Como era de prever, não podia dar bom resultado aquele casamento. Os gênios não se combinavam e além disso a boneca não podia consolar-se do logro que levara. Narizinho ainda tentou convencê-la de que Rabicó era realmente príncipe e Pedrinho só dissera aquilo porque estava danado. Não houve meio. Quando Emília desconfiava, era para toda a vida. E desse modo ficou casada com Rabicó, mas dele separada para sempre.
— Está aí o que você fez! — costumava ela dizer em voz queixosa. — Casou-me com um príncipe de mentira e agora, está aí, está aí...
Narizinho dava-lhe esperanças.
— Tudo se arruma. Um dia ele morre e eu caso você com o Visconde ou outro qualquer.
Afinal chegou o dia do Ano Bom. Era costume de dona Benta festejar essa data com um jantar onde reunia vários parentes e vizinhos. Tia Nastácia caprichava. Frangos assados. Peru recheado. Leitão de forno. Pastéis, doces e quantas coisa gostosa havia. Era assim sempre e foi assim naquele ano.
Quando bateu a hora e todos foram para a mesa, começaram a vir pratos e mais pratos, até que, de repente, apareceu, numa grande travessa, um leitão “risonho”, de ovo cozido na boca e rodelas de limão pelo corpo.
Os meninos não esperavam que viesse leitão, porque a negra havia dito que o jantar seria só de peru. Narizinho imediatamente desconfiou e foi correndo ao terreiro procurar Rabicó. Chamou-o mais de vinte vezes e campeou-o por todos os lugares que ele costumava freqüentar. Não encontrando nem rasto, voltou para a sala a chorar desesperadamente.
— Não coma esse leitão, Pedrinho! É Rabicó. Aquela diaba feia nos enganou e assou no forno o coitadinho...
O menino, apesar de duro para chorar, ficou com os olhos cheios d’água, e ergueu-se da mesa furioso com a preta.
Emília, porém, pulou de alegria. Estava viúva! Podia finalmente casar-se com o Visconde de Sabugosa ou outro fidalgo qualquer.
Chegou a bater palmas e a cantar o “Pirulito que bate-bate”, que era a sua música predileta.
Narizinho não pode suportar aquilo. Avançou contra ela, numa fúria, e pregou-lhe um peteleco.
— Vou mandar o doutor Caramujo fazer uma operação nesta malvada para botar dentro o que está faltando .
Dona Benta perguntou, muito admirada, que era que estava faltando em Emília.
— Coração, vovó. Pois não vê? Emília não tem nem uma isca deste tamanhinho...
Quantas lágrimas perdidas! Rabicó não fora assado, não! Na véspera do dia de Ano Bom, assim que percebeu as intenções de tia Nastácia, tratou de pôr-se ao fresco, sorrateiramente, de orelhas em pé. Em caminho encontrou um pobre leitão da sua idade, muito parecido com ele. Teve uma idéia.
— Por que não vai amanhã cedo ao terreiro de dona Benta? — perguntou-lhe. — Deixei lá três abóboras quase inteiras.
O coitadinho foi. Encontrou as abóboras, é verdade, e comeu-as, mas teve como sobremesa faca de ponta e forno.
Desse modo conseguiu o ilustre marquês de Rabicó escapar à triste sina que lhe parecia reservada — e passado o perigo voltou, muito lampeiro da vida, como se não soubesse de coisa nenhuma!...
––––––––
Continua... O Casamento de Narizinho – I – A doença do príncipe
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
Nenhum comentário:
Postar um comentário