UM VIOLÃO QUE CHORA
Ao Nestor Victor
I
Ao Miranda Rosa Junior
Olhos por seu gosto
Não os ponha em flor
Que lhe causam dor:
Sofre de os não pôr,
E de os haver posto...
Alma que anda cega,
Se por sossegar,
Veio a se empregar,
Nesse aventurar,
Muito mal se emprega...
Ter os seus cuidados
Todos em mulher,
Tenha-os quem puder,
Que é melhor não ter,
Que os ter enganados.
Amores são rosas,
Próprias da Ilusão,
Rosas em botão,
Que é quando elas são
Frescas e cheirosas.
Flor de maravilha,
Pérola de Ofir,
Pérola a sorrir...
... Ai de quem dormir
Sob a mancenilha!
Damas, meus senhores,
São todas iguais...
Já porque as olhais,
Nem vos olham mais,
Nem vos têm amores...
Julho – 1900
II
Dessa tão ferrenha mágoa
De querer vos esperar,
Meus olhos se encheram d’água
Salgada como a do mar.
Vós prometestes, senhora,
Voltar, um dia, porém,
Esperei, e até agora
Inda não veio ninguém...
Quando vireis? Não sei. Quando
(O destino tem suas leis)
Vierdes, aqui chegando,
Talvez que não me encontreis...
Mas se me não encontrardes,
O que é natural enfim,
Interrogai estas tardes,
Que hão de vos falar de mim.
Sobretudo este arvoredo,
Que há de vos dizer: “Eu vi,
Ele passeava, em segredo,
Todas as tardes aqui.
Passeava tristonho e mudo,
A pensar em não sei quê,
Tão distraído, que tudo
Via como quem não vê...
Andava, não sei, tão cheio
De torturas ideais...
Um dia o pobre não veio,
E afinal não veio mais...”
III
Ao Rodrigo Junior
Tantas vezes hei sofrido,
Que desta vez conheci
Que tudo ficou perdido
Nas mãos em que me feri.
E é justo que então vos diga
Que a mão que me faz sofrer,
Bem que me devia ser
Amiga, e não inimiga.
Vós me causastes tais penas,
Tão acerbas e tão cruas,
Não só uma vez nem duas,
Porém, senhora, dezenas,
Que eu jamais pude atinar
Com esse vosso querer,
Sempre causando pesar,
Em vez de causar prazer.
Feristes-me de maneira
Que me nasceu a ferida,
Por onde me corre a vida
Bem como uma cachoeira...
Entretanto, é singular
Isto que pois vou dizer:
Quase que sinto prazer
De me fazerdes penar.
Alegar o bem não há de
O coração, mas foi tal
A vossa malignidade
Que o alegar não faz mal:
Fui por vós, senhora minha,
O que não fui por ninguém;
É que à conta vos não tinha
De pagar com o mal o bem.
Eu como um cego supunha
Que fôsseis só formosura,
E não afiada unha,
Que dilacera e tortura:
Não pensei que dentro desse
Puro perfil ideal
Pudesse haver e houvesse
Tanto fel e tanto mal.
O poeta é a eterna criança,
Correndo atrás da ilusão,
Que lhe foge, e ele não cansa
De tanto correr em vão,
Nessa corrida enganosa
De quem não sabe o caminho...
Ora, crer-se que uma rosa
Deixasse de ter espinho!
Pois tal embriaguez sentia,
Prazeres tão absolutos
Quando eu vos acaso via,
Em horas que eram minutos,
Que bem só entendo agora,
Agora enfim é que eu sei
Que vós não éreis, senhora,
A flor que eu imaginei.
Também daqui por diante,
Isso a mim próprio jurei,
Por mais que o prazer me encante,
Vista jamais erguerei,
Nem para uma outra estrela,
Nem para uma outra dama;
Pois para que é que hei de erguê-la,
Se tudo que vejo é lama?
IV
Para o meu coração
Tantos bens ambicionei,
Que por mal dos meus pecados
Nunca os vi realizados
E talvez nunca os verei.
Que, ó meu passarinho verde,
Tanto quisestes e eu fiz,
Que, como por lá se diz,
Quem muito quer, muito perde...
Pensais de mim que sou cego
E que sou doido perfeito.
Mas eu também não vos nego
Ter de vós igual conceito.
Assim os dois ficaremos
Pagos do bem e do mal
Que um a outro nos fazemos,
Mas sem querer afinal.
Vós por me contrariar,
Eu por não vos entender,
Quando me dais um prazer
Logo em seguida é um pesar.
E sempre mal avisado,
Julgais que tudo sou eu,
Culpa do que sucedeu,
Quando eu sei quem é culpado...
Tudo muda a pouco e pouco,
Rochedos e vendavais,
Mas vós, cada vez mais louco,
Meu coração, não mudais.
E assim, o mal como o bem,
Que inda venha a suceder,
Só de vós pode nascer,
De vós e de mais ninguém...
Eu peco por ser sincero,
E vós por não terdes leis,
Eu já não sei o que quero,
Nem sabeis o que quereis
E não há como se esqueça,
Por maior esforço vão,
Nem vós da minha cabeça,
Nem eu do meu coração.
Não podemos ser unidos:
Vossos soluços de mágoa
Soluçam nos meus ouvidos,
Os meus olhos enchem d’água.
Separemo-nos os dois:
Por esses caminhos vou,
Já que sabeis quem eu sou,
E eu sei muito bem quem sois.
V
Lá fora, e à desora,
A lua branca gira,
Um violão suspira,
Enquanto a flauta chora...
Em vão tu te debruças
Sobre a janela, em vão...
Flauta, por quem soluças?
Por que gemes, violão?
A tua vida é morta,
Ó pobre coração,
A ti que bem te importa
Que alguém soluce ou não!
Um dia, quando já
Não existires, quem,
Quem que se lembrará
De ti? Talvez ninguém.
No vasto mar, que anseia,
Nesse profundo mar,
De um pobre grão d’areia,
Quem pode se lembrar?
Que pois a lua gire,
Que o violão soluce,
E um outro se debruce
E pálido suspire...
Tu, os ouvidos fecha,
E a tua porta; a ti
Que importa a flor que ri,
Que importa aquela queixa?
VI
Fragmentos de alguns versos, que se fizeram para os Desenganos, de regresso à terra.
Quando outro dia eu andei
Por esses mares remotos,
P’ra me escapar, e escapei,
Que grandes e ardentes votos
Eu fiz, senhora Sant’Anna,
Que és a mãe, se não me engana,
Mãe dos pobres pescadores,
Dos que vivem a pescar
Os enganos e as dores,
Por essas ondas do mar...
Foi tal a alegria minha,
Salvo nessa embarcação,
Que ergui muitas vezes a alma,
De joelho, a teus pés, rainha,
Como se fosse uma palma,
Que eu erguesse aqui do chão,
Que eu erguesse aqui do lodo,
E tão ébrio de esperança,
Que eu me ria como doido,
Chorava como criança...
Mal, porém, toquei em terra,
Vieram tamanhos danos,
Tanta tristeza e revés,
Tanta fúria, tanta guerra,
Tais foram os Desenganos,
Tantos, tantos de uma vez,
Que eu que tanto te pedi,
Sob uma estrela tão má,
Antes não viesse aqui,
Antes eu ficasse lá!
Outubro – 1906
VII
Pobre meu coração, aqui, no meu ouvido,
Conta-me tudo, vá, porém baixinho, assim,
Ó pobre Aflito, que tens subido e descido
Tantas vezes a Dor, uma montanha, enfim!
Cansado. Bem o sei. E há pouco inda perdido
Por um caminho que era trágico e ruim,
A mão furada, o pé descalço, e perseguido;
E que pena de ti, e que pena de mim!
Eu sei de tudo, sei da última e da primeira,
E de outras mais, e sei do sangue que rolou,
Tão grande que inundou quase a cidade inteira...
Mas, Voluptuoso, vê, de resto que mais queres,
Se nem plumas e nem rosas ou malmequeres,
E nem mais uma flor, e tudo se acabou?...
VIII
Vamos, meu coração, adormece de todo,
E não acordes mais, que vão te fazer mal;
Nunca, que tudo enfim é esse lodaçal,
E não é nada mais nem menos do que lodo...
Assim dormindo, olhos cerrados, desse modo,
Tua inimiga má e boa e natural,
A tristeza, não vai te perseguir, ó doido,
Nem a tristeza e nem a alegria, afinal.
É o descanso, e um bem, e a paz, enfim, e tudo,
E esse sorriso como flor, e a embriaguez,
E o leito leve, e perfumado, e de veludo...
E nada, e nada bom, como o doce abandono,
Esse letargo em que vais cair, a surdez
Desse sono animal, desse profundo sono!
Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011
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