quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 14)


SER O LANTERNA
Lanterna veio do latim lanterna, archote, lampião.
Lanterna também é o último colocado numa competição. A palavra ganhou esse sentido na França.
A mais importante corrida de ciclistas em todo o mundo é promovida pelos franceses: a Volta da França, que dura 22 dias e tem um percurso de aproximadamente 3.400km, passando por várias cidades. A prova é disputada desde 1903* e, pelo menos no início, era cheia de trapaças, com os concorrentes pegando trens, sendo rebocados por carros ou dando outros jeitinhos franceses.
Foi nessa competição que os franceses passaram a chamar o último colocado de lanterne rouge, em associação com as luzes vermelhas que brilham no último vagão das composições ferroviárias, avisando ao mundo que ali acaba um trem.
A expressão, com esse sentido de último competidor, foi parar em Portugal assim mesmo, "lanterna vermelha", mas no Brasil se reduziu simplesmente a lanterna ou lanterninha.
* Anualmente, é claro (em julho). Ou você estava imaginando um bando de velhinhos pedalando até hoje?

LERO-LERO
Do Qicongo (grupo de línguas faladas no Congo e em Angola) lelu, boca.
É sinônimo de blablablá, que veio do francês blablabla, uma onomatopéia, provavelmente influenciada pelo verbo blaguer, dizer coisas ridículas. O verbo é derivado de blague, farsa, origem de blague em português. O francês blablabla veio depois do inglês blah, que também se usa repetido (blah-blah-blah), com o mesmo sentido de papo enfadonho. Em espanhol, também existe a palavra blablablá. Como se vê, os chatos têm um som universal.
O lero-lero é uma conversa fiada, em que fiada, enganosa, é o particípio do verbo fiar com o sentido de tramar para iludir. Aliás, fiar e tramar são palavras que passaram do mesmo sentido concreto (associadas a fio) para o mesmo sentido abstrato (engendrar para enganar). Fiar veio do latim filare, formado defilu, fio; tramar é derivado de trama, do latim trama, fio, trama.

LHAMA
O gracioso bichinho ganhou esse nome por engano. Quando os invasores espanhóis viram aquele estranho animal na América do Sul, perguntaram aos índios "eComo se ilama?" (Como se
chama?). Os índios não entenderam nada e ficaram repetindo a última palavra da pergunta: "Liama". Os espanhóis tomaram a perplexidade por resposta e assim batizaram o animal.
Interessante, não? Pois, o prezado leitor acaba de conhecer mais um caso de etimologia fantasiosa que ganhou fama. Infelizmente a verdade é outra, sem a menor graça: o português lhama e o espanhol llama vieram do quíchua (língua indígena dos Andes) ilama, nome dado pelos índios ao animal.
O lhama é uma variante de outra espécie, o guanaco, do espanholguanaco, que veio do quíchuawanáku. O espanhol guanaco também é usado para designar uma pessoa tola, em razão da comovente estupidez do bicho.

FAZER OUVIDOS DE MERCADOR
Mercador veio do latim. mercatore, comerciante. Fazer ouvidos de mercador é fingir que não ouve.
O mercador não escuta nada, só quer mesmo berrar as qualidades e o preço do produto e vender. Uma ligeira variante dessa explicação fala de mercadores agiotas, surdos às súplicas dos devedores.
Há duas outras teorias, pouco prováveis, para a origem da expressão, ambas calcadas em deturpações populares.
A primeira sustenta que mercador seria uma corruptela de "mau credor".
A segunda, mais inventiva, refere-se ao tempo em que os escravos eram marcados a ferro quente, como as reses. O marcador exercia sua função, indiferente aos gemidos da vítima.
Assim, "fazer ouvidos de marcador" teria sido corrompido pelo uso popular para fazer ouvidos de mercador.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

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