segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 7


LÍRIO!

Ao Generoso Borges

Nos olhos fundos azuis de serro:
Geme um salgueiro; passa um enterro.

Riso d’inverno, gelado escuto:
– Pássaro branco que anda de luto.

Mão como as algas, mão que me corta,
Quando eu a aperto, tísica morta.

Esguia, magra, toda arcadinha,
Vime mais brando que uma velhinha.

Pálida Morte! pálida Morte!
Sopra essa vela, vento do Norte!

Toca-a bem longe, por esses mares,
Mares de prata, prata e luares...

Se Deus a esquece sobre esta vala,
Pó dos caminhos, hão de pisá-la...

Ela, uma rosa, doente exangue,
Vai ficar cega de chorar sangue...

Lírio tão fino da lama tire-o:
Para entre os Lírios mais outro Lírio!

Que olhe por ela! que olhe por ela!
Fúlgida, pura, como uma estrela!

Que quando a veja, trêmulo a abrace,
Beije-lhe os olhos, olhos e face...

Mas tão etérea, mas tão algente,
Que ambos solucem convulsamente!
1899

SOL D’INVERNO

Ao Serafim França

Sol d’Inverno, tíbio velhinho
A mim, um doente d’hospital,
Quando me vens dar o teu vinho,
Bebo, bebo, não me faz mal.

Sol d’Inverno, velhinho doente,
Que tosse e escarra o ouro e o pus!
Que bom! Que bom! tisicamente,
Tremer debaixo de tua luz!

Ó música feral d’abelhas!
Ó zumbidos prenhes de dor!
Mágoas com manchas vermelhas,
Prazeres com gangrena em flor!

Volúpia! Embriaguez celeste!
Língua de fogo! A mim, o pó
Lambe-me, como tu lambeste
As feias úlceras de Jó.

Ó riso enfermo! ó riso espectro!
Esqueleto que estás a rir...
Rei Sol que perdeste o cetro,
Rei louco, Rei bom, ó Rei Lear!

Olhos folhas tristes d’Outono,
Olhos toque d’incêndio no ar...
Olhos carregados de sono,
Olhos 13, diabo, Azar...

Sob o teu beijo, alvas cantigas,
Manto de fulvos areais,
Dormem leoas, paixões antigas,
E amáveis monstros sensuais.

Dorme também, ó sol d’Estio,
Como um ébrio, meu Coração,
Ébrio de estrada, monstro frio,
Gelado pela Decepção!

Amo-te, glória da mansarda,
Amo-te, (e o vento é um punhal,)
Tu és o meu Anjo da Guarda,
O meu Lençol, meu Hospital!

Amo-te muito, como poucos,
Quando te ausentas por aí,
Eu, os tísicos e os loucos,
Ganimos de paixão por ti!

Ilusão morna dos casebres,
Bordão florido, cheio de luz,
Bom riso no meio das febres,
Suores d’Agonia... Jesus!

Frio, frio!... (Que é de um Amigo?)
Partes? adeus! nenhum lençol!
Meu Único Amor, meu Jazigo,
Fogão dos pobrezinhos, Sol!

Julho – 1899

EM SEU LOUVOR

Ao Clemente Ritz

Lírio do Cedron, ó Rosa do Carmelo!
Tu tens a alegria da Estrela d’Orion...
Quando eu te contemplo como um Setestrelo
Regina Cœlorum, Lírio do Cedron...

Fluido Sonho à Lua, vago Céu desnudo,
Sombra que perfumas como o benjoim...
Teu passo ressoa por sobre veludo,
Quando tu caminhas, Lira de Marfim.

Tudo que é murmúrio, tudo que é frescura,
Ó Cheia de graça! reluz em teu Ser...
Campo é teu olhar elísio de verdura;
Cordeirinhos brancos andam a pascer...

Quando tu me falas, falam os aromas,
Ó boca de lírio, prateado luar!
Com palavras de ouro, com aromas domas
Ondas mais revoltas que as ondas do mar.

Quando eu penso em Ti, Pomba muito mansa,
Recendes-me ao nardo, Capelinha em flor,
Dourada da palma verde de esperança,
Lírio do Cedron, ó Rosa do Assor!

Entre lírios verdes, entre palmas bentas,
Entre lírios brancos, fulge o teu altar...
Resplandecem lírios, onde Tu te assentas,
Ó Virgem Maria! desejo rezar!

Ó Virgem Maria! Mater Dolorosa!
Minha alma a teus pés é uma criança a rir...
Que teus pés me calquem – brancos pés de rosa!
Tão bem eu me sinto! deixa-me dormir...

1898

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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