GATA
Na brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...
Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.
Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!
O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!
HELIOGÁBALO
É um prostíbulo. E pois, tendo admirado tudo,
– Calígula a rugir dentro d’um lupanar,
Tibério, como se fosse um fauno cornudo,
De lepras e furor a se despedaçar, –
Supunha nada mais ter que ver, quando mudo
E apavorado, viu pela cidade entrar
O novo imperador, coberto de veludo,
Seda e ouro, e por fim bracelete e colar...
E era um deus, era um deus, d’uma pompa feroz.
Quando o filho do sol aos pórticos assoma,
Entre eunucos reais e truões, alçando a voz,
“Viva o Imperador!” O mundo o aclama e quer.
“Viva!” O monstro excedeu as crápulas de Roma!
Heliogábalo é um homem e é uma mulher!
Maio – 1904
AMOR CINZENTO
Embaixo é o dia fusco, é a luz mortuária; em cima
Rolos de fumo e sebo, ó soturna cloaca!
A Vida extinta sob uma grandeza opaca...
Nem pomos de ouro, nem cantigas de vindima!
Fumo só. Tédio só. Natureza de luto.
Cinza e betume chove. E em torno se derrama
Todo um acre vapor feralmente corrupto,
Feito de cerdos e de batráquios e lama...
O corpo é um muito mau pardieiro, bem vedes!
E por isso também, embora que murmures,
Oh! minha alma! estás presa entre quatro paredes!
Presa! e dilui-se o mundo! e nem um sonho ao menos,
E nem festas! e nem um agasalho algures,
Num leito brando, nuns braços brandos de Vênus!...
1898
BORBOLETA
Hoje, uma borboleta, assim, toda amarela,
Veio bater aqui junto à minha janela.
Olhei. Ela passou. Eu comecei a olhar.
De novo ela passou e tornou a passar,
Tão veludosa e ao mesmo tempo tão inquieta...
Que quereria pois aquela borboleta?
Ia e vinha outra vez, doida, a se debater,
Com ademanes, com trejeitos de mulher...
Era um dia de sol, fino e voluptuoso,
De um grande beijo ideal, de um infinito gozo,
De um lindo céu azul, esplêndido verão,
E ela a roçar em mim, como uma tentação...
E ela a passar aqui, dentro do seu corpete,
Tão leve, tão sensual, no seu andar coquete,
A subir, a descer de tal modo, Senhor,
Que a mim me pareceu, mas sem tirar nem pôr,
Essas que andam de lá p’ra cá, coquetemente,
À noite, nos jardins, a seduzir a gente...
1903
SÚPLICA DE UM FAUNO
– Foi neste bosque, olhai, que ontem a mais pomposa
Das lupercais eu vi. Coroada de rosa,
Dos loureiros em flor à sombra, que perfuma,
Vênus o corpo ideal, mais claro que uma espuma,
Cedeu ao teu furor, ó Adônis, à tua
Fome, como se fosse uma bacante nua...
Ébria, a torcer-se toda em delírios de louca,
Mirto rugiu de amor, a boca em tua boca,
Enlaçada contigo, ó sátiro cornudo,
Sobre essa relva, assim, tenra como veludo...
E que algazarra vã daquela juventude,
Ouvindo Pã soprar na sua flauta rude,
Quando no meio de sussurros e de assombros,
Correu Apolo atrás dos lactescentes ombros
De Leucoteia uivando: eu te amo! eu te amo! eu te amo!
Ágil, sutil, veloz, como se fosse um gamo...
E que riso cruel, tonitroante e louco,
Quando Vulcano aparecendo daí a pouco,
Entre outros braços nus, que não de seu esposo,
Vênus veio encontrar delirando de gozo...
Correu o vinho a flux. Os sonhos e as quimeras
Coroaram o deus Pã de mirtos e de heras...
Resplandeceu o sol da alegria. A floresta
Ecoou, como se fosse o próprio Olimpo em festa.
Só eu de quem jamais a dúvida se arranca,
Só eu não pude rir dessa risada franca.
Adoro uma deidade, a caçadora Diana,
Mas amar sem ventura é uma batalha insana...
E de fato, não sei que demônio porfia
Entre nós dois, que sendo a única alegria
Dos meus olhos, jamais logro o puro desejo
De morrer a seus pés como a onda de um beijo...
Por Júpiter, no entanto eu juro que não posso
Domar este furor, conter este alvoroço...
Por onde quer que eu vá, luz desesperadora,
Eros o coração me enfurece a toda hora
Desses desejos vãos, inquietos e raros,
Que eu nunca vencerei, porque a beleza é fátua...
Assim pois, antes ser um triste cego, Vênus,
Ou possuir então esse prestígio, ao menos,
De poder transformar-me, ó deuses, numa estátua
Mais insensível do que o mármore de Paros!
Na brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...
Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.
Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!
O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!
HELIOGÁBALO
É um prostíbulo. E pois, tendo admirado tudo,
– Calígula a rugir dentro d’um lupanar,
Tibério, como se fosse um fauno cornudo,
De lepras e furor a se despedaçar, –
Supunha nada mais ter que ver, quando mudo
E apavorado, viu pela cidade entrar
O novo imperador, coberto de veludo,
Seda e ouro, e por fim bracelete e colar...
E era um deus, era um deus, d’uma pompa feroz.
Quando o filho do sol aos pórticos assoma,
Entre eunucos reais e truões, alçando a voz,
“Viva o Imperador!” O mundo o aclama e quer.
“Viva!” O monstro excedeu as crápulas de Roma!
Heliogábalo é um homem e é uma mulher!
Maio – 1904
AMOR CINZENTO
Ao Celestino Junior
Embaixo é o dia fusco, é a luz mortuária; em cima
Rolos de fumo e sebo, ó soturna cloaca!
A Vida extinta sob uma grandeza opaca...
Nem pomos de ouro, nem cantigas de vindima!
Fumo só. Tédio só. Natureza de luto.
Cinza e betume chove. E em torno se derrama
Todo um acre vapor feralmente corrupto,
Feito de cerdos e de batráquios e lama...
O corpo é um muito mau pardieiro, bem vedes!
E por isso também, embora que murmures,
Oh! minha alma! estás presa entre quatro paredes!
Presa! e dilui-se o mundo! e nem um sonho ao menos,
E nem festas! e nem um agasalho algures,
Num leito brando, nuns braços brandos de Vênus!...
1898
BORBOLETA
Ao José Gelbecke
Hoje, uma borboleta, assim, toda amarela,
Veio bater aqui junto à minha janela.
Olhei. Ela passou. Eu comecei a olhar.
De novo ela passou e tornou a passar,
Tão veludosa e ao mesmo tempo tão inquieta...
Que quereria pois aquela borboleta?
Ia e vinha outra vez, doida, a se debater,
Com ademanes, com trejeitos de mulher...
Era um dia de sol, fino e voluptuoso,
De um grande beijo ideal, de um infinito gozo,
De um lindo céu azul, esplêndido verão,
E ela a roçar em mim, como uma tentação...
E ela a passar aqui, dentro do seu corpete,
Tão leve, tão sensual, no seu andar coquete,
A subir, a descer de tal modo, Senhor,
Que a mim me pareceu, mas sem tirar nem pôr,
Essas que andam de lá p’ra cá, coquetemente,
À noite, nos jardins, a seduzir a gente...
1903
SÚPLICA DE UM FAUNO
Ao Pânfilo d’Assumpção
– Foi neste bosque, olhai, que ontem a mais pomposa
Das lupercais eu vi. Coroada de rosa,
Dos loureiros em flor à sombra, que perfuma,
Vênus o corpo ideal, mais claro que uma espuma,
Cedeu ao teu furor, ó Adônis, à tua
Fome, como se fosse uma bacante nua...
Ébria, a torcer-se toda em delírios de louca,
Mirto rugiu de amor, a boca em tua boca,
Enlaçada contigo, ó sátiro cornudo,
Sobre essa relva, assim, tenra como veludo...
E que algazarra vã daquela juventude,
Ouvindo Pã soprar na sua flauta rude,
Quando no meio de sussurros e de assombros,
Correu Apolo atrás dos lactescentes ombros
De Leucoteia uivando: eu te amo! eu te amo! eu te amo!
Ágil, sutil, veloz, como se fosse um gamo...
E que riso cruel, tonitroante e louco,
Quando Vulcano aparecendo daí a pouco,
Entre outros braços nus, que não de seu esposo,
Vênus veio encontrar delirando de gozo...
Correu o vinho a flux. Os sonhos e as quimeras
Coroaram o deus Pã de mirtos e de heras...
Resplandeceu o sol da alegria. A floresta
Ecoou, como se fosse o próprio Olimpo em festa.
Só eu de quem jamais a dúvida se arranca,
Só eu não pude rir dessa risada franca.
Adoro uma deidade, a caçadora Diana,
Mas amar sem ventura é uma batalha insana...
E de fato, não sei que demônio porfia
Entre nós dois, que sendo a única alegria
Dos meus olhos, jamais logro o puro desejo
De morrer a seus pés como a onda de um beijo...
Por Júpiter, no entanto eu juro que não posso
Domar este furor, conter este alvoroço...
Por onde quer que eu vá, luz desesperadora,
Eros o coração me enfurece a toda hora
Desses desejos vãos, inquietos e raros,
Que eu nunca vencerei, porque a beleza é fátua...
Assim pois, antes ser um triste cego, Vênus,
Ou possuir então esse prestígio, ao menos,
De poder transformar-me, ó deuses, numa estátua
Mais insensível do que o mármore de Paros!
Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011
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