sábado, 22 de janeiro de 2011

Cecília Meireles (Antologia Poética)


CANÇÃO

Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.

Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.

O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.

Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...
De Viagem (1939)

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou se desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

De Viagem (1939)

BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

Dez bailarinas deslizam
por um chão de espelho.
Têm corpos egípcios com placas douradas,
pálpebras azuis e dedos vermelhos.
Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,
e dobram amarelos joelhos.

Andam as dez bailarinas
sem voz, em redor das mesas.
Há mãos sobre facas, dentes sobre flores,
e com os charutos toldam as luzes acesas.
Entre a música e a dança escorre
uma sedosa escada de vileza.

As dez bailarinas avançam
como gafanhotos perdidos.
Avançam, recuam, na sala compacta,
empurrando olhares e arranhando o ruído.
Tão nuas se sentem que já vão cobertas
de imaginários, chorosos vestidos.

As dez bailarinas escondem
nos cílios verdes as pupilas.
Em seus quadris fosforescentes,
passa uma faixa de morte tranqüila.
Como quem leva para a terra um filho morto,
levam seu próprio corpo, que baila e cintila.

Os homens gordos olham com um tédio enorme
as dez bailarinas tão frias.
Pobres serpentes sem luxúria,
que são crianças, durante o dia.
Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,
embalsamados de melancolia.

Vão perpassando como dez múmias,
as bailarinas fatigadas.
Ramo de nardos inclinando flores
azuis, brancas, verdes, douradas.
Dez mães chorariam, se vissem
as bailarinas de mãos dadas.

De Retrato Natural (1949)

CANÇÃO

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e minhas duas mãos quebradas.

De Viagem (1939)

CANÇÃO DE ALTA NOITE

Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.

Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.

Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.

Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.

Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.

Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.

Andar... — enquanto consente
Deus que a noite seja andada.

Porque o poeta, indiferente,
anda por andar — somente.
Não necessita de nada.

De Vaga Música (1942)

CANÇÃO DO CAMINHO

Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajeto do fumo.

Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
— Se fosse,
em vez da canção, teu braço!

Ah! mas logo ali adiante
— tão perto! —
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.

(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)

De Vaga Música (1942)

CANÇÃO

No desequilíbrio dos mares,
as proas giraram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto.

Quando as ondas te carregaram,
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo que existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro dessas águas sem fim.

De Viagem (1939)

GUITARRA

Punhal de prata já eras,
punhal de prata!
Nem foste tu que fizeste
a minha mão insensata.

Vi-te brilhar entre as pedras,
punhal de prata!
— no cabo, flores abertas,
no gume, a medida exata,

a exata, a medida certa,
punhal de prata,
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data.

A maior pena que eu tenho,
punhal de prata,
não é de me ver morrendo,
mas de saber quem me mata.
De Viagem (1939)

SERENATA

Repara na canção tardia
que timidamente se eleva,
num arrulho de noite fria.

O orvalho treme sobre a treva
e o sonho da noite procura
a voz que o vento abraça e leva.

Repara a canção tardia
que oferece a um mundo desfeito
sua flor de melancolia.

É tão triste, mas tão perfeito,
o movimento em que murmura,
como o do coração no peito.

Repara na canção tardia
que por sobre o teu nome, apenas,
desenha a sua melodia.

E nessas letras tão pequenas
o universo inteiro perdura.
E o tempo suspira na altura

por eternidades serenas.

De Viagem (1939)

PÁSSARO

Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.

Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.

Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.

Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.

De Retrato Natural (1949)

Fonte:
Meireles, Cecília. Obra Poética. Volume Único. RJ: Nova Aguilar, 1987.

Artur de Azevedo (Uma Aposta)


Se o Simplício Gomes não fosse um rapaz do nosso tempo, se não usasse calças brancas, paletó de alpaca, chapéu de palha e guarda-chuva, daria idéia de um desses quebra-lanças que só se encontram nos romances de cavalaria. De outro qualquer diríamos: "Ele gostava da Dudu"; tratando-se, porém, do Simplício Gomes, empregaremos esta expressão menos familiar: "Ele amava Edviges."

O seu amor tinha, realmente, alguma coisa de puro e de ideal, que não se compadecia com os costumes de hoje. Começava por ser discreto; Dudu adivinhou, ou antes, percebeu que era amada, mas ele nunca lho disse, nunca se atreveu a dizer-lhe, não por timidez ou respeito, mas simplesmente porque não tinha confiança no seu merecimento.

Estava bem empregado, poderia casar-se e viver modestamente em família, mas era tão feio, tão pequenino, tão insignificante e ela tão linda e tão esbelta, que o casamento lhe parecia desproporcionado. Ele não se sentia digno dela, não acreditava que a pudesse fazer feliz, e isso o desgostava profundamente. Ela, por seu lado, não concorria para que a situação se modificasse: fingia ignorar que ele a amava, e atribuía toda aquela solicitude a um afeto desinteressado.

Dudu vivia com a mãe, uma pobre viúva sem outro recurso que não fosse o do meio soldo e montepio deixados pelo marido, brioso oficial do Exército que viveu sempre desprotegido, porque não sabia lisonjear nem pedir; mas o Simplício Gomes, sem fumaças de protetor, e dando a esmola com ares de quem a recebia, achava meios e modos de fazer com que naquela casa faltasse apenas o supérfluo. Como era parente, embora afastado, das duas senhoras, estas consideravam os seus favores simples atenções de família.

O caso é que o Simplício Gomes parecia adivinhar os menores desejos de Dudu e nessas ocasiões recorria ao ardil de uma aposta:

- Aposto que hoje chove!
- Que idéia! o dia está bonito!
- Pois sim, mas o calor é excessivo: temos água com toda certeza!
- Não temos!
- Façamos uma aposta!
- Valeu! se chover eu perco uma caixa de charutos.
- E eu aquela blusa que você viu na vitrina da Notre Dame e cobiçou tanto.
- Quem lhe disse que cobicei?
- Ora, esses olhos não me enganam...

No dia seguinte Dudu recebia a blusa.

A velha costumava dizer com muita ingenuidade:

- Você faz mal em apostar, Simplício! E muito caipora, perde sempre, e então, em se tratando de mudança de tempo, é uma lástima!

Conquanto não se atrevesse a falar em casamento, o pobre rapaz sofria, oprimido pela idéia de que quando menos se pensasse, Dudu teria um namorado... um noivo... um marido e efetivamente, não se passou muito tempo que os seus receios não se realizassem.

Dudu impressionou-se por um cavalheiro muito bem trajado, que começou a rondar-lhe a porta quase todos os dias, cumprimentando-a, depois sorrindo-lhe, e finalmente escrevendo-lhe graças à cumplicidade de um molecote da casa.

Depois de receber três cartas, Dudu contestou, convenceu-se de que as intenções do namorado eram as melhores e mostrou a correspondência à mãe, que imediatamente consultou o Simplício Gomes sem saber o desgosto que lhe causava. Este, que já havia notado as idas e vindas do transeunte suspeito, disfarçou o mais que pôde, os seus sentimentos, limitando-se a dizer que Dudu não deveria casar-se com aquele homem sem ter primeiramente certeza de que ele a amava deveras. A velha, com toda a sua simplicidade, pediu-lhe que se informasse da idoneidade do pretendente, e o mísero logo se transformou de quebra-lanças em quebra-esquinas.

Foram desanimadoras (para ele) as informações que obteve: o rival chamava-se Bandeira, era de boa família, de bons costumes, funcionário público de certa categoria, estimado, e tinha alguma coisa. O seu único defeito era ser um pouco genioso.

O Simplício, que não tinha o altruísmo heróico de Cirano de Bergerac, não avolumou as qualidades do outro, mas foi leal: não as diminuiu. Em suma: o Bandeira pediu a mão de Dudu; e começou a freqüentar a casa.

O coitado não articulou uma queixa, mas começou desde logo a emagrecer a olhos vistos; perdeu o apetite, ficou macambúzio, fúnebre... Dudu, que tudo compreendeu, teve muita pena, teve quase remorsos; mas a velha nem mesmo assim desconfiou que a filha fosse adorada pelo infeliz parente.

Entretanto, o Simplício Gomes começou a ser assíduo em casa de Dudu; o seu desejo oculto era não deixá-la sozinha com o tal Bandeira enquanto não se casassem. O noivo tinha, efetivamente, boas qualidades, mas era não só genioso, mas de uma arrogância, de uma empáfia, de um autoritarismo que começaram a inquietar Dudu.

Uma bela tarde em que se achavam ambos sentados no canapé, e o Simplício Gomes, afastado, num canto da sala, folheava um álbum de retratos, o Bandeira levantou-se dizendo:

- Vou-me embora; tenho ainda que dar umas voltas antes da noite.
- Ora, ainda é cedo; fique mais um instantinho, replicou Dudu, sem se levantar do canapé.
- Já lhe disse que tenho que fazer! Peço-lhe que vá desde já se habituando a não contrariar as minhas vontades! Olhe que depois de casado, hei de sair quantas vezes quiser sem dar satisfações a ninguém!
- Bom; não precisa zangar-se...
- Não me zango, mas contrario-me! Não me escravizei; quero casar-me com a senhora, mas não perder a liberdade!
- Faz bem. Adeus. Até quando?
- Até amanhã ou depois.

O Bandeira apertou a mão de Dudu, despediu-se com um gesto do Simplício Gomes, e saiu batendo passos enérgicos, de dono de casa. Dudu ficou sentada no canapé, olhando para o chão.

O Simplício Gomes aproximou-se de mansinho, e sentou-se ao seu lado. Ficaram dez minutos sem dizer nada um ao outro. Afinal Dudu rompeu o silêncio. Olhou para o céu iluminado por um crepúsculo esplêndido, e murmurou:

- Vamos ter chuva.
- Não diga isso, Dudu: o tempo está seguro!
- Apostemos!
- Pois apostemos! Eu perco uma coisa bonita para o seu enxoval de noiva. E você?
- Eu... perco-me a mim mesma, porque quero ser tua mulher! E Dudu caiu, chorando, nos braços de Simplício Gomes.

Fontes:
Histórias brejeiras, 1962. In AZEVEDO, Artur de. Contos. SP: Editora Escala. s/d
Imagem = Ivan Jerônimo http://www.ivanjeronimo.com.br/

Folclore (Parlendas)


As parlendas são brincadeiras antigas e fazem parte do folclore brasileiro, são formas literárias tradicionais, rimadas com caráter infantil, de ritmo fácil e de forma rápida. Não são cantadas e sim declamadas em forma de texto, estabelecendo-se como base a acentuação verbal. São versos de 5 ou 6 silabas recitadas para entender, acalmar, divertir as crianças, ou mesmo em brincadeiras para escolher quem inicia a brincadeira ou o jogo, ou mesmo aqueles que podem brincar.O motivo de uma Parlenda é apenas o ritmo como ela se desenvolve, o texto verbal é uma série de imagens associadas e obedecendo apenas o senso lúdico, ela pode ser destinada a fixação de números ou idéias primarias, dias da semana, cores, dentre outros assuntos

Atualmente as Parlendas têm sido muito utilizadas pelos educadores de infância em sala de aula, é uma brincadeira que toda criança gosta e se interessa, já que estimula a imaginação de cada um. As parlendas podem ser utilizadas para memorização de números, dias da semana, meses, nomes de cidades e outros temas diversos; o professor pode criar a sua própria parlenda que mais se adeque ao momento educacional da criança.

Parlendas:

Amanhã é domingo, pé de cachimbo.
O cachimbo é de ouro, bate no touro.
O touro é valente, bate na gente.
A gente é fraco, cai no buraco.
O buraco é fundo, acabou-se o mundo.
= = = = = = = = = = = =
-O Papagaio come milho.
periquito leva a fama.
Cantam uns e choram outros
Triste sina de quem ama.
= = = = = = = = = = = =
-Um, dois, feijão com arroz,
Três, quatro, feijão no prato,
Cinco, seis, falar inglês,
Sete, oito, comer biscoito,
Nove, dez, comer pastéis.
= = = = = = = = = = = =
-Eu sou pequena,
Da perna grossa,
Vestido curto,
Papai não gosta
= = = = = = = = = = = =
-Por detrás daquele morro,
Passa boi, passa boiada,
Também passa moreninha,
De cabelo cacheado
= = = = = = = = = = = =
-Tropeiro fala de burro,
Vaqueiro fala de boi,
Jovem fala de namorada,
Velho fala que foi.
= = = = = = = = = = = =
-Era uma bruxa
À meia-noite
Em um castelo mal-assombrado
com uma faca na mão
Passando manteiga no pão
= = = = = = = = = = = =
-A sempre-viva quando nasce,
toma conta do jardim
Eu também quero arranjar
Quem tome conta de mim
= = = = = = = = = = = =
-Batatinha quando nasce,
Se esparrama pelo chão,
Mamãezinha quando dorme,
Põe a mão no coração.
= = = = = = = = = = = =
-Palminha

Palma, palminha,
Palminha de Guiné
Pra quando papai vié,
Mamãe dá a papinha,
Vovó bate cipó,
Na bundinha do nenê.
= = = = = = = = = = = =
- Homem com homem
Mulher com mulher
Faca sem ponta
Galinha sem pé
= = = = = = = = = = = =
- Enganei um bobo
Na casca do ovo!
= = = = = = = = = = = =
- Vá à …
Já fui e já voltei!
Burro que nem você nunca encontrei
= = = = = = = = = = = =
- Zé Capilé!
Tira bicho do pé
Pra tomar com café!
= = = = = = = = = = = =
- Aparecida! (ou Cida!)
Come casca de ferida
Amanhecida!
= = = = = = = = = = = =
- Cala a boca!
Cala a boca já morreu
Quem manda em você sou eu!
= = = = = = = = = = = =
- Coco pelado
Caiu no melado
Quebrou uma perna
Ficou aleijado
= = = = = = = = = = = =
-Uni, duni,tê

Uni, duni, tê,
Salamê, mingüê,
Um sorvete colorê,
O escolhido foi você!
= = = = = = = = = = = =
- O cochicho

Quem cochicha,
O rabo espicha,
Come pão
Com lagartixa
= = = = = = = = = = = =
- Rei Capitão

Rei, capitão,
Soldado, ladrão.
Moça bonita
Do meu coração
= = = = = = = = = = = =
- Fui à feira

Fui à feira comprar uva.
Encontrei uma coruja,
Pisei no rabo dela.
Ela me chamou de cara suja
= = = = = = = = = = = =
-Os dedos

Dedo mindinho,
Seu vizinho,
Pai de todos,
Fura bolo,
Mata piolho..
= = = = = = = = = = = =
- Chuva e sol, casamento
de espanhol.
Sol e chuva, casamento
de viúva.
= = = = = = = = = = = =
- Meio dia

Meio dia,
Panela no fogo,
Barriga vazia.
Macaco torrado,
Que vem da Bahia,
Fazendo careta,
Pra dona Sofia.
= = = = = = = = = = = =
- PAPAGAIO LOURO

Papagaio luoro
Do bico dourado
Leva essa cartinha
Pro meu namorado
Se tiver dormindo
Bate na porta
Se tiver acordado
Deixe o recado.
= = = = = = = = = = = =
-O cemitério

No portão do cemitério,
Tério, tério, tério,
Duas almas se encontraram,
Traram, traram, traram.
Uma disse para a outra,
Outra, outra, outra,
Você é uma vagabunda,
Bunda, bunda, bunda,
Mas que falta de respeito,
Peito, peito, peito
Mas que peito cabeludo,
Ludo, ludo, ludo
= = = = = = = = = = = =
Andando pelo caminho
Fui andando pelo caminho.
Éramos três,
Comigo quatro.
Subimos os três no morro,
Comigo quatro.
Encontramos três burros,
Comigo quatro.
= = = = = = = = = = = =
- Perna de pato
Entrou pela perna do pato,
Saiu pela perna do pinto.
O rei mandou dizer
Que quem quiser
Que conte cinco:
Um, dois, três, quatro, cinco
= = = = = = = = = = = =
-A mulher morreu

Lá na rua vinte e quatro,
a mulher matou o gato,
com a sola do sapato,
o sapato estremeceu
a mulher morreu
o culpado não fui eu.
= = = = = = = = = = = =
-La em cima do piano
tem um copo de veneno
Quem bebeu, morreu
O azar foi seu.
= = = = = = = = = = = =
-Agá, agá
A galinha quer botar
Ijê, Ijê
Minha mãe me deu uma surra
fui parar no Tietê
Alô,Alô
O Galo já cantou
Amarelo, amarelo
Fui parar no cemitério
Roxo, roxo,
Fui parar dentro do cocho
= = = = = = = = = = = =
- Cadê o toucinho que estava aqui?
O Gato comeu
Cadê o gato?
No mato
Cade o mato?
O fogo queimou
Cadê o fogo?
A água apagou
Cadê a água?
O Boi bebeu
Cadê o boi?
Amassando o trigo
Cadê o trigo?
A galinha espalhou
Cadê a galinha?
Botando ovo
Cadê o ovo?
O padre bebeu
Cadê o padre?
Rezando missa
Cadê a missa?
Tá na capela
Cadê a Capela?
Ta aqui.........
= = = = = = = = = = = =
-Bão Balalão

Bão, babalão,
Senhor Capitão,
Espada na cinta,
Ginete na mão.
Em terra de mouro
Morreu seu irmão,
Cozido e assado
No seu caldeirão
= = = = = = = = = = = =
Ou
Bão-balalão!
Senhor capitão!
Em terras de mouro
Morreu meu irmão,
Cozido e assado
Em um caldeirão;
Eu vi uma velha
Com um prato na mão,
= = = = = = = = = = = =
-Quem é?
É o padeiro
E o que quer?
Dinheiro
Pode entrar
que eu vou buscar
O seu dinheiro
Lá embaixo do travesseiro
= = = = = = = = = = = =
-O Macaco foi á feira
Não sabia o que comprar
Comprou uma cadeira
Pra comadre se sentar
A comadre se sentou
A cadeira escorregou
coitada da comadre
foi parar no corredor
= = = = = = = = = = = =
-Batalhão
Batalhão, lhão, lhão,
quem não entrar é um bobão.
Abacaxi, xi, xi
quem não sai é um saci.
Beterraba, aba, aba,
quem errar é uma diaba.
Borboleta, leta, leta
, quem errar é uma capeta.
= = = = = = = = = = = =
-PEDRINHA

Pisei na pedrinha,
A pedrinha rolou
Pisquei pro mocinho,
Mocinho gostou
Contei pra mamãe
Mamãe nem ligou
Contei pro papai,
Chinelo cantou.

Fontes:
http://www.qdivertido.com.br/verfolclore.php?codigo=21
http://www.bigmae.com/o-que-sao-parlendas/
http://www.brasilfolclore.hpg.ig.com.br/parlenda.htm

Carlos Drummond de Andrade (Debaixo da Ponte)


Moravam debaixo da ponte.

Oficialmente, não é lugar onde se more, porém eles moravam. Ninguém lhes cobrava aluguel, imposto predial, taxa de condomínio: a ponte é de todos, na parte de cima; de ninguém, na parte de baixo. Não pagavam conta de luz e gás, porque luz e gás não consumiam. Não reclamavam contra falta dágua, raramente observada por baixo de pontes. Problema de lixo não tinham; podia ser atirado em qualquer parte, embora não conviesse atirá-lo em parte alguma, se dele vinham muitas vezes o vestuário, o alimento, objetos de casa. Viviam debaixo da ponte, podiam dar esse endereço a amigos, recebê-los, fazê-los desfrutar comodidades internas da ponte.

À tarde surgiu precisamente um amigo que morava nem ele mesmo sabia onde, mas certamente morava: nem só a ponte é lugar de moradia para quem não dispõe de outro rancho. Há bancos confortáveis nos jardins, muito disputados; a calçada, um pouco menos propícia; a cavidade na pedra, o mato. Até o ar é uma casa, se soubermos habitá-lo, principalmente o ar da rua. O que morava não se sabe onde vinha visitar os de debaixo da ponte e trazer-lhes uma grande posta de carne.

Nem todos os dias se pega uma posta de carne. Não basta procurá-la; é preciso que ela exista, o que costuma acontecer dentro de certas limitações de espaço e de lei. Aquela vinha até eles, debaixo da ponte, e não estavam sonhando, sentiam a presença física da ponte, o amigo rindo diante deles, a posta bem pegável, comível. Fora encontrada no vazadouro, supermercado para quem sabe freqüentá-lo, e aqueles três o sabiam, de longa e olfativa ciência.
Comê-la crua ou sem tempero não teria o mesmo gosto. Um de debaixo da ponte saiu à caça de sal. E havia sal jogado a um canto de rua, dentro da lata. Também o sal existe sob determinadas regras, mas pode tornar-se acessível conforme as circunstâncias. E a lata foi trazida para debaixo da ponte.

Debaixo da ponte os três prepararam comida. Debaixo da ponte a comeram. Não sendo operação diária, cada um saboreava duas vezes: a carne e a sensação de raridade da carne. E iriam aproveitar o resto do dia dormindo (pois não há coisa melhor, depois de um prazer, do que o prazer complementar do esquecimento), quando começaram a sentir dores.

Dores que foram aumentando, mas podiam ser atribuídas ao espanto de alguma parte do organismo de cada um, vendo-se alimentado sem que lhe houvesse chegado notícia prévia de alimento. Dois morreram logo, o terceiro agoniza no hospital. Dizem uns que morreram da carne, dizem outros que do sal, pois era soda cáustica.

Há duas vagas debaixo da ponte.

Fontes:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra Completa. RJ: José Aguilar Ed., 1967.
Imagem = www.tvcanal13.com.br/fotos/miseria1.jpg

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.103)


Uma Trova Nacional

Sofre o carteiro na mata
um arranjo repentino.
Muitas cartas nessa data
não chegou a seu destino...
(ALFREDO VALADARES/MG)

Uma Trova Potiguar

Não é para mim que jogo
pra tirar grandes valores,
faço a mega e a Deus rogo
pensando nos meus credores!
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Uma Trova Premiada

2009 > Ribeirão Preto/PR
Tema > EREMITA > Menção Honrosa

Indo armar uma arapuca,
encontrei um eremita
que, me vendo de peruca,
perguntou se eu era Chita...
(RUTH FARAH NACIF/RJ)

Simplesmente Poesia

MOTE:
CARRO VELHO E SUTIÃ,
SÓ COMPRA QUEM É PEITUDO.

GLOSA:
Se existe coisa vã.
tão falsa como aparente,
é, sem dúvida, minha gente,
carro velho e sutiã.
Digo hoje, digo amanhã,
direi também, e não mudo,
usar o bom senso é tudo;
e, lógico é o que eu digo:
essas duas coisas, amigo,
só compra quem é peitudo.
(JOSÉ LEIROS/RN)
.
Uma Trova de Ademar

Por agir sem ter cautela
um grande mico eu paguei,
investi numa donzela
que na verdade era um gay!...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

São José, figura obreira
e carpinteiro de luz,
fez muita coisa em madeira,
mas nunca fez uma cruz!
(RENÊ BITTENCOURT/RJ)

Estrofe do Dia

Não me podendo atender
não vá ficar irritado,
diga-me um não educado
que eu sei bem compreender,
não pense em se abastecer
de ódio e ignorância,
que sua preponderância
vai cair pela metade
- Respeite minha humilda
deque eu zelo sua arrogância.
(PEDRO ERNESTO FILHO/CE)

Soneto do Dia

– Thalma Tavares/SP –
O CASO DO TONHO.

O Tonho tem um caso na Internet.
Segundo ele, uma mulher fogosa
que usa o codinome de Cossete
e se revela ardente e carinhosa.

O Tonho anda por ela apaixonado...
E se na “virtual” a coisa rende,
ele quer se sentir mais realizado
buscando na “real” o que pretende.

- “Trarei um “C”, disse ela, no meu busto,
vermelho igual ao fogo que hoje, a custo,
você tenta apagar e jamais logra”.

E ele vai, porém volta apavorado
quando descobre, incrédulo, assustado,
que a fogosa Cossete é sua sogra.

Fonte:
Ademar Macedo

Rachel de Queiroz (Os Dois Bonitos e os Dois Feios)


Nunca se sabe direito a razão de um amor. Contudo, a mais frequente é a beleza. Quero dizer, o costume é os feios amarem os belos e os belos se deixarem amar. Mas acontece que às vezes o bonito ama o bonito e o feio o feio, e tudo parece estar certo e segundo a vontade de Deus, mas é um engano. Pois o que se faz num caso é apurar a feiúra e no outro apurar a boniteza, o que não está certo, porque Deus Nosso Senhor não gosta de exageros; se Ele fez tanta variedade de homens e mulheres neste mundo é justamente para haver mistura e dosagem e não se abusar demais em sentido nenhum. Por isso também é pecado apurar muito a raça, branco só querendo branco e gente de cor só querendo os da sua igualha — pois para que Deus os teria feito tão diferentes, se não fora para possibilitar as infinitas variedades das suas combinações?

O caso que vou contar é um exemplo: trata de dois feios e dois bonitos que se amavam cada um com o seu igual. E, se os dois bonitos se estimavam, os feios se amavam muito, quero dizer, o feio adorava a feia, como se ela é que fosse a linda. A feia, embalada com tanto amor, ficava numa ilusão de beleza e quase bela se sentia, porque na verdade a única coisa que nos torna bonitos aos nossos olhos é nos espelharmos nos olhos de quem nos ame.

Vocês já viram um vaqueiro encourado? É um traje extraordinariamente romântico e que, no corpo de um homem e delgado, faz milagres. É a espécie de réplica em couro de uma armadura de cavaleiro.

Dos pés à cabeça protege quem a veste, desde as chinelas de rosto fechado, e as perneiras muito justas ao relevo das pernas e das coxas, o guarda-peito colado ao torso, o gibão amplo que mais acentua a esbelteza do homem e por fim o chapéu que é quase a cópia exata do elmo de Mambrino. Aliás, falei que só assenta roupa de couro em homem magro e disse uma redundância, porque nunca vi vaqueiro gordo. Seria mesmo que um toureiro gordo, o que é impossível. Se o homem não for leve e enxuto de carnes, nunca poderá cortar caatinga atrás de boi, nem haverá cavalo daqui que o carregue.

Os dois heróis da minha história, tanto o feio como o bonito, eram vaqueiros do seu ofício. E as duas moças que eles amavam eram primas uma da outra — e apesar da diferença no grau de beleza, pareciam-se. Sendo que uma não digo que fosse a caricatura da outra, mas era, pelo menos, a sua edição mais grosseira. O rosto de índia, os olhos amendoados, a cor de azeitona rosada da bonita, repetidos na feia, lhe davam uma cara fugidia de bugra; tudo que na primeira era graça arisca na segunda se tornava feiúra sonsa.

De repente, não se sabe como, houve uma alteração. O bonito, inexplicavelmente, mudou. Deixou de procurar a sua bonita. Deu para rondar a casa da outra, a princípio fingindo um recado, depois nem mais esse cuidado ele tinha. Sabe-se lá o que vira. No fundo, talvez obedecesse àquela abençoada tendência que leva os homens bonitos em procura das suas contrárias; benza-os Deus por isso, senão o que seria de nós, as feiosas? Ou talvez fosse porque a bonita, conhecendo que o era, não fizesse força por sustentar o amor de ninguém. Enquanto a pobre da feia todos sabem como é — aquele costume do agrado e, com o uso da simpatia, descontar a ingratidão da natureza. E embora o seu feio fosse amante dedicado, quanto não invejaria a feia a beleza do outro, que a sua prima recebia como coisa tão natural, como o dia ser dia e a noite ser noite. Já a feia queria fazer o dia escuro e a noite clara — e o engraçado é que o conseguiu. Muito pode quem se esforça.

O feio logo sentiu a mudança e entendeu tudo. Passou a vigiar os dois. Se esta história fosse inventada poderia dizer que ele, se vendo traído, virou-se para a bonita e tudo se consertou. Mas na vida mesmo as pessoas não gostam de colaborar com a sorte. Fazem tudo para dificultar a solução dos problemas, que, às vezes, está na cara e elas não querem enxergar. Assim sendo, o feio ficou danado da vida, e nem se lembrou de procurar consolo junto da bonita desprezada; e esta, se sentindo de lado, interessou-se por um rapaz bodegueiro que não era bonito como o vaqueiro enganoso, mas tinha muito de seu e podia casar sem demora e sem condições.

Assim, ficaram em jogo só os três. O feio cada dia mais desesperado. A feia, essa andava nas nuvens, e toda vez que o "primo" (pois se tratavam de primos) lhe botava aqueles olhos verdes — eu falei que além de tudo ele ainda tinha os olhos verdes? — ela pensava que ia entrar de chão adentro, de tanta felicidade.

Mas o pior é que os dois vaqueiros ainda saíam todo o dia juntos para o campo, pois eram campeiros da mesma fazenda e se haviam habituado a trabalhar de parelha, como Cosme e Damião. Seria impossível se separarem sem que um dos dois partisse para longe, e, é claro, nenhum deles pretendia deixar o lugar vago ao outro.

Assim estava a intriga armada, quando a feia, certa noite, ao conversar na janela com o seu bonito que lá viera furtivo, colheu um cravo desabrochado no craveiro plantado numa panela de barro e posto numa forquilha bem encostada à janela (era uma das partes dela, ter todos esses dengues de mulher bonita) e enquanto o moço cheirava o cravo, ela entrefechou os olhos e lhe disse baixinho:

— Você sabe que o outro já lhe jurou de morte?

Falei que o desprezado jurara de matar o traidor. Seria verdade? Quem sabe as coisas que é capaz de inventar uma mulher feia improvisada em bonita pelo amor de dois homens, querendo que o seu amor renda os juros mais altos de paixão?

O belo moço assustou. Gente bonita está habituada a receber da vida tudo a bem dizer de graça, sem luta nem inimizade, como seu direito natural, que os demais devem graciosamente reconhecer. As mulheres o queriam, os homens lhe abriam caminho. E não é só em coisas de amor: de pequenino, o menino bonito se habitua a encontrar facilidades, basta fazer um beiço de choro ou baixar um olho penoso, todo o mundo se comove, pede uni beijo, dá o que ele quer. Já o feio chora sem graça, a gente acha que é manha, mais fácil dar-lhe uns cascudos do que lhe fazer o gosto. Assim é o mundo, e se está errado, quem o fez foi outro que não nos dá satisfações.

Pois o bonito assustou. Deu para olhar o outro de revés, ele que antes vivia tão confiado, como se adiasse que a obrigação do coitado era lhe ceder a menina e ainda tirar o chapéu. Passou a ver mal em tudo. De manhã, ao montar a cavalo, examinava a cilha e os loros, os quatro cascos do animal. Ele, que só usava um canivete quando ia assinar criação, comprou ostensivamente uma faca, afiou-a na beira do açude, e só a tirava do cós para dormir. E quando saía a campo com o companheiro, em vez de irem os dois lado a lado, segundo o costume, marchava atrás, dez braças aquém do cavalo do outro.

O feio não falava nada. Fazia que não enxergava as novidades do colega. Como sempre andara armado, não careceu comprar faca para fazer par com a peixeira nova do rival. E, sendo do seu natural taciturno, continuou calado e fechado consigo.

E o outro — nós mulheres estamos habituadas a pensar que todo homem valente é bonito, mas a recíproca raramente é verdade, e nem todo bonito é valente. Este nosso era medroso. Era medroso mas amava, o que o punha numa situação penosa. Não amasse, ia embora, o mundo é grande, os caminhos correm para lá e para cá. Agora, porém, só lhe restava amar e ter medo. Ou defender-se. Mas como? O rival não fazia nada, ficava só naquela ameaça silenciosa; as juras de morte que fizera — se as fizera — de juras não tinham passado ainda. Meu Deus, e ele não era homem de briga, já não disse? Tinha a certeza de que se provocasse aquele alma fechada, morria.

Bem, as juras eram verdadeiras. O feio jurara de morte o bonito e não só de boca para fora, na presença da amada, mas nas noites de insônia, no escuro do quarto, sozinho no ódio do seu coração. Levava horas pensando em como o mataria — picado de faca, furado de tiro, moído de cacete. Só conseguia dormir quando já estava com o cadáver defronte dos olhos, bonito e branco, ah, bonito não, pois, quando o matava em sonhos, a primeira coisa que fazia era estragar aquela cara de calunga de loiça, pondo-a de tal modo feia que até os bichos da cova tivessem nojo dela. Mas como fazer? Não poderia começar a brigar, matá-lo, sem quê nem mais. Hoje em dia justiça piorou muito, não há patrão que proteja cabra que faz uma morte, nem a fuga é fácil, com tanto telégrafo, avião, automóvel. E de que servia matar, tendo depois que penar na prisão? Assim, quem acabaria pagando o malfeito haveria de ser ele mesmo. O outro talvez fosse para o purgatório, morrendo sem confissão, mas era ele que ficava no inferno, na cadeia. Aí então teve a idéia de uma armadilha. Botar uma espingarda com um cordão no gatilho... quando ele fosse abrindo a porta. Não dava certo, todo o mundo descobriria o autor da espera. Atacá-lo no mato e contar que fora uma onça... Qual, cadê onça que atacasse vaqueiro em pleno dia? E a chifrada de um touro? Difícil, porque teria que apresentar o touro, na hora e no lugar... Lembrou-se então de um caso acontecido muitos anos atrás, quase no pátio da fazenda. O velho Miranda corria atrás de uma novilha, a bicha se meteu por sob um galho baixo de mulungu, o cavalo acompanhou a novilha, e em cima do cavalo ia o vaqueiro: o pau o apanhou bem no meio
da testa, lá nele, e quando o cavalo saiu da sombra do mulungu, o velho já era morto... Poderia preparar uma armadilha semelhante? Como induzir o rival?... Levou quatro dias de pesquisa disfarçada para descobrir um pau a jeito. Afinal achou um cumaru à beira de uma vereda, onde o gado passava para ir beber na lagoa. O cumaru estirava horizontalmente um braço a dois metros do chão, cobrindo a vereda logo depois que ela dava uma curva. A qualquer hora passariam de novo os dois por ali. E como só um passava pela vereda estreita, bastaria ele ficar atrás, apertar de repente o passo, meter o chicote no cavalo da frente; o outro, assustado com o disparo do cavalo, se descuidava do pau — e era um homem morto.


Mas não deu certo. Isto é, deu certo do começo ao fim — só faltou o fim do fim. Pois logo no dia seguinte se encaminharam pela vereda, perseguindo um novilhote. O bonito na frente, o feio atrás, como previsto. Quando chegaram à curva que virava em procura do cumaru, o de trás ergueu o relho, bateu uma tacada terrível na garupa do cavalo da frente, que já era espantado do seu natural, e o animal desembestou. Mas o instinto do vaqueiro salvou-o no último instante. Sentiu um aviso, ergueu os olhos, viu o pau, deitou-se em cima da sela e deixou o cumaru para trás. Logo adiante acabava a caatinga e começava o aceiro da lagoa. O bonito sofreou afinal o cavalo. Podia ser medroso, mas não era burro, e uma raiva tão grande tomou conta dele, que até lhe destruiu o medo no coração. Sem dizer palavra, tirou a corda do laço debaixo da capa da sela, e ficou a girar na mão o relho torcido, como se quisesse laçar o novilho que também parará várias braças além, e ficara a enfrentá-los de longe. O companheiro espantou-se: será que aquele idiota esperava laçar o boi, a tal distância? Claro que não entendera como andara perto da morte... Mas o laço, riscando o ar, cortou-lhe o pensamento: em vez de se dirigir à cabeça do novilho, vinha na sua direção, cobriu-o, apertou-se em redor dele, prendeu-lhe os braços ao corpo e, se retesando num arranco, atirou-o de cavalo abaixo. Num instante o outro já estava por cima dele, com um riso de fera na cara bonita.

— Pensou que me matava, seu cachorro... Açoitou o cavalo de propósito, crente que eu rebentava a cabeça no pau... Um ele nós dois linha de morrer, não era? Pois á assim mesmo... um de nós dois vai morrer. Enquanto falava, arquejando do esforço e da raiva, ia inquirindo na corda o homem aturdido da queda, fazendo dele um novelo de relho. Dai saiu para o mato, demorou-se um instante perdido entre as aves e voltou com o que queria — um galho de imburana da grossura do braço de um homem. Duas vezes malhou com o pau na testa do inimigo. Esperou um pouco para ver se o matara. E como lhe pareceu que o homem ainda tinha um resto de sopro, novamente bateu, sempre no mesmo lugar.

Chegou à fazenda, com o companheiro morto à sela do seu próprio cavalo, ele à garupa, segurando-o com o braço direito, abraçado como um irmão; com a mão esquerda puxava o cavalo sem cavaleiro.

Ninguém duvidou do acidente. Foi gente ao local, examinaram o galho assassino, estirado sobre a vereda como um pau de forca. Fincaram uma cruz no lugar.

E o bonito e a feia acabaram casando, pois o amor deles era sincero. Foram felizes. Ela nunca entendeu o que houvera, e remorso ele nunca teve, pois, como disse ap padre em confissão, matou para não morrer.

E a moral da história? A moral pode ser o velho ditado: faz o feio para o bonito comer. Ou então compõe-se um ditado novo: entre o feio e o bonito, agarre-se ao bonito. Deus traz os bonitos de baixo da Sua Mão.

Fonte:
SANTOS, Joaquim Ferreira (organizador). As cem melhores crônicas brasileiras. RJ: Ed. Objetiva, 2007.

Jandi Fabian Barbosa e Tania M. K. Rosing (A Literatura Infanto-Juvenil: do Acesso ao Livro até a Formação do Leitor)


RESUMO: O presente trabalho – A Literatura Infanto-Juvenil: Do acesso ao livro até a formação do leitor – reúne reflexões acerca de um tema com linha tríplice, ou seja, o estudo de algumas particularidades referentes ao desenvolvimento da literatura infanto-juvenil em sala de aula. Em primeiro plano a abordagem segue a linha que envolve a problematização de acesso a obra literária. Em segundo momento a questão da formação de mediadores de leitura e, a importância desse mediador consolidar-se como um eu - leitor e, assim, construir uma fortuna literária adequada para realizar sua função de formar leitores literários críticos. Assumindo o leitor um papel de pronunciar sua percepção sobre o que encontrou por meio da leitura e e/ou ampliar sua organização intelectual a respeito do contingente social que o cerca.

PALAVRAS - CHAVE: Acesso – mediadores – leitura – leitor.


1- Introdução

O presente trabalho – A Literatura Infanto-Juvenil: Do acesso ao livro até a formação do leitor – reúne reflexões acerca de um tema com linha tríplice, ou seja, o estudo de algumas particularidades referentes ao desenvolvimento da literatura infanto-juvenil em sala de aula. Em primeiro plano a abordagem segue a linha que envolve a problematização de acesso a obra literária, não somente dos livros tradicionais, mas também, a inclusão das novas e mais diversas ferramentas como: Hqs, Dvds, quadrinhos, entre outros que servem como suporte de alto grau de interesse dos jovens estudantes. Em segundo momento a questão da formação de mediadores de leitura e, a importância desse mediador consolidar-se como um eu - leitor e, assim, construir uma fortuna literária adequada para realizar sua função de formar leitores literários críticos.

Por fim o objetivo primordial que alimenta essa proposta cientifica é demonstrar as possibilidades em que o mediador de leitura pode desenvolver o seu trabalho buscando debruçar a ênfase na forma de apresentar a obra literária aos leitores, pois é por meio de seu entusiasmo, de sua paixão e dedicação que essas novas peças do mundo da leitura conseguirão desenvolver a capacidade de conhecer e lidar com as realidades que convivem. Nesse sentido procura-se principalmente em evidenciar os recursos que podem ser retirados da obra escolhida e a forma de aplicação que consiste em uma ferramenta extremamente eficaz no processo de emancipação intelectual e cultural desse individuo.

2- Por onde caminha a literatura infanto-juvenil

É costume de qualquer cidadão manifestar opiniões sobre os mais diversos temas que transitam entre nossa sociedade, informações de um conhecimento empírico que na maioria das vezes não são sistematizados e muito menos críticos. No entanto, quando nos deparamos com professores, responsáveis pela boa formação e informação daqueles que logo formarão os pensamentos da futura sociedade, manifestando opiniões dispersas e sem qualquer embasamento teórico sobre as reais condições da propagação da literatura infanto-juvenil; acabamos por perceber as dificuldades que esse profissional tem de assimilar as realidades e condições que circulam em seu ambiente de trabalho e/ou o próprio descomprometi mento com a função de formar um cidadão capaz, leitor, critico e emancipado das grades da ignorância. O contexto é outro e novas atitudes precisam ser traçadas como mostra o excerto:

A movimentação pela formação de leitores no Brasil identifica uma primeira necessidade: reconhecendo-se, na atualidade, a importância da instituição escola como centro de difusão educacional, cultural e tecnológica, onde deve ocorrer o processo de formação de dados em informações e de informações em conhecimento entre professores e alunos, impõe-se urgentemente a formação de professores leitores no exercício da docência a partir de novos parâmetros. (ROSING, 2009, p.129).

Tânia Rosing afirma no trecho supracitado a necessidade de o professor agregar em sua vida mais uma atividade que na verdade já deveria fazer parte de seu cotidiano, a um bom tempo. Ou seja, a importância do educador ir alem dos limites da sala de aula e configurar-se como um leitor competente, integrado e conhecedor da capacidade de envolver o aluno que recai sobre sua função; assim capacitando-se para dialogar com competência sobre as diversas obras que fazem parte de sua fortuna literária.

Experiências de leitura que provavelmente formarão junto com o entusiasmo do professor e sua vontade de romper barreiras um mecanismo eficiente contra a atual situação em que se encontra a escola e os jovens, esses sem interesse algum pelo conhecimento literário, muito provavelmente originado pelas maneiras arcaicas e pouco interessantes em que à literatura e suas obras são apresentadas em sala de aula.

A criança, o jovem, enfim, o aluno precisa ser cativado, ser conquistado, direcionado para o caminho da leitura, se a pessoa se sente pouco à vontade em

aventurar-se na cultura letrada devido à sua origem social, seu distanciamento dos lugares do saber, a dimensão do encontro com um mediador, das trocas, das palavras “verdadeiras”, é essencial. (PETIT, 2008). Muito provavelmente o ato de despertar para o mundo da leitura, do conhecimento acontece por meio de certo amor, de uma admiração resultante do contato com uma bibliotecária, professor, pai, mãe, amigo que independente do grau de aproximação mostra-se como um cidadão comprometido com o conhecimento letrado e demonstra sua satisfação de tal forma que acaba contagiando muitos daqueles que o cercam. Como evidencia o relado da jovem Bopha em pesquisa realizada por Michele Petit.

Lembro-me muito bem como foi que tomei gosto pela leitura: apresentando um livro a meus colegas de classe (tinha uns onze anos). Escolhi Ratos e homens, de Steinbeck. Era a historia de um retardado mental, a historia da amizade entre dois homens. Esse livro me marcou muito, e a partir dele comecei realmente a ler outras coisas, a ler livros sem figuras, a ler autores. Comecei a freqüentar bibliotecas, acompanhando minha irmã, para ver livros, folhear, olhar. (PETIT, 2008, p. 154).

A criança, o jovem precisa estar em contato com o livro, com as revistas, enfim, com todo acervo de leitura possível e realizar ação desde um simples folhear páginas até as leituras, mas intensas. No entanto, acaba sendo na escola que o leitor deixa de ler ou não desenvolve suas leituras. Nas páginas seguintes essa pesquisadora francesa Michele Petit mostra que a jovem bopha que aos onze anos despertou para leitura quando entrou para o ensino médio devido o acumulo de atividades, de matérias e a obrigatoriedade de leitura de algumas obras que exigiam maior poder de compreensão ela acaba distanciando-se do prazer de ler. Essa informação remonta sobre a necessidade de desenvolver uma urgente reformulação no sistema de ensino nas escolas e também a adesão do professor em agregar com competência a importância de apropriar-se do titulo de professor-leitor; e dessa forma conseguir despertar a criança para leitura e conseguir desenvolver esse gosto e crescimento intelectual por toda sua carreira escolar. Zilberman (2009) já afirmava que a crise da leitura é igualmente uma crise da escola, e vice-versa.

3- O Livro ao alcance do leitor

Mais adiante retomaremos a questão de mediação de leitura, afim de, apresentar maneiras de desenvolver essa prática. Agora outro fator que aparece como grande problema para disseminação da leitura é o acesso que as crianças tem aos materiais, não somente o livro em sua forma tradicional, mas também, as mais novas e modernas tecnologias de acesso à leitura como: Quadrinhos, hqs, dvds, internet, televisão entre outros.

É, contudo, pois, que Regina Zilberman, afirma que o livro didático exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor [...] Consequentemente, a proposta de que a leitura seja enfatizada na sala de aula significa o resgate de sua função primordial, buscando, sobretudo a recuperação do contato do aluno com a obra de ficção. O estudo de trechos de obras literárias, o uso da literatura para conhecer a sintaxe, como realiza a maioria os livros didáticos, pouco oferecem para o desenvolvimento da leitura. Limitando-se a atividades de cunho estritamente pragmático. O contato com o livro, em sua integridade, deve ser constante, as estimulações por meio das imagens, a criação de histórias, as comparações com a realidade, à leitura da obra pelo professor, juntamente com o ato de folhear e manusear o livro que conseguirão despertar a curiosidade e instigar o estudante a disseminar o gosto pela leitura. É de suma importância o contato com o objeto, com a obra de ficção, essas devem estar a todo o momento ao alcance dos pequenos leitores, para que assim consigam busca-las sempre que desejarem e acabem como afirma o trecho abaixo realizando uma descoberta:

Com efeito, o recurso à literatura pode desencadear com eficiência um novo pacto entre estudantes e o texto, assim como entre aluno e professor. No primeiro caso, trata-se de estimular uma vivência singular com a obra, visando ao enriquecimento pessoal do leitor, sem finalidades precípuas ou cobranças ulteriores. Já que a leitura é necessariamente uma descoberta de mundo. (ZILBERMAN, 2009, p.36).

A constante aproximação dos alunos com a obra literária como antes evidenciado é imprescindível, mas, se faz necessário nesse novo contexto, de constantes descobertas tecnológicas, da televisão, da internet, em que esta envolvida a escola e a educação apresentar para os alunos as outras ferramentas que hoje facilitam o acesso ao mundo da leitura. Ferramentas essas que muitas vezes proporcionam um envolvimento mais rápido e cativante para os pequenos em processo de apropriação da leitura.

Um grande exemplo dentre as novas mídias que cativam de forma gigantesca os jovens, crianças e o público de forma geral é a televisão, que acaba sendo duramente criticada pela pedagogia devido à qualidade de sua programação e seu poder de deformação de caráter, no entanto, assistir televisão é um grande hábito da sociedade contemporânea. E existem programas diversos que o educador pode levar para sala de aula e juntamente com o livro desenvolver um trabalho pedagógico de ensino-aprendizagem altamente produtivo.

Ocupar um espaço na televisão com um programa educativo infantil também despertou, na equipe responsável pelo Mundo da Leitura (*), o cuidado de não reduplicar e reforçar a cultura de massas, tão fortemente enraizada nessa mídia. Em contraposição a isso, elegeu-se como foco do programa a difusão das produções literárias e artísticas provenientes da cultura erudita e da cultura individual criadora e dos conhecimentos gerados pelas ciências modernas; por outro lado, buscou-se resgatar as manifestações da cultura popular, depositária da sabedoria secular do povo iletrado. (BECKER, 2009, p.261).

(*) Mundo da Leitura é um programa de TV produzido pela Universidade de Passo Fundo e exibido nacionalmente no Canal Futura. As aventuras de Gali-Leu e sua turma são elaboradas por uma equipe interdisciplinar que envolve os cursos de Letras, Artes e Comunicação , Educação, Ciências Exatas, e a UPFTV. De forma lúdica e dinâmica, as diversas linguagens apresentadas - manipulação de bonecos, leitura e encenação de textos infantis, artes gráficas, música, entre outros - servem de incentivo para o desenvolvimento da criatividade, do raciocínio lógico e, principalmente, para a criação do hábito da leitura entre as crianças.

A preocupação dos editores da programação do Mundo da Leitura mostra como essa mídia, a televisão, pode ser extremamente relevante no processo de formação e acesso á leitura dos estudantes. Somente se faz necessário à habilidade do professor em escolher as obras, os programas, as atividades que realmente poderão proporcionar o enriquecimento das aulas e do prazer em conhecer a literatura. Da mesma forma pode o educador utilizar-se das inúmeras páginas na internet que fazem referências as obras infantis, ao despertar da curiosidade, trabalhando as imagens em conjunto com o texto escrito. Transitar pelos quadrinhos, pelas hqs, que por suas diversas cores e formatos despertam intensa curiosidade dos alunos. Ou seja, os materiais disponíveis para facilitar a compreensão da literatura e desenvolver o gosto pela leitura são os mais variados, mas, relembramos a necessidade de estarem absolutamente ao alcance dos alunos, devem fazer parte de seu dia-a-dia na escola e principalmente da mediação realizada pelo professor entre esses materiais e os jovens leitores.

4- Transmitir literatura com amor: Formação de Mediadores de leitura

A escritora Michele Petit em seu livro, Os Jovens e a Leitura – Uma nova perspectiva, afirma que o mediador, ou no termo utilizado pela autora, o iniciador aos livros, é aquele que pode legitimar o desejo de ler. Que ajuda a ultrapassar os umbrais em diferentes momentos, que acompanha o leitor no momento difícil de escolher o livro, aquele que possibilita fazer descobertas por meio de seus conselhos sem pender para uma mediação pedagógica. Ë evidente a importância da atuação continua do mediador, entusiástica, mantendo-se de forma persistente ao lado desse jovem que começa a desenvolver o prazer pela leitura.

No entanto, não é esse profissional que encontramos na grande maioria das escolas brasileiras, é comum encontrar educadores voltados às reclamações sobre má remuneração, carga excessiva de aulas, indisciplina dos alunos, e bitolados as mais arcaicas formas de promover o encontro com o conhecimento. Em sua grande maioria, e não falo somente do professor de língua portuguesa, mas também de matemática. Física, geografia, história, química, biologia, entre outras, que não se configuram como leitores assíduos, em que parece terem abandonado o hábito da leitura juntamente com o final de suas graduações. O professor independente da disciplina que leciona precisa posicionar-se como um cidadão literalmente emancipado em termos de leitura, e todos os tipos de leitura como diz Celso Sisto:

Para se chegar a reconhecer um bom livro, é preciso ter lido maus livros! É preciso ter lido livros mais ou menos. É preciso ter descoberto bons livros. É preciso estar atento ao que esta aí no mercado, freqüentar livrarias, mexer nos livros, fuçar nas estantes das bibliotecas. Seja qual for à experiência de escolha dos livros (a táctil não deveria estar descartada, como em algumas bibliotecas!), o histórico das leituras esta lá, latente, guardado (e grudado!) no leitor, e se põe em movimento cada vez que se começa a ler um livro. (SISTO, 2009, p.123).

É, contudo, pois, ainda utilizando-se dos apontamentos de Sisto que se o leitor alcança o estágio de leitor crítico, ele não deixara, ou seja, não é possível voltar atrás, abandonar a leitura e esquecer sua fortuna literária, mas lembra, existe apenas um caminho para atingir esse ideário, lendo! Reflexões dessa magnitude nos levam a imaginar que os educadores que compõe o quadro de trabalho das escolas de hoje, como não desenvolvem o hábito da leitura e apresentam enorme dificuldade em indicar as obras aos alunos; encaminhá-los por um caminho interessante, recheado de descobertas, de reconhecimento de si e do mundo que o cerca, evidencia que esse profissional nunca chegou a se tornar um leitor.

Procuramos demonstrar a necessidade do educador se converter em uma pessoa leitora, em um cidadão leitor e principalmente em professor leitor. E para atingir esse objetivo considera-se prioritário atentar as seguintes questões:

a) Criar o hábito da leitura diária.

b) Desenvolver o letramento necessário para a leitura das diversas fontes existentes na contemporaneidade.

c) Conhecer as novidades em autores e obras da literatura.

d) Participar de encontros de leitura, mesas redonda, congressos, seminários, entre outros.

e) Trocar experiências e apontamentos com os professores das outras áreas do conhecimento.

f) Favorecer a interatividade entre as matérias.

g) Proporcionar o desenvolvimento de uma biblioteca pessoal

h) Ser freqüentador assíduo de bibliotecas, livrarias e revistarias.

Permitindo-se participar dessa grade de recomendações muito provavelmente o professor alcançara um ritimo de trabalho e de leitura capaz de contagiar inúmeras almas que estão lá nas salas de aulas esperando um mediador, um contador de histórias, alguém que desenvolva um caminho perspicaz em direção a construção do cidadão emancipado, dono de suas ideologias, recheado de argumentos, e que chegara a sua vida adulta já consolidado como um leitor crítico e com uma visão próxima ao que vislumbra Teresa Colomer:

Como quem aprende andar pela selva notando as pistas e sinais que lhe permitirão sobreviver, aprender a ler literatura dá oportunidade de se sensibilizar os indícios da linguagem, de converter-se em alguém que não permanece à mercê do discurso alheio, alguém capaz de analisar e julgar, por exemplo, o que se diz na televisão ou perceber as estratégias de persuasão ocultas em um anúncio. [...] se alude isso com a aquisição de uma capacidade crítica de “desmascaramento” da mentira, um meio para não cair nas armadilhas discursivas da sociedade.(COLOMER, 2007, p. 71).

Esse é o ideal de mediador de leitura que carece nosso Brasil, capaz de reconhecer as grandes estratégias discursivas nos mais diversos meios de comunicação, por isso a importância do letramento, e dessa forma conseguir encantar os estudantes que à medida que conseguem reconhecer a eles próprios entendem a complexidade do contexto social ao qual estão inseridos.

É evidente que o governo poderia propiciar inúmeros projetos para formação de mediadores de leitura, afim de que, os professores conseguissem alcançar os níveis de conhecimento e habilidades até aqui comentados, no entanto, esse capitulo priorizou demonstrar como o educador pode por uma atitude sua, independente tornar-se um mediador competente e, quem sabe, contaminar com sua energia e entusiasmo aqueles que o cercam, e provavelmente quando o sistema político de nosso país acordar para a necessidade de embalar com mais dedicação à leitura e educação, esse mediador já estará preparado para aplicar com gigante eficiência o trabalho de formar leitores, uma vez que já é um professor-leitor, um mediador de leitura.

5- Como e o que explorar no livro

A necessidade de saber “mais” para entender “melhor” é algo próprio a qualquer processo de compreensão, inclusive, é claro, a leitura. No entanto, para crianças menores, o livro se cria em suas mãos. (COLOMER, 2007). É uma afirmação interessante para começarmos a desenvolver reflexões sobre como apresentar e o que explorar nos livros de literatura infanto-juvenil. Como já mencionado no inicio deste trabalho o contato com livro e as outras formas de leitura, o ato de manusear, folhear é imprescindível, a criança precisa desenvolver gradativamente o gosto por esse conhecimento. Inicialmente o reconhecimento das imagens, daquilo que ela possa relacionar com o seu mundo, para depois integrar imagem e texto e futuramente preocupar-se com o nome do autor, características, estilo, crítica e demais especificidades, ou seja, a criança precisa despertar o interesse em saber essas questões, que no momento certo são apresentadas pelo mediador.

Certamente além do contato imediato do aluno com a obra de ficção a contação de histórias, a leitura em voz alta pelo mediador de poemas que vislumbrem situações possíveis de serem reconhecidas pelos pequenos leitores despertam a vontade de continuar escutando e muitas vezes de compartilhas histórias, vejamos um exemplo:

Este pequeno mundo

Sei que o mundo é mais que a casa,
Mais que a rua, mais que a escola,
Mais que a mãe e mais que o pai.
Vão alem do horizonte,

Que eu desenho no caderno
Como linha reta e preta,
Que separa o azul do verde.
Sei que é muito, sei que é grande,

Sei que é cheio, sei que é vasto.
Me disseram que é uma bola
Que flutua pelo espaço,
Atirada pelo chute

De um gigante poderoso;
Vai direto para um gol
Que ninguém sabe onde é.

Mas para mim o que mais conta
É este mundo que eu conheço
E que cabe direitinho
Bem debaixo do meu pé!

(BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 2002. )

A riqueza da linguagem literária deve aqui ser ressaltada pelo mediador, fazer o aluno perceber as dessemelhanças entre as falas do cotidiano e apreciar o enriquecimento que a linguagem elaborada acarreta ao texto. Sem necessidade de trabalhar com os clássicos da literatura inicialmente, pois existem inúmeras formas de textos modernos que podem suprir essa necessidade inicial. (ROSING, 2009).

Cada verso do poema de Pedro Bandeira pode ser transfigurado e transformado pelas crianças, no entanto, exige do professor um real comprometimento com o conhecimento, que de ser literalmente dominado, estar integrado com as novas formas de leitura e principalmente comas novas tecnologias que permitem uma interação mais rápida e instigante para os alunos. Essa ampliação dos mecanismos que pode o professor estar utilizando em sala de aula proporciona uma efetiva elaboração de encontros realmente produtivos e, voltados ao comprometimento do texto literário não mais de forma aleatória e sim a utilização do texto integral.

Após ler o poema e analisar com os alunos, sob a orientação do professor, pode esse propor a fim de evidenciar o gosto pelo texto, um pequeno questionário de forma oral mesmo, simplesmente envolvendo todos em uma brincadeira de compreensão utilizando-se das seguintes questões:

a) Como é o mundo que vocês imaginam?

b) Ele é maior que a escola e a casa mesmo?

c) Que coisas fazem parte do mudo?

d) O mundo é igual a uma bola?

e) O que tem debaixo de seu pé?

Ao responderem questionamentos como estes, o aluno aciona seus referentes culturais e seu conhecimento de mundo, que passa a ser compartilhado com os demais colegas e o professor, o qual facilita o processo de compreensão realizando pontes entre o mundo cotidiano e o mundo figurado apresentado pelo poema. Gerando uma atmosfera extremamente interessante para aluno, em que ele conseguira desenvolver habilidades para interar-se com os demais texto que possa encontrar, muitos desses que logicamente serão apresentados pelo professor.

6- Considerações finais

Um bom livro é aquele que agrada, não importando se foi escrito para crianças ou adultos, homens ou mulheres, brasileiros ou estrangeiros. E ao livro que agrada se costuma voltar, lendo-o de novo, no todo ou em parte, retornando de preferência àqueles trechos que provocaram prazer particular." (ZILBERMAN, 2005). Essa definição ressalta a importância da boa formação do mediador de leitura, pois é através de suas indicações que o aluno vai encmainhar-se para o processo de desenvolver o gosto pela leitura. Conseguir reconhecer a riqueza de linguagem que oferece o texto literário.

Enquanto um texto didático procura uma convergência, todos os leitores chegando a uma mesma resposta, apontando para um único ponto, o texto literário procura a divergência. Quanto mais diversificadas as considerações, quanto mais individuais as emoções, mais rico se torna o texto. Digo sempre que o livro é um objeto, e o leitor um sujeito. (QUEIRÓS, 2005, p.171).

Sendo assim o leitor assume o papel de pronunciar sua percepção sobre o que encontrou por meio da leitura, ou seja, não é o que o texto quis dizer e sim aquilo que o leitor, emancipado e crítico, percebeu, conseguiu captar, e dessa forma pode utilizar esse conhecimento apreendido para melhorar e/ou ampliar sua organização intelectual a respeito do contingente social que o cerca.

A formação desse futuro leitor certamente enfrente um contexto de enormes contradições e desafios, em meio a tecnologias e resistências do passado, mas cabe principalmente ao professor conscientizar-se como um cidadão leitor e inserido no mundo literário apresentar as portas do saber e da viagem maravilhosa que representa a leitura na vida de todos.

Referências bibliográficas

BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 2002.
COLOMER, Teresa. Andar entre Livros. A leitura literária na escola. 1. ed. São Paulo: Ed. Global, 2009.
PETIT, Michele. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Editora 34, 2008.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Leitura, um diálogo subjetivo. In: O que é qualidade em literatura infantil e juvenil?: com a palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005.
ROSING, Tânia M.K. Do currículo por disciplina à era da educação – cultura-tecnologia sintonizadas: processo de formação de mediadores de leitura. In: Mediação de Leitura – discussões e alternativas para a formação de leitores. São Paulo: Global, 2009.
SISTO, Celso. A pretexto de se escrever, publicar e ler bons textos. In: O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005.
ZILBERMAN, Regina. A leitura na escola. In: ROSING, M.K. e ZILBERMAN, Regina (Org.). Escola e Leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
–––––––––––––––
Sobre as autoras
Jandi Fabian Barbosa, Mestrando em Letras – Concentração em Estudos Literários – Universidade de Passo Fundo – UPF – jandibar@hotmail.com

Tania M. K. Rosing, Graduada em Letras (UPF, 1969) e Pedagogia (UPF, 1977), Mestre em Teoria Literária (PUCRS, 1987), Doutora em Teoria da Literatura (PUCRS, 1994). Professora do PPGL e do Curso de Letras, atua na linha de pesquisa “Leitura e formação do leitor”.

Fonte:
II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
UNIOESTE - Cascavel / PR

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Carlos Drummond de Andrade (Balada do Amor através das Idades)


Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

André Luiz Nakamura (Mitos e Lendas do Folclore Brasileiro) Parte IV, final


MÃO-DE-CABELO

Fantasma que assombra, em Minas Gerais e em São Paulo, as crianças que uniram na cama. Tem forma humana, envolta num lençol branco. Suas mãos são feixes de cabelos louros, que passa pelo órgão sexual das crianças que urinaram enquanto dormiam, acordando-as, ameaçando mutilá-lo. É comum a advertência de que “se mijar na cama, a Mão-de-cabelo vem te pegar”.

Há uma variante, bem menos conhecida, apesar de registrada por Alceu Maynard Araújo (“Folclore Nacional”, vol. 1): “Quando não se consegue dormir, uma velha magra, alta, vestida de branco, cujos dedos são macios como cabelo, vem passar as mãos no rosto para que se concilie o sono”.

Prevalece, no entanto, o propósito disciplinador, visto que a versão assombrosa é, de longe, a mais conhecida.

Acrescente-se, ainda, que esse mito foi mencionado por Gilberto Freyre no Clássico “Casa Grande e Senzala”.

MÃO-PELADA

É um fantástico animal que espalha o medo nas matas e florestas do Estado de Minas Gerais.


É uma espécie de um lobo avermelhado, com a altura de um bezerro novo, de cujos olhos sai uma luz parecendo um fogo azulado. Uma de suas patas dianteiras é deformada e “pelada”.

MÃOZINHA-PRETA

Assombração corrente no Sudeste Brasileiro, conhecida também por “Mãozinha-de-Justiça”, trata-se de uma mão negra, pequena, solta pelo ar, que efetua os trabalhos domésticos com assombrosa velocidade e perfeição.

Mas, a Mãozinha-Preta também é capaz de bater e castigar, se necessário, concluindo, porém, a tarefa quando lhe dizem “Chega, Mãozinha de Justiça”.

De acordo com o preclaro folclorólogo Câmara Cascudo, “como a mão é negra, não castigava nem atormentava os escravos. Daí sua popularidade entre eles”.

MAPINGUARI

É um macaco grande, muito peludo, com uma bocarra verticalizada, que vai do nariz ao estômago, num medonho rasco que ostenta lábios vermelhecidos de sangue, por onde engole cabeças humanas (só come a cabeça). Ele atrai suas vítimas por meio de seus gritos, que parecem humanos.

Os pés do Mapinguari são como os de burro, e sua pele é semelhante ao casco de jacaré.

Sempre faminto, assombra o Amazonas, o Acre e o Pará. Até os mais valentes guerreiros morrem de medo do Mapinguari.

É também vulnerável em seu umbigo.

MATINTA PERERA

Uma velha feia, assombrosa, toda vestida de negro, cujo rosto é ocultado por uma cabeleira negra e revolta, que anda acompanhada de um pássaro agourento. Existe também a versão da Matinta Perera com asas, capaz de voar, e que se transforma nesse pássaro, chamado “rasga-mortalha”. O assobio estridente dessa ave assusta as crianças e não deixa ninguém dormir.

Mulheres idosas da região amazônica teriam a sina de se tornar essa criatura.
Quando está prestes a morrer, ela pergunta: “Quem quer? Quem quer? Quem quer?
Quem responder, acreditando tratar-se de algo valioso, transformar-se-á em Matinta Perera.

Walcyr Monteiro, em “Visagens e Assombrações de Belém”, explica que para “prender” a Matinta Perera é preciso enterrar uma tesoura virgem, aberta, colocar-lhe no meio uma chave e por cima desta um terço e rezar algumas orações. Assim ela fica presa ao local.

MENINO DOURADO

Menino loiro que em noites enluaradas aparece no Rio São Francisco, emergindo desse rio e mergulhando em suas águas, sucessivamente, montado nas costas de um enorme e mágico peixe dourado, que o teria salvo do afogamento e se encarregado de sua criação.

MOÇA DE BRANCO

Moça vestida de branco que à noite aparecia pedindo carona aos caminhoneiros na antiga estrada Rio-São Paulo.

Os motoristas de caminhão, sempre solícitos com mulheres, estacionavam o veículo e abriam a porta para o ingresso da bela jovem.

A viagem prosseguia. A moça, retraída, estranha, sombria, calada; limitava-se a responder com monossílabos ao que lhe perguntavam.

Entretanto, algum tempo depois, os motoristas se arrepiavam de pavor ao notares que a moça havia simplesmente desaparecido.

Contavam os caminhoneiros que ela fora morta atropelada por um caminhão ao dirigir-se à igreja no dia de seu casamento.

Lenda paulista, segundo Alceu Maynard Araújo (op. Cit.).

MULA-SEM-CABEÇA

É uma enorme mula, acéfala como diz o próprio nome, que solta fogo pelo pescoço.
O estrondoso galopar da Mula-sem-cabeça faz tremer o chão, ouvindo-se de longe seu mórbido e estridente relincho. Seus possantes coices que cortam como navalha ferem mortalmente os homens e animais que cruzam seu caminho. Pela madrugada, volta à forma humana, suja, desgrenhada, toda machucada.

Quem defrontar com a Mula-sem-cabeça deve esconder as unha, pois estas têm para o monstro grande brilho, atraindo-o.

A mais tradicional das versões sobre esse mito nacionalmente conhecido conta que a Mula-sem-cabeça é aquilo em que se transformam, como punição, as amantes de padres católicos, Estes, para evitar que o seu amor sofra essa triste sina devem amaldiçoa-lo sete vezes antes de celebrar a missa. Já o desencantamento da Mula-sem-cabeça, a exemplo do Lobisomem, requer um ferimento que lhe tire sangue. O encanto também pode ser desfeito se lhe for tirado o freio de ferro que traz no pescoço.

Outras há, entretanto, que dizem ter sido o costume de passear de madrugada pelo cemitério. Esse estranho hábito despertou a curiosidade do rei, que numa ocasião a seguiu e a flagrou comendo o cadáver de uma criança que havia morrido na noite anterior. Vendo-se descoberta, transformou-se naquele bicho (Theobaldo Miranda dos Santos, “Lendas e Mitos do Brasil”).

Alceu Maynard Araújo (em “Folclore Nacional”) acrescenta outras causas para a malsinada transformação: as moças namorarem na Sexta-feira santa; moças solteiras terem relação sexual antes do casamento.

O mesmo autor pontifica que a versão mais tradicional, no passado, “era uma forma de proibição, de sanção que se inventou para que as mulheres não ‘tentassem’ os padres”, considerando interessante que “esse castigo é só para a mulher”. O padre “representa o sagrado, ela , a tentação, o demônio”.

Entretanto, é oportuno mencionar que o Prof. José Sant´anna (criador do Festival do Folclore”, a exemplo de Câmara Cascudo (“Dicionário do Folclore Brasileiro”), registra a figura do CAVALO-SEM-CABEÇA (São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais) que representaria a sanção contra o padre, sendo “uma réplica à mula-sem-cabeça”, diferenciando-se desta “pela morfologia do corpo”.

Como se pode constatar, o problema, na realidade, não eram só as mulheres, tanto que foi preciso que criassem outra fantástica figura.

NEGRINHO DO PASTOREIO

Um escravo, ainda menino, sem pais, sem padrinhos, que se dizia afilhado de Nossa Senhora, e a quem chamavam Negrinho, era encarregado de pastorear o rebanho de um cruel estancieiro, seu senhor.

Numa noite em que estava a exercer esse mister, com medo do som das corujas, acabou adormecendo.

O filho do malvado senhor, tão perverso como o pai, fez com que os cavalos escapassem, pondo a culpa no Negrinho.

Depois de ter mandado que seus feitores açoitassem o Negrinho, o senhor ordenou a este que no escuro da noite reunisse os cavalos. Nossa Senhora, então, atendendo ao pedido de ajuda de seu afilhado, iluminou as coxilhas por onde ele cavalgava à procura dos animais, fazendo com que estes pudessem ser vistos e finalmente reunidos no potreiro pelo Negrinho.

O filho do estancieiro, não satisfeito, soltou novamente os cavalos.

Dessa vez, a surra foi impiedosa e o Negrinho, depois de atirado num formigueiro, acabou morrendo.

Salvo por Nossa Senhora, e usufruindo da liberdade que lhe trouxe a morte, dizem que ele cavalga até hoje pela terra e pelo céu.

Quem acender uma vela para o Negrinho do Pastoreio encontrará o que perdeu: amor, felicidade ou objetos”, diz Alceu Maynard Araújo, em “Lendas Brasileiras”.

Do sul do Brasil.

“OS OLHOS DO MENINO”
(A LENDA DO GUARANÁ)

Um casal de índios que não conseguia ter filhos implorou a Tupã que lhes concedesse essa graça.

O pedido foi atendido. Tiveram um lindo, bondoso e inteligente menino, que logo conquistou a amizade de todos da aldeia.

O espírito do mal ficou com inveja e com ódio do menino e acabou matando-o ao tomar a forma de uma cobra.

Ao darem sua falta, toda a tribo saiu à sua procura até encontrá-lo morto, caído ao lado de uma árvore.

Nesse momento, a mãe da criança ouviu Tupã lhe dizer para plantar ali os olhos do menino, que deles nasceria um fruto maravilhoso.

Assim nasceu o guaraná, cujas sementes negras, envoltas numa película branca, realmente se assemelham a um olho humano.

PAI-DO-MATO

Bicho gigantesco, de corpo todo piloso, cabelos até o chão, barbicha, mão de macaco, pé de cabra e orelhas de cavalo.

Seus urros e seu riso macabro reverberam por toda a mata.

Tiros e facadas não o matam, exceto se lhe atingir o umbigo.

É também comedor de gente.

PAPA-FIGO

Um preto velho carregando um saco de estopa nas costas, muito feio, banguela, barbudo, esmolambado, leproso, que para se tratar desse terrível enfermidade mata crianças mentirosas para lhes comer o fígado.

A gente simples do povo acredita que a lepra altera os caracteres do sangue, sendo por isso chamada também de mal de fígado ou mal do sangue. Para se purificar é preciso um novo fígado, cru, de criança sadia e forte.

Esse foi o ponto de partida para o surgimento do temível Papa-figo, o comedor de fígado, que atemoriza as crianças nas narrativas dos pais.

Dizem que ele costuma rondar as escola, jardins e parques, atraindo as crianças, jardins e parques, atraindo as crianças desobedientes e mentirosas com doces e brinquedos, aí as mata arrancando lhes o fígado (“fico para o povo”).

De acordo com uma versão de que o Papa-figo teria sido uma pessoa rica que contraiu a terrível doença, ele costuma deixar dentro da barrida da vítima uma grande quantia em dinheiro para os familiares e para o sepultamento.

Mito conhecido em todo o Brasil.

PISADEIRA

Acredita-se que o pesadelo resulta da ação maléfica de um demônio ou espírito ruim.
A Pisadeira seria, então, para o povo, a personificação do pesadelo numa velha feia, gorda, pesada, que sentaria na boca do estômago de quem está a dormir, oprimindo-lhe o tórax de modo a dificultar a respiração. A ela atribuem a causa de malfadados sonhos. Suas presas mais fáceis, dizem, são as pessoas que dormem de costas ou com o estômago cheio.

É curioso notar que o vocábulo pesadelo deriva de “peso”, “pesado”.

PORCA DOS SETE LEITÕES

É uma porca, que costuma aparecer atrás de igrejas antigas e de cruzeiros de estadas, acompanhada de sete leitões. É branca e solta fogo pelos olhos, pelo focinho e pela boca. Ela teria sido uma rainha que, com seus filhos pequenos, sofreu essa transformação por vingança de um horrível feiticeiro.

De acordo com outra versão, seria a alma de uma mulher que praticara sete abortos.
(Chamada de lenda, mito, e até mesmo de superstição).

A PRINCESA DA CIDADE ENCANTADA

Em Jericoacara, os moradores contam que existe uma cidade encanta, perto da praia, sob o farol, onde só se pode chegar na maré baixa. A entrada, numa caverna, é fechada por uma enorme grade de ferro.

Nessa cidade vive uma linda princesa, que por um feitiço de um bruxo malvado com quem ela não quis se casar teve o seu corpo transformado numa espécie de serpente de escamas douradas. Apenas seu rosto e seus pés se mantiveram a salvo da terrível bruxaria.

Dizem que para quebrar esse encanto, é preciso banhá-la com sangue humano e que o herói que a salvar ficará com ela e com todo o ouro que existe na cidade, a qual também renascerá.

Mas, os que até hoje tentaram, correm aterrorizados ao ouvirem, logo na entrada da cidade, os sons apavorantes de fantasmas, de gemidos e gritos humanos, e de urros de monstros ferozes.

Lenda mais conhecida do Ceará.

QUIBUNGO

Bicho-papão, meio homem, meio maçado, cabeça muito grande e uma enorme boca nas costas – por onde devora as crianças – a qual se abre e fecha à medida que ele movimenta sua cabeça para cima ou para baixo.

Acredita-se que os negros, quando ficam muito velhos, “viram” Quibungo.

Diversamente dos outros que integram o chamado ciclo dos monstros, como o Pai-do-Mato e o Mapinguari, o Qujibungo não é invulnerável às armas do homem, de modo que pode ser ele abatido à faca, tiro ou pauladas.

Mito baiano, de origem africana.

SACI-PERERÊ

De acordo com a configuração mais popular, o Saci-Pererê é representado por um negrinho de uma perna só, com orelhas de morcego e a mão furada, que usa uma carapuça vermelha na cabeça, cujo poder mágico lhe confere a prerrogativa de ficar invisível e de aparecer e desaparecer como fumaça. Se lhe for tirada a carapuça ele perde seus poderes.

Ele se faz anunciar por um assobio estridente e adora fumar, sendo esta uma forte característica do Saci, pois é difícil imagina-lo sem seu cachimbo.

O Saci é daqueles fumantes que nunca trazem consigo palitos de fósforos ou isqueiro e, por isso, sempre assombra os viajantes pedindo-lhes fogo para seu pito.

Matreiro, traquinas, o Saci pratica todo tipo de diabruras: da nó nos rabos dos cavalos, faz queimar a comida, esparrama as brasas do fogão, joga farinha em toda a cozinha, derruba o chapéu dos viajantes (depois de quase matá-lo de susto ao montar na garupa de seus cavalos), faz cócegas e puxa as cobertas de quem está dormindo e outras molecagens ainda piores.

O remédio mais eficaz para espantar o Saci é rezar o Credo.

Amadeu Amaral, (em “Tradições Populares”) pontifica que “o Saci, que é certamente indígena em parte, revelando amálgama de elementos de outros mitos aborígines (Curupira, Caapora, etc), sofreu influência do negro, patente na transformação do personagem num moleque travesso, e ao mesmo tempo incorporou não pouca coisa de procedência européia. De modo que o Saci marca um momento importante, uma encruzilhada da nossa viagem histórica. O Saci é talvez um símbolo...

UIRAPURU

O que mais no fenômeno me espanta
É ainda existir um pássaro no mundo
que fique a escutar quando outro canta
”.

Segundo a lenda, duas índias muito amigas se apaixonaram pelo mesmo homem, o novo cacique da tribo onde viviam. Como eram amicíssimas, deixaram para que o cacique decidisse com qual das duas iria ficar. Ele, porém, gostava de ambas as rivais, e não se decidia. Para solucionar o impasse, propôs um duelo, uma competição de arco e flecha: a pretendente que acertasse um pássaro, indicado por ele, em pleno vôo, seria sua mulher.

As duas amigas dispararam, então, suas flechas. Uma delas acertou o alvo e se casou com o cacique, A outra, embora se mostrasse conformada, derramava seu prato de dor às ocultas. Suas lágrimas formaram um rio.

Tupã, o deus dos índios, vendo nascer aquele rio que desconhecia, foi saber o que se passava. A índia lhe contou e pediu que a transformasse num pássaro a fim de que dessa forma pudesse matas as saudades de seu amor.

Ao ver que o cacique e sua amiga formavam um casal muito feliz, ficou ainda mais triste. A índia, então, voando de volta para sua tribo, começou a cantar um canto tão lindo que toda a mata parou para ouvi-lo. Tupã, ao surpreender-se com o silêncio da mata, encantado com o canto, deu à índia o nome de Uirapuru (pássaro que não é pássaro), e lhe disse que quando se sentisse triste, que cantasse, que a tristeza passava.

URUTAU (ou Mãe-da-Lua)

À noite, na mudez da mata escura, solta o Urutau seu grito de saudade.
Pranto ou soluço, pleno de amargura, de quem a nostalgia à noite invade
”.
Orlando de Almeida Sales

Pássaro sinistro, estranho, esquivo, que nas sombras e no escuro da noite se refugia, com seu triste canto, tão triste que parece ressoar um plangente e desesperado grito de dor, uma dor que nada cura.

É cercado de mistérios e de lendas (“personalizando fantasmas e visagens pavorosas”, segundo Luís da Câmara Cascudo) dentre as quais ficamos com três, que convergem num ponto: transformaram-se em Urutau enamorados que à dor sucumbiram, por causa de um amor perdido:

- a índia Imaeró, preterida pela irmã Denaquê, na disputa pelo coração de Tainá-Can;

- a guarani Nheambiu, derrotada pela morte, que levou seu namorado Quimbae (registradas por Câmara Cascudo, em “Dicionário do Folclore Brasileiro”);

- um jovem caboclo que na mata se entranhou tentando encontrar, sem jamais conseguir, a linda moça que lhe dissera ser o seu grande amor, antes de desaparecer (registrada por Benedicto Pires de Almeida, em “Folclore de Tietê”).

VAQUEIRO MISTERIOSO

Por todo o Nordeste brasileiro contam histórias sobre um vaqueiro muito humilde, aparentemente frágil, mal vestido, montado num cavalo velho, com um chapéu gasto a lhe ocultar o rosto. Não se sabe de onde vem, nem seu verdadeiro nome.

Ninguém lhe dá atenção nem dá nada por ele.

Quando se oferece para participar de vaquejadas ou outros certames com gado, zombam e caçoam do forasteiro.

Acontece, porém, que na hora das disputas ele se revela um vaqueiro hábil como ninguém, conhecedor de grandes segredos. Seu cavalo torna-se então, um veloz e belígero ginete. Ele reúne todo o gado, no curral, sozinho e em pouco tempo. Domina facilmente os mais ferozes touros. Nas vaquejadas, não há novilho, não há garrote, que escape à derrubada do vaqueiro misterioso. Enfim, acaba sendo ele o grande campeão.

Terminados os torneios e as festas, ele, alegre, bom garfo e grande bebedor, recusa os sedutores convites das mulheres, assim como as ofertas dos fazendeiros de bem remunerados trabalhos; apenas recebe os prêmios e se vai, para reaparecer depois em outras paragens.

Câmara Cascudo o registrou como mito (“Mitos Brasileiros”); Alceu Maynard Araújo, como lenda (“20 Lendas Brasileiras”).

VITÓRIA-RÉGIA

Era uma vez uma jovem e muito bonita índia, chamada Naiá, que se apaixonou pela lua ao ouvir as histórias de que esta era um belíssimo e poderoso guerreiro que, quando se enamorava de alguma índia, levava-a consigo para o céu e a transformava numa linda estrela.

Naiá, depois de se apaixonar pela lua, passou a não se interessar por nenhum dos seus inúmeros pretendentes, mantendo-se fiel a seu sonhado guerreiro.

Numa das noites em que vagava pelas matas, ao ver a imagem da lua refletida num lago, acreditando ser o seu amado, atirou-se nas águas profundas do lago e morreu afogada.

A lua, então, que não fizera de Naiá uma estrela no céu, transformou-a numa estrela das águas, fazendo com que seu corpo de índia se tornasse uma imensa e linda flor, cujas pétalas à noite se abrem, para que o luar ilumine sua corola rosada.
Essa flor é a vitória-régia.

Fonte:
http://www.folcloreolimpia.com.br/?pagina=folclore=mitoselendas

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.102)


Uma Trova Nacional

O meu amor te ocultei!
Seguimos rumos diversos...
Passou-se o tempo, e, hoje, eu sei:
- permaneceste em meus versos!
(JOÃO FREIRE FILHO/RJ)

Uma Trova Potiguar

Ao longo passar dos anos,
vi o tempo caminhar,
amontoei desenganos;
mas inda tento sonhar.
(FRANCISCO BEZERRA/RN)

Uma Trova Premiada

1995 > Nova Friburgo/RJ
Tema > VERSO > 3º Lugar.

Qual poema improvisado,
nosso amor se transformou,
num verso de pé quebrado
que o destino publicou.
(ANA MARIA MOTTA/RJ)

Simplesmente Poesia
"SE HÁ POESIA, HÁ ESPERANÇA!"

– Sergio Augusto Severo/RN –
Euphoria

Hoje acordei feliz
e renovei o vermelho dos cravos do jardim,
ativei o verde das gramíneas do quintal
e poli o dourado das folhas outonais.
Troquei a água de antigas fontes,
branqueei os mil capuchos dos algodoeiros...
redesenhei a linha do horizonte.
E,
trás os montes,
a tarde me pegou lavando a piçarra das estradas. -

Uma Trova de Ademar

Minha maior alegria,
o meu desejo mais nobre,
é poder ver todo dia
café na mesa do pobre.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Nenhuma alegria enxuga
essa lágrima dorida
que deixo, de fuga em fuga
nos quatro cantos da vida!
(DURVAL MENDONÇA/RJ)

Estrofe do Dia

No meu verso, dia a dia
eu busco a minha obra-prima;
sei que é difícil encontrá-la
mas nada me desestima,
e quando a inspiração brota
no meu verso já se nota
metrificação e rima.
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Dorothy Jansson Moretti/SP –
SONETO À TROVA

Atrai-me um bom poema modernista,
embora eu mais o sinta como prosa;
por mais encanto nele, à minha vista,
é como se faltasse aroma à rosa.

Poesia clássica... há quem lhe resista,
dizendo que é cerceada e artificiosa.
Não é verdade; o poeta nasce artista,
brunir seu verso é lide venturosa.

Por isso à trova eu mais me delicío;
a rima, o metro, o ritmo, o desafio
de dizer tudo em quadra pequenina...

Para cumprir tão exigente prova
e compor essa jóia que é uma trova,
certamente nos guia... mão divina.

Fonte:
Ademar Macedo