Sátiros e Dríades
DE UM FAUNO
Ah! quem me dera, quando passa em meu caminho
Juno! com seu andar de névoa que flutua,
Poder despi-la dessa túnica de linho...
E vê-la nua! Eu só compreendo estátua nua!
Nua! essa corça nua é branca, e é como a Lua...
Ser eu Apolo! embriagá-la do meu vinho!
Porém se estendo no ar os meus braços, recua,
Esquiva, a dama apressa o passo miudinho...
A dama foge, não deseja que eu avance...
Meu desejo, porém, é um gamo. De relance,
Vendo-a, corre a querer sugar-lhe o claro mel...
Despe-a; carrega-a, assim, despida, para o leito...
E, nua, em flor, bem como um sátiro perfeito,
Sobre o feno viola essa Virgem cruel!
1898
DON JUAN
Sensível, como quem podia ser, apenas
Mais vão do que uma sombra um gesto perpassou,
E logo desse herói, revoltas as melenas,
Brilhava o estranho olhar, que tanto ambicionou...
Era uma confusão. Pálidas e morenas,
Cada qual, cada qual como Deus a formou,
Não foi uma, nem dez, porém foram centenas
As mulheres por quem Don Juan desesperou...
Todas, todas que viu, ele mordeu de beijos,
Enraiveceu de amor, poluiu de desejos,
Tomado de furor, doido d’embriaguez...
Um delírio! Porém, Don Juan era um artista
E portanto cruel, nervoso, pessimista,
E de resto, o infeliz nunca se satisfez!
Novembro – 1903
NÃO SEI QUE POETA...
Não sei que poeta mau teve a lembrança, um dia,
Possuído d’um furor de plebe iconoclasta,
Baseado em não sei que falsa filosofia,
De querer te cobrir d’uma glória nefasta...
E entre epítetos e baldões de toda casta,
Esquecendo afinal o tom dessa hierarquia,
E a pose arquiducal e antiga da poesia,
O teu manto de rei nervosamente arrasta...
Ele não soube ler, ó herói, o teu destino,
Um supremo desdém, um orgulho divino,
E nunca pôde ver, pálido Dom João,
Através desse olhar, cismativo ou risonho,
Que não eras senão o símbolo d’um sonho,
E essa flor ideal e eterna da Ilusão!
DON JUAN, MAS PORQUE FOI...
Don Juan, mas porque foi um sedutor, de resto
Não deixou de curtir a Decepção cruel,
Pois sempre que sonhou, enlevado num gesto,
Sorver o amor, assim como um favo de mel,
Não sei, não sei que flor, com ódio manifesto,
Angélica, porém, com alma de Ariel,
Quando ele ia beber, inquieto, quase honesto,
Deitava-lhe no copo o veneno e o fel.
Abrindo os corações, todos, de par em par,
Apenas ele quis transpor o limiar,
Que estremeceu e tão branco e desfigurado...
Lírio ou rosa, não sei, nenhuma flor tocou,
Que uma serpente vil não tivesse manchado,
E um verme também não exclamasse: aqui ’stou!
Maio – 1904
UM DOS SONETOS DE DON JUAN
Todos os dias o meu coração suspira,
Umas vezes por ti, meu bem, outras por ti,
Meu novo bem, assim que se fora uma lira,
Ora em dó, ora em fá, ora em ré, ora em mi...
Ó torres de marfim, ó torres de safira,
Pérolas ideais, que eu nunca possuí,
Quando é que poderei (a minha alma delira)
Palpitar sobre vós, bem como um colibri?
E que ânsia de poder fundir-vos num só beijo,
E que ânsia de beijar a todas de uma vez,
Astros, dignos do meu soberano desejo!
Carnes, alvor de luz da manhã, que irradia,
Olhos, inundações furiosas de embriaguez,
Tranças revoltas como uma noite de orgia!
1903
OUTRO SONETO DE DON JUAN
Quando fulges aqui pela minha lembrança,
Ó fogo de Babel, luxuriosa flor,
É como se fulgisse a ponta de uma lança,
E é mais ódio talvez que eu sinto do que amor.
E vingança também e sede de vingança,
Sabendo que afinal foste possuída por
Tudo quanto bem quis, atroz desesperança,
Por vaidade ou prazer, ser teu possuidor...
E que horrível pesar que pois assim me veja
Condenado a querer enfim uma mulher
Que todo o mundo quis e todo o mundo beija...
E tenha por destino e por minha desgraça,
A infâmia de beber no fundo de uma taça
Onde eu sei que bebeu um beberrão qualquer!...
AINDA OUTRO DO MESMO AUTOR
Ó Sodoma gentil, ó flor maravilhosa,
Ser amado por ti causa-me tal prazer
Que eu não sei te dizer, minha pálida rosa,
Mas depois de te amar vale a pena morrer.
Acredita, eu não sei, pérola preciosa,
De gesto mais gracil e doce de mulher;
Que bom de te lançar, carne voluptuosa,
Por sobre os ombros nus flores de malmequer!
Tu não és, tu não és menos que uma rainha,
E parece que estou ao fundo de um clarão,
De um êxtase sem fim, que apenas se contém...
Eu desejo morrer. No meio da ilusão,
Ó Sodoma, porém, de inda tu seres minha,
Quem me dera viver, só p’ra te querer bem!
Fevereiro – 1904
AINDA OUTRO...
Quando te vejo assim passar como um lampejo,
Não imaginas tu, causa de meu prazer,
O anseio, e o fulgor, e o horror com que te vejo,
E o orgulho, e a ambição, e a fome de te ver.
Escuta: para mim, tu és um grande beijo,
Que inundasse de luz o fundo do meu ser...
E é um punhal este amor, e é um dardo este desejo,
E nada satisfaz a ânsia de te querer!
Os nossos olhos são uma voracidade!
Mal se avistam, não sei que loucura os invade:
Correm a se agarrar, trêmulos de paixão...
E pelejam assim, agarrados e unidos,
No meio d’um fragor trágico de rugidos,
Doidos por se querer destruir, mas em vão...
Novembro – 1903
E FINALMENTE O ÚLTIMO...
Meu encanto, meu bem, rosa de Alexandria,
Minha tulipa, meu ideal, minha ilusão,
Minha loucura, meu amor, minha agonia,
Meu céu aberto, que parece uma prisão:
Minha esperança e meu pesar de cada dia,
Ó minha luz, tu és o meu desejo vão,
E a espada, e o broquel, e a pluma, e essa alegria,
E esse delírio, e a flor da desesperação!
Quando será, porém, ó moinho de vento,
A hora que tarda, enfim, o suplício, o momento,
Em que eu, embriaguez celeste, hei de poder,
Já fatigado, já, de tudo, sim, de tudo,
Desses teus olhos vãos, mais caros que o veludo,
Ansiar ao pé de ti, mas por outra mulher?...
DE UM FAUNO
Ao Ismael Martins
Ah! quem me dera, quando passa em meu caminho
Juno! com seu andar de névoa que flutua,
Poder despi-la dessa túnica de linho...
E vê-la nua! Eu só compreendo estátua nua!
Nua! essa corça nua é branca, e é como a Lua...
Ser eu Apolo! embriagá-la do meu vinho!
Porém se estendo no ar os meus braços, recua,
Esquiva, a dama apressa o passo miudinho...
A dama foge, não deseja que eu avance...
Meu desejo, porém, é um gamo. De relance,
Vendo-a, corre a querer sugar-lhe o claro mel...
Despe-a; carrega-a, assim, despida, para o leito...
E, nua, em flor, bem como um sátiro perfeito,
Sobre o feno viola essa Virgem cruel!
1898
DON JUAN
Sensível, como quem podia ser, apenas
Mais vão do que uma sombra um gesto perpassou,
E logo desse herói, revoltas as melenas,
Brilhava o estranho olhar, que tanto ambicionou...
Era uma confusão. Pálidas e morenas,
Cada qual, cada qual como Deus a formou,
Não foi uma, nem dez, porém foram centenas
As mulheres por quem Don Juan desesperou...
Todas, todas que viu, ele mordeu de beijos,
Enraiveceu de amor, poluiu de desejos,
Tomado de furor, doido d’embriaguez...
Um delírio! Porém, Don Juan era um artista
E portanto cruel, nervoso, pessimista,
E de resto, o infeliz nunca se satisfez!
Novembro – 1903
NÃO SEI QUE POETA...
Não sei que poeta mau teve a lembrança, um dia,
Possuído d’um furor de plebe iconoclasta,
Baseado em não sei que falsa filosofia,
De querer te cobrir d’uma glória nefasta...
E entre epítetos e baldões de toda casta,
Esquecendo afinal o tom dessa hierarquia,
E a pose arquiducal e antiga da poesia,
O teu manto de rei nervosamente arrasta...
Ele não soube ler, ó herói, o teu destino,
Um supremo desdém, um orgulho divino,
E nunca pôde ver, pálido Dom João,
Através desse olhar, cismativo ou risonho,
Que não eras senão o símbolo d’um sonho,
E essa flor ideal e eterna da Ilusão!
DON JUAN, MAS PORQUE FOI...
Don Juan, mas porque foi um sedutor, de resto
Não deixou de curtir a Decepção cruel,
Pois sempre que sonhou, enlevado num gesto,
Sorver o amor, assim como um favo de mel,
Não sei, não sei que flor, com ódio manifesto,
Angélica, porém, com alma de Ariel,
Quando ele ia beber, inquieto, quase honesto,
Deitava-lhe no copo o veneno e o fel.
Abrindo os corações, todos, de par em par,
Apenas ele quis transpor o limiar,
Que estremeceu e tão branco e desfigurado...
Lírio ou rosa, não sei, nenhuma flor tocou,
Que uma serpente vil não tivesse manchado,
E um verme também não exclamasse: aqui ’stou!
Maio – 1904
UM DOS SONETOS DE DON JUAN
Ao Domingos Nascimento
Todos os dias o meu coração suspira,
Umas vezes por ti, meu bem, outras por ti,
Meu novo bem, assim que se fora uma lira,
Ora em dó, ora em fá, ora em ré, ora em mi...
Ó torres de marfim, ó torres de safira,
Pérolas ideais, que eu nunca possuí,
Quando é que poderei (a minha alma delira)
Palpitar sobre vós, bem como um colibri?
E que ânsia de poder fundir-vos num só beijo,
E que ânsia de beijar a todas de uma vez,
Astros, dignos do meu soberano desejo!
Carnes, alvor de luz da manhã, que irradia,
Olhos, inundações furiosas de embriaguez,
Tranças revoltas como uma noite de orgia!
1903
OUTRO SONETO DE DON JUAN
Quando fulges aqui pela minha lembrança,
Ó fogo de Babel, luxuriosa flor,
É como se fulgisse a ponta de uma lança,
E é mais ódio talvez que eu sinto do que amor.
E vingança também e sede de vingança,
Sabendo que afinal foste possuída por
Tudo quanto bem quis, atroz desesperança,
Por vaidade ou prazer, ser teu possuidor...
E que horrível pesar que pois assim me veja
Condenado a querer enfim uma mulher
Que todo o mundo quis e todo o mundo beija...
E tenha por destino e por minha desgraça,
A infâmia de beber no fundo de uma taça
Onde eu sei que bebeu um beberrão qualquer!...
AINDA OUTRO DO MESMO AUTOR
Ó Sodoma gentil, ó flor maravilhosa,
Ser amado por ti causa-me tal prazer
Que eu não sei te dizer, minha pálida rosa,
Mas depois de te amar vale a pena morrer.
Acredita, eu não sei, pérola preciosa,
De gesto mais gracil e doce de mulher;
Que bom de te lançar, carne voluptuosa,
Por sobre os ombros nus flores de malmequer!
Tu não és, tu não és menos que uma rainha,
E parece que estou ao fundo de um clarão,
De um êxtase sem fim, que apenas se contém...
Eu desejo morrer. No meio da ilusão,
Ó Sodoma, porém, de inda tu seres minha,
Quem me dera viver, só p’ra te querer bem!
Fevereiro – 1904
AINDA OUTRO...
Quando te vejo assim passar como um lampejo,
Não imaginas tu, causa de meu prazer,
O anseio, e o fulgor, e o horror com que te vejo,
E o orgulho, e a ambição, e a fome de te ver.
Escuta: para mim, tu és um grande beijo,
Que inundasse de luz o fundo do meu ser...
E é um punhal este amor, e é um dardo este desejo,
E nada satisfaz a ânsia de te querer!
Os nossos olhos são uma voracidade!
Mal se avistam, não sei que loucura os invade:
Correm a se agarrar, trêmulos de paixão...
E pelejam assim, agarrados e unidos,
No meio d’um fragor trágico de rugidos,
Doidos por se querer destruir, mas em vão...
Novembro – 1903
E FINALMENTE O ÚLTIMO...
Ao Santa Rita Junior
Meu encanto, meu bem, rosa de Alexandria,
Minha tulipa, meu ideal, minha ilusão,
Minha loucura, meu amor, minha agonia,
Meu céu aberto, que parece uma prisão:
Minha esperança e meu pesar de cada dia,
Ó minha luz, tu és o meu desejo vão,
E a espada, e o broquel, e a pluma, e essa alegria,
E esse delírio, e a flor da desesperação!
Quando será, porém, ó moinho de vento,
A hora que tarda, enfim, o suplício, o momento,
Em que eu, embriaguez celeste, hei de poder,
Já fatigado, já, de tudo, sim, de tudo,
Desses teus olhos vãos, mais caros que o veludo,
Ansiar ao pé de ti, mas por outra mulher?...
Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011
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