Enquanto Narizinho e Emília eram conduzidas à casa de dona Aranha, Pedrinho, o Visconde e Rabicó tomavam a direção da Floresta Vermelha — a mais linda mata de coral do reino.
— Deve ser lá que moram os polvos — disse Pedrinho. – Quero ver se levo um, para assustar tia Nastácia no sítio.
O Visconde ia abrindo a boca para dar sua opinião sobre os polvos, quando um grito agudo o interrompeu. Era Rabicó. Ao passar perto dum ouriço do mar, o bobinho julgou que fosse coisa de comer e nhoc! Agora berrava com desespero, com o ouriço espetado na boca. Pedrinho correu em seu socorro e só a muito custo pôde livrá-lo do terrível bicho.
— Bem feito! — advertiu. — Quem manda ser tão guloso? Comporte-se como o Visconde que nada acontecerá.
Rabicó respondeu soluçando e ainda com uma lágrima pendurada dos olhos:
— É muito fácil ser bem comportado quando não se tem estômago. Mas eu tenho um estômago que vale por dois. Por mais que coma, estou sempre com fome — e hoje ainda nem almocei...
Pedrinho teve dó dele.
— Pois coma o brinco, e contente-se com isso porque não há mais nada por enquanto.
Sem esperar segunda ordem, Rabicó devorou o brinco de amendoim com casca e tudo. Não perdeu um farelinho! Depois lambeu os beiços, cheio de saudade do outro amendoim, espatifado pela pelotada de Pedrinho. Foram andando. Súbito divisaram ao longe um vulto negro.
— Quem será? — indagou o menino firmando a vista.
— Deve ser um gigantesco polvo — sugeriu o Visconde.
— Polvo o seu nariz. Onde já se viu polvo com mastros? É navio e muito bom navio.
De fato era um navio naufragado — um enorme navio de três mastros, já meio enterrado na areia. Correram todos para lá; e como vissem um rombo no casco, entraram por ele. Puderam assim percorrer o navio inteirinho — os camarotes, os salões, o tombadilho. Rabicó separou-se dos companheiros para descobrir onde era a cozinha, na esperança de encontrar algum resto de comida. De repente gritou, muito alegre:
— Achei uma linda raiz de mandioca! Venham ver!...
Pedrinho e o Visconde foram ver, mas viram coisa muito diferente. Viram Rabicó ferrar o dente na tal raiz de mandioca e viram a raiz mover-se como cobra, enlear-se nele e arrastá-lo para o fundo de um camarote.
— Que será isto? — murmurou Pedrinho aproximando-se na ponta do pé, com o bodoque armado. Espiou. Era um polvo! Estava o pobre marquês nos braços dum enorme polvo, que o olhava muito admirado, como se jamais houvera visto leitão com laço de fita na cauda. — É o que pensei — cochichou o menino para o Visconde. — Rabicó mordeu no tentáculo deste monstro pensando ser mandioca. E agora está perdido!...
— Pelotada nele! — sugeriu o sábio.
— Não adianta — respondeu Pedrinho coçando a cabeça, sem saber o que fazer. Nisto teve uma idéia. – Senhorita — disse a uma sardinha que também estava assistindo ao espetáculo. — Faça-me o favor de ir correndo ao palácio dizer ao príncipe que o marquês está nas garras dum polvo. Ele que mande ajuda com a maior urgência!...
Ia a sardinha dando uma rabanada para partir, quando o Visconde a segurou pela caudinha.
— Senhorita, poderá acaso dizer-me qual é o seu nome científico?
Não sendo uma sardinha culta, julgou ela que o Visconde estivesse caçoando e ofendeu-se.
— Malcriado! Não se enxerga? — retrucou botando-lhe a língua.
E lá se foi em direção ao palácio, toda empinadinha para trás, a resmungar contra o “estafermo”. O Visconde, muito desapontado, ficou a refletir consigo que era uma pena serem totalmente analfabetos os habitantes daquele reino.
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Continua... O vestido maravilhoso
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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