segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Lucia Constantino (Um Sonho de Paz Somente)


Um sonho de paz somente,
além de toda ilusão.
Que o Mestre do Amor estivesse presente
para nos ratificar como irmãos.

Um sonho de paz somente,
que o pão não dormisse sobre a pedra
que a seiva não fosse o sangue
dos inocentes sobre a terra.

Um sonho de paz somente,
com asas de condor
que lá das grandes alturas
ascendesse o olhar do amor.

Um sonho que não tem ninho.
Um sonho que não tem mãos.
Apenas um sonho do eu divino,
no sono da imensidão.

Prof. Garcia (Reflexão em Trovas)

A solidão - dobra quando,
no fim da tarde, eu medito,
ao ver o Sol se apagando
na solidão do infinito!

Beijaste a flor ressequida
e a rosa mudou de cor;
teu beijo de amor, querida,
mudou a vida da flor!

De uma roseira, tão pobre,
que lindo gesto o da flor:
Perfuma a casa do nobre,
enche a do pobre de amor!

Em minhas preces pequenas,
faço um pedido, e afinal...
Quero apenas Pai, apenas,
ser feliz neste Natal!

Enquanto a noite se aninha,
a saudade me seduz
e a tarde, bela e sozinha,
enche os meus versos de luz!

Escravo, do teu assédio,
refém de tua ternura,
sofro, por não ter remédio,
para um mal que não tem cura!

Esse orgulho que te ronda,
que entulha o teu peito aflito;
impede que o amor responda
aos apelos do teu grito!

Hoje, eu despertei cantando,
molhando os pés no mormaço
das nuvens soltas brincando
tecendo rendas no espaço!

Lembranças, são pergaminhos,
onde o tempo, por maldade,
vai rabiscando os caminhos
dos perfis da mocidade!

Mãe! um temor me assedia,
nesta idade que me alcança:
É o de esquecer, que algum dia,
em teus braços fui criança!

Não temo o tempo que avança!
Envelhecer, na verdade...
É voltar a ser criança
no fim da terceira idade!

O cego percebe o filho,
pelo cheiro do suor!...
Por trás, desse olhar, sem brilho,
brilha um olhar, muito maior!

O poeta encontra meios,
de às vezes, mesmo sozinho...
Ser feliz, sem ter receios
da solidão do seu ninho!

Por descartar teus conselhos,
mas por teu beijo roubado...
Beijo os teus lábios vermelhos
no guardanapo encharcado!

Por mais que outro alguém te ofenda,
mantém firme a compostura,
que a mão, do tempo, remenda
a cicatriz da amargura!

Quando a tarde me entristece,
roubando a luz da razão,
pinta no ocaso uma prece
com versos de solidão!

Rondando o circo do sonho,
num suspiro derradeiro,
velho, o palhaço tristonho,
diz adeus ao picadeiro!

Semeia filho, a semente
do amor, que te dei um dia!...
Que um neto meu, certamente,
há de colher alegria!

Se o remorso, se agasalha,
num coração descontente...
Sem gume, é velha navalha
cortando o peito da gente!

Somos pobres passarinhos,
que a vida, em seus rituais,
dá-nos os mesmos caminhos
com destinos desiguais!

Tempo!... Ó tu, que me devoras,
não sejas ingrato assim!...
Se és tu, meu pastor das horas,
prendas as horas por mim!

Um sabiá, na janela,
toda tarde canta um hino,
regendo a canção mais bela
das tardes do meu destino!

domingo, 31 de dezembro de 2017

Gérson César Souza (Trovas Siderais)


Quando a nuvem de um perigo
tapa o Sol de minha estrada
sempre surge um grande amigo
para ser luz na jornada!!!

Deus, que semeia o Sagrado,
para manter nossa crença,
criou um céu estrelado,
sinal de Sua presença!

Piscando na imensidão,
me sinto feliz ao vê-las:
Mesmo tendo os pés no chão,
minha alma respira estrelas!!!

Quem crê num mundo perfeito,
quem não desiste, por nada,
traz um Sol dentro do peito
a iluminar sua estrada!

A idade chegou, e a gente
descobriu que um grande amor
pode virar Sol poente,
mas jamais perde o calor!!!

Sentindo esta ausência tua
toda noite me parece
solidão de um céu sem Lua
que cada estrela entristece...

Como o amor não tem barreiras
as estrelas, tão amadas,
são as minhas companheiras
para o frio das madrugadas.

Astronauta da saudade
viajo pelos espaços,
mas não venço a gravidade
que me prende nos teus braços...

Nossos olhos se encontrando
e as estrelas, ao piscar,
só cintilam suspirando
de inveja do teu olhar.

No final da noite fria
quando, aos poucos, amanhece,
no teu beijo de “bom dia”
encontro o Sol que me aquece.

Somos estrelas perdidas
que o destino fez amantes,
mas colocou nossas vidas,
em constelações distantes...

Ao ver a noite estrelada
contemplo o Universo, mudo,
e entendo que não sou nada,
mas tendo o céu, tenho tudo!

Este Universo, imponente,
de estrelas e escuridão,
pode não caber na gente
mas vive em meu coração.

A Humanidade semeia
guerras e embates perversos
sem notar que é um grão de areia
num mar de mil universos.

Ao ver a estrela cadente
pedi, no mesmo segundo,
que a paz nascesse da gente
e transformasse esse mundo!

Fonte:
SOUZA, Gerson Cesar. Dond Diversos. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2012.

Nilto Maciel (A Reunião)

Os homens se acomodaram ao redor da grande mesa. Falavam baixo, cochichavam, mãos postas sobre a tábua ou os papéis. Que notícia traria o Presidente? Teria alguma relação com a morte do vereador de Sapoapé? Não, Sapoapé não – Cipoaté. Ou com o nascimento do cabrito com duas cabeças? Possivelmente não. Aquilo interessava muito mais aos biólogos do que aos políticos. Um ou outro alisava garrafinhas com água e copos. A luz das lâmpadas no teto não provocava sombras. Súbito a grande porta se abriu e por ela entrou o Presidente, boca cheia de sorrisos e bons-dias. Os ministros se levantaram de uma vez, como se tomados de repentino susto. Estrépito de cadeiras arrastadas no chão. O coro de vozes roucas retribuiu a saudação. A autoridade maior se sentou e, com um aceno, autorizou o sentar-se de seus auxiliares. Olhos fitos no rosto do comandante, os homens nem sequer piscavam, paralisados, imóveis, inertes. O que diria o chefão? Sapoapé, Cipoaté, cabrito, vereador? Olhar vidrado, ele engolia palavras, sem mastigar. Um ou outro ministro cruzava as mãos suadas. Nenhuma sombra se mexia sobre a mesa, nas paredes, no chão. E nada de o mandachuva abrir a boca. Ao longe, garçons cochilavam, surdos e mudos. A ponta do sapato de um cupincha encontrou a ponta do sapato de outro cupincha à sua frente. Arregalaram os olhos. Qual o significado daquilo? Estaria ficando louco? Retirasse o pé dali, imediatamente. Deixasse de gracinhas. Alguém ousou levar as mãos a um copo. Reprimenda geral, com os olhos. Não fizesse aquilo. Deixasse a autoridade se servir primeiro. O silêncio fazia ouvirem-se os mais remotos e insignificantes ruídos: na boca de um, nos lábios de outro, a respiração de fulano. Olhares se cruzavam de ponta a ponta. O do vizinho à esquerda do chefe fulminava o sétimo à direita dele. O terceiro à direita piscou discretamente para o quinto da coluna frontal ao frontispício central. Por que o homem não falava nada? Teria perdido a fala? Estaria dormindo? Seria sonâmbulo? Teria enlouquecido? E se o interpelassem? Quem o faria? Não, ninguém ousaria interromper o sono do Presidente.

A mim cabia somente filmar a reunião. E também nada dizer ou perguntar.

Fonte:
Nilto Maciel. A Leste da Morte.