terça-feira, 22 de novembro de 2011

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Marquês de Rabicó IV – O casamento


Chegou afinal o grande dia e vieram os grandes doces: seis cocadas, seis pés-de-moleque e uma rapadura, doce mais que suficiente para uma festa em que quase todos os convivas iam comer de mentira.

Pedrinho armou a mesa da festa debaixo de uma laranjeira do pomar e botou em redor todos os convivas. Lá estavam dona Benta, tia Nastácia e vários conhecidos e parentes, todos representados por pedras, tijolos e pedaços de pau. O inspetor de quarteirão, um velho amigo de dona Benta que às vezes aparecia pelo sítio, era figurado por um toco de pau com uma dentadura de casca de laranja na boca.

Chegou a hora. Vieram vindo os noivos. Emília, de vestido branco e véu; Rabicó, de cartola e faixa de seda em torno do pescoço.

Vinha muito sério, mas assim que se aproximou da mesa e sentiu o cheiro das cocadas, ficou de água na boca, assanhadíssimo. Não viu mais nada.

Logo depois veio o padre e casou-os. Narizinho abraçou Emília e chorou uma lágrima de verdade, dando-lhe muitos conselhos.

Depois, como a boneca não tivesse dedos, enfiou-lhe no braço um anelzinho seu. Pedrinho fez o mesmo com o marquês: enfiou-lhe no braço uma aliança de casca de laranja, que Rabicó por duas vezes tentou comer.

— Ao menos no dia de hoje comporte-se! — disse o menino, ameaçando-o.

Os outros animais do sítio, as cabras, as galinhas e os porcos, também assistiram à festa, mas de longe. Olhavam, olhavam, sem compreenderem coisa nenhuma.

Terminada a festa, Narizinho disse:

— E agora, Pedrinho?

— Agora — respondeu ele — só falta a viagem de núpcias.

Mas a menina estava cansada e não concordou. Propôs outra coisa. Puseram-se a discutir e esqueceram de tomar conta da mesa de doces. Rabicó aproveitou a ocasião. Foi se chegando para perto das cocadas e de repente – nhoc, deu um bote na mais bonita.

— Acuda os doces, Pedrinho! — berrou a menina. Pedrinho virou-se e, vendo a feia ação do pirata, correu para cima dele, furioso.

Agarrou o inspetor de quarteirão e arrumou uma valente inspetorada no lombo do porquinho.

— Cachorro! Ladrão! Marquês duma figa!... Rabicó deu um berro espremido e disparou pelo campo, mas sem largar a cocada.

Foi um desastre. A festa desorganizou-se e Emília chorou e esperneou de raiva.

-É isso! Eu bem não estava querendo casar com Rabicó! É um tipo muito ordinário, que não sabe respeitar uma esposa.

Narizinho interveio e consolou-a.

— Isto não quer dizer nada. Rabicó é meio ordinário, não nego, mas com o tempo irá criando juízo e ainda acabará um excelente esposo. Depois, é preciso não esquecer que qualquer dia ele vira príncipe e faz você princesa.

Mas Pedrinho, que estava danado com a feia ação de Rabicó, estragou tudo, dizendo:

— Príncipe nada, Emília! Narizinho bobeou você. Rabicó nunca foi nem será príncipe. É porco e dos mais porcalhões, fique sabendo.

Ao ouvir aquilo, Emília caiu para trás, desmaiada...
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Continua... O Jantar de Ano-Bom

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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