sábado, 26 de novembro de 2011

Trova Ecológica 52 - Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 407)


Uma Trova Nacional

Ao se banhar num riacho,
distraída, minha prima
lembrou da peça de baixo
quando tirava a de cima....
–RODOLPHO ABUDD/RJ–

Uma Trova Potiguar

Tem tanto calor a “Nega”,
o seu fogo é tão danado
que o seu marido onde chega,
só cheira a chifre queimado!...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

1987 - Resende/RJ
Tema: CARONA - M/H

De um motel vendo a "gatona"
sair sozinha, na rua,
parou para dar carona
e a mulher boa... Era a sua!
EDMAR JAPIASSU MAIA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Em humor não me destaco,
mas, por pura peraltice;
mesmo não sendo macaco,
vou fazendo macaquice.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A justiça tem cegueira
mas tem olfato apurado;
quando o dinheiro ela cheira
nem o diabo é condenado!
–NEY DAMASCENO/PR–

Estrofe do Dia

Admiro 100 formigas
um besouro carregando;
40 puxam na frente,
40 atrás empurrando;
e as 20 que vão em cima
pensam que estão ajudando.
–MANOEL XUDÚ/PB–

Soneto do Dia

No Shopping
–HAROLDO LYRA/CE–

Pequenas saias na vitrine expostas,
quanto menor tanto maior seu preço.
Blusas que valem pouco mais de um terço,
plissê na frente e nada traz às costas.

Sorvete, uma colônia, um adereço;
vendedoras alegres, bem dispostas;
a gula, a tentação à prova postas.
E em cada loja, à dama, o fino apreço.

Na bolsa da mulher, uns desalinhos:
espelho, celular, alguns tubinhos
do anúncio pague dois e leve três.

Portando seus pacotes entrançados,
traz, a mulher, encantos realçados
pelas compras que faz durante o mês.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Preservação de Livros (Parte 3)


2.3 DESMONTE DOS LIVROS

É importante a conferência de páginas. Quando necessário numerá-las a lápis, no canto inferior direito. Na falta de algumas páginas, providenciar as fotocópias para serem incluídas na recuperação e montagem do livro. Antes de começar o processo, deve-se saber como ele é formado. Muitas vezes os livros encadernados são constituídos por cadernos separados, variando o número de folhas dos cadernos e em alguns casos são formados por páginas coladas juntas uma a uma, por isso deve-se prestar muita atenção no desmonte para compreender a formação do livro.

Material necessário:

– Faca multi-uso sem corte, Estilete ou Bisturí

Procedimento: · · · · · ·

Separar completamente a capa do miolo do livro com cuidado;
Retirar cuidadosamente com a ajuda da faca ou bisturi a cola que restou no lombo;
Pegar o primeiro caderno abrindo ao meio e cortar todos os fios da costura;
Com a mão direita, manter bem firme o livro e com a esquerda destacar o caderno;
Repetir esta operação com todos os cadernos do livro
Retirar com o auxílio da faca (sem corte) ou bisturi a cola seca da lombada de cada caderno e os fiapos da linha da costura

Procedimento para desmonte de livros por páginas coladas:

Separar a capa do miolo;
Retirar com o auxílio da faca ou bisturi o excesso da cola seca da lombada;
Desmontar o livro separando folha por folha e limpando as crostas existentes individualmente;
Se o livro estiver grampeado, abrir os grampos antes de retira-los e proceder a separação de folha por folha.

2.4 CONSERTO DAS FOLHAS

O conserto pode ser de folhas soltas, rasgadas ou somente um reforço central.

Material necessário:

– 50% de cola branca Cascorex e 50% de Metil (CMC);
– Pincel;
– Peso ou prensa;
– 1 par de tábuas (tipo eucatex)
– Tiras de papel de seda

Procedimento:

Folhas soltas
· Passar a cola na tira de papel de seda;
· Recolocar a folha no lugar;
· Aderir à fita parte da folha solta e parte da folha presa;

Folha rasgada e cortada · · · · ·

Colocar a folha rasgada sobre um vidro ou folha de celulóide;
Cortar uma folha de papel de seda respectivo ao rasgo;
Passar Metil Celulose sobre a tira, sobrepondo-a sobre o rasgo cuidando para coincidir letras e desenhos quando houver.
Pressionar suavemente
Deixar secar e recortar o excesso de papel.

––––––
Continua... Costura; Colocação da Lombada

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

Paraná em Trovas Collection - 12- José Feldman (Maringá/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 11


UM VIOLÃO QUE CHORA

Ao Nestor Victor

I

Ao Miranda Rosa Junior

Olhos por seu gosto
Não os ponha em flor
Que lhe causam dor:
Sofre de os não pôr,
E de os haver posto...

Alma que anda cega,
Se por sossegar,
Veio a se empregar,
Nesse aventurar,
Muito mal se emprega...

Ter os seus cuidados
Todos em mulher,
Tenha-os quem puder,
Que é melhor não ter,
Que os ter enganados.

Amores são rosas,
Próprias da Ilusão,
Rosas em botão,
Que é quando elas são
Frescas e cheirosas.

Flor de maravilha,
Pérola de Ofir,
Pérola a sorrir...
... Ai de quem dormir
Sob a mancenilha!

Damas, meus senhores,
São todas iguais...
Já porque as olhais,
Nem vos olham mais,
Nem vos têm amores...
Julho – 1900

II

Dessa tão ferrenha mágoa
De querer vos esperar,
Meus olhos se encheram d’água
Salgada como a do mar.

Vós prometestes, senhora,
Voltar, um dia, porém,
Esperei, e até agora
Inda não veio ninguém...

Quando vireis? Não sei. Quando
(O destino tem suas leis)
Vierdes, aqui chegando,
Talvez que não me encontreis...

Mas se me não encontrardes,
O que é natural enfim,
Interrogai estas tardes,
Que hão de vos falar de mim.

Sobretudo este arvoredo,
Que há de vos dizer: “Eu vi,
Ele passeava, em segredo,
Todas as tardes aqui.

Passeava tristonho e mudo,
A pensar em não sei quê,
Tão distraído, que tudo
Via como quem não vê...

Andava, não sei, tão cheio
De torturas ideais...
Um dia o pobre não veio,
E afinal não veio mais...”

III

Ao Rodrigo Junior

Tantas vezes hei sofrido,
Que desta vez conheci
Que tudo ficou perdido
Nas mãos em que me feri.
E é justo que então vos diga
Que a mão que me faz sofrer,
Bem que me devia ser
Amiga, e não inimiga.

Vós me causastes tais penas,
Tão acerbas e tão cruas,
Não só uma vez nem duas,
Porém, senhora, dezenas,
Que eu jamais pude atinar
Com esse vosso querer,
Sempre causando pesar,
Em vez de causar prazer.

Feristes-me de maneira
Que me nasceu a ferida,
Por onde me corre a vida
Bem como uma cachoeira...
Entretanto, é singular
Isto que pois vou dizer:
Quase que sinto prazer
De me fazerdes penar.

Alegar o bem não há de
O coração, mas foi tal
A vossa malignidade
Que o alegar não faz mal:
Fui por vós, senhora minha,
O que não fui por ninguém;
É que à conta vos não tinha
De pagar com o mal o bem.

Eu como um cego supunha
Que fôsseis só formosura,
E não afiada unha,
Que dilacera e tortura:
Não pensei que dentro desse
Puro perfil ideal
Pudesse haver e houvesse
Tanto fel e tanto mal.

O poeta é a eterna criança,
Correndo atrás da ilusão,
Que lhe foge, e ele não cansa
De tanto correr em vão,
Nessa corrida enganosa
De quem não sabe o caminho...
Ora, crer-se que uma rosa
Deixasse de ter espinho!

Pois tal embriaguez sentia,
Prazeres tão absolutos
Quando eu vos acaso via,
Em horas que eram minutos,
Que bem só entendo agora,
Agora enfim é que eu sei
Que vós não éreis, senhora,
A flor que eu imaginei.

Também daqui por diante,
Isso a mim próprio jurei,
Por mais que o prazer me encante,
Vista jamais erguerei,
Nem para uma outra estrela,
Nem para uma outra dama;
Pois para que é que hei de erguê-la,
Se tudo que vejo é lama?

IV

Para o meu coração

Tantos bens ambicionei,
Que por mal dos meus pecados
Nunca os vi realizados
E talvez nunca os verei.
Que, ó meu passarinho verde,
Tanto quisestes e eu fiz,
Que, como por lá se diz,
Quem muito quer, muito perde...

Pensais de mim que sou cego
E que sou doido perfeito.
Mas eu também não vos nego
Ter de vós igual conceito.
Assim os dois ficaremos
Pagos do bem e do mal
Que um a outro nos fazemos,
Mas sem querer afinal.

Vós por me contrariar,
Eu por não vos entender,
Quando me dais um prazer
Logo em seguida é um pesar.
E sempre mal avisado,
Julgais que tudo sou eu,
Culpa do que sucedeu,
Quando eu sei quem é culpado...

Tudo muda a pouco e pouco,
Rochedos e vendavais,
Mas vós, cada vez mais louco,
Meu coração, não mudais.
E assim, o mal como o bem,
Que inda venha a suceder,
Só de vós pode nascer,
De vós e de mais ninguém...

Eu peco por ser sincero,
E vós por não terdes leis,
Eu já não sei o que quero,
Nem sabeis o que quereis
E não há como se esqueça,
Por maior esforço vão,
Nem vós da minha cabeça,
Nem eu do meu coração.

Não podemos ser unidos:
Vossos soluços de mágoa
Soluçam nos meus ouvidos,
Os meus olhos enchem d’água.
Separemo-nos os dois:
Por esses caminhos vou,
Já que sabeis quem eu sou,
E eu sei muito bem quem sois.

V

Lá fora, e à desora,
A lua branca gira,
Um violão suspira,
Enquanto a flauta chora...

Em vão tu te debruças
Sobre a janela, em vão...
Flauta, por quem soluças?
Por que gemes, violão?

A tua vida é morta,
Ó pobre coração,
A ti que bem te importa
Que alguém soluce ou não!

Um dia, quando já
Não existires, quem,
Quem que se lembrará
De ti? Talvez ninguém.

No vasto mar, que anseia,
Nesse profundo mar,
De um pobre grão d’areia,
Quem pode se lembrar?

Que pois a lua gire,
Que o violão soluce,
E um outro se debruce
E pálido suspire...

Tu, os ouvidos fecha,
E a tua porta; a ti
Que importa a flor que ri,
Que importa aquela queixa?

VI

Fragmentos de alguns versos, que se fizeram para os Desenganos, de regresso à terra.

Quando outro dia eu andei
Por esses mares remotos,
P’ra me escapar, e escapei,
Que grandes e ardentes votos
Eu fiz, senhora Sant’Anna,
Que és a mãe, se não me engana,
Mãe dos pobres pescadores,
Dos que vivem a pescar
Os enganos e as dores,
Por essas ondas do mar...

Foi tal a alegria minha,
Salvo nessa embarcação,
Que ergui muitas vezes a alma,
De joelho, a teus pés, rainha,
Como se fosse uma palma,
Que eu erguesse aqui do chão,
Que eu erguesse aqui do lodo,
E tão ébrio de esperança,
Que eu me ria como doido,
Chorava como criança...

Mal, porém, toquei em terra,
Vieram tamanhos danos,
Tanta tristeza e revés,
Tanta fúria, tanta guerra,
Tais foram os Desenganos,
Tantos, tantos de uma vez,
Que eu que tanto te pedi,
Sob uma estrela tão má,
Antes não viesse aqui,
Antes eu ficasse lá!

Outubro – 1906

VII

Pobre meu coração, aqui, no meu ouvido,
Conta-me tudo, vá, porém baixinho, assim,
Ó pobre Aflito, que tens subido e descido
Tantas vezes a Dor, uma montanha, enfim!

Cansado. Bem o sei. E há pouco inda perdido
Por um caminho que era trágico e ruim,
A mão furada, o pé descalço, e perseguido;
E que pena de ti, e que pena de mim!

Eu sei de tudo, sei da última e da primeira,
E de outras mais, e sei do sangue que rolou,
Tão grande que inundou quase a cidade inteira...

Mas, Voluptuoso, vê, de resto que mais queres,
Se nem plumas e nem rosas ou malmequeres,
E nem mais uma flor, e tudo se acabou?...

VIII

Vamos, meu coração, adormece de todo,
E não acordes mais, que vão te fazer mal;
Nunca, que tudo enfim é esse lodaçal,
E não é nada mais nem menos do que lodo...

Assim dormindo, olhos cerrados, desse modo,
Tua inimiga má e boa e natural,
A tristeza, não vai te perseguir, ó doido,
Nem a tristeza e nem a alegria, afinal.

É o descanso, e um bem, e a paz, enfim, e tudo,
E esse sorriso como flor, e a embriaguez,
E o leito leve, e perfumado, e de veludo...

E nada, e nada bom, como o doce abandono,
Esse letargo em que vais cair, a surdez
Desse sono animal, desse profundo sono!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Hilário Tácito (Madame Pommery)


Madame Pommery é o único romance de Hilário Tácito, pseudônimo do engenheiro José Maria de Toledo Malta, nascido em 1885 e falecido em 1951. Homem culto, porém retraído, pouco produziu no campo da Literatura.

Conforme declara expressamente seu narrador, é apenas uma crônica, não um romance - truque quase que convencional para que se atinja a veracidade e se "convença" o leitor.

A obra é a crônica de uma prostituta bem sucedida que "faz a América", mas que na realidade serve apenas de pretexto para que o narrador trace, de forma bastante irônica e humorística, as características de uma cidade (São Paulo) no momento em que se moderniza, em que ingressa em um mundo mais civilizado, talvez cosmopolita. É a crítica bem-humorada de falsas moralidades, conservadorismos hipócritas e dos desregramentos de uma sociedade rica porém provinciana.

O romance procura narrar as aventuras da célebre cafetina Ida Pomerikowski (cognominada Madame Pommery) em São Paulo, revelando todo um processo de assimilação civilizatória que tinha como referência a cidade de Paris, na virada do século. Além disso, a obra possui uma peculiaridade nada desprezível: enquadra-se numa tendência particular da expressão literária do começo do século, justamente aquela que revelava preocupação com a problematização da realidade nacional, colocando-o ao lado dos mais eminentes representantes do que já se chamou um vez de “Brasil Real”.

Mas o fato mais saliente do livro fica por contada dívida que ele possui para com a prosa singularde Machado de Assis. Com efeito, são inúmeros os indícios que revelam em HilárioTácito um caudatário de Machado de Assis, sobretudo no que diz respeito ao estilo literário. Exemplo claro dessa relação pode ser entrevista na utilização de um recurso, pelo autor paulista, muito caro a Machado, a saber, aquela espécie tão singular de se referir ao leitor no decorrer da narração, cooptando-o e colocando-o como participante ativo do enredo ficcional. Não poucas vezes, Hilário Tácito emprega recurso semelhante, dando inclusive às passagens desse tipo o desprendimento e ironia semelhantes àqueles empregados pelo romancista celebrado.

Madame Pommery, ao lado de suas qualidades literárias, o tom parodístico, a linguagem falsamente elevada, "literária", como convém à paródia deste tipo, tem, ainda, um lado documental, como relato da vida noturna de SP/início do século, é a crônica da vida airada da cidade, com a crítica de valores e costumes da época.

Madame Pommery destaca-se no universo dos romances que, isolados, desempenharam papel de relevo nas primeiras décadas do século, como Mocidade Morta, de Gonzaga Duque, ou Exaltação, de Albertina Bertha. Além disso, é relevante o caráter documental que, vez por outra, o romance parece assumir quase que deliberadamente, dando-nos um painel entre malicioso e humorístico dos anos eufóricos que começavam a despontar no horizonte. Afirma-se, portanto, como uma obra de auxílio no trabalho de reconstituição da nossa Belle Époque; e, também, como um esboço singular do mundanismo que, desde o começo do século, tomava conta da sociedade urbana de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Os recursos técnicos, como acontece com a tradição deste tipo de romance, são bastante variados, como em um exercício de técnica literária. Destes, podem-se destacar o tipo de narrador escolhido (primeira pessoa-testemunha), os relatos narrativos, panorâmicos, rápidos, sem se deter no detalhe psicológico, sem maior esforço para pôr de pé suas personagens (na realidade, pretextos). Uma cena em estilo dramático (formada apenas por diálogos).

Além dos recursos acima, devem ser destacados aqueles em que se torna mais evidente sua filiação literária. Estão neste caso: interlocução, metalinguagem, ironia, alusões (literárias), citações em itálico, linhas pontilhadas, digressões reflexivas e estilo dramático.

A paródia, entre outras formas, aparece em frases latinas de aparência solene, para descrever o ambiente sórdido de um lupanar.

ASPECTOS IMPORTANTES

Como toda obra pré-modernista que se preze, a análise dos tipos sociais urbanos, a crítica ágil da hipócrita sociedade burguesa, numa denúncia da existência de dois Brasis, múltiplos em suas riquezas e composições é sempre o cerne de toda a narrativa.

O discurso ágil e os galicismos são típicos ao traçar a coloquialidade da fala na escrita.

ESPAÇO / TEMPO

Início do século XX. Inicia-se, apenas como relato narrativo, na Europa. Desenvolve-se, entretanto como principal espaço da narrativa, a cidade de São Paulo. Fechado: as principais cenas narrativas dão-se no recinto de Au Paradis Retrouvé.

O tempo é acelerado até o momento em que a Madame se instala em São Paulo. Daí em diante o ritmo torna-se mais lento, com cenas mais compactas.

FOCO NARRATIVO

Narrador-testemunha. Narrado em primeira pessoa sem sua participação na história.

PERSONAGENS

Madame Pommery - ou Ida Pommerikowsky, protagonista, cuja vida é posta em crônica. Artista de circo, prostituta, cafetina de luxo, mulher da alta sociedade paulistana.
Zoraida - preceptora-cigana, com quem Ida aprende os segredos da vida que finalmente levaria.
Pinto Gouveia - capitalista paulistano, amante temporário de Madame Pommery, quem lhe financia os projetos.
Muitas prostitutas (nacionais e estrangeiras), freqüentadores diversos do Au Paradis Retrouvé (Ao Paraíso Reencontrado), lupanar de Madame Pommery.

EFABULAÇÃO

Filha de um domador de feras, um judeu polonês, e de uma noviça espanhola, Ida Pomerikowsky, a futura Madame Pommery, nasceu em Córdoba ou Cracóvia. Pequena ainda, sua mãe (judia) a abandona para fugir com um toureiro espanhol. Aos quinze anos já dançava ao pandeiro e lidava com as feras de um circo. Educada no ambiente circense, não foi difícil para um velhote ricaço de Praga estuprá-la. O pai de Ida exige do estuprador nove mil coroas, que afinal de contas vão parar, por mil tramóias, nas mãos da própria Ida. Ela foge e vai correr o mundo, como prostituta.

Depois de suas experiências por vários países, quase que por acaso (contratou uma viagem com um capitão de navio) chega ao Brasil.

Instalada em São Paulo, não se conforma com o atraso da vida noturna da cidade e depois de algum tempo monta um prostíbulo de luxo, que passa a ser a referência de boêmios e homens da moda. O dinheiro que ganha com tal atividade (cafetinagem) é suficiente para pagar o empréstimo inicial (aliás, pagamento em forma de superfaturamento do consumo de quem tomara o empréstimo) e ainda lhe resta uma fortuna apreciável.

De posse do dinheiro, Madame Pommery, obrigada por razões jurídico-sociais a abandonar a profissão, resolve casar-se e escolhe, para isso, pessoa da mais alta sociedade de São Paulo, situação a que, por sua fortuna, também ascendera.

Nota: Nos anos 1920 houve um progressivo refinamento dos cafés-concerto, transformados em cabarés, onde se dançava com as cocottes, jogava-se pôquer e se consumiam drogas da moda. O chope gelado era trocado pelo champanhe francês. Na obra Madame Pommery esta nova realidade ganha forma na figura da prostituta que dá nome à obra e que administra um dos cabarés da cidade de São Paulo. O autor descreve a passagem de uma sociedade “arcaica”, que consumia produtos ultrapassados como a cerveja, para uma sociedade “civilizada” em que o champanhe era consumido corriqueiramente, entrando na vida cotidiana daqueles que queriam ser reconhecidos como parte da modernidade. Duas passagens do texto ilustram o argumento:

Vendia-se cerveja, arvorada em bebida de gente fina, a dois mil-réis a garrafa. E achavam caro! O champanha, considerado um luxo de nababos, venerava-se nos armários com cerimoniosa devoção; e apenas descia deles em datas inesquecíveis, com estrondos escandalosos, cujos ecos, dilatados pela fantasia dos sobreviventes, se repetiam por largo tempo nas imaginações e nas conversas (Tácito 1998:21).

O uso do champanha a trinta mil-réis a garrafa devia tornar-se compulsório. E a assistência profissional a ninguém seria prestada a menos de cem mil-réis. Os coronéis, em breves prazos, estariam ensinados e convictos que pagar mais barato é ignóbil, e não beber champanha uma torpeza. Então beberiam champanhadas e pagariam satisfeitos; pois esta casta de tipos não cede por nenhum preço a reputação de finos e dadivosos perante o mulherio (Tácito 1998:56).

RESUMO

O primeiro capítulo, assim com as muitas interferências do narrador, explica os motivos que o levaram a escrever a história de Madame Pommery. Afirma o narrador que se trata de uma história verdadeira e narrá-la significa uma tarefa nacionalista, já que muitos não se importam em contar as "altas e maravilhosas aventuras de Madame Pommery", quem, segundo o narrador, tem prestado serviços inestimáveis à "desbotucudização" da nossa sociedade.

Depois de afirmar que Madame Pommery existe verdadeiramente, apresenta-se o passado da protagonista. Ida Pommerikowsky, filha de um judeu domador de feras de um circo e de uma noviça de um convento espanhol, vem para o Brasil no início do século. Mas, ainda na Europa, sua vida sofreu grandes abalos.

Consuelo Sánchez, mãe de Ida, abandona o pai e a filha - que tinha então três anos -, fugindo com um toureador. A menina é criada com a ajuda de Zoraida, uma preceptora cigana, e aprende as artes do circo com o pai Ivã Pommerikowsky, de quem herda o gosto pelas finanças. Aos quinze anos, já bastante interessada nas coisas do sexo, Zoraida a inicia nas artes do amor, a pedido do próprio pai.

Os planos do pai parecem que se realizariam quando, estando em Praga, um ricaço se enamorou de Ida. Mas a menina, percebendo a intenção do pai em ficar com o dinheiro pago pela sua virgindade, foge com o cheque de 9000 coroas enquanto o ricaço roncava no leito. Zoraida a acompanha. A partir daí, Ida inaugura sua vida de prostituição, percorrendo toda a Europa. O seu "nome de guerra", Madame Pommery provavelmente vem da champanha Pommery, de que tanto gostava.

Aos trinta e quatro anos, em Marselha, já decaída, mas ainda desejável, torna-se artista de cabaré. Conhece então o marujo Mr. Defer, a quem seduz e com quem viaja para a América do Sul, fascinada com as possibilidades de rápida fortuna anunciadas por Defer. Chegou ao Brasil, no cargueiro "Bonne chance" e desembarcou em Santos. No hotel em que foi jantar com Defer, Madame Pommery encontra Zoraida, com ar de senhora respeitável, repleta de jóias, acompanhada do marido. Zoraida finge não reconhecer Pommery que, inconformada, pede ao garçon explicações sobre o casal da outra mesa. Fica sabendo que se trata de gente importante - Coronel Pacheco Isidro e Dona Zoraida -, donos de muitas fazendas e influentes na política. Madame Pommery fica extasiada; percebe as possibilidades da terra em que havia chegado e decide que o Coronel seria seu homem. Despede-se de Defer e ruma para São Paulo, no encalço de Zoraida e Pacheco Isidro. Pretendia chantagiar o casal, em troca do silêncio sobre o passado de Zoraida.

Na metrópole paulistana, Madame Pommery volta ao trabalho: no Hotel dos Estrangeiros, uma vez mais é uma prostituta e artista de cabaré. Encanta a todos, não tanto pela sua beleza física, já quase desaparecida, mas pela simpatia e comicidade. Foi alargando o círculo das amizades, dos admiradores e percebeu que todos conheciam o casal Zoraida e Pacheco Isidro e também o passado de prostituta da colega de outros tempos. Portanto, o plano de Madame Pommery de chantagiar estava anulado. Restava-lhe arrumar um sócio e fundar uma bordel, para ganhar tanto dinheiro que suplantasse a superioridade de Zoraida.

São Paulo àquela época, Madame Pommery logo percebe, é ainda provinciana, a despeito das modernizações por que passava. Especialmente a moral, os "bons costumes", o comportamento mantinham-se ainda tradicionais, conservadores e hipócritas. Coronel Pinto Gouveia, um dos enamorados de Madame Pommery, queixava-se da precariedade e insipidez da vida noturna da cidade, a repugnância do meretrício local. Pommery não desperdiçou a oportunidade e pediu um empréstimo ao Coronel, com o intuito de fundar uma casa em que bebida cara, o luxo e as tentações da carne levariam os freqüentadores a gastar o que tinham e o que não tinham. O Coronel, depois de uma noite de amor e embriaguez que o deixaram descadeirado, concede o dinheiro pedido: não os dez contos, mas apenas seis. Apesar de se sentir traída, era o início da glória de Madame Pommery, que ensinaria São Paulo a valorizar os prazeres da noite.

Com o empréstimo, Madame Pommery instalou no largo do Paissandu, próximo à rua São João o seu Paradis Retrouvé, prostíbulo que ficaria logo famoso. Madame Pommery acolhia Coronel Pinto Gouveia, mas incomodava-se com o fato de ter com ele uma dívida e queria, logo que fosse possível, safar-se do amante e sócio. Os gastos exagerados de Pinto Gouveia, manejados habilmente por Pommery, logo ultrapassaram a soma dos seis contos que o velho homem havia emprestado. Pinto Gouveia, para piorar a situação, descobre que Pommery tinha novo amante, Filipe Mangancha. Contrariado, vai-se embora do Paradis Retrouvé e manda pagar o que deve. Madame Pommery havia encerrado seus negócios com o Coronel e, agora dona exclusiva do bordel, tinha caminho livre pela frente.

Filipe Mangancha, o novo amante, mantinha no Teatro Cassino um espetáculo de variedades. O teatro era um lugar ideal para Madame Pommery e suas meninas exibirem-se em público.

Madame Pommery articulava todos os passos que dava. Como lembra o narrador, herdara da mãe a disciplina do convento, de modo que estipulou no Paradis Retrouvé normas de convívio que não admitia ver quebradas. Seu objetivo era atingir o lucro - e isso herdara do pai judeu - e garantir nobreza à profissão de cafetina. Elegância na vida devassa, coisa que aqueles paulistanos simplórios apesar de ricos não conheciam antes da chegada de Pommery à cidade. Agora, no Paradis Retrouvé tinham a chance de conhecer o melhor estilo de prostituição, mas deviam também pagar por isso: nada de preços baratinhos, nada de cerveja: champanhe da boa e taxas que pagassem a qualidade dos serviços lá prestados. Se bem que o serviço não era lá tão especial assim: suas meninas "vindas da Europa" eram, na verdade, bem brasileiras e de origem bem ordinária; a champanhe servida não era das melhores e o ambiente não era decorado no luxo que o nome poderia fazer supor. É a simpatia e o zelo de Madame Pommery e a alegria de alguns freqüentadores, entre eles Filipe Mangancha, que garantem a atmosfera exuberante do local.

Um dia Mangancha conversa com um colega, Narciso, em que o primeiro defendia e o segundo atacava a ingestão de bebidas alcoólicas. Interrompendo a conversa, Madame Pommery chega, dizendo estar passando mal. Levada para o quarto, na verdade foi encontrar-se com seu novo pretendente: Romeu das Camarinhas, moço romântico e galante. Madame Pommery já estava cansada de Filipe Mangancha e, além de tudo, a Companhia Paulista de Teatro e Passatempo já tinha decaído e não mais interessava para Pommery levar suas meninas para se exibirem no espetáculo de Mangancha. Tinha chegado, portanto, a hora de desfazer-se dele. Ela queria agora freqüentar o Bar do Municipal, para manter-se em contato com a aristocracia.

Filipe Mangancha fica irado quando sabe da traição de Pommery mas, como um cirurgião tinha de manter a boa reputação, nada fez a não ser pagar as contas atrasadas. Começava a fase mais estável e brilhante de Madame Pommery, ao lado de seu Romeu das Camarinhas.

O Paradis Retrouvé tornou-se o ponto de encontro da elite financeira. Lá se fechavam os negócios que moviam São Paulo. Passar pelo bordel de Madame Pommery era sinônimo de prestígio e de elegância. Em contrapartida, as meninas de Pommery e a própria cafetina passaram a freqüentar as sessões do cinematógrafo, novidade da fidalguia local. A cortesãs, antes confinadas, agora podiam participar da sociedade, mostrar suas caras ao público em geral, compartilhar de momentos com esposas e filhos daqueles homens que eram clientes do Paradis Retrouvé. O mundo respeitável das senhoras e senhoritas de família se punha em contato com o mundo da prostituição, que, desde a chegada de Madame Pommery já não era mais vergonhoso. As moças que iriam se casar passaram até a receber cursos no Paradis Retrouvé!

Um único acontecimento desestabiliza a tranqüilidade de Madame Pommery. Trata-se da visita de Justiniano Sacramento, funcionário público que pretende cobrar enormes somas de impostos do Paradis Retrouvé. Mas a sorte estava do lado da proprietária. O Coronel Fidêncio Pacheco Isidro, isso mesmo, o marido de Zoraida, tinha se tornado um freqüentador do prostíbulo e, por coincidência, era justamente naquela época o Ministro dos Impostos. Coronel Pacheco Isidro coloca-se a favor de Madame Pommery e, para que Justiniano não criasse mais caso, Chico Lambico, o redator do "Jornal de São Paulo", onde Justiniano também trabalhava, conta ao corretíssimo funcionário público que o próprio Ministro freqüentava o Paradis Retrouvé. Atônito, mas interessado, Justiniano empolga-se por conhecer o lugar. Maravilhou-se com a sociedade que lá encontrou, ainda que tenha ficado um pouco decepcionado com a falta de religiosidade que pôde observar nas meninas. O resultado foi melhor do que se esperava: Justiniano abaixa as taxas do Paradis Retrouvé, conforme pedido de Pacheco Isidro. Mais ainda: começa a sentir uma vontade irresistível de voltar ao bordel, onde gastou todas as suas economias. Madame Pommery fica comovida com a desgraça financeira de Justiniano e pede a Pacheco Isidro que aumente o salário do funcionário.

Só faltava uma coisa para coroar a existência de Madame Pommery. Não nos esqueçamos que tudo que fez, toda a fortuna que acumulou foi para se vingar do desprezo de Zoraida no encontro que tiveram no restaurante, quando Pommery chegara ao Brasil. Faltava uma única coisa: casar-se . Com isso, entraria de vez por todas no círculo aristocrático paulistano. Analisou vários possíveis candidatos e estrategicamente vendeu o Paradis Retrouvé, para retirar-se à vida privada. Era o primeiro passo para a regeneração. Casou-se? Não se sabe. Mas o narrador - e nós mesmos - ficamos morrendo de vontade de conhecer como acabou a vida de Madame Pommery.

Fonte:
Prof. Menalton Braff | Maurício Silva (Mestre) - Curso de Letras - Centro Universitário FMU e Centro Universitário Nove de Julho (SP) | Marcelo Gruman - pesquisador do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS) e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Disponível em Passeiweb

Hilário Tácito (1885 - 1951)

José Maria de Toledo Malta (Araraquara SP 1885 - São Paulo SP 1951). Romancista, ensaísta, tradutor, engenheiro.

Formado em engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - Poli/USP, começa a trabalhar como funcionário público estadual.

Considerado um importante especialista em concreto armado, escreve três obras sobe o tema.

Em 1919, publica seu único romance, Madame Pommery, assinado com o pseudônimo Hilário Tácito. A obra faz, em seu título, uma referência inevitável à Madame Bovary, do escritor francês Gustave Flaubert (1821 - 1880), como ela, uma crítica aos costumes de uma época.

Muito embora, segundo crônica de Lima Barreto (1881 - 1922), a sátira de Tácito não imite nenhum dos valores, estilos ou modelos estabelecidos pela tradição literária que o antecede, inserindo-se no panorama da literatura brasileira no conjunto de criações que precederam o modernismo, ao lado de trabalhos dos escritores Monteiro Lobato (1882 - 1948) e Godofredo Rangel (1884 - 1951), de quem Tácito era amigo.

O romance narra a transformação de São Paulo numa metrópole cosmopolita e o aburguesamento de sua sociedade através da vida da cafetina que dá nome ao livro. Além disso, escreve o prefácio do romance Vida Ociosa, de Rangel, o artigo Primeira e Última Morada de Monteiro Lobato e duas crônicas para o jornal O Estado de S. Paulo, interrompendo essa colaboração que deveria tornar-se uma série.

Fonte:
Enciclopédia Itaú Cultural

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 10)

A COBRA ESTÁ FUMANDO
Em 1943 foi constituída a FEB - Força Expedicionária Brasileira com o objetivo de lutar na Europa, ao lado dos países aliados, na Segunda Guerra Mundial. A insígnia da FEB ficou assim: sobre um fundo amarelo, o desenho de uma cobra verde fumando um cachimbo; no alto, em letras brancas sobre um fundo azul: "BRASIL".
Pronto, aí estavam as cores da bandeira nacional. Tudo isso aparecia dentro de um octaedro com bordas vermelhas - a cor representando a guerra. O desenho foi uma resposta a um repórter do Rio de Janeiro, que disse ser mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra. O réptil chegou até a ser representado pela Disney: uma cobra de capacete, soltando fumaça pelas ventas e disparando dois revólveres.
A expressão ficou, então, com o sentido de "vou botar pra quebrar", "a situação vai ficar preta".

COBRAS E LAGARTOS
Dizer cobras e lagartos de alguém é dizer coisas ofensivas a essa pessoa. Cobras aí é uma forma antiga de copias, que eram versos de escárnio para zombar de alguém. Dizer cobras era, então, satirizar, ridicularizar uma pessoa. Depois, a palavra cobras, que, com esse sentido, passou a ter a forma copias, passou a ser interpretada como o animal pelo uso popular, que acrescentou os lagartos para dar simetria à frase e também porque, desde a Bíblia, cobras e lagartos já andavam juntos. No livro dos Salmos do Antigo Testamento, aparece: "Sobre a áspide e o basilisco andarás e calcarás aos pés o leão e o dragão" (salmo XC). Áspide é uma serpente; basilisco, um lagarto. O leão e o dragão se separaram porque o segundo assinou contrato de exclusividade de imagem com São Jorge.

CONTO-DO-VIGÁRIO
Vigário veio do latim vicariu, formado de vicis, vez, mudança (daí vice). Tal como a palavra latina, vigário tem o sentido de substituto. Na terminologia eclesiástica, é o padre que substitui o pároco ou, popularmente, o próprio pároco.
Pode ser que a expressão conto-do-vigário tenha vindo daí, ou seja, é o golpe que alguém aplica fazendo-se passar por outro.
Conta-se também a história de um vigário que, em troca de dinheiro miúdo para despesas urgentes, teria confiado a uma pessoa honesta um embrulho, que, segundo ele, continha uma grande quantia em dinheiro, mas na verdade era tudo papel sem valor.
Existe ainda outra tese para a origem da expressão. Entre os nobres da corte portuguesa que vieram parar no Brasil, em 1808, havia um farsante que se anunciava herdeiro de um riquíssimo vigário de Portugal. Por conta da futura herança, o sujeitinho morava, comia e bebia à tripa forra, anunciando que tudo pagaria assim que o vigário português fosse ao encontro do Senhor. O vigarista sumiu, legando suas dívidas aos credores.
O leitor escolha aí a sua versão e eu o poupo de pelo menos outras três.

IR PRA CUCUIA
Na ilha do governador, cidade do Rio de Janeiro, fica o cemitério da Cacuia, junto à praia da Cacuia. Mas, se alguém diz que Fulano foi pra Cacuia, é mais fácil imaginar Fulano dentro de um barranco do que sob uma barraca. E que o cemitério deu nascimento à expressão ir pra cucuia ou ir pras cucuias, morrer, malograr-se.
Cucuia é uma variante popular de Cacuia. A palavra cacuia está dicionarizada como sinônima de cemitério.

DA SILVA
A expressão "da Silva" vem caindo em desuso. Significa "totalmente" e aparece depois de um adjetivo no diminutivo (doidinho da silva, branquinho da silva).
Não existe nenhuma explicação convincente para sua origem. Mas uma delas, sustentada por alguns etimólogos, é bem inventiva. Se o leitor achar que acreditar nela é mais difícil que tirar o primeiro lenço de papel da caixinha, pode esquecer.
A história da expressão teria começado com os pregões das vendedoras portuguesas de sardinhas, que assim alardeavam seu produto: "Ainda viva! Vivinha da costa!" - costa, aí, com o sentido de litoral. Como Costa e Silva, além de nomes muito comuns em Portugal, têm sentidos de certa forma opostos (litoral x selva), assim teria surgido, por contraste, a variante "vivinha da silva".

FAVAS CONTADAS
Favas contadas é uma expressão usada para designar algo fatal, inevitável. A fava é uma prima do feijão, cultivada desde os tempos pré- históricos e adorada pelos romanos.
Antigamente, as favas também eram usadas nas votações: favas brancas para o sim, favas pretas para o não. E cada votante atirava sua fava na urna. Feita a apuração com a contagem das favas, era eleito quem recebesse o maior número de favas brancas. Não adiantava mais ninguém reclamar porque já eram favas contadas. E aí era partir para o abraço e comemorar devorando os votos.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – II – O pedido


Logo que os peixinhos escoteiros chegaram ao sítio de dona Benta, foram tratando de erguer a concha e enroscá-la entre duas pedras na beirinha do ribeirão — bem perto do pé de ingá. E por ali ficaram, descansando e espiando.

Não demorou muito, apareceu Pedrinho de vara na mão; vinha pescar justamente ali. Chegou, pôs uma pobre senhora minhoca no anzol e já ia lançá-la ao rio, quando...

— Concha por aqui! — exclamou muito admirado. — Isto tem dente de coelho!...

Pegou a concha. Examinou-a. Sacudiu-a ao ouvido. Percebeu barulhinho de carta dentro. Abriu-a: era carta mesmo!

— Hum! Carta para Lúcia. Há de ser namoro — e voltou para casa a correr.

— Narizinho! — foi gritando logo da porta da rua. — Uma carta para você!...

A menina estava ajudando tia Nastácia a enrolar rosquinhas de polvilho. Assim que ouviu aqueles berros, largou da massa, limpou as mãos no avental da preta e disse:

— De quem será, meu Deus do céu? Rasgou o envelope e leu:

Senhora!
A felicidade do reino das Águas Claras está nas vossas mãos. Nosso príncipe perdeu-se de amores e só pode ser salvo se a menina o aceitar como esposo. Ou casa-se ou morre — diz o médico da corte.
Quererá a menina salvar este reino da desgraça, compartilhando o trono com o nosso muito amado príncipe?
(Assinado) Peixinhos do mar

— Sim, senhor! — disse Narizinho depois de lida a carta. – Estes tais peixinhos sabem escrever na perfeição. Acho que nem vovó, que é uma danada, seria capaz de escrever uma cartinha tão cheia de gramáticas...

Depois, voltando-se para Pedrinho, ordenou muito naturalmente:

— Responda que sim, que aceito. Diga que estou ajudando tia Nastácia a enrolar estas rosquinhas e logo que acabe irei casar com ele.

Dona Benta, que ia passando, ouviu o final da frase.

— Casar com quem, menina? Que história de casamento é essa?...

— Sim, vovó! Fui pedida em casamento e aceitei. Vou casar-me com o príncipe Escamado.

Tia Nastácia arregalou os olhos para dona Benta, que por sua vez tinha os olhos arregalados para a menina.

Narizinho riu-se de tanto olho arregalado e continuou :

— De que é que se espantam? Se toda a gente se casa, por que não posso casar-me também?

— Sim, minha filha — respondeu dona Benta com pachorra.

— Todos se casam, não há dúvida. Eu me casei, sua mãe se casou. Mas todos se casam com gente da mesma igualha. É muito diverso disso de casar com um peixe...

— Dobre a língua, vovó! Escamado é príncipe. Se se tratasse aí dum peixe vulgar de lagoa, vá que vovó falasse. Mas o meu noivo é um grande príncipe das águas!...

— Mas não é criatura da nossa espécie, menina.

— E que tem isso? A Emília, que é uma boneca, não se casou tão bem com Rabicó, que é leitão? Acho as suas idéias muito atrasadas, vovó...

Dona Benta volveu os olhos para tia Nastácia.

— Já não entendo estes meus netos. Fazem tais coisas que o sítio está virando livro de contos da Carochinha. Nunca sei quando falam de verdade ou de mentira. Este casamento com peixe, por exemplo, está me parecendo brincadeira, mas não me admirarei se um belo dia surgir por aqui um marido-peixe, nem que esta menina me venha dizer que sou bisavó duma sereiazinha...

A negra benzeu-se com ambas as mãos.

— Credo! Até parece bruxaria... Mas se chegar a esse tempo, sinhá, mecê que trate de arranjar outra cozinheira. Assim catacega como sou, tenho medo de escamar e fritar um bisneto de mecê pensando que é alguma traíra...

Enquanto as velhas discutiam o estranho caso, Pedrinho fez a carta de resposta. Depois dobrou-a, bem dobradinha. Depois fechou-a, bem fechadinha, dentro do mesmo envelope-concha. Depois colocou o envelope-concha no lugar onde o havia encontrado.

Imediatamente os peixinhos escoteiros se aproximaram. Cheiraram a concha, viram que havia resposta dentro e com fortes narigadas a derrubaram n’água, voltando a rolar com ela pelo fundo do rio.

Quando o príncipe leu a resposta de Narizinho, quase morreu de alegria. Apesar de ser a carta mais curta do mundo, pois se compunha apenas duma palavra — “SIM!” — o príncipe perdeu a compostura, e pôs-se a dar pinotes em cima do trono que até parecia um peixe pescado e largado no seco.

Os ministros e demais fidalgos da corte trocaram olhares de aflição. Teria enlouquecido o amado príncipe?

Escamado, afinal, caiu em si, e ficou vermelhinho como um camarão.

— Perdoem-me estas expansões, amigos! — disse ele. – São alegrias loucas dum náufrago que vê afinal o porto da salvação. Este “sim” comoveu-me até o fundo da alma. Não é um simples sim, reparem. É um sim seguido de um ponto de admiração! Quer dizer que Narizinho não se limita a aceitar a minha proposta, mas a aceita com entusiasmo! Céus! Como me sinto feliz!...

Dando em seguida ordem para prepararem o reino para a maior festa que ainda houve nos Sete Mares, dirigiu-se à sua mesinha, molhou uma pena de beija-flor na pérola furada que lhe servia de tinteiro e principiou a escrever cartas de amor. Escreveu até acabar a tinta e a pena ficar reduzida a um toco. Ia escrevendo e mandando, e tantas escreveu e mandou que o mordomo do palácio teve de organizar um serviço de correio especial, dispondo milhares de sardinhas pelo mar afora, a pouca distância uma da outra. As cartas iam passando de mão em mão, como fazem os pedreiros com os tijolos.

Narizinho lia as cartas e respondia com presentes — ora uma flor, ora um grilinho do gramado, ora uma rosada e roliça minhoca.

Mandou também uma das rosquinhas de polvilho, dizendo que fora enrolada pela suas próprias mãos.

Foi o presente de que o príncipe mais gostou. Mas em vez de comer a rosquinha, mandou que o melhor ourives do reino engastasse nela uma fileira de diamantes, de modo a transformá-la numa preciosa coroa.

— Ficará sendo a minha coroa real — e nenhuma porei na cabeça com maior orgulho! — disse o príncipe, comovido.
––––––––
Continua... Os brincos do Marquês

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Trova Ecológica 51 - Wagner Marques Lopes (MG)

Carolina Ramos (Livro de Poesias "Destino")


texto por José Feldman

Temos o destino que merecemos.
O nosso destino está de acordo com os nossos méritos.
(Albert Einstein)

Destino é o livro de poesias da “primeira dama da trova” de Santos/SP, Carolina Ramos. Além de suas magníficas trovas, seus contos que vim a conhecer em seu livro “Interlúdio”, esta guerreira nos encanta com suas poesias.

Destino é o que buscamos, cada qual a seu modo, por seu caminho, e neste livro, Carolina mostra este fado, através da Tentação, do Cântico de Fé, de Esperança, da Voz do Silêncio, da Hipocrisia, do Milagre, da Amizade. Ela nos faz enveredar por um caminho que às vezes parece árduo, mas que ao mesmo tempo nos seduz, fazendo com que desejemos continuar esta caminhada. Ela não só nos delicia com suas palavras, mas faz que vivamos os momentos de emoções, muitas vezes por nós vividos, outras por nossos sonhos, assim como os instantes de nossas desilusões.

Segundo Machado de Assis, “O destino, como os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho”, e é assim nas 227 páginas do livro. Todo momento é um novo momento, cada poesia faz parte de um emaranhado de uma teia, a teia do Destino.

O destino, sobretudo,
numa visão alongada,
é uma incerteza de tudo
ante a certeza do nada!
Eduardo A. O. Toledo (Pouso Alegre/MG)

E Carolina não pára por aí, vai criando uma teia enorme ao escrever sobre o que há a nossa volta ou sobre personagens que povoam nossa mente, como Castro Alves, José de Anchieta, ou mesmo locais como Nova Friburgo, Corumbá, Santos, etc.

Deixa que o ouro do sonho te enriqueça:
– Velho, terás um coração menino!
Vai…que o beijo das Musas tua alma aqueça…
– Poeta, vai… e cumpre o teu Destino!
(Carolina Ramos, in poesia Destino, estrofe final, p.18)

Qual será o destino? Não sabemos! Mas,

Sou tal qual um beduíno,
na vastidão do deserto,
levado pelo destino
para o meu destino incerto!
Francisco Neves de Macedo (Natal/RN)

Somos qual beduíno a percorrer a vastidão das folhas deste livro, que ora é deserto, ora é oásis, e que cada verso, cada palavra seja um momento de reflexão, aquele momento sublime entre a tempestade e a calmaria, e que este momento seja como um fio, um fio tênue e longo que una em suas pontas os desejos e os mistérios do destino, um fio de um lado nós, seres humanos, do outro, Deus.

Saiba que seu destino é traçado pelos seus próprios pensamentos,
e não por alguma força que venha de fora.
O seu pensamento é a planta concebida por um arquiteto
para construir um edifício denominado prosperidade.
Você deve tornar o seu pensamento mais elevado,
mais belo e mais próspero
(Martin Luther King)

Ou, nas palavras de Paulo Bomfim: “O destino deste livro é destinar destinos”.

Divaguemos ao sabor das ondas do Destino.

José Feldman

Carolina Ramos (Caderno de Poesias)


CÉU DE AMOR

Bastava o manto azul da fantasia
a oferecer à vida luz e cor...
Bastava uma semente de Poesia
para, de sonhos, um jardim compor!

Bastava acreditar que ainda viria
nos meus braços pulsar um grande amor.
O que nunca, meu Deus, pressentiria,
é que a vida guardasse tanta dor!

E se a angústia aceitei por companheira,
sinto, agora, feliz, por vez primeira,
a doçura de obter, sem pedir nada!

Que importam rumos que o destino assume,
se, sobre mim, há um céu que se resume
nesta glória de amar e ser amada!
1976
(in: Destino, p.64)

SÚPLICA

Dá-me, Senhor, a benção que resume
a certeza de que, crescendo aos poucos,
hei de chegar a ver o excelso lume
- privilégio dos bons, quiçá bem poucos!

Dá-me a graça de olhar, sem ter ciúme,
namorados aos pares, de amor loucos,
da saudade a esquecer o frio gume
e o coração no peito a dar-me socos!

Dá-me ver rosas, mesmo em vaso alheio,
a enfeitar este mundo, às vezes feio
- feio porque o egoísmo assim o quis!

Dá-me um punhado tenro de esperanças...
Dá-me o riso espontâneo das crianças...
- Mais nada eu peço, para ser feliz!
(in: Destino, p.98)

NOVA FRIBURGO

Loira "Princesa da Serra",
das nuvens rasgando o véu!
Indago, serás da terra
ou doce visão do céu?!

Tens glórias de velho burgo,
cobrem-te rendas e galas,
mas, sempre nova, Friburgo,
vive a beijar-te o Bengalas!

Pelas nuvens resguardada,
meio aos penhascos da Serra,
Friburgo és concha encantada,
onde a Poesia se encerra!

Tua chave, hoje, me ofertas!
Isto me faz tua irmã...
e vejo portas abertas,
nesta festiva manhã!

Em troca deste presente
que me dás, Friburgo bela,
minha alma te abro e, contente,
verás que estás dentro dela!

E quando meus olhos ponho
no céu azul, sobre ti...
Não sei, Friburgo, se é sonho...
só sei que o teu céu sorri!!!
(in: Destino, p.186-187)

Fonte:
RAMOS, Carolina. Destino: poesias. SP: EditorAção, 2011

Adélia Prado (Sem Enfeite Nenhum)

Pintura de Guido Viario
A mãe era desse jeito: só ia em missa das cinco, por causa de os gatos no escuro serem pardos. Cinema, só uma vez, quando passou os Milagres do padre Antônio em Urucânia. Desde aí, falava sempre, excitada nos olhos, apressada no cacoete dela de enrolar um cacho de cabelo: se eu fosse lá, quem sabe?

Sofria palpitação e tonteira, lembro dela caindo na beira do tanque, o vulto dobrado em arco, gente afobada em volta, cheiro de alcanfor.

Quando comecei a empinar as blusas com o estufadinho dos peitos, o pai chegou pra almoçar, estudando terreno, e anunciou com a voz que fazia nessas ocasiões, meio saliente: companheiro meu tá vendendo um relogim que é uma gracinha, pulseirinha de crom', danado de bom pra do Carmo. Ela foi logo emendando: tristeza, relógio de pulso e vestido de bolér. Nem bolero ela falou direito de tanta antipatia. Foi água na fervura minha e do pai.

Vivia repetindo que era graça de Deus se a gente fosse tudo pra um convento e várias vezes por dia era isto: meu Jesus, misericórdia... A senhora tá triste, mãe? eu falava. Não, tou só pedindo a Deus pra ter dó de nós.

Tinha muito medo da morte repentina e pra se livrar dela, fazia as nove primeiras sextas-feiras, emendadas. De defunto não tinha medo, só de gente viva, conforme dizia. Agora, da perdição eterna, tinha horror, pra ela e pros outros.

Quando a Ricardina começou a morrer, no Beco atrás da nossa casa, ela me chamou com a voz alterada: vai lá, a Ricardina tá morrendo, coitada, que Deus perdoe ela, corre lá, quem sabe ainda dá tempo de chamar o padre, falava de arranco, querendo chorar, apavorada: que Deus perdoe ela, ficou falando sem coragem de aluir do lugar.

Mas a Ricardina era de impressionar mesmo, imagina que falou pra mãe, uma vez, que não podia ver nem cueca de homem que ela ficava doida. Foi mais por isso que ela ficou daquele jeito, rezando pra salvação da alma da Ricardina.

Era a mulher mais difícil a mãe. Difícil, assim, de ser agradada. Gostava que eu tirasse só dez e primeiro lugar. Pra essas coisas não poupava, era pasta de primeira, caixa com doze lápis e uniforme mandado plissar. Acho mesmo que meia razão ela teve no caso do relógio, luxo bobo, pra quem só tinha um vestido de sair.

Rodeava a gente estudar e um dia falou abrupto, por causa do esforço de vencer a vergonha: me dá seus lápis de cor. Foi falando e colorindo laranjado, uma rosa geométrica: cê põe muita força no lápis, se eu tivesse seu tempo, ninguém na escola me passava, inteligência não é estudar, por exemplo falar você em vez de cê, é tão mais bonito, é só acostumar. Quando o coração da gente dispara e a gente fala cortado, era desse jeito que tava a voz da mãe.

Achava estudo a coisa mais fina e inteligente era mesmo, demais até, pensava com a maior rapidez. Gostava de ler de noite, em voz alta, com tia Santa, os livros da Pia Biblioteca, e de um não esqueci, pois ela insistia com gosto no titulo dele, em latim: Máguina pecatrís. Falava era antusiasmo e nunca tive coragem de corrigir, porque toda vez que tava muito alegre, feito naquela hora, desenhando, feito no dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou: coitado, até essa hora no serviço pesado.

Não estava gostando nem um pouquinho do desenho, mas nem que eu falava. Com tanta satisfação ela passava o lápis, que eu fiquei foi aflita, como sempre que uma coisa boa acontecia.

Bom também era ver ela passando creme Marsílea no rosto e Antissardina n° 3, se sacudindo de rir depois, com a cara toda empolada. Sua mãe é bonita, me falaram na escola. E era mesmo, o olho meio verde.

Tinha um vestido de seda branco e preto e um mantô cinzentado que ela gostava demais.

Dia ruim foi quando o pai entestou de dar um par de sapato pra ela. Foi três vezes na loja e ela botando defeito, achando o modelo jeca, a cor regalada, achando aquilo uma desgraça e que o pai tinha era umas bobagens. Foi até ele enfezar e arrebentar com o trem, de tanta raiva e mágoa.

Mas sapato é sapato, pior foi com o crucifixo. O pai, voltando de cumprir promessa em Congonhas do Campo, trouxe de presente pra ela um crucifixo torneadinho, o cordão de pendurar, com bambolim nas pontas, a maior gracinha. Ela desembrulhou e falou assim: bonito, mas eu preferia mais se fosse uma cruz simples, sem enfeite nenhum.

Morreu sem fazer trinta e cinco anos, da morte mais agoniada, encomendando com a maior coragem: a oração dos agonizantes, reza aí pra mim, gente.
Fiquei hipnotizada, olhando a mãe. Já no caixão, tinha a cara severa de quem sente dor forte, igualzinho no dia que o João Antônio nasceu. Entrei no quarto querendo festejar e falei sem graça: a cara da senhora, parece que tá com raiva, mãe.

O Senhor te abençoe e te guarde,
Volva a ti o Seu Rosto e se compadeça de ti,
O Senhor te dê a Paz.

Esta é a bênção de São Francisco, que foi abrandando o rosto dela, descansando, descansando, até como ficou, quase entusiasmado.

Era raiva não. Era marca de dor.

Fonte:
Ítalo Moriconi . Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século. RJ: Objetiva, 2000.

Adélia Prado (1935)


Adélia Luzia Prado Freitas nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935, filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Leva uma vidinha pacata naquela cidade do interior: inicia seus estudos no Grupo Escolar Padre Matias Lobato e mora na rua Ceará.

No ano de 1950 falece sua mãe. Tal acontecimento faz com que a autora escreva seus primeiros versos. Nessa época conclui o curso ginasial no Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração, naquela cidade.

No ano seguinte inicia o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta, que conclui em 1953. Começa a lecionar no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho em 1955.

Em 1958 casa-se, em Divinópolis, com José Assunção de Freitas, funcionário do Banco do Brasil S.A. Dessa união nasceriam cinco filhos: Eugênio (em 1959), Rubem (1961), Sarah (1962), Jordano (1963) e Ana Beatriz (1966).

Antes do nascimento da última filha, a escritora e o marido iniciam o curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis.

Em 1972 morre seu pai e, em 1973, forma-se em Filosofia. Nessa ocasião envia carta e originais de seus novos poemas ao poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna, que os submete à apreciação de Carlos Drummond de Andrade.

"Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães Rosa, Clarisse. Esta é a minha turma, pensei. Gostam do que eu gosto. Minha felicidade foi imensa.Continuava a escrever, mas enfadara-me do meu próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha, diversa da dos autores que amava. É isto, é a minha fala."

Em 1975, Drummond sugere a Pedro Paulo de Sena Madureira, da Editora Imago, que publique o livro de Adélia, cujos poemas lhe pareciam "fenomenais". O poeta envia os originais ao editor daquele que viria a ser Bagagem. No dia 09 de outubro, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil chamando a atenção para o trabalho ainda inédito da escritora.

"Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de observar formigas trabalhando."

O livro é lançado no Rio, em 1976, com a presença de Antônio Houaiss, Raquel Jardim, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon e Alphonsus de Guimaraens Filho, entre outros.

O ano de 1978 marca o lançamento de O coração disparado que é agraciado com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.

Estréia em prosa no ano seguinte, com Soltem os cachorros. Com o sucesso de sua carreira de escritora vê-se obrigada a abandonar o magistério, após 24 anos de trabalho. Nesse período ensinou no Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, Fundação Geraldo Corrêa — Hospital São João de Deus, Escola Estadual são Vicente e Escola Estadual Matias Cyprien, lecionando Educação Religiosa, Moral e Cívica, Filosofia da Educação, Relações Humanas e Introdução à Filosofia. Sua peça, O Clarão,um auto de natal escrito em parceria com Lázaro Barreto, é encenada em Divinópolis.

"O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta."

Em 1980, dirige o grupo teatral amador Cara e Coragem na montagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. No ano seguinte, ainda sob sua direção, o grupo encenaria A Invasão, de Dias Gomes. Publica Cacos para um vitral. Lucy Ann Carter apresenta, no Departament of Comparative Literature, da Princeton University, o primeiro de uma série de estudos universitários sobre a obra de Adélia Prado.

Em 1981 lança Terra de Santa Cruz.

De 1983 a 1988 exerce as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura de Divinópolis, a convite do prefeito Aristides Salgado dos Santos.

Os componentes da banda é publicado em 1984.

Participa, em 1985, em Portugal, de um programa de intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, e em Havana, Cuba, do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa América.

Fernanda Montenegro estréia, no Teatro Delfim - Rio de Janeiro, em 1987, o espetáculo Dona Doida: um interlúdio, baseado em textos de livros da autora. A montagem, sob a direção de Naum Alves de Souza, fez grande sucesso, tendo sido apresentada em diversos estados brasileiros e, também, nos EUA, Itália e Portugal.

Apresenta-se, em 1988, em Nova York, na Semana Brasileira de Poesia, evento promovido pelo Comitê Internacional pela Poesia. É publicado A faca no peito.

Participa, em Berlim, Alemanha, do Línea Colorada, um encontro entre escritores latino-americanos e alemães.

Em 1991 é publicada sua Poesia Reunida.

Volta, em 1993, à Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Divinópolis, integrando a equipe de orientação pedagógica na gestão da secretária Teresinha Costa Rabelo.

Em 1994, após anos de silêncio poético, sem nenhuma palavra, nenhum verso, ressurge Adélia Prado com o livro O homem da mão seca. Conta a autora que o livro foi iniciado em 1987, mas, depois de concluir o primeiro capítulo, foi acometida de uma crise de depressão, que a bloquearia literariamente por longo tempo. Disse que vê "a aridez como uma experiência necessária" e que "essa temporada no deserto" lhe fez bem. Nesse período, segundo afirmou, foi levada a procurar ajuda de um psiquiatra.

"O que se passou? Uma desolação, você quer, mas não pode. Contudo, a poesia é maior que a poeta, e quando ela vem, se você não a recebe, este segundo inferno é maior que o primeiro, o da aridez."

Deus é personagem principal em sua obra. Ele está em tudo. Não apenas Ele, mas a fé católica, a reza, a lida cristã.

"Tenho confissão de fé católica. Minha experiência de fé carrega e inclui esta marca. Qual a importância da religião? Dá sentido à minha vida, costura minha experiência, me dá horizonte. Acredito que personagens são álter egos, está neles a digital do autor. Mas, enquanto literatura, devem ser todos melhores que o criador para que o livro se justifique a ponto de ser lido pelo seu autor como um livro de outro. Autobiografias das boas são excelentes ficções."

Estréia, em 1996, no Teatro Sesi Minas, em Belo Horizonte, a peça Duas horas da tarde no Brasil, texto adaptado da obra da autora por Kalluh Araújo e pela filha de Adélia, Ana Beatriz Prado.

São lançados Manuscritos de Felipa e Oráculos de maio. Participa, em maio, da série "O escritor por ele mesmo", no ISM-São Paulo. Em Belo Horizonte é apresentado, sob a direção de Rui Moreira, O sempre amor, espetáculo de dança de Teresa Ricco baseado em poemas da escritora.

Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.

"Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."

Em 2000, estréia o monólogo Dona da casa, em São Paulo, adaptação de José Rubens Siqueira para Manuscritos de Felipa. A direção é de Georgette Fadel e Élida Marques interpreta Felipa.

Em 2001, apresenta no Sesi Rio de Janeiro e em outras cidades, sarau onde declama poesias de seu livro Oráculos de Maio acompanhada por um quarteto de cordas.

OBRAS:

POESIA:
- Bagagem, Imago - 1976
- O coração disparado, Nova Fronteira - 1978
- Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira - 1981
- O pelicano, Rio de Janeiro - 1987
- A faca no peito, Rocco - 1988
- Oráculos de maio, Siciliano - 1999
- A duração do dia, Record - 2010

PROSA:

- Solte os cachorros, Nova Fronteira - 1979
- Cacos para um vitral, Nova Fronteira - 1980
- Os componentes da banda, Nova Fronteira - 1984
- O homem da mão seca, Siciliano - 1994
- Manuscritos de Felipa, Siciliano - 1999
- Filandras, Record - 2001
- Quero minha mãe - Record - 2005
- Quando eu era pequena - 2006.

ANTOLOGIAS:

Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira - 1978
Palavra de Mulher, Fontana - 1979
Contos Mineiros, Ática - 1984
Poesia Reunida, Siciliano - 1991 (Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano e A faca no peito).
Antologia da poesia brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994.
Prosa Reunida, Siciliano - 1999

BALÉ

- A Imagem Refletida - Balé do Teatro Castro Alves - Salvador - Bahia - Direção Artística de Antônio Carlos Cardoso. Poema escrito por Adélia Prado especialmente para a composição homônima de Gil Jardim.

Vem de antes do sol
A luz que em tua pupila me desenha.
Aceito amar-me assim
Refletida no olhar com que me vês.

Ó ventura beijar-te,
espelho que premido não estilhaça
e mais brilha porque chora
e choro de amor radia.

(Divinópolis, 1998).

Fonte:
http://www.releituras.com/aprado_bio.asp

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 406)


Uma Trova Nacional

Em minha varanda a sós,
vendo os ganchos na parede,
eu choro a falta dos nós
que amarravam nossa rede...
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–

Uma Trova Potiguar

Que a mão do homem não tisne
com seu desarranjo anárquico.
O lago onde nada o cisne
com porte nobiliárquico!!!
–LUIZ DUTRA BORGES/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - TrovaUneVersos/RN
Tema: SILHUETA - M/E.

Trago no peito guardada,
entre as lembranças da vida
a Silhueta gravada
da tua imagem querida!
–ZENAIDE MARÇAL/CE–

Uma Trova de Ademar

Ao partir, causaste um drama
e, em estado de demência,
finjo ter você na cama...
E nem sinto a sua ausência.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

É uma verdade e parece
que se tornou popular:
a gente primeiro esquece
para depois perdoar.
–JOSÉ FIRMO/PE–

Simplesmente Poesia

Ser Poesia. Ser Poeta...
–AUZÊH FREITAS/RN–

Me desnudo de tudo
e sinto o absurdo que é
não acreditar
no que me veste
e me reveste.

Canso sem correr.
E o fim da caminhada
não é mais minha meta.

Quero seguir a passos lentos
tendo como único alento
a maravilhosa descoberta
que respiro e aspiro a mim mesma.

Ser Poesia. Ser Poeta.

Estrofe do Dia

No deslumbrar da aurora
um coro de muitas aves
canta as canções mais suaves
que a gente cantava outrora,
na cama ela reza e chora
ouvindo a doce aquarela,
desperta, vai pra janela,
recorda nossa amizade;
nasceu um pé de saudade
no jardim da casa dela.
–ZÉ FERNANDES/CE–

Soneto do Dia

O Ébrio.
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Curtindo o efeito da malvada pinga,
cantando vai pela deserta rua...
Do mundo mau que o desprezou se vinga
fazendo um show bizarro à luz da lua!

Um sonolento abre a janela e xinga,
menciona a mãe e ele responde: “É a tua!”
gargalha e chora... e grita... e dança... e ginga...
e deita e dorme na calçada nua...

Já foi homem de bens, hoje um mendigo
que teve um dia a lhe mudar a história
uma mulher traidora e um falso amigo...

Que força estranha encerra um desengano:
pode impulsar um homem à vitória
ou transformá-lo num farrapo humano!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Preservação de Livros (Parte 2)


3. UMIDADE E TEMPERATURA

A umidade e a temperatura são fatores climáticos que contribuem significativamente para a deterioração do material bibliográfico.

São fontes de umidade:
Chuvas,
rios,
limpezas aquosas,
infiltrações por janelas,
paredes e tetos.

Existem diversos equipamentos para controle climático, desde um simples ar condicionado até os sistemas mas sofisticados como:
Sistemas centrais de resfriamento,
calefação,
umidificação e
desumidificação do ar.

Locais que não disponibilizam essas aparelhagens pode-se utilizar ventilação natural ou forçada como meio de controle simultâneo da umidade e da temperatura.

II. TRATAMENTOS BÁSICOS PARA CONSERVAÇÃO DO ACERVO

1. TRATAMENTO DE HIGIENIZAÇÃO

Esse tratamento é muito importante para a conservação do acervo, pois irá retirar do livro os agentes responsáveis pela sua deterioração como poeira, espórios e detritos de insetos. O ideal seria que esse trabalho fosse realizado em uma mesa apropriada, local ventilado e afastado das estantes para evitar que a poeira seja transferida para as outras obras.

1.1 HIGIENIZAÇÃO COM SABONETE NEUTRO

Utilizar sabonete neutro para limpeza das capas plastificadas e de material sintético. Proceder da seguinte maneira:

Material necessário:
- Sabonete
- Tecido de algodão (fralda)

Procedimento: · · · · ·
Colocar água em um balde; Molhar a fralda e torcer bem; Passar a fralda sobre o sabonete neutro (nunca molhar o sabonete); Aplicar sobre as capas removendo toda a sujeira; Passar uma fralda seca para retirar o excesso de umidade.

2. REPARAÇÃO DE LIVROS

O desgaste e a degradação do acervo é muito rápido, sobretudo quando se trata de coleções públicas maciçamente utilizadas. Por isso, faz-se necessário o reparo das obras para prolongar a vida útil do acervo nas bibliotecas. Os livros devem ser analisados para determinação do tratamento adequado a ser utilizado. Antes de começar o trabalho de reparação do livro devemos saber como ele é formado. Geralmente o livro é constituído por cadernos separados e em alguns casos são formados por páginas coladas juntas uma a uma (folhas soltas).

2.1 REMOÇÃO DE FITAS ADESIVAS

Os adesivos possuem componentes que com o tempo se degradam e descolam. A retirada dos mesmos merece atenção especial, considerando que em alguns casos nem com a utilização de solventes, se consegue remove-los. Neste caso, não insistir, pois o papel poderá ser danificado.

Material necessário:

– Cotonete ou vareta de madeira (usado por manicures),
- Algodão,
- Acetona acetato de etila;
- Pedaço de vidro ou celulóide (chapa de radiografia),
- Papel absorvente e
- Bisturi

Procedimento: · ·

As fitas adesivas podem ser removidas com uma espátula ou bisturi; O resíduo do adesivo que ficar no papel deve ser removido com acetona e espátula ou, se não tiver a espátula remove-las somente com a acetona ou acetato de etila.

Colocar a folha com a fita adesiva sobre um papel absorvente e as duas sobre um vidro ou celulóide; Umedecer o cotonete na acetona; Passar na fita adesiva pelos dois lados da folha (verso e direito); Com a ponta do bisturi, soltar cuidadosamente a fita adesiva para não danificar o papel.

2.2 LIMPEZA DA LOMBADA

É o processo onde se retira o excesso de cola, restos de papéis, fitas adesivas, etc... É usado quando a costura está perfeita e não necessita desmonte do livro.
––––––
Continua... Desmonte dos Livros; Conserto das Folhas; Costura

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 10


GATA

Na brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...

Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.

Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!

O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!

HELIOGÁBALO


É um prostíbulo. E pois, tendo admirado tudo,
– Calígula a rugir dentro d’um lupanar,
Tibério, como se fosse um fauno cornudo,
De lepras e furor a se despedaçar, –

Supunha nada mais ter que ver, quando mudo
E apavorado, viu pela cidade entrar
O novo imperador, coberto de veludo,
Seda e ouro, e por fim bracelete e colar...

E era um deus, era um deus, d’uma pompa feroz.
Quando o filho do sol aos pórticos assoma,
Entre eunucos reais e truões, alçando a voz,

“Viva o Imperador!” O mundo o aclama e quer.
“Viva!” O monstro excedeu as crápulas de Roma!
Heliogábalo é um homem e é uma mulher!
Maio – 1904

AMOR CINZENTO

Ao Celestino Junior

Embaixo é o dia fusco, é a luz mortuária; em cima
Rolos de fumo e sebo, ó soturna cloaca!
A Vida extinta sob uma grandeza opaca...
Nem pomos de ouro, nem cantigas de vindima!

Fumo só. Tédio só. Natureza de luto.
Cinza e betume chove. E em torno se derrama
Todo um acre vapor feralmente corrupto,
Feito de cerdos e de batráquios e lama...

O corpo é um muito mau pardieiro, bem vedes!
E por isso também, embora que murmures,
Oh! minha alma! estás presa entre quatro paredes!

Presa! e dilui-se o mundo! e nem um sonho ao menos,
E nem festas! e nem um agasalho algures,
Num leito brando, nuns braços brandos de Vênus!...
1898

BORBOLETA

Ao José Gelbecke

Hoje, uma borboleta, assim, toda amarela,
Veio bater aqui junto à minha janela.
Olhei. Ela passou. Eu comecei a olhar.
De novo ela passou e tornou a passar,
Tão veludosa e ao mesmo tempo tão inquieta...
Que quereria pois aquela borboleta?
Ia e vinha outra vez, doida, a se debater,
Com ademanes, com trejeitos de mulher...
Era um dia de sol, fino e voluptuoso,
De um grande beijo ideal, de um infinito gozo,
De um lindo céu azul, esplêndido verão,
E ela a roçar em mim, como uma tentação...
E ela a passar aqui, dentro do seu corpete,
Tão leve, tão sensual, no seu andar coquete,
A subir, a descer de tal modo, Senhor,
Que a mim me pareceu, mas sem tirar nem pôr,
Essas que andam de lá p’ra cá, coquetemente,
À noite, nos jardins, a seduzir a gente...
1903

SÚPLICA DE UM FAUNO

Ao Pânfilo d’Assumpção

– Foi neste bosque, olhai, que ontem a mais pomposa
Das lupercais eu vi. Coroada de rosa,
Dos loureiros em flor à sombra, que perfuma,
Vênus o corpo ideal, mais claro que uma espuma,
Cedeu ao teu furor, ó Adônis, à tua
Fome, como se fosse uma bacante nua...

Ébria, a torcer-se toda em delírios de louca,
Mirto rugiu de amor, a boca em tua boca,
Enlaçada contigo, ó sátiro cornudo,
Sobre essa relva, assim, tenra como veludo...

E que algazarra vã daquela juventude,
Ouvindo Pã soprar na sua flauta rude,
Quando no meio de sussurros e de assombros,
Correu Apolo atrás dos lactescentes ombros
De Leucoteia uivando: eu te amo! eu te amo! eu te amo!
Ágil, sutil, veloz, como se fosse um gamo...

E que riso cruel, tonitroante e louco,
Quando Vulcano aparecendo daí a pouco,
Entre outros braços nus, que não de seu esposo,
Vênus veio encontrar delirando de gozo...

Correu o vinho a flux. Os sonhos e as quimeras
Coroaram o deus Pã de mirtos e de heras...
Resplandeceu o sol da alegria. A floresta
Ecoou, como se fosse o próprio Olimpo em festa.

Só eu de quem jamais a dúvida se arranca,
Só eu não pude rir dessa risada franca.
Adoro uma deidade, a caçadora Diana,
Mas amar sem ventura é uma batalha insana...

E de fato, não sei que demônio porfia
Entre nós dois, que sendo a única alegria
Dos meus olhos, jamais logro o puro desejo
De morrer a seus pés como a onda de um beijo...
Por Júpiter, no entanto eu juro que não posso
Domar este furor, conter este alvoroço...
Por onde quer que eu vá, luz desesperadora,
Eros o coração me enfurece a toda hora
Desses desejos vãos, inquietos e raros,
Que eu nunca vencerei, porque a beleza é fátua...

Assim pois, antes ser um triste cego, Vênus,
Ou possuir então esse prestígio, ao menos,
De poder transformar-me, ó deuses, numa estátua
Mais insensível do que o mármore de Paros!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Daniel Galera (Mãos de Cavalo)


Mãos de Cavalo, obra de Daniel Galera, começa com capítulos curtos, escritos em terceira pessoa.

O autor intercala duas histórias. A primeira destaca a trajetória de um garoto que - dos dez aos quinze anos de idade, metido em suas aventuras de bairro, entre corridas de bicicleta e campinhos de futebol - vive justamente as primeiras descobertas em relação à sua própria identidade. Na segunda, o foco aponta um jovem cirurgião plástico que, ao chegar aos trinta anos depois de uma rápida, árdua e bem sucedida trajetória de estudos e experiências profissionais, começa então a colocar sua escolhas em cheque, bem no momento em que sai para uma longa viagem com um amigo. Esses acontecimentos vão aos poucos se conectando no tempo e no espaço dramáticos, e compõem uma delicada trama sobre memória, perda e culpa.

Com habilidade, costura os capítulos e mistura as referências de uma maneira que traz ao leitor um grande prazer em acompanhar, ele próprio, o processo de auto-descoberta vivido pelo personagem. Tanto o garoto como o cirurgião vão entender que, tragicamente, só se conhece a própria identidade a partir de eventos-limite, extasiantes ou cruéis, momentos que vão ser carregados pela vida a fora. Entre ritos de passagem e acertos de contas, forma-se um indivíduo.

Durante as duas trajetórias, o escritor não perde a oportunidade de explorar temas bastante interessantes. O fascínio pela violência estética em contraponto à covardia frente a agressividade real, o recalque das emoções, o desejo e a impressão de vermos nossas vidas registradas pelas lentes de uma câmara de cinema.

O protagonista de Mãos de Cavalo não é uma pessoa simples. Talvez ninguém seja mesmo. E pouco a pouco o vemos exposto pelo autor. Através das descrições ultra-detalhistas de cada situação, vemos dissecadas suas impressões frente a cada situação, seja ela o descer vertiginoso de uma ladeira montado numa CaloiCross aro 20', seja testemunhar o ventre de sua esposa ser rasgado durante o parto enquanto a anestesia não fazia efeito.

Primeiramente independentes, as duas tramas vão, aos poucos, ganhando elementos que as aproximam, até que o passado e o presente praticamente se transformam em um só acontecimento, mostrando como foi e como poderia/deveria ter sido determinado fato aos olhos do protagonista. Durante essa trajetória, o autor constrói uma gradativa imersão do personagem do presente em fatos do seu passado que o ajudaram a afirmar sua própria identidade. Em um momento em que dúvidas em relação à vida levam o protagonista a buscar e assumir novas referências de mundo, há uma volta no tempo até um momento traumático, mas que o ajudou a encontrar a si próprio. E essa rememoração é decisiva também para os rumos do seu próprio futuro. Nesse momento as duas histórias se fundem em uma imagem única e definitiva.

Segundo o autor, a obra é uma síntese de diversas histórias que guardou na cabeça durante anos, mas que vieram se transformando e atualizando ao longo do tempo. Algumas cenas e personagens têm origem em coisas que ele imaginava desde os dez ou doze anos de idade, muito antes de sonhar em escrever. Segundo Galera, as primeiras três versões de Mãos de Cavalo foram jogadas fora: somente na quarta tentativa o autor encontrou a forma que lhe pareceu ideal para desenvolver o romance até o fim.

Esse tom se manifesta numa prosa rica em detalhes, em descrições bem trabalhadas de cenas e atmosferas, nas quais a aparente placidez do cenário reforça a intensidade dos sentimentos dos personagens. Nada é gratuito aqui: numa partida de videogame, num parto sem anestesia, na trilha sonora de uma festa de quinze anos, assiste-se à tumultuada trajetória do protagonista rumo ao cotidiano do mundo adulto, preenchido entre o sucesso profissional e o "piloto automático" de um casamento fora dos planos.

O tema principal do livro é a identidade, a obsessão que se tem por defini-la e a inutilidade geral desse esforço. Até que ponto é possível decidir como as pessoas querem ser e que imagem os outros terão delas? Talvez definir isso racionalmente seja tão inviável quanto decidir se se quer ou não amar uma determinada pessoa.

Diante do impasse, Mãos de Cavalo acena com um desfecho surpreendente num relato em que a tragédia se insinua a cada linha. Como nas clássicas histórias sobre segunda chance, está em jogo a possibilidade de o covarde se transformar em herói, ou de quem sempre se definiu como "solitário e renegado" encontrar uma integração possível com o mundo. O futuro aí apontado não é movido por certezas absolutas, mas pela grandeza de saber quando aceitar ou lutar contra as armadilhas do acaso.

A estrutura temporal sobre a qual foi montada, o conjunto lexical selecionado e a condução da narrativa em função da construção da personagem são alguns dos aspectos que garantem à obra relevância para ser analisada criteriosamente. Além disso, o valor interpretativo extraído desses aspectos comprova a intencionalidade do autor em desenvolver uma narrativa repleta de significado, justificando sua consagração na literatura.

Um dos fatores da narrativa de Daniel Galera que oferecem oportunidade de proveitosa explanação é a construção da personagem central. Na verdade, todo o percurso do romance concorre para apresentar ao leitor o perfil psicológico e comportamental de Hermano (o “Mãos de Cavalo”). Aliás, percurso seria a palavra-chave dessa narrativa.

Já no primeiro capítulo – O Ciclista Urbano – a narração apresenta-se construída sobre os percursos que Hermano faz, relacionados em algum sentido com o rumo da sua vida.

“(...) O trecho de subida... sairá ileso.” (p. 09-10)

O leitor perceberá ao longo da leitura que todos os obstáculos descritos (árvores, postes, rampas deslizantes, buracos, lombadas, etc.) estão semanticamente ligados aos desafios da vida do próprio Hermano.

A partir do segundo capítulo começamos a entender mais claramente esse jogo com o curso da narrativa relacionado à forma como o personagem guia a sua vida. Os capítulos intitulados por horários – 6h08, 6h13,... – apresentam Hermano em sua vida adulta atual, dirigindo seu carro por ruas e avenidas até a casa de seu amigo Renan para juntos irem a uma escalada na Bolívia. Enquanto Hermano dirige, o narrador vai apresentando elementos do percurso como monumentos, viadutos, nomes de ruas, que remetem ao pensamento de Hermano alguma lembrança de sua vida.

“Passando por baixo... deu a luz a Nara.” (p. 71)

Quando, no capítulo 6h23, fala-se que Hermano “fantasia que a construção... antes que fosse tarde.” (p. 97), remete-se ao fato de que ele deve ainda agarrar-se a fatos de seu passado (o “asfalto”, as “calçadas”, as “árvores”) para resolvê-los antes de serem encobertos por sua vida atual (“o concreto das novas avenidas”). Vemos aí que o espaço à volta de Hermano está sendo relacionado com as suas sensações e lembranças.

Os outros capítulos vão intercalando a narrativa com flashbacks a partir da mirada e reflexão de Hermano de seu passado.

Outra analogia entre um trajeto difícil de percorrer e a vida acontece no capítulo “A Clareira” no momento em que Hermano, Morsa e Pedreiro se entretinham com um jogo de computador com pistas de corrida:

“O jogo de computador... desmontar o computador.” (p. 164-165).

Diante da pista intransponível, os amigos viam que os acontecimentos das próprias vidas seguiam um curso impossível de se evitar.

A forma dos capítulos onde Hermano está dirigindo reforça a idéia de que a narrativa foi organizada sob a ótica de um trajeto, pois eles em um parágrafo apenas, caracterizando assim, a continuidade, a linearidade da estrada, do caminho, da vida.

O tempo em Mãos de Cavalo é outro fator importante para a análise. Com uma leitura atenta, o leitor perceberá que as histórias se fundem, como já citado, unindo passado e presente, e ainda, que os fatos passados exerceram grande influência sobre Hermano em sua fase adulta. Observa-se isso no episódio em que o personagem se vê em situação semelhante a que havia vivenciado na adolescência, na qual tinha agido covardemente ao não ajudar o amigo que era espancado.

“(...) tinha ficado covardemente escondido... minutos depois.” (p. 173).

Hermano guardou para si o sentimento de culpa que o acompanhou durante anos, como uma verdadeira marca, da qual sempre se envergonhou.

“(...) Hermano sentiu-se imediatamente cúmplice... na testa.” (p. 173).

Agora adulto, ele tem a oportunidade de se livrar desse sentimento de culpa e fazer o que não teve oportunidade no passado.

“(...) Sente gosto de sangue... não da covardia.” (p. 151).

A alternância entre passado e presente leva o leitor a compreender o personagem de forma gradual, assim, o passado não só ilumina o futuro, mas também, o próprio passado de Hermano, simultâneamente. Para entender o Hermano adulto, é essencial emergir em sua adolescência.

Outro aspecto interessante é a finalização do livro, o qual não se dá na metade cronologicamente mais atual da narrativa, mas sim, na fase adolescente do personagem. A história termina no fim da narrativa do passado, com uma decisão convicta do personagem sobre como será seu futuro. Porém, o leitor que acaba de saborear o romance sabe que o futuro do personagem não foi tão livre de conflitos como ele imaginava. Existe uma grande contradição na última frase: “Agora sabia exatamente o que fazer. Não seria necessário fingir nunca mais.” (p.188).

A tensão gerada entre passado e futuro, sobre o que o personagem idealiza e o que o leitor já conhece sobre seu destino, são detalhes decisivos para o sucesso do romance.

Com respeito à narração, pode-se notar que, de acordo com a tipologia desenvolvida por Norman Friedman, o narrador é onisciente intruso, ou seja, age como uma espécie de “voz” que permeia a narrativa, porém permanece de fora da trama – não é um personagem – mas sabe de tudo que se passa nas ações exteriores das personagens e também das interiores (seus pensamentos e intencionalidades); por isso, é capaz de transmitir uma perspectiva mais ampla ao leitor, tanto dos fatos presentes, quanto dos acontecimentos que podem estar por vir. Isso é notado no início do capítulo “6h23”:

“Ao pensar no nome da filha percebe pra onde, na verdade, está guiando seu Mitsubishi Pajero...” (p.96)

Outro ponto de destaque é o constante conflito que Hermano enfrenta consigo mesmo. Desde a infância, quando cai da bicicleta, e adquire marcas não só no corpo, mas também na mente.

Na adolescência, a falta de uma personalidade formada do garoto é latente: a ausência de um apelido face aos amigos, que tinham, cada qual uma denominação diferente; a falta de coragem para enfrentar problemas, como em “Downhill”, em que Hermano nota o desdém por parte de Bonobo e sua trupe, ao que ele retruca saltando e levando mais um tombo histórico; a frustração com a sexualidade na primeira relação afetiva; e, principalmente, sua covardia diante do grupo que se vinga de Bonobo com a surra que o leva à morte, em que Hermano foge e se esconde, e apenas assiste ao massacre:

“Hermano entrou no mato, caiu numa vala do terreno e se escondeu atrás de folhas e galhos. (...) durante um período que pareceu horas.”(pp.169-170).

A fase adulta, por sua vez, corresponde a 1 hora e 56 minutos da vida da personagem nos quais se desdobram todos os traumas: a reação de Hermano, agora médico formado, casado e pai de uma filha, como a súbita desistência da escalada ao Cerro Bonete com um amigo, as indagações que faz para si com relação ao casamento e o nome de sua filha, Nara; a revolta na briga entre adolescentes que encontra na vila onde morou, na qual salva o rapaz acuado e bate em todos os demais; e um estranho reencontro com Naiara. Tudo que Hermano realiza nesse período equivale a um “acerto de contas” consigo mesmo, a uma volta no tempo, para refazer todas as ações que um dia deixou de fazer:

“Aos trinta anos, lhe parecia antes de tudo um constante ensaio para um heroísmo que nunca chega. (...) pelo que gostaria de ter sido no passado ou de ser no futuro.” (p.177)

Por fim, um tópico extremamente relevante é a fixação que o autor demonstra ter por sangue.

Por meio de Hermano, surge, incontáveis vezes, durante a trama, de forma direta ou por meio de associações. No livro, a sensação é a de que cada marca ou cicatriz faz com que ele sinta no corpo o que não sentia com os problemas da vida. As marcas deixadas na infância, a queda no torneio de downhill, a preferência por atuar como médico cirurgião, enfim, tudo isso ajuda a trazer a sensação constante de uma tragédia que vai aos poucos se delineando. Porém, a circunstância mais trágica é a morte de Bonobo após a surra, como já comentado. Ele não tinha medo de sentir dor, não tinha medo de se machucar nem de ver sangue; pelo contrário, tinha uma fixação por isso. A sensação de dor do corpo compensava a falta de sensações emocionais:

“Estava pronto para sangrar. Era seu talento. (...) agora ele seria capaz de cortar, quebrar, ralar, escoriar, debulhar, raspar, fraturar, arranhar, perfurar e esmagar seu próprio corpo de um jeito que ninguém jamais esqueceria.”(p. 91)

Os demais fatos têm seu desfecho no que ocorre nas cenas da fase madura do personagem, na briga com os meninos de rua, em que apanha, e sangra muito. Mesmo que tal interpretação não seja necessariamente a que o autor pensou, conforme resposta do próprio a tal questão, ele considera esse ponto de vista aceitável.

Em Mãos de Cavalo, o foco está nas questões de caráter psicológico, embora não seja psicologizante, e induz o leitor a pensar na própria vida, bem como na do autor, por trazer em si um caráter confessadamente autobiográfico, e falar das coisas que ele gosta. Vale salientar que o escritor trata o personagem como alguém externo a ele, conforme palavras do próprio: “A relação do Hermano com o corpo é cheia de simbologias – ele procura controlar e afligir no corpo o que não consegue obter e praticar na vida, acho.”

Fonte:
Análise por Cláudio Edson Baldavia, Daniela Gravina Matielo, Juliano Magalhães Viana, Claudemir Oliveira de Lira, Ivanise Casarin Bandeira e Jéssica Silva de Andrade - II Projeto Integrado de Prática Educacional do Curso de Letras - Mackenzie 2008. Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/m/maos_de_cavalo