sexta-feira, 30 de maio de 2025

Asas da Poesia * 30 *

 

Trova de
ARI SANTOS CAMPOS
Balneário Camboriú/ SC

Não se vá, não, por favor, 
não me faça essa maldade! 
Se de fato você for, 
eu vou morrer de saudade.
= = = = = =

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Buscando a luz da madrugada pura
(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Mar novo")

Buscando a luz da madrugada pura
Vou perseguindo o rasto desta aurora
Do sol, o raio primo não demora
A dividir em duas a planura.

O sol, quebrando a noturna clausura
Nos montes crava a ardente e rubra espora
E queima o céu e traz a fúlvida hora
Em que a anemia desce à sepultura.

Pleno, sento-me à beira do crepúsculo
Saboreando o dom de ser minúsculo
Mas peça deste mundo singular.

Desponta a branca lua, como gesso
E eu cerro os olhos lassos e adormeço
À espera já de um novo despertar. 
= = = = = = = = =  

Poetrix de
RAFAEL NORIS 
Pedreira/SP

Arritmia

o músico bêbado
leva à noite
emoções violadas
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Três sílabas

Noite outonal -
Estava a três passos
De reencontra-lo,
Antigo piano -
Debussy...
Durante as aulas
Ficava com meu caderno
Próximo de ti
Tínhamos
Conversas
(Segredos) -
E, em silêncio
Nos olhávamos...
Não tivemos
Tempo de despedidas,
Estava a três passos
De ti, mas há
Um mundo de distância
Entre nós -
Solidão,
Apenas, três sílabas
Contidas em um universo
De saudade...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

- Ai, doutor, não acredito...
Picada por um "barbeiro"?
Veja só, pois o maldito
me disse que era engenheiro!
= = = = = = 

Poema de
ANGELA TOGEIRO
Belo Horizonte/MG

Mulher

    Sou mulher,
    sou todas as mulheres:
    sou Afrodite, Amélia, Angela, Eva, Diana, Joana,
    Madalena, Maria, Raquel, Rita, Sara,
    Salomé, Tereza, Vênus, Zênite...
    Tenho na genética
    a herança dos tempos,
    que me dá todos os nomes,
    que me tira todos os nomes,
    quando me desdobro em outra mulher.
    Nasci em todas as raças,
    tenho todas as cores puras e miscigenadas.
    Pratico todos os credos.
    Nasci em todos os cantos deste planeta.
    Vivi em todas as eras.
    Registrei meus gritos em todos os rincões,
    mesmo se expulsos da alma
    no mais profundo silêncio.
    Vim de todos os lugares,
    nasci em berço de ouro, em choupana,
    na rua, nas matas, hospitais, templos...
    Fui vestida, fui enrolada,
    despida, jogada.
    Gerada num útero que me amou,
    ou num que me recusou.
    Pouco importa, se rica ou pobre,
    se esculpida no Belo ou no Feio,
    preciso cumprir meu destino,
    meu destino de Mulher.
= = = = = = = = = 

Trova de
GERSON CÉSAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Num show que bem poucos olham,
no palco das noites calmas,
chuvas de estrelas não molham,
mas lavam as nossas almas...
= = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Desterro

Já me não amas? Basta! Irei, triste, e exilado
Do meu primeiro amor para outro amor, sozinho...
Adeus, carne cheirosa! Adeus, primeiro ninho
Do meu delírio! Adeus, belo corpo adorado!

Em ti, como num vale, adormeci deitado,
No meu sonho de amor, em meio do caminho...
Beijo-te inda uma vez, num último carinho,
Como quem vai sair da pátria desterrado...

Adeus, corpo gentil, pátria do meu desejo!
Berço em que se emplumou o meu primeiro idílio,
Terra em que floresceu o meu primeiro beijo!

Adeus! Esse outro amor há de amargar-me tanto
Como o pão que se come entre estranhos, no exílio,
Amassado com fel e embebido de pranto...
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Chega a causar agonia,
uma visita sacana,
que vem pra passar um dia,
passa mais de uma semana!
= = = = = = 

Poema de 
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ ES

Eterno motivo

A tua vida,
na minha vida,
foi um tempo lindo.
Havia esperança,
na minha ilusão,
e em teu querer,
um gostar infindo... 

Mas, de repente,
sem que alguém pedisse,
tu foste embora
para sempre
e eu fiquei triste...
E ainda hoje, 
aqui estou.

Depois 
de todo 
tempo 
que passou,
aqui estou 
ainda, a esperar 
tua volta.

Compreendo, 
o amor 
acabou,
meu coração 
não se conformou,
e a tua ausência 
não suporta.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Cara cheia...Perna bamba,
ele mesmo se conforta,
olha a rua e diz: - "Caramba!"
Nunca vi rua mais torta!...
= = = = = = 

Soneto de
LUCIANO DÍDIMO
Fortaleza/CE

A luz

A luz da Estrela Azul, que é tão brilhante
Adoça a roxa fé como um licor,
Abrindo os nossos olhos para a cor
Que apaga o tempo cinza já distante:

Do tão avermelhado Sol do Amor,
Do verde da esperança ali adiante.
A luz que resplandece radiante
Nos mostra um novo mundo e seu primor.

As águas cor de prata descem rio,
Varrendo a negra cor da noite escura
E dissipando a dor com cortesia.

A luz clareia tudo o que é sombrio,
Fazendo a paz mostrar sua brancura
E rebrilhar o ouro da poesia!
= = = = = = 

Trova do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/ RN

Larga a tristeza e acalanta
teus sonhos, por onde fores.
Nada no mundo suplanta
teus lindos sonhos de amores!
= = = = = = 

Hino de
IÚNA/ ES

Na minha terra, tem lindos campos
Cidade cheia de tradições
Na minha terra, tem lindos pássaros
Que cantam ao ar livre, lindas canções

Minha Iúna,
Você me viu nascer
Minha Iúna
Sou filho de você

Eu gosto muito, muito do meu lugar
Dos meus amigos que vivem lá
A minha Iúna, terra querida
Onde eu nasci, onde aprendi amar

Minha Iúna,
Você me viu nascer
Minha Iúna
Sou filho de você

A minha escola, no fim da rua
A minha casa, frente ao jardim
A minha Iúna, fica bem perto
Das cachoeiras do Itapemirim

Minha Iúna,
Você me viu nascer
Minha Iúna
Sou filho de você
= = = = = = = = =  

Dobradinha Poética (trova e soneto) de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Fruta da Semente

Não meças nela o trabalho,
pois colheita é contingente,
mas quanto, de orvalho a orvalho,
tu já plantaste… em “semente”…

De sol a sol, firmando as mãos no arado,
suor pingando, ao solo se entregava…
– Hoje, um trabalho rude e ultrapassado
do lavrador, que a terra cultivava.

Com grande afinco e sempre atarefado,
fazia os sulcos, com as mãos semeava
e, esperançoso a capinar, cansado,
o agricultor, temente a Deus, rezava…

Pedia chuva para aquela empreita,
o pensamento firme na colheita,
depois que via germinando o grão…

E desejava, então, ardentemente,
ver pão na mesa, fruto da semente,
que enverdecera todo aquele chão!
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Abro a porta, enxugo o pranto
e fico a esperar teus braços,
mas para o meu desencanto
os passos não são teus passos.
= = = = = = = = =

Soneto de
DIAMANTINO FERREIRA
Campos dos Goytacazes/ RJ

Inveja
 
- Como invejo as estrelas!… Como invejo
a placidez da lua, o brilho intenso
dos astros cintilantes… Quando penso
no que existe de belo e malfazejo!…
 
Ausente das disputas de um pretenso
mundo estéril, malévolo e sem pejo,
sua apatia é tudo quanto almejo
para esquivar-me aos que não têm bom senso…
 
Desejo vão!… Porém, fosse verdade…
Pudesse olhar, do céu, toda a maldade…
As coisas vis, de lá pudesse vê-las!…
 
Como seria bom!… Infelizmente,
Tais coisas acontecem tão somente
Quando a mente vagueia entre as estrelas…
= = = = = = = = =  

Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP, 1890 – 1969, São Paulo/SP

O boêmio

Cigarro apagado
no canto da boca, enquanto
passa o seu passado.
= = = = = = = = =  

Poema de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG (1902 - 1987) Rio de Janeiro/RJ

Imortalidade 

Morre-se de mil motivos 
e sem motivo se morre
de saudade,
morreu o poeta
sem morrer à eternidade
ele que fez de uma pedra
louvor para sua cidade
gauche*, grande destro
sem querer celebridade
pelos mil que era
num só se fez único
ficando no seu primeiro
caráter de bom mineiro
jamais morrerá
e sempre será.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
* Gauche = tímido
= = = = = = = = =  

Trova de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Deu a tantos seu carinho
que no enlace, em confusão,
deu o sim para o padrinho
e o beijo no sacristão!
= = = = = = = = =  

Décimas em Cordel de
DALINHA CATUNDA
Ipueiras/CE

O sumiço do vaqueiro

Quando o vaqueiro partiu
Minha dor doeu no peito
Com saudades do sujeito
Que minha vida floriu
Minha alegria sumiu,
E nesta situação
Olhando pro seu gibão
Eu renego meu destino
Pois meu maior desatino
Foi perder minha paixão.

Tão garboso ele passava
Bem em frente ao meu portão
Com uma rosa na mão,
Que beijava e me jogava.
Eu toda prosa ficava
Com aquele moço Trigueiro
Que rondava meu terreiro
E me chamava de flor,
Por merecer meu amor
Entreguei-me ao tal vaqueiro.

Uma viagem esticada
Ele foi e não voltou.
Meu coração palpitou,
E chorei desesperada.
Olhos grudados na estrada,
E aperto no coração
Murchava a flor do sertão
Que hoje se chama saudade
Perdeu a felicidade
Ao perder sua paixão.

Nem vaqueiro nem boiada,
Só saudade e solidão
Passando pela estrada
Que corta o meu sertão.
Não tem aceno de mão,
Nem levantar de chapéu,
Pois hoje mora no céu
Aquele viril vaqueiro,
Que tacava o tempo inteiro
Boiadas de déu em déu.
= = = = = = = = =  

Parcela de
RUBENIO MARCELO
Campo Grande/MS

1.
   no azul do poema
   a luz da canção
   agora um clarão
   antes tão pequena
   não mais quarentena
   que se encastela
   agora eu e ela
   no leme do dia
   rumo à escadaria
   cantando parcela...

   2.
   assim, infinito
   nessa plenitude
   meus pés, amiúde,
   procuram o grito
   perpassam o mito
   ardente aquarela
   aurora e estrela
   que já predestinam
   sazões que sublimam
   à luz da parcela...

   3.
   oh tempo-verdade
   gravando o eterno
   já não mais hiberno
   a outra metade
   oh fertilidade
   que tudo revela
   com justa cautela
   quero ressurgir
   para refletir
   cantando parcela...

   4.
   no bico do corvo
   deixei o meu múnus (1)
   e os importunos
   punhais do estorvo
   agora não sorvo
   profana querela
   há porta, há cancela
   colunas, mansão
   adeus solidão
   no tom da parcela!

   5.
   permanentemente
   honrarei o rito
   quesito a quesito
   manhã, sol-poente
   se dente é por dente
   ardente é aquela
   retina que zela
   o perfeito instinto
   no áureo recinto
   do canto-parcela!
========================
 (1) Múnus = obrigações
O esquema de distribuição rimática das Parcelas é abbaaccddc.
= = = = = = = = =  

Trova de
EMILIA PEÑALBA ESTEVES
Porto/Portugal

Nos seus ardentes amores,
consegue sempre o que quer:
rosa - a rainha das flores...
Rosa - a rainha mulher!
= = = = = = = = =  

Silmar Bohrer (Croniquinha) 135

 
Li algures pequeno comentário do cineasta Roberto de Niro afirmando que " optei por viver sem coisas desnecessárias.  Quanto mais tivermos, mais energia temos de gastar para manter tudo em ordem ". 

Tenho também esse pensar e hábitos. Mas o mínimo é necessário.  E o vital também. Bom senso!  Boa alimentação, cuidados com a "carcassa", nosso corpo, são essenciais. E quem não terá alguma necessidade básica, psicologicamente vital em semelhantes proporções ?

Garantido que estou neste time da psique, do pensamento, do conhecimento e tudo que vem deles, o trio aí.  Como viver longe dos alimentos do espírito -  emoções, dialogares, intimidade ligada ao espiritual, energias, livros, pensares ? 

Nos dias da Idade da Pedra os básicos eram alimentação e alguma vestimenta. A cultura engatinhava. Invenção de ferramentas, surgiu a roda, o domínio do fogo, as artes rupestres...  O mundo mudou, a vida mudou, nosso "sophós" (sabedoria) mudou, está em constância constante buscando - e por isso acumulamos.  

Cabe-nos fazer como de Niro, peneirar, joeirar, ficando com o essencial, praticando desapegos. O material pode ser apenas acessório.  A essência é a frase de Juvenal vinte séculos depois - "Mens sana in corpore sano".  Aproveitar sem polarizar.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Julia Kavanagh (Um segredo de moça)


Havia muito que minha prima me pedia que fosse vê-la. Afinal, aceitei, mas com algum pesar. Tratava-se de ir passar algumas semanas com a Sra. Le Tellier numa propriedade que ela possuía nos confins da Normandia, e onde eu nunca unha ido.

Senti uma espécie de tristeza em deixar o meio tranquilo em que, vai em vinte anos, gozo de um viver tão doce. Uma mulher que não se casou, que não tem os laços da fama, depressa envelhece na solidão. Foi o que eu percebi quando tive que me pôr a caminho, e confesso que sempre me arrependi da viagem a que devo a única aventura romanesca da minha vida.

Parti com um tempo medonho: chuva toda a manhã. Ainda chovia quando chegamos, já tarde, à estação de…, onde me esperava a carruagem da Sra. Le Tellier. A estrada que conduzia à propriedade de minha prima atravessava vastas planícies de aspecto sombrio e triste. A chuva tinha parado, mas os últimos raios do pálido e tépido sol de outono espreguiçaram-se nas grandes poças d’água em que um enxame de andorinhas resvalava no seu voo rápido e vertiginoso. O cavalo ia a passo, tal era o o mau estado do caminho. O cocheiro assobiava uma ária monótona, e eu, olhando ao redor, com tristeza, já sentia saudades do meu quarto, e dos meus livros, e da minha vida tão pacífica e doce. Achava naquela campina não sei que aparência desoladora e tristonha.

O Sol ocultava-se no ocaso e os primeiros planos na paisagem entravam na sombra. O crepúsculo, avançando pela planície, parecia fazer recuar a luz até ao limite do horizonte. Bem depressa, houve apenas de iluminado o fundo do quadro. Nesse espaço embaciado e pardacento, vi passar um bando de camponeses que voltavam lentamente do mercado. A água verde e parada dum grande charco espelhava aquelas pacíficas figuras e algumas nuvens que deslizavam no céu chuvoso da tarde. Era outono em toda a sua tristeza.

Chegamos enfim à casa de minha prima. Era uma habitação à antiga, bastante vasta, mas sombria. Apertou-se-me o coração ao aspecto das grandes salas e das janelas estreitas que vi logo ao entrar. Pareceu-me que ali qualquer podia, sem dificuldade, aborrecer-se a fartar. Mas não tive tempo de me demorar nesse pensamento aflitivo: ouvi passos e a voz da minha parente que acorria para me abraçar.

Aquela boa Sra. Le Tellier era, na verdade, a melhor alma do mundo. Acolheu-me com uma alegria verdadeira, na qual, entretanto, julguei entrever certa tristeza. A sua fortuna era próspera, a sua saúde excelente; adivinhei que Maria Blanchet, jovem sobrinha órfã, de cuja educação se encarregara e por quem tinha grande afeição, devia dar-lhe algum cuidado. Ao passo que me instalava no meu quarto — que triste quarto, meu Deus, apesar de ser o melhor da casa! — perguntei por ela.

— Foi ver uma amiga doente, uma pobre menina que está a morrer duma doença de coração. Não pode tardar.

— Como vai ela?

— Perfeitamente — respondeu a Sra Le Tellier. Mas ficou sombria, como se me tivesse dado alguma notícia má.

Tem-se dito que as solteiras são curiosas. Não sei se é certo, mas não creio. Contentei-me em dizer à minha prima:

— Por que se não casa ela?

— Aí está o ponto! Maria é bonita como um anjo, boa quanto se pode ser; a minha fortuna é dela; pretendentes não faltam, mas Maria recusa-os uns após outros, e está com vinte e quatro anos

— Não será alguma inclinação oculta?

— Nem pense em tal. Eu dei-lhe completa liberdade. “Casa-te com quem quiseres”, disse-lhe eu. “Unicamente, como não quero separar-me de ti, que não seja militar”. Ora, por felicidade, nenhum se apresentou.

— Talvez seja uma vocação religiosa que ela não se atreve a declarar.

— Não, não é. Também tive essa lembrança. Falei-lhe e ela respondeu-me, sorrindo, que nunca tinha pensado no convento. Não, não é o casamento que lhe repugna, são os maridos. Que pena que eu tive do Sr. de Ménars! Nunca vi homem mais distinto. Tem apenas trinta anos, uma bonita fortuna, espírito superior, todas as qualidades amáveis e sólidas que podem assegurar a felicidade duma mulher e, acrescente a isto, uma grande simpatia por ela.

— E Maria não o aceitou! — exclamei eu, admirada. — É incrível. Esse Sr. de Ménars, encontrei-o em Paris; é encantador.

— Pois ela recusou-o duas vezes — respondeu a Sra. Le Tellier, suspirando. — E ele, à vista disso, casou-se. Agora, está acabado.

— Minha cara prima, não percebo palavra.

E não percebia, em verdade. Maria, que nesse momento chegara, e se lançou nos meus braços com efusão, não me parecia, no entanto, destinada ao celibato. Era uma loura de rosto terno e risonho, e olhos azuis e ingênuos. Tinha vinte e quatro anos, que pareciam apenas dezoito. As feições encantadoras tinham ainda toda a graça risonha e ingênua da mocidade; nada mais sedutor e mais doce que o seu sorriso. Compreendi que o Sr. de Ménars tivesse ficado apaixonado duma moça tão gentil. Mas não podia explicar, a mim mesma, que ela tivesse duas vezes recusado um homem ainda jovem, rico, distinto e deveras enamorado.

Eu tinha visto nascer aquela criança. Julguei, pois, que podia interrogá-la. Minha prima tinha estado a observar-nos. Descêramos juntas ao salão principal e aí estávamos sós. Maria, sentada no vão duma janela, olhava pensativa para as nuvens que fugiam. Em que pensava ela?

— Maria — disse-lhe eu, sem mais preâmbulo — porque é que você não quer casar?

Maria respondeu-me simplesmente:

— Mas, prima, não desejo eu outra coisa.

— E então? Por que continua você a chamar-se Maria Blanchet, como dantes?

— Ah! — respondeu ela com um sorriso zombeteiro. — É que estou à espera.

Quis ver se a fazia sair desta evasiva. Mas Maria refugiara-se na “espera”' como num forte inexpugnável, e foi em vão que tentei confessá-la. Por mais que fizesse, escapava-me sempre.

Minha prima voltou, mudamos de conversa. Confesso que já me estava aborrecendo mortalmente. A monotonia daquele interior provincial não combinava comigo. Um temporal horrível desencadeou-se depois do jantar e fez diversão. A Sra. Le Tellier ficou de tal maneira perturbada que foi meter-se na cama. Retirei-me para o meu quarto e tentei ler, apesar dos relâmpagos; mas estava preocupada e não tardou que deixasse cair o livro sobre os joelhos. A trovoada afastava-se, ribombando.

Tinha me esquecido em fechar as portas da minha janela e, através da vidraça, via ramalharem as grandes árvores do jardim, ao passo que a lua parecia correr doidamente por cima das nuvens. Era belo, mas triste.

Uma leve pancada à porta do quarto fez-me estremecer. Levantei-me e fui abrir. Era Maria; estava muito pálida e tinha na mão uma carta aberta.

— Minha prima — disse-me ela com a voz palpitante de emoção — venho pedir-lhe um grande favor. A minha pobre Constança, que ia melhor ainda há poucas horas, está a morrer e deseja ver-me ainda esta noite. É a mãe dela quem me escreve e me pede que a contente. Faz-me o favor de me acompanhar? O castelo de Mersan é a uma légua daqui. Minha tia não quer que eu vá só e a nossa pobre Francisca está doente demais para sair, mesmo de carruagem.

Quanto me custou a dissimular o doloroso receio que me inspirava aquele pedido. Se eu sou só, ai de mim! É que os mais queridos entes me têm deixado, uns após outros. A minha vida está cheia dessas sombras queridas. A recordação é me sempre doce, mas não tudo, quanto me lembra a hora magoada do derradeiro adeus. O pensamento de estar ao pé dum leito de agonia constringe-me o coração. Esse duelo terrível, em que a força, a mocidade e a vida são sempre vencidas, entristece todo o meu ser; mas tive bastante império sobre mim própria para não deixar ver o que sentia. Dei-me, pois, pressa em aceder aos desejos de Maria e partimos logo.

Esta viagem lúgubre encheu-me de tristeza. A conversação de Maria não era de dar alegria. Desatou a chorar quando entramos na carruagem e, quando se acalmou um pouco dessa primeira dor, não me falou senão de Constança de Mersan.

— É um anjo — disse-me ela. —Se pudesse curar-se, entrava para as Carmelitas. Ah, se a vocação religiosa fosse coisa que se desse, eu já seria uma santa em algum convento. Constança é admiravelmente bela, teria casado com o Sr de. Ménars por obediência e porque os pais desejavam muito esse casamento, mas uma cela era toda a sua ambição.

— E como é que a sua amiga não chegou a casar com o Sr. de Ménars?

— Custa a crer, minha prima! — disse Maria com vivacidade. —Todo o mundo falhava nesse casamento, o Sr. de Ménars dançava sempre com ela e, de repente, soube-se que era com outra que ele queria casar.

— E essa outra era Maria Blanchet?

Maria ficou um instante enleada e, depois, respondeu-me secamente:

— Pois sim, é verdade; mas imagine em que disposições ele me vinha encontrar. Como podia eu perdoar-lhe o abandono da minha querida Constança!

— Mas se ele não a amava, filha?

— Devia amá-la — redarguiu Maria com fogo.

— Minha filha, quando um homem de honra se retira, e o Sr de Ménars tem uma reputação excedente, tem às vezes boas razões de o fazer.

— A prima acusa Constança! — exclamou Maria, indignada.

— Nem por sombras. É um anjo, como você —disse. — Mas, se o Sr. de Ménars não gosta de anjos, que se lhe há de fazer?

Maria calou-se. Adivinhei que ela ficara amuada. A mocidade é assim. As suas amizades, como os seus ódios, têm sempre alguma coisa de apaixonado e absoluto.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
JÚLIA KAVANAGH (1824 – 1877) foi uma romancista irlandesa. Suas numerosas contribuições para a literatura a classificaram como uma das romancistas menores não canônicas do período vitoriano (1837–1901). Embora seja conhecida principalmente pelo romance e contos que escreveu, ela também publicou importantes obras de não-ficção que exploraram o tema das contribuições políticas, morais e filosóficas femininas para a sociedade. Além disso, ela era conhecida por escritores célebres de ficção nacional, como Charles Dickens. Nasceu em Turlos, uma pequena cidade em Munster, Irlanda. Era filha única de Morgan Kavanagh (falecido em 1874), autor de várias obras filológicas e alguns poemas. Ela foi batizada na "Grande Capela", uma igreja católica, onde o funcionário escreveu incorretamente seu nome como "Cavanah." Antes de ela completar um ano, sua família mudou-se para Londres e logo depois para Paris. Julia passou vários anos de sua infância com os pais em Paris, lançando as bases para o domínio da língua francesa e obtendo informações sobre os modos de pensamento franceses, eventualmente aperfeiçoada por suas longas e frequentes residências posteriores na França. Seu pai, Morgan, era professor de línguas e também publicou livros de poesia, romances e diversas obras sobre filologia. A carreira literária de Kavanagh começou em 1844, aos 20 anos, quando se mudou com a mãe, após se separar do pai na França. Depois disso, ela sustentou a si mesma e a sua mãe quase cega, com a sua carreira de escritora. No início começou a escrever pequenos ensaios e contos para jornais e jornais. Entre os diferentes periódicos para os quais ela escreveu estavam Chambers Edinburgh Journal, Household Words, durante todo o ano, The Month, People's Journal, Popular Record, Temple Bar, e Argosy. Depois de adquirir alguma reputação, ela começou a escrever seus próprios livros. Seu primeiro livro foi Três Caminhos (1847), uma história para os jovens; mas seu primeiro trabalho que atraiu atenção foi Madeleine, um conto de Auvergne (1848), uma história de "caridade heróica e fé viva fundada em fatos". Ela morreu após uma queda em 1877, ainda solteira e católica devota de longa data. As cenas das histórias de Kavanagh são quase sempre ambientadas na França. O estilo dela é doméstico, simples e agradável, voltado para leitoras mais jovens; seus personagens principais tendem a ser mulheres fortes, independentes e engenhosas. Ela era popular e tinha um público fiel.

Fontes: 
Jornal A Chronica. RJ. 08.07.1879.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Juan Barnav (Como escrever um livro) – 1. Defina o que você quer escrever


Apresentação do Curso

Muitos de nós, em algum momento da vida, fomos assaltados pelo desejo de saber o que uma celebridade sente quando é reconhecida sua obra.

Seja você um ator, um pintor ou um escritor; São personalidades que entregam ao público um pouco de si através do seu trabalho.

Para aqueles que desejam se expressar por meio da palavra escrita, colocamos em suas mãos Como Escrever um Livro! Um breve guia de treinamento que ajudará você a encontrar o caminho que pode ser sua vocação: a literatura.

Você verá que ao longo desta obra vários textos aparecem entre aspas ("..."); Isso significa que elas não são originais do autor deste manual.

É muito comum que quando alguém começa a escrever, seja influenciado pelos seus autores favoritos. Isso se chama plágio e não é correto. O crime de plágio é punível, pois a lei de direitos autorais é responsável por proteger obras intelectuais de toda natureza, em favor de seus produtores.

Você não gostaria que alguém a quem você mostrou seu trabalho o publicasse em seu próprio nome.

1. DEFINA O QUE VOCÊ QUER ESCREVER

Dizem que uma pessoa se realiza plenamente depois de ter um filho, de plantar uma
árvore e escrever um livro.

Quando se tem o desejo de ser escritor, de expressar o que nasce no mais profundo do ser.

Qual é o tópico que mais atrai sua atenção?

Encontramos dois grandes campos que abrangem toda a literatura: realidade e ficção. Neste último campo há coisas de humor, poesia, romances... Os romances incluem temas de terror, mistério, romance, espionagem, ficção científica ou futurista; Resumindo, existem muitos gêneros de criatividade pessoal.

Não ficção inclui tópicos sobre história, medicina, ciência em geral e textos educacionais. Há quem diga que os livros que mais vendem são aqueles que falam da vida e dos milagres das pessoas, principalmente dos artistas; isto é, biografias. E podem ser o seu artista favorito, a pessoa mais importante deste século, o atleta que mais se destacou na sua especialidade... políticos, escritores, cientistas; Homens e mulheres que deixaram sua marca na história da humanidade e são conhecidos pelas mais diversas vertentes, e... esquecemos do personagem principal que mais nos chama a atenção: nós mesmos.

Um livro sobre a minha vida? Você pode perguntar, mas quem poderia estar interessado em um livro? 

Então? Bem, você, para começar. E suas famílias e amigos.

Não se trata de ganhar prêmios literários com a primeira coisa que sai da caneta (ou do computador agora que estamos na era cibernética), mas por que não?

A primeira coisa que se deve levar em conta ao começar a escrever é a sua ocupação. Você pode começar mantendo um diário.

Sim, não se surpreenda com sua própria ocupação, colocar no papel as experiências do dia é o primeiro passo para quem quer escrever. E também é válido anotar seus sonhos.

Assim como a televisão e o cinema apresentam histórias retiradas da vida cotidiana, onde acontece algo que transforma a vida dos protagonistas, o mesmo pode acontecer com nossos textos.

Você já viu livros que parecem sem importância: A Melhor Coleção de Piadas de Despedida de Solteiro. Quem se importa com um texto como esse? você pode perguntar. Bem, para começar, ao editor que publica o livro. Ele sabe que, de fato, o conteúdo de 250 contos curtos e engraçados para esses eventos, despedidas de solteiro, tem um mercado constante: aparecem todos os dias nas notícias dos jornais sobre o casal - muitos casais - que acabaram de se casar. E pelo menos na noite anterior, alguém organizou uma despedida de solteiro para o noivo, e houve muitas brincadeiras de todos os tipos e sabores.

Esse é o mercado deles. E como as pessoas se casam todos os dias, seus compradores serão permanentes.

Você já escolheu o tema, precisamos desenvolver o argumento: já sabemos disso, agora nos falta o como.

Se em algum momento acreditamos que podemos escrever uma história como as novelas de hoje, onde há um grande número de personagens, então a única coisa que devemos fazer — e isso só se consegue com a prática — é ter muitas histórias individuais que confluem em um dado momento para dar razão à existência de todas elas na história principal. Isso acontece porque na vida desempenhamos muitos papéis ao mesmo tempo: na família, na escola, no trabalho, com os amigos, etc.

O que precisamos para construir uma história, para desenvolvê-la, é dar-lhe uma estrutura. Para escrever textos curtos, contos, por exemplo, que sejam a base de histórias longas, precisamos administrar uma introdução, um nó ou conflito e um desfecho. Essa é a estrutura de toda história.

O tamanho não deve ser uma preocupação, pois pode variar de algumas linhas a várias páginas antes de se tornar um romance curto. Talvez trinta páginas sejam suficientes para ainda considerá-lo uma história.

Especialistas dizem que a história mais curta do mundo se deve à imaginação fértil e engenhosa de Tito Monterroso:

"E quando ele abriu os olhos, o dinossauro ainda estava lá."

Esta é uma obra completa, não uma linha retirada de outro texto maior. Ele contém os elementos estruturais mencionados e cabe ao leitor tirar suas próprias conclusões sobre o que aconteceu antes e o que poderia ter acontecido depois que o protagonista abriu os olhos e encarou o dinossauro.

Mas tocamos em uma palavra que não havíamos mencionado antes: história. O que é uma história?

Para escrever uma história, usamos duas técnicas conhecidas como narração e descrição. O uso adequado dessas duas palavras tornará nossa história (ação de relatar ou referir, como diz o dicionário) agradável e interessante para o leitor.

Uma das coisas mais importantes a considerar ao escrever é usar uma linguagem ampla, diversa e rebuscada, permitindo que você brinque com as palavras em vez de quebrar a cabeça tentando encontrar a palavra necessária para expressar exatamente o que você tem em mente.

A posse de uma linguagem abundante é alcançada através da aplicação de duas técnicas muito simples: leitura e escrita.

O complemento da leitura é a escrita. O exercício constante nos permitirá fazer isso que é chamado de fazer um trabalho; Escrever todos os dias, mesmo que seja apenas uma página, nos dará a facilidade necessária para que, quando nos sentarmos diante da máquina de escrever ou do bloco de notas, possamos registrar com firmeza as ideias que nos vêm à mente.

Tudo isso é a base preparatória para quem quer escrever um livro. Mas do que se trata é se divertir com o que você faz.

Exercício.

Você pode começar a escrever com estes dois exercícios simples de descrição e narração:

1.-Descreva seu quarto em no mínimo 100 palavras.

2.- Conte em uma página o que você fez neste fim de semana em casa.
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continua… 2. Tenha sempre um caderno e uma caneta à mão

Fontes:
http://www.mailxmail.com/curso-como-escribir-libro/ (tradução do espanhol por Jfeldman)
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing