamos os papéis, agora quem interpela sou eu. Uma noite tive a honra de encontrá-la no Casino, durante uma partida, do Clube dos Diários, e troquei algumas palavras com v. exa. lembra-se?

ISALTINA - Perfeitamente. Foi o ano passado.

ARNALDO - Pois bem, as minhas palavras foram inconvenientes?... Eram palavras que v. exa. não pudesse ou não devesse ouvir?

ISALTINA - Oh, doutor!... essa pergunta!...

ARNALDO - Peço a v. exa. que me responda: algum dia faltei ao respeito devido a v. exa.?

ISALTINA - Nunca...! Nem eu o permitiria!

ARNALDO - Algum dia estive a sós com v. exa?

ISALTINA - Comigo?! Nunca!

ARNALDO - Algum dia v. exa. recebeu carta minha ou recado meu? Algum dia lobrigou nos meus olhares ou nos meus gestos a manifestação de um desejo impuro?

ISALTINA - Nunca!

ARNALDO - Pois bem, na opinião da minha mulher, v. exa. foi minha amante! (Levanta-se).

TODAS - Oh! (Levantam-se todas, menos Isaltina).

ARNALDO - Ela muitas vezes lançou à cara os meus amores com v. exa. e fartou-se de dizer a muita gente, inclusive ao Dr. Getúlio, compadre de v. exa. Pergunte-lho!

ISALTINA - Estou petrificada!

VISCONDESSA - O caso não é para menos.

ARNALDO - Creio que me justifiquei perfeitamente. Peço a v. exas. permissão para me retirar.. Viscondessa... minhas senhoras... (Cumprimenta).TODAS - Doutor... (Arnaldo sai).

CENA V

AS MESMAS, menos ARNALDO

ISALTINA, levantando-se e prorrompendo em pranto - Por esta não esperava eu!

DUDU - Pois eu esperava!

LUÍSA - Dudu!

VISCONDESSA - Não chore... Não há razão para tanto!...

ISALTINA - Estou muito nervosa.

VISCONDESSA - Isso passa, não é nada. Minhas amigas, o Dr. Arnaldo Viegas respondeu tão bem à interpelação que podemos, creio, votar uma moção de confiança.

TODAS, menos Isaltina - Apoiado!

DUDU - Está levantada a sessão!

Fonte:
CD Digerati CC003.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Trova 161 - Apollo Taborda França (Curitiba/PR)

Fonte:
Trova sobre imagem obtida em http://riscando7.blogspot.com/2010/01/lazer.html

Apollo Taborda França (Baú de Trovas)


Meu coração é valente,
Não chora o mal que me fez...
E diz que bem de repente,
Termina a sua altivez!

Quando a gente ama não sente,
O mal que fazem prá nós
Escondemos d' alma silente,
Num secreto albornoz!

Coração que ama não chora
Males que afligem a gente;
Exalta e nunca deplora
A mágoa dura, pungente!

Melhor fora não amar,
Não ficaria à mercê...
Não seria mais vulgar,
De pensar tanto em você!

O teu sorriso menina
É feiticeiro demais...
Tão forte qual vitamina,
Muito alvoroça meus ais!

Das rosas do meu jardim,
Maria sempre a mais bela...
Perfuma mais que o jasmim,
Que floresce em torno dela!

Borboletas, aves, flores,
que bem nutrem os florais...
Dão contornos às silhuetas
Dos esbeltos pinheirais!

Aves grandes e pequenas,
De refulgentes roupagens...
Cores que vão às centenas,
Celebrizando as plumagens!

Página triste da vida,
Não se guarda na lembrança...
Sim, aquela bem querida,
Que nos trouxe a esperança!

Cada página da vida,
Faz lembrar um grande amor...
É você, minha querida,
A que guardo com fervor!
--------------

Fonte:
FRANÇA, Apollo Taborda. Trovas Maravilhosas. Curitiba: O Formigueiro, 1986.

Bernardo Sá Barreto Pimentel Trancoso (Diálogos: A Ilha)


- Quem és - pergunta o Sol - no azul brilhante
Que o céu, mesmo distante, cede ao mar?
Por que persistes tanto em ser gigante,
Se és menos que o meu brilho, a refratar?

- Sou ilha. Esse meu verde exuberante
Faz aves, por aqui, virem pousar.
Meu lar, acolhedor, traz navegante
Que a areia, um só instante, quer beijar.

- Se atreves a afirmar que não és só?
Tuas matas e terras, não são vãs?
No mar, lembra-te ilhota, és vil, és pó.

- Não feito tu, estrela das manhãs,
De quem a solidão provoca dó:
Tu vens, e vão dormir tuas irmãs.

Fonte:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/trancoso.htm

Lima Barreto (Clara dos Anjos)


Análise da obra

Concluído em 1922, ano da morte de Lima Barreto, o romance Clara dos Anjos é uma denúncia áspera do preconceito racial e social, vivenciado por uma jovem mulher do subúrbio carioca.

O Realismo-naturalismo, que tanto influenciou Lima Barreto na composição de Clara dos Anjos, é cientificista e determinista, considerando que as ações humanas são produtos de leis naturais: do meio, das características hereditárias e do momento histórico. Portanto, os romances naturalistas procuravam, através da representação literária, demonstrar teses extraídas de teorias científicas. Para isso, o Naturalismo buscou compor um registro implacável da realidade, incluindo seus aspectos repugnantes e grotescos. São exatamente esses os aspectos que mais chamam à atenção na narrativa exagerada de Clara dos Anjos.

Em Clara dos Anjos relata-se a estória de uma pobre mulata, filha de um carteiro de subúrbio, que apesar das cautelas excessivas da família, é iludida, seduzida e, como tantas outras, desprezada, enfim, por um rapaz de condição social menos humilde do que a sua. É uma estória onde se tenta pintar em cores ásperas o drama de tantas outras raparigas da mesma cor e do mesmo ambiente. O romancista procurou fazer de sua personagem uma figura apagada, de natureza "amorfa e pastosa", como se nela quisesse resumir a fatalidade que persegue tantas criaturas de sua casta.

Espaço

O romance passa-se no subúrbio carioca e Lima Barreto descreve o ambiente suburbano com riqueza de detalhes, como os vários tipos de “casas, casinhas, casebres, barracões, choças” e a vida das pessoas que ali vivem.

Ao descrever o subúrbio, Lima Barreto aborda o advento dos “bíblias”, os protestantes que alugam uma antiga chácara e passam a conquistar novos fiéis para seu culto:

Joaquim dos Anjos ainda conhecera a "chácara" habitada pelos proprietários respectivos; mas, ultimamente, eles se tinham retirado para fora e alugado aos "bíblias"… O povo não os via com hostilidade, mesmo alguns humildes homens e pobres raparigas dos arredores freqüentavam-nos, já por encontrar nisso um sinal de superioridade intelectual sobre os seus iguais, já por procurarem, em outra casa religiosa que não a tradicional, lenitivo para suas pobres almas alanceadas, além das dores que seguem toda e qualquer existência humana.” E reflete sobre a nova seita:

“Era Shays Quick ou Quick Shays daquela raça curiosa de yankees fundadores de novas seitas cristãs. De quando em quando, um cidadão protestante dessa raça que deseja a felicidade de nós outros, na terra e no céu, à luz de uma sua interpretação de um ou mais versículos da Bíblia, funda uma novíssima seita, põe-se a propagá-la e logo encontra dedicados adeptos, os quais não sabem muito bem por que foram para tal novíssima religiãozinha e qual a diferença que há entre esta e a de que vieram.”

A crítica às “novas seitas cristãs” revela também a ojeriza de Lima Barreto à influência americana no Brasil. Como o colocou Antônio Arnoni Prado, o autor de Clara dos Anjos “interessou-se pelos Estados Unidos, em virtude do tratamento desumano que este país dispensava aos seus cidadãos de cor. (…) Censurou duramente a discriminação racial americana, assim como o expansionismo imperialista dos ‘yankees’, que, através da diplomacia do dólar, ia, a seu ver, convertendo o Brasil num autêntico protetorado.” Nada mais profético.

Personagens

Marrameque - Poeta modesto, semiparalisado, Marramaque freqüentara uma pequena roda de boêmios e literatos e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal de Luís Murat.

Lima Barreto denuncia, na figura de Marramaque, a influência das rodas literárias, grupos fechados que abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos que aprendem “muita coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas”, tendo um cultura superficial, de verniz; e o azedume dos que não conseguem brilhar nas “rodas de gente fina”.

Clara: a “natureza elementar” - Clara era a segunda filha do casal, “o único filho sobrevivente…os demais…haviam morrido.” Tinha dezessete anos, era ingênua e fora criada “com muito desvelo, recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía com Dona Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e ensinava a Clara bordados e costuras.”

O autor reitera sempre a personalidade frágil da moça – sua “alma amolecida, capaz de render-se às lábias de um qualquer perverso, mais ou menos ousado, farsante e ignorante, que tivesse a animá-lo o conceito que os bordelengos fazem das raparigas de sua cor” – como resultado de sua educação reclusa e “temperada” pelas modinhas:

Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mãe não tinha caráter, no bom sentido, para o fazer; limitava-se a vigiá-la caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal Cassi e outros exploradores da morbidez do violão. O mundo se lhe representava como povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a suspirar amor.”

Essa “natureza elementar” de Clara se traduzia na ausência de ambição em melhorar seu modo de vida ou condição social por meio do trabalho ou do estudo:

Nem a relativa independência que o ensino da música e piano lhe poderia fornecer, animava-a a aperfeiçoar os seus estudos. O seu ideal na vida não era adquirir uma personalidade, não era ser ela, mesmo ao lado do pai ou do futuro marido. Era constituir função do pai, enquanto solteira, e do marido, quando casada. (…) Não que ela fosse vadia, ao contrário; mas tinha um tolo escrúpulo de ganhar dinheiro por suas próprias mãos. Parecia feio a uma moça ou a uma mulher.”

A descrição de Clara reforça os malefícios da formação machista, superprotetora, repressiva e limitadora reservada às mulheres na nossa sociedade. Ecoa, portanto, a descrição de Luísa, do romance O Primo Basílio, de Eça de Queirós, ou a Ana Rosa de O Mulato, de Aluísio de Azevedo. Todas são, na verdade, herdeiras diretas da figura de formação débil, educada nas leituras dos romances românticos, que é Emma Bovary, criada por Gustave Flaubert no romance inaugural do Realismo, Madame Bovary (1857).

Cassi: o corruptor - Por intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o pretendente de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição social melhor. Assim o descreve Lima Barreto:

Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado "modinhoso", além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das margens da Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao seu mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio — a famosa "pastinha". Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão.”

O padrinho Marramaque, que já lhe conhecia a fama, tenta afastá-lo de Clara quando percebe seu interesse. Na festa de aniversário da afilhada, provoca Cassi e deixa claro que ele não é bem-vindo ali e que seria melhor que se retirasse. Cassi vinga-se de modo violento: junta-se a um capanga e ambos assassinam Marramaque. Clara, que já suspeitava das ameaças do rapaz ao padrinho, passa a temê-lo, mas ele consegue seduzi-la, principalmente ao confessar seu crime, dizendo que matou por amor a ela.
Malandro e perigoso, Cassi já havia se envolvido em problemas com a justiça antes, mas sempre fora acobertado pela sua família, especialmente sua mãe, que não queria que fosse preso. Assim, conseguia subornar a polícia e continuar impune, mesmo depois de ter levado a mãe de uma de suas vítimas ao suicídio e da perseguição da imprensa.

O exagero narrativo de Lima Barreto torna-se patente ao descrever a figura do sedutor. Branco, sardento e de cabelos claros, é a antítese de Clara. Como o apontou Lúcia Miguel Pereira: “Até os animais da predileção de Cassi, os galos de briga, são apresentados com visível má vontade: ‘horripilantes galináceos’ de ‘ferocidade repugnante’.”

Joaquim dos Anjos - carteiro, acredita-se músico escreveu a polca, valsas,tangos e acompanhamentos de modina. polca: siti sem unhas; valsa: mágos do coração.

Uma polca sua - "Siri sem unhas" - e uma valsa - "Mágoas do Coração: - tiveram algum sucesso, a ponto de vender ele a propriedade de cada uma, por cinqüenta mil-réis, a uma casa de músicas pianos da Rua do Ouvidor. O seu saber musical era fraco; adivinha mais do que empregava noções teóricas que tivesse estudo.

Aprendeu a "artinha" musical da terra do seu nascimento, nos arredores de Diamantina, em cujas festas de igrejas a sua flauta brilhara, e era tido por muitos como o primeiro flautista do lugar. Embora gozando desta fama animadora, nunca quis ampliar os seus conhecimentos musicais. Ficara na "artinha" de Francisco Manuel, que sabia de cor, mas não saíra dela, para ir além (p.21/22)

Natural de Diamantina, filho único. A convite de um inglês, pesquisador, foi para o Rio de Janeiro e lá ficou. Confiava em todos que o rodeavam.

"Um dos traços mais simpáticos do caráter de Joaquim dos Anjos era a confiança que depositava nos outros, e a boa fé. Ele não tinha, como diz o povo, malícia no coração. Não era inteligente, mas também não era peco; não era sagaz, mas também não era tolo; entretanto, não podia desconfiar de ninguém, porque isso lhe fazia mal à consiência." (p.115)

Dona Engrácia - era católica, romana, filhos trazidos na mesma religião, era caseira, insegura, e rude.

Calado - músico e compositor brasileiro (polcas "Cruzes, minha prima!")

Patápio Silva - "Uma polca sua - "Siri sem unha"- e uma valsa - "Mágoas do coração" - tiveram algum sucesso, a ponto de vender ele a propriedade de cada uma, por cinqüenta mil-réis, a uma casa de música e piano da Rua Ouvidor." (p.21).

João Pintor - era um cidadão que visitava "os bíblias" aqueles que pregavam o evangelho. "era preto retinto, grossos lábios, malares proeminentes, testa curta dentes muito bons e muitos claros, longos braços, manoplas enormes, longas pernas e uns tais pés que não havia calçado."(p.25).

Mr. Shays - chefe da seita bíblica, homem tenaz cheio de eloqüência bíblica faz seus adeptos ouvir a palavra. Quando os adeptos se acham preparados põem-se a propagá-la.

Eduardo Lafões - religiosamente ia aos domingos à casa de Joaquim para jogar o solo. Eduardo Lafões gostava dos assuntos do comércio. Era um homem simplório, que só tinha agudeza de sentidos para o dinheiro. Vivendo sempre em círculos limitados, habituado a ver o valor dos homens nas roupas e no parentesco, ele não podia conceber que torvo indivíduo era o tal Cassi; que alma suja e má era dele, para se interessar generosamente por alguém.

Manuel Borges de Azevedo e Salustiana Baeta de Azevedo - pais de Cassi. O pai não gostava dos procedimentos do filho, enquanto a mãe, cobria-lhe as desfeitas com as proteções.

Dona Margarida Weber Pestana - viúva, mãe de Ezequiel, descendente de Alemão; ela, russa. Casou no Brasil com tipógrafo que falecera dois anos após o casamento. Era dona de uma pensão, mulher corajosa.

"O Senhor Ataliba do Timbó deu em certa ocasião em persegui-la com ditinho de Amor chulo. Certo dia, ela não teve dúvidas: meteu-lhe o guarda-chuva com vigor. À noite, no intuito de defender as suas galinhas da sanha dos ladrões, de quando em quando, abria um postigo, que abrira na janela da cozinha, e fazia fogo de revólver. Era respeitada pela sua coragem, pela sua bondade que era mulato, mais tinha os olhos glaucos, translúcidos, de sua mãe meio eslava, meio alemã, olhos tão estranhos - olhos tão estranhos e nós e, sobretudo, ao sangue dominante no pequeno." (p.60)

D. Laurentina Jácone - gostava de rezar, ficar zelando a igreja.

D. Vicêntina - cartomante.

"Além desta, havia uma digna de nota: era Dona Vicência. Morava na vizinhança também e vivia a deitar cartas e cortar "cousas feitas". O seu procedimento era inatacável e exercia a sua profissão de cartomante com toda a seriedade e convicção."(p.60)

Praxedes Maria dos Santos - gostava de ser tratado por doutor Praxedes. Foi um dos convidados de Joaquim. Era um homem bom. Ficou indeterminada das correspondência de Clara com o Cassi.

Etelvina - crioula, colega de Clara, notou a impaciência de Clara porque o rapaz Cassi ainda não chegara à festa.

Leonardo Flores - grande poeta.

Velho Valentim - era português.

Barcelos - um português fichado na detenção.

Arnaldo - era um colega do grupo dos valdevino (desoculpados que andava com Cassi).

"Cassi explicou-lhe então que devia ir, naquela tarde, à venda do Nascimento, cuja rua e cujo número lhe deu. Chegando lá, simularia ter ido procurar por "Seu" Menezes, que ele conhecia.

- Se ele não estiver? - indagou Arnaldo.

- Você diz que fica à espera e ouve o que se conversa lá. Nela, devem estar, entre outros o aleijadinho que anda sempre fardado. Ele não conhece você, como os outros, conforme espero. O que você ouvir, guarda e me conta. Se Meneses aparecer, você diz que quero falar com ele, negócio de interesse dele
." (p.91).

Menezes - o dentista da família. Intermediário dos bilhetes e cartas de Cassi para Clara. Senhor Monção - caixeiro vendedor; Belmiro Bernedes & Cia. - "tocava realejo", era um moço português, simpático, educado, e bom porte.

Helena - tia de Marramaque, econômica, prendada, costurava para o arsenal do governo.

D. Castolina - mulher de Meneses.

Leopoldo - marinheiro. Cedo, saiu de seio da família para melhorar de vida. Há 30 anos não via família. Meneses com a sua pobreza tratou de visitar o imrão já que eram os únicos vivos da família.

Enredo

Clara é uma mulata pobre, que vive no subúrbio carioca com seus pais, Joaquim e Engrácia, mulher “sedentária e caseira.” Joaquim era carteiro, “gostava de violão e de modinhas. Ele mesmo tocava flauta, instrumento que já foi muito estimado em outras épocas, não o sendo atualmente como outrora”. Também “compunha valsas, tangos e acompanhamentos de modinhas.” Além da música, a outra diversão do pai de Clara era passar as tardes de domingo jogando solo com seus dois amigos: o compadre Marramaque e o português Eduardo Lafões, um guarda de obras públicas.

Clara engravida e Cassi Jones desaparece. Convencida pela vizinha, dona Margarida, que procurara na tentativa de conseguir um empréstimo e fazer um aborto, ela confessa o que está acontecendo à sua mãe. É levada a procurar a família de Cassi e pedir “reparação do dano”. A mãe do rapaz humilha Clara, mostrando-se profundamente ofendida porque uma negra quer se casar com seu filho. Clara “agora é que tinha a noção exata da sua situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela não era uma moça como as outras; era muito menos no conceito de todos.”

O autor representa, na figura de Clara e no seu drama, a condição social da mulher, pobre e negra, geração após geração. No final do romance, consciente e lúcida, Clara reflete sobre a sua situação:

O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida, para se defender de Cassi e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam...”

E, na cena final, ao relatar o que se passara na casa da família de Cassi Jones para a sua mãe, conclui, em desespero, como se falasse em nome dela, da mãe e de todas as mulheres em iguais condições: “— Nós não somos nada nesta vida.”

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