sábado, 6 de agosto de 2016

Nei Garcez (Ecologia)


No habitat da espécie viva,
entre os seres, simplesmente,
é que a vida, em rediviva,
já preserva o meio ambiente.

Nos ambientes da cidade,
selva, estepe, rio ou mar,
em biodiversidade,
vivem a se completar.

Vegetais, e os excrementos
das espécies animais,
tomam forma, aos quatro ventos,
em adubos naturais.

Hoje a terra está ferida,
carcomida pelo mal,
fenecendo, a sua vida,
na UTI de um hospital.

Nosso próprio meio ambiente,
de equilíbrio natural,
está sendo, vorazmente,
destruído no global.

Continuando as investidas
desta doença artificial,
bem por certo nossas vidas
sofrerão a dor mortal.

O remédio mais urgente,
e sem contra-indicações,
é salvar o meio ambiente
pras futuras gerações.

30 05 2005

Fonte:
O Autor, é de Curitiba/PR
Imagem = A. A. de Assis é de Maringá/PR

Filemon F. Martins (Poemas Escolhidos)

AMOR
Amor de minha vida, amor ventura,
vem comigo seguir a nossa estrada,
vamos viver a vida simples, pura,
antes que o sol desfaça a madrugada.

E vou te amar assim com tal doçura,
com tanto amor serás a minha amada,
que meus versos repletos de ternura
vão se espalhar em tua caminhada.

Terei em minha vida o teu carinho
e nunca mais me sentirei sozinho
e tu terás o amor mais verdadeiro.

Quando o tempo passar, calmo e sereno,
verás que fui e sou, mesmo pequeno,
teu homem, teu poeta e seresteiro.

AMOR CREPUSCULAR

A tarde vai morrendo lentamente
e enquanto o sol se esconde lá na serra,
a brisa vem trazendo mansamente
uma saudade que o meu peito encerra.

E a noite surge alegre e resplendente
com seus mistérios vem saudando a terra,
espalhando, no mundo, o amor ingente
de quem cultiva a paz e evita a guerra.

Quantos amantes passam se beijando
confessando segredos e venturas
que só o amor produz nas almas puras?

Meu coração também está amando
como os casais que passam na avenida
jurando amores para toda a vida.

APÓS A TEMPESTADE

O vento chega e sopra muito forte
anunciando, em trovões, a tempestade,
as folhas arrancadas com vontade
revoam à mercê da injusta sorte.

Raios cortam o céu de Sul a Norte,
um prenúncio de horror, calamidade,
estrondos são ouvidos na cidade
gerando medo, caos e a própria morte.

Tristonha, a tarde se vestiu de escuro,
e a chuva desabou estrepitosa
como se castigasse o povo impuro.

A noite chega e adentra pela fresta,
céu estrelado e a lua tão formosa
e a Natureza, eu vi, estava em festa!

CAMINHADA

A caminhada é longa, nós sabemos
que é difícil vencer este caminho,
mas a fé nos ajuda, assim nós cremos,
melhor lutar do que ceder ao espinho.

Não temer o perigo é o que queremos,
porque o mundo se torna tão mesquinho
que às vezes é preciso que busquemos
um punhado de amor e de carinho.

E enquanto a vida nos disser prossiga,
buscaremos obter na fé amiga
os pomos que a vitória nos conduz.

Almas gêmeas seremos pela vida,
unidas pelo amor – missão cumprida
para o destino que nos leva à luz!

COMPONDO VERSOS

Eu quisera compor uns lindos versos
que falassem do amor e da paixão,
destes sonhos antigos e dispersos
que ocuparam meu pobre coração.

Teus olhos cor de mar (quase perversos),
pousaram sobre mim, que perdição,
e meus sonhos agora estão imersos
neste mar de beleza e solidão.

Por que partiste assim, sem dizer nada,
deixando apenas tua gargalhada
que em saudade se fez e em mim convive?

Peço para que voltes, doce amada,
porque sem luz não há mais alvorada,
sem teu amor meu coração não vive!

ELOGIO AO SONETO

No meu viver de agitação, proscrito,
eu busco a paz para escrever um verso
e de alma pura, coração contrito,
procuro a melhor rima do Universo.

O desespero aperta, estou aflito…
Como escrever num mundo tão perverso?
A inspiração me acode com um grito,
e o meu soneto nasce, incontroverso…

Ao verbo de Camões me fiz escravo.
em busca da palavra me fiz bravo,
para dar ao soneto nova aurora…

Que o pavilhão tremule lá na praça,
e brilhando, qual pérola sem jaça,
reine o soneto pelo mundo afora!

INSPIRAÇÃO

Busquei a inspiração a duras penas
para escrever, com fé, este soneto,
e quero que as palavras mais amenas
sejam a Paz e o Amor, como dueto.

Que vou dizer das provações terrenas,
se o ninho é construído com graveto?
– Será melhor curar dores pequenas
e confirmar aquilo que prometo.

Mas teimo em encontrar a inspiração
que se escondeu e foge com razão,
deixando amargurado este poeta…

Clamo de novo e então ela aparece
trazendo junto aos peito farta messe
e agora, sim, a noite está completa!

O ANDARILHO

“Não me fale de amor”, alguém me disse,
“o amor morreu, já não existe mais”.
E eu retruquei que aquilo era tolice,
– será pecado alguém amar demais?

Ficou parado ali, talvez me ouvisse
que o amor perdoa e espera, sem jamais
querer em troca o favo da meiguice
que perpetua a vida entre os casais.

O tempo foi passando e pela rua
eu vi aquele vulto olhando a lua
perambulando como um peregrino.

E percebi, então, que aquele rosto
marcado pela dor, pelo desgosto,
nunca teve um Amor em seu destino!
________
Fonte:
MARTINS, Filemon F. Sonetos & Trovas. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2014.

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 5

Sandra Cristina e seus pais estavam sentados na esplanada de um café, na chamada varanda de São Pedro de Moel, tomando um refresco.

Estávamos no meio da tarde e todas as mesas estavam ocupadas, quando um casal de estrangeiros, de ar distinto, acercou-se deles e o homem delicadamente perguntou:

Dr. Roger: -  Seriam tão amáveis que nos dessem licença de ficarmos na vossa mesa? ... é que não existe nenhum lugar vago, e estamos a "morrer" de sede?... 

André: - Para nós até será uma honra. Por favor, sentem-se  estejam à vontade.

Dr. Roger: -  Então, se nos dão licença, nós somos o casal Richter, americanos de Nova Iorque.

André: -  Nós somos os Mendes, aqui de São Pedro de Moel. Os senhores são turistas, não é verdade?

Entretanto, tinham-se sentado todos, e o pai de Sandra Cristina, encomendou mais dois refrescos. Sua filha teve a percepção, por uma misteriosa sensibilidade de que alguma coisa estranha se iria passa na sua vida. Uma espécie de ansiedade tomava-a toda, quase impedindo de ver a sua curiosidade fosse disfarçada, para mais, a senhora Jodie Richter a observava de quando em vez.

Em determinado momento, André Mendes, pensativo desabafou:

André: -  Richter... Richter... Escuta, Sandra Cristina, este nome não te diz nada?

Sandra: -  Não sei paizinho? ...

André: -  A minha filha anda sempre na Lua. Também não admira, pois são os seus dezoito anos...

Emília: -  Minha filha, pois eu ia jurar que já li este nome muitas vezes...

Dr. Roger: -  É natural que sim, pois tenho trabalhado muito...

Emília: -  Por acaso o senhor não é médico?

Dr. Roger: -  Sou sim.

Sandra: -  Papás, eu conheço o nome sim, e até já via a fotografia deste senhor, naquela revista alemã, sobre as sumidades do nosso século! É ele, sim, o maior especialista em enxertos ósseos do nosso tempo! ...é o senhor, não é?! Diga lá... 

Dr. Roger: -  Não sei se serei o maior especialista, como a menina, amavelmente me classifica, mas lá que sou médico, sou. Chamo-me Roger Richter, e sou especialista em ossos. Mas porquê? 

Sandra: -  Porquê?! ... Ainda pergunta porquê?...

Sandra Cristina rompeu então num pranto convulsivo, embora chorasse muito baixinho. A mãe da pequena, explicou ao casal a insólita atitude da rapariga.

Os Richter fizeram-se de muito admirados, e o médico, em certa altura, deixou escapar a frase milagrosa:

Dr. Roger: -  Pois é, realmente uma pena que, uma rapariga tão nova e tão fascinante, como a vossa filha, sofra desse defeito. Há quanto anos teve o acidente, Sandra Cristina?

Sandra: -  Quase há sete anos, Sr. Doutor. É tempo demais para se tentar qualquer coisa, não é?

Dr. Roger: -  Depende... Olhe Sandra, tenho muito interesse em observá-la.

Sandra: -  Oh Sr. Doutor, que feliz eu seria, se…

Jodie: -  Vamos lá, não é caso para a Sandra se excitar assim. Meu marido não pode prometer-lhe nada, mas olhe que ele é quase mágico...

Sandra: -  É por isso mesmo que me sinto tão feliz!

O casal Mendes tinha trocado um rápido olhar de compreensão, e o pai de Sandra, numa voz pesada, disse como um criminoso a confessar o seu delito:

André: -  Mas, como lhe hei de dizer Doutor... Nós não temos meios materiais para pagar uma operação dessas, para mais feita por um especialista como o senhor.

Sandra: -  Pois é verdade, Sr. Doutor, os meus pais não têm meios financeiros…

Dr. Roger: -  Vocês, portugueses, são todos de uma grande precipitação, que até vos estraga a alegria de viver! São Pedro de Moel é uma das mais belas praias de Portugal, e vocês parecem apostados em viver em tragédia. Ninguém vos falou em dinheiro, não é verdade?

Emília: -  Pois não, mas nós...

Dr. Roger: -  Também não fizemos nenhum contrato, não é verdade? Eu disse apenas que gostaria de observar a sua filha, e isto, se ela e os senhores estiverem de acordo. Valeu?

André: -  O pior é que...

Dr. Roger: -  Deixem-me falar, por favor. Ando em férias pela Europa, e recebi uma gentileza de um casal desconhecido, que me proporcionou o mais saboroso refresco que tomei em toda a minha vida. Talvez possa recompensá-los desta vossa amabilidade, pedindo-vos que me deixem observar Sandra Cristina.

Houve um silêncio feliz, ou, mais exatamente, um silêncio em que os Mendes recearam entender o que ouvira. Mas logo ficou combinada a hora matinal, no dia seguinte, o Dr. Richter os visitaria, para uma primeira observação da perna e da anca de Sandra. A pequena, durante toda a noite, não conseguiu dormir. No mais íntimo da sua alma, agradecia à providência Divina que tivesse colocado no seu caminho, aquele casal bondoso, que se condoera da sua desgraça.

Nem por sombras poderia lembrar-se de uma possível intervenção de Luís Carlos, naquele processo, se bem que fosse o pintor, a pessoa pela qual mais lhe interessava melhorar do seu defeito físico.

Sentindo-a inquieta e a remexer-se na cama, a mãe enfiou um roupão e foi ter com ela ao quarto:

Emília: -  Porque não dormes minha filha? 

Sandra: -  E tu, porque estás acordada?

As duas sorriram, com os olhos brilhantes de esperança. Momentos depois, também o pai da Sandra, o André Mendes, estava presente. O seu rosto, normalmente calmo, apresentava um colorido e uma excitação excepcional:

Sandra: -  Papá, não é um momento maravilhoso?

Emília: -  Não te agarres já a esperanças tão grandes, minha filha.

Sandra: -  Concordo plenamente contigo, mas seria como um grande e maravilhoso milagre.

Emília: -  Lembra-te que o acidente já foi há muito tempo, e que os ossos já solidificaram.

Sandra: -  Eu sei isso tudo, mas deixa-me sonhar com um milagre que me possa acontecer.

André: -  Mas deves pensar que já é um pouco tarde. Mulher não vem pra a cama que daqui a pouco começa a anoitecer?

Emília: -  Vai indo tu, pois eu ficarei um pouco mais com a Sandra.

André: -  Então um bom resto de noite, e procura sossegar.

Emília: -  Agora que o pai se foi embora, diz-me lá, tu ainda pensas no Luís Carlos, não é verdade?  Não estranhes a minha pergunta, mas as mães sabem tudo a respeito das filhas, especialmente das filhas da tua idade.

Sandra: -  Não te sei responder, mãe…

Emília: -  Tenho a sensação de que tu não te excitarias tanto, se o Luís Carlos não tivesse passado pela tua vida!

Sandra: -  Talvez tenhas razão. Não sei porquê, mas tenho a esperança de que ainda um dia o encontrarei ... E então...

Emília: -  Tem calma, minha filha, e escuta-me.

Sandra: -  Sou toda ouvidos, mãe.

Emília: - De todos os homens que existem no mundo, o Luís Carlos, é aquele que eu reputo ser mais indiferente a teu respeito, melhor, à falta de respeito. 

Sandra: -  Pode ser que tenhas razão, e é por isso que eu muito queria estar curada, quando ele me reencontrar!

Emília: -  És uma alma nobre, minha filha. Mas não deves ficar com essa ideia fixa, de que voltarás a encontrar o Luís Carlos. Até pode ser que ele não volte a São Pedro de Moel.

Sandra: -  Ainda agora ele fez uma exposição em Lisboa. Li nos jornais, e só por vergonha é que não pedi ao pai que fossemos lá...

Emília: -  Vergonha de quê? 

Sandra: -  De lhe aparecer ainda com este defeito.

Emília: -  Só por isso? Olha lá, tu fizeste alguma coisa de indecoroso e que te possa envergonhar?

Sandra: -  Bem sabes que não!

Emília: -  Então, não te entendo...

Sandra: - Oh, nem eu sou capaz de te explicar, mas portei-me como se tivesse feito tudo o que há de pior.

Emília: -  Bem, com esta conversa toda, já são mais do que horas para ir dormir, para podermos estar bem dispostas quando o Sr. Doutor chegar.

Sandra: -  Ele disse que vinha às nove horas... Achas que ele vai faltar e nunca mais o vamos ver?

Emília: -  Não, minha filha! Que disparate de pensamento.

Sandra: -  Desculpa, mas estou muito nervosa!

Emília: -  O Dr. Roger Richter é uma celebridade mundial, não é um troca-tinta qualquer.

Sandra: -  Oh mãe, não te zangues com a tua filhinha que está muito nervosa.

Emília: -  Se ele se comprometeu a fazer uma coisa, sem que ninguém lhe pedisse, decerto que não faltará. Dorme descansada, vá. Um beijinho...

continua...
 
Fonte:
O Autor

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Humberto de Campos (O Poço dos Maridos)

Fernandina Sobreira havia sido, até os vinte e três anos, uma das moças mais requestadas e formosas dos salões do Rio de Janeiro. Muito clara, cabelos castanhos, olhos suavemente azuis, porte mediano, nenhuma a sobrepujava nas maneiras, na elegância, na distinção e, principalmente, na graça de um sinalzinho petulante, que lhe dava ao rosto, na face esquerda, o retoque de uma brejeirice encantadora. Aquele sinalzinho era, podia-se dizer, o ponto final da formosura. Ao escrever o poema da beleza feminina, Deus havia posto, ali, a última palavra do derradeiro capítulo.

Os anos foram-se, porém, sucedendo, uns aos outros, como gotas da mesma clepsidra; e o certo é que, aos vinte e oito, a moça não havia encontrado marido. Amigas mais feias, ou, antes, menos bonitas, iam, uma a uma, recebendo o seu noivo, constituindo o seu lar, multiplicando o seu sangue; e ela, somente ela, de tantas que eram, lá se deixara ficar na casa de seu pai, cercada de admiradores, atordoada de lisonja, mas sem ver um homem que a convidasse, leal e sincero, para a constituição legal de um ninho em comum. A Belita Simpson, que não tinha os seus olhos nem o seu sorriso, havia encontrado o Dr. Mascarenhas, advogado estudioso e jovem, e lá andava pela Europa em passeio de núpcias, percorrendo as cidades, experimentando os climas, visitando os museus. A Alice Martins era, agora, mme. Lopes Taveira, arrastando pelo braço, nos salões e na Avenida, o grande médico seu marido. A Totinha casara com um deputado, e dava empregos, e a Tecla Meireles com um capitalista, e dava recepções. Só ela, que fora a mais graciosa, a mais elegante, a mais cobiçada, ali estava sozinha no seu leito de solteira, sentindo aproximar-se, após uma alvorada chilreante de pássaros, uma tarde triste, lúgubre, amortalhada em cinza e silêncio! Onde andava com a sua matilha e com os seus pajens o seu Príncipe Encantado, que não vinha, rápido, alarmando a floresta com as buzinas de caça, ao encontro da sua Princesa Adormecida?

Sem irmãs nem irmãos, que lhe dessem o conforto de uns sobrinhos pequeninos, Fernandina sentia-se oprimir, afogar, asfixiar, pelo instinto maternal do coração. O pai, alquebrado, não podia mais conduzi-la, com tanta frequência, como dantes, a festas, a passeios, a teatros. Uma primeira ruga riscou-lhe a fronte lisa, partindo, como um fio telegráfico sem destino, o canto dos olhos. Combatida à força de loções, de unguentos, de pomadas, multiplicou-se, dividiu-se, repartiu-se, abrindo novos caminhos para as lágrimas. E foi nessa idade, com o sol da mocidade em franco declínio, que Fernandina adormeceu e teve, uma noite, um sonho que a desiludiu.

Ao fechar os olhos, umedecidos em torno por uma loção que lhe haviam receitado, sentiu-se, de repente, transportada a uma grande campina, no fim da qual ressoavam harpas e citaras, que ela procurava e não via. Embevecida, olhava para o lado de onde lhe vinham aquelas vozes embaladoras, quando sentiu, de repente, que alguém lhe tocava no ombro. Voltou-se, assustada, e caiu de joelhos, gemendo:

- Minha madrinha! Minha madrinha! Amparai-me!

Ao seu lado, radiosa e doce, mal pisando a terra, sorria a imagem de Santa Rosa de Lima, sua madrinha e protetora, à qual havia rezado contritamente, aflitamente, antes de adormecer, pedindo a graça de um mando. Sorriso nos lábios, auréola à cabeça, mãos sobre o peito, a Santa Rosa fitava-a com ternura, quando, carinhosa, ordenou:

- Minha filha, vem...

E puseram-se a andar pela campina, uma ao lado da outra, mas tão leves, tão brandas, tão ligeiras, as duas, que nem pesavam sobre a relva orvalhada. Súbito, ouviram vozes. A planície havia desaparecido e Fernandina estava, agora, diante de um grande poço, em torno do qual se aglomeravam, apertando-se, empurrando-se, disputando, dezenas, centenas, milhares de moças. Espremendo uma, afastando outra, a rapariga chegou à beira do abismo, e viu: de dentro, saía, vagarosa, uma corda, puxada por um sacerdote, na qual vinha amarrado, de sete em sete palmos um homem, que as mulheres, em cima, recebiam debaixo de gritaria.

- Que é isso? - indagou, tímida, Fernandina, a uma desconhecida que lhe ficara ao lado.

- Então você está aqui, e não sabe?

E como percebesse a sinceridade daquela pergunta:

- Isto, aqui, é o Poço dos Maridos, o lugar de onde eles vêm. Essas moças que aqui vê, estão esperando cada uma aquele que lhe é destinado.

- E a senhora já encontrou o seu? - indagou Fernandina, admirada.

A outra baixou os olhos, e confessou:

- Não, senhora. Estou aqui há doze anos. Felizmente, ainda não perdi a esperança...

A rapariga ia rir da sua vizinha quando os seus olhos descobriram, do outro lado do poço, várias fisionomias amigas, debruçadas, todas, para o fundo insondável do abismo. Eram a Belita Simpson, a Alice Martins, a Dorinha Tavares, a Abigail Queiroz, a Ninita, a Mana da Graça, a Lúcia, a Vidinha, a Tude, a Graziela... E à medida que a corda subia, puxada incessantemente pelo sacerdote, desgarrava-se dela um homem jovem, ou velho, feio, ou bonito, a cujo pescoço pulava logo um vulto feminino, que nunca o tinha visto, mas que o esperava ansiosamente à beira do poço. E assim viu ela sair o Dr. Mascarenhas, o Lopes Taveira, o comandante Maia Cunha, o Dr. Casemiro Alves, o tenente Alberto Wellington, em cujos braços se atiraram, logo, a Belita, a Alice, a Tecla, a Totinha, a Maria da Graça, que lá se iam, felizes, pela campina, com os seus maridos...

De repente, Fernandina sentiu uma agitação íntima, um susto, uma inquietação deliciosa, uma espécie de pressentimento. Uma vontade de fugir, de esquivar-se, agitou-lhe os nervos, mas os pés a detiveram, autoritários, no mesmo lugar. Alguma coisa de grave, de inesperado, ia, necessariamente, acontecer. E estava ela nessa angústia, nessa tortura, encantada, quando a Santa, sua madrinha, lhe apareceu, de novo, anunciando-lhe:

- Minha filha, olha para o fundo do poço. Teu noivo, o homem que te é destinado para marido, está para chegar. É o oitavo, depois deste, que saiu agora.

O ímpeto de Fernandina foi o de atirar-se à Santa, abraçando-a, apertando-a, cobrindo-a de beijos gulosos, de furiosa gratidão. Era preciso, porém, olhar para o fundo do poço, e receber com os olhos, de longe, o seu prometido; a ansiedade dominou-a, curvando-a sobre o abismo. Debruçada para dentro, contou os vultos que se divisavam agarrados à corda:

- Um... dois... três... quatro... cinco... seis... sete... oito...

Era aquele. De longe, na meia escuridão, não lhe podia divisar as feições nem avaliar a idade. O coração batia-lhe, inquieto, sôfrego, descompassado. Um suor frio corria-lhe por todo o corpo, numa vertigem. As pernas tremiam-lhe, mal sustentando o peso do busto, amparado ao muro do poço. A manivela continuava, porém, a rodar, manejada pelo padre, e a corda a subir, trazendo gente. Agora, faltavam apenas quatro. Ele era o quinto. Apesar da penumbra, Fernandina via-lhe, já, as feições. Era jovem, sim! Jovem e bonito. Na sua coqueteria instintiva a moça levou as duas mãos ao cabelo, afofando o penteado. Mais um movimento da manivela e a claridade exterior atingiu-o. Chicoteado pelo jato de luz o rapaz ergueu o rosto, e encontrando, em cima, os olhos dela, encarou-a, e sorriu. Fernandina quase desmaia, de gozo, de prazer, de ventura. Toda ela era alvíssaras de carne, alvíssaras de nervos, alvíssaras de coração Agora, ele era o segundo. Olhos nos olhos, embebidos um no outro, as suas mãos já se tocavam, quase. Fernandina sorria e chorava. Mais uma volta da manivela, e estaria ele nos seus braços. Esperava, como se fosse um século, a passagem desse grão de areia na ampulheta da eternidade, quando um grito reboou, alarmando a multidão.

- Fujam! Fujam! - avisou alguém.

A massa humana recuou, espavorida, deixando Fernandina, sozinha, à beira do poço.

- A corda vai partir-se! - bradou a mesma voz, com terror.

Atordoada, a moça, voltou-se, e viu. Um pouco acima da sua cabeça, no ponto que passava pelo carretel, o cabo desfiava-se, rápido, ameaçando romper-se. Soltando um grito, a rapariga estendeu as mãos, aflita, louca, desesperada, para o fundo do poço. Era, porém, tarde. Rodopiando com o peso, o cabo se havia distorcido de repente, estalando num ruído seco, atirando, com um estrondo surdo, a sua carga humana no fundo do abismo!

Um grito de raiva, de angústia, de dor alucinante, alarmou, àquela hora da noite, a família Sobreira. Pessoas da casa acorreram, em trajes de dormir.

Curvada para fora do leito, os braços estendidos para o chão, o rosto lavado de lágrimas, Fernandina chorava nervosamente, aflitamente, agoniadamente, no seu primeiro ataque de histeria.

Folclore Japonês (Fujin e Raijin: Deuses do Vento e do Trovão)

Fujin e Raijin, Deus do Vento e Deus do Trovão, são alguns dos deuses mais populares do panteão xintoísta japonês descritos no Kojiki, livro mais antigo sobre a história do Japão. Fujin é geralmente descrito como muito forte, musculoso com um grande saco de pele, o qual é preenchido com numerosos ventos. Quando ele abre seu saco, uma rajada de vento sopra intensamente na Terra. Raijin também é retratado como imensamente robusto, ao seu redor, uma série de tambores, com o qual ele faz os estrondosos trovões. Muitas vezes eles são considerados como Youkais (demônio, espírito ou monstro).

Segundo uma antiga lenda do budismo chinês, Fujin e Raijin foram ambos originalmente demônios que se opunham a Buda. Então Buda ordenou a seu exército celestial que os capturassem, depois de uma batalha intensa entre os dois demônios e 33 deuses, os demônios foram capturados e convertidos, trabalhando para os céus desde então.

FUJIN “O DEUS DO VENTO”

Fujin (fu: vento e jin: deus) é o deus japonês do vento, dos furacões, e dos redemoinhos, é uma das divindades xintoístas mais antigas. Ele estava presente com Amaterasu (deusa do sol) na criação do mundo, e quando ele deixou o vento sair pela primeira vez da sua bolsa, este clareou a neblina da manhã e preencheu o espaço entre o céu e a terra, e assim o sol brilhou. Acredita-se que ele vive acima das nuvens junto com Raijin, o deus do trovão.

Ele geralmente é representado carregando um grande saco de tecido (ou pele de animal), repleto de ventos, quando ele abre este saco, libera uma rajada de ventania. Fujin, Raijin e Amaterasu são responsáveis pelo clima do universo, por isso são representados quase sempre juntos (em algumas versões eles são irmãos), supostamente seriam alguns dos inúmeros filhos de Izanagi.

Conta a lenda, que antes dos humanos habitarem a terra, uma discussão surgiu entre eles pelo controle das tempestades. Nesta batalha, Fujin cortou o braço esquerdo de Raijin. Algum tempo depois, os dois deuses voltam a serem amigos e Amaterasu recuperou o braço perdido de Raijin para que este continuasse produzindo trovões.

Algumas crenças tradicionais atribuem o fracasso dos mongóis em sua tentativa de invadir o Japão no ano de 1274 a uma tempestade criada por Fujin, que recebeu o nome de Kamikaze (kami: divino e kaze: vento).

A iconografia de Fujin parece ter sua origem nas trocas culturais ao longo da Rota da Seda. Começando com o período helenístico, quando a Grécia ocupou partes da Ásia Central e Índia, o deus grego do vento Bóreas tornou-se o deus Wardo na arte Greco budista, em seguida, uma divindade do vento na China (Tarim) e, finalmente na divindade japonesa Fujin.

Durante essa evolução, o deus do vento manteve sua simbologia, o seu jeito falastrão, e sua aparência desgrenhada.

RAIJIN, "O DEUS DO TROVÃO"

É o deus do trovão, do relâmpago e da guerra na mitologia japonesa, um deus-demônio retratado com dentes e garras afiadas, cabelos longos e com um tambor para fazer os trovões. Por vezes é representado como um deus vermelho que adora comer umbigos humanos, tanto que muitos pais japoneses diziam a seus filhos para esconder seus umbigos durante uma tempestade, se não seriam devorados pelo deus.

Seu nome é derivado das palavras japonesas rai (significando “trovão”) e shin (“deus” ou “kami”). Ele é tipicamente descrito como um demônio batendo tambores para criar um trovão, geralmente com o símbolo “tomoe” (presente em templos budistas e xintoístas, que significa ciclo ou giro, referindo-se ao movimento da terra) desenhado na bateria. Ele também é conhecido pelos seguintes nomes:

Yakuza no ikazuchi no kami: Yakuza (oito) e ikazuchi (trovão) e kami (espírito, ou divindade)

Kaminari-sama: Kaminari (Kami, espírito, ou divindade + nari, trovão) e sama (um japonês honorífico que significa “mestre”)

Raiden-sama: rai (trovão), den (raios), e sama (mestre)

Narukami: naru (trovejante) e kami (espírito, ou divindade)

Raijin geralmente é acompanhado por “Raijuu” (besta do trovão) que é uma lendária criatura da mitologia japonesa, de corpo composto tanto de eletricidade como de fogo e pode aparecer na forma de um gato, tanuki, macaco, ou doninha. Ou ainda, na forma de um lobo azul e branco (ou mesmo um lobo envolvido em raios) é comum seu rugido soar como um trovão.

Um dos comportamentos peculiares de Raiju, parecido com o do deus Raijin, é o de dormir em umbigos humanos. Isso leva Raijin a disparar flechas de raios no Raiju para acordar a criatura, e, portanto, prejudica a pessoa em cujo ventre o demônio está descansando. Pessoas supersticiosas, portanto, muitas vezes escondem seus umbigos durante o mau tempo, mas outras lendas, no entanto, dizem que Raiju só vai se esconder nos umbigos de pessoas que desavisadamente dormirem ao ar livre.
Fujin e Raijin em Anime

Os deuses Fujin e Raijin são muito populares na cultura japonesa e estão presentes em muitos Templos por todo Japão, assim como aparecem em muitas produções para mangá e anime.

Fonte:
Caçadores de Lendas

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 4

Nesse momento foram feitas as apresentações e antes que alguém pudesse dizer fosse o que fosse a senhora Jodie Richter, disse-lhe com desenvoltura:

Jodie Richter: -  Senhor Luís Carlos, quero dizer-lhe que o considero um dos melhores pintores do nosso tempo, senão o melhor. Mas também quero igualmente dizer-lhe que eu, e o meu marido, o Dr. Roger Richter, decidimos romper com esse mistério do quadro "A Deusa e o Mar"! O senhor vai vender-nos esse quadro, não é verdade?!
Luís: -  Receio que a vá desapontá-la, minha senhora, pois eu não vendo aquele quadro. Aliás, toda a gente o sabe...

Nesse momento, Luís Carlos lembrou-se de onde conhecera aquele rosto, o rosto do Dr. Roger Richter, e assim disse-lhe de uma maneira desconcertante, que fez a admiração das pessoas a quem se dirigia diretamente, e também de todos os outros visitantes que, entretanto tinham rodeado o grupo.

Luís: -  Como sabe, não vendo aquele quadro por preço nenhum, minha senhora. Mas, se a senhora e o seu marido têm grande interesse nele, talvez possamos chegar acordo...

Dr. Roger: -  Sim, sim estou até muito interessado. Passo por um dos maiores colecionadores de Nova Iorque, e estou na disposição de pagar o preço que pedir. Para mais creio que o conheço, não me recordo é de onde?...

Luís: -  Eu também estou a reconhecê-lo, doutor, não me lembro de onde, ou será de onde o doutor me conheceu?... Mas continuo a dizer-lhe que aquele quadro não tem preço em dinheiro, e por isso não o vendo. No entanto, o quadro pode ser seu e de sua esposa...

Dr. Roger: -  Não o estou a compreender, se não vende o quadro...

Luís: -  Eu ofereço-lhe aquele quadro, se o doutor quiser prestar-me um alto favor, que mais ninguém no mundo me poderá fazer, senão o senhor!

Dr. Roger: -  Cada vez compreendo menos. Então o Luís Carlos oferece-me o quadro, em troco de quê?!

O Dr. Roger Richter entreolhou-se sem compreender o alcance das palavras de Luís Carlos. À volta do grupo, estabeleceu-se um burburinho, pois a decisão do pintor espantou toda a gente. Por fim o doutor perguntou-lhe:

Dr. Roger: -  Concretamente, o que precisa que eu faça, para merecer a oferta daquela obra de arte?!

Luís: -  Doutor está aqui muita gente e segundo me informou o meu associado, tanto o senhor como sua esposa, já visitaram a exposição.

Dr. Roger: -  Sim, só passamos por cá para ver se o encontrava pessoalmente.

Luís: -  Então que diz se fôssemos dar um pequeno passeio?... Está uma noite maravilhosa e Lisboa, é uma cidade maravilhosa à noite. Aceita?...

O casal apressou-se a dizer que se tratava de uma boa ideia, e os três abandonaram a sala de exposições. O Daniel, o associado do pintor, foi então literalmente submerso por perguntas, vindas de todos os lados. Mas não sabia realmente como responder à curiosidade daquela gente indiscreta, que pensava que ele devia de estar no segredo das atividades do seu amigo. Bem garantia a toda a gente que nada sabia do que se estava a passar entre Luís Carlos e os americanos, mas ninguém acreditava nele.

Entretanto, passeando na noite lisboeta, mais apetecível que possa imaginar, caminhavam vagarosamente, o casal americano e Luís Carlos.

Em determinada altura, o pintor perguntou ao médico:

Luís: -  Então, doutor, ainda não se lembra ainda de onde nos conhecemos?

Dr. Roger: -  Luís Carlos confesso que não me lembro...

Luís: -  Pois eu, logo que entrou na exposição, o reconheci logo. Não admira, porque para mim, houve só um Dr. Roger Richter. Para o senhor, houve já milhares de Luís Carlos...

Dr. Roger: -  Não estou a compreender, ou o senhor já foi meu doente? Espere, espere, já sei: Bombaim, durante aquele terrível terremoto! O pintor, "o Português" como lhe chamavam. Agora bem me lembro só o nome é que não fixei, mas ainda tenho presente o meu diagnóstico: esmagamento da clavícula e do fêmur e também a fratura de quatro costelas. Eram quatro não era Sr. Luís Carlos?

Luís: -  Exatamente foram quatro costelas partidas quer perfuram os pulmões. Foram momentos horríveis aqueles que lá passei, mas tive a sorte do doutor, também se encontrar na Índia e em ter ido parar às suas mãos. Caso contrário, andaria hoje por esse mundo, arrastando a minha invalidez, se não tivesse morrido.

Dr. Roger: -  Ora, ora. Fiz apenas a minha obrigação

Luís: -  O doutor não tinha qualquer obrigação, pois, por mero acaso é que nesse momento trágico se encontrava em Bombaim. Eu encontrava-me lá a aprender a pintar. Nessa altura ainda tinha o coração cheio de beleza...

Jodie: -  Ah sim?! ... E agora, já não tem o coração cheio de beleza?! ... Eu atrevo-me a pensar que o seu coração está agora mais cheio de beleza, como nunca esteve e não devo estar enganada.

Dr. Roger: -  Bem, meu amigo, uma vez que já nos apresentámos, não encontro qualquer motivo para não falarmos francamente. Então, quais são as condições para que aquele quadro ser meu?

Luís: -  É simples: basta que o doutor opere uma pessoa de umas fracturas antigas, parece que são na bacia e numa perna.

Dr. Roger: -  E se eu a operar, dá-me aquele quadro?!

Luís: -  È exatamente com diz.

Dr. Roger: -  Vamos lá ver, eu não conheço o caso, além disso, se operação não tiver êxito?

Luís: -  Tenho absoluta confiança em suas mãos e no seu brio profissional!

Dr. Roger: -  E, a pessoa em questão tem muita idade?

Luís: -  É uma jovem de 18 anos.

Jodie: -  Luís Carlos desculpe-me a indiscrição, mas a pessoa em causa, por acaso é o modelo do seu quadro "A Deusa e o Mar"? ... Adivinhei?!

Luís: -  Sim, a senhora adivinhou, é ela!

Dr. Roger: -  Mas eu não posso aceitar intervir, sem primeiro fazer uma observação à doente...

Luís: -  O doutor fará todas as observações que precisar. Apenas lhe peço que me dê a sua palavra de honra, de nunca mencionar o meu nome a Sandra Cristina, nem a seus pais.

Dr. Roger: -  Então a pequena chama-se Sandra Cristina. Sim, pode contar com a minha discrição.

Luís: -  Então, dar-lhe-ei o endereço onde ela e os pais moram... 

Dr. Roger: -  Mora cá em Portugal?

Luís: -  Mora e numa linda terra, que se chama São Pedro de Moel, e é uma das mais belas praias de Portugal.

Dr. Roger: -  Está certo. Em princípio aceito...

Luís: -  O doutor arranjará maneira de comunicar com ela, e de lhe propor a operação, sem lhe levar dinheiro. Feito isso, e sem esperar pelos resultados finais da sua intervenção, eu remeter-lhe-ei o quadro "A Deusa e o Mar" para a sua casa em Nova Iorque. Combinado? ...

Dr. Roger -  Está combinado!

Os dois homens apertaram as mãos, o acordo estava feito.  Luís Carlos quando nessa noite entrou no seu apartamento, no moderno bairro do Restelo, ia sem se conter nas pernas, pois estava completamente embriagado.

Bebia muito desde que regressara de São Pedro de Moel, na esperança de se esquecer da presença, do riso e da voz, do perfume e da beleza de Sandra Cristina. Cada dia mais e mais era vencido e dominado pelo poderoso encanto da rapariga que o traíra. Melhor, que ele julgava que o traíra com requintes de malvadez. Nessa noite, porém, a sua bebedeira era de esperança, se é que se pode classificar assim uma bebedeira. Ele tinha a esperança de poder arrancar Sandra Cristina ao seu grande e tremendo complexo. O seu imenso amor por ela, não exigia nada em troca, nem sequer que ela soubesse que ele interviera no milagre da sua cura. Tinha fé, pois o Dr. Richter era o maior especialista do mundo, em enxertos ósseos. A sua voz e a sua autoridade, eram bem conhecidas na Europa e nas Américas, e Luís Carlos dava-se por feliz, que o grande especialista fosse um admirador da pintura. Poderia assim proporcionar a Sandra Cristina, a possibilidade de uma cura radical. Não queria nada em troca, nem mesmo se detinha no pensamento mesquinho de se ela merecia ou não, aquilo que pensava. Amava-a, reconhecia-o a cada momento, e, quando alguém ama alguém, deve ser bom para esse alguém.

Decerto, que ela não pensaria assim a seu respeito, e sendo assim, era sinal que o não tinha amado! Mas que culpa teria ela de o destino ter sido assim?... Lembrou-se ainda de que na última Primavera, fora ao Porto, e, quando o automóvel passou por São Pedro de Moel, pudesse ter oportunidade de vê-la. Gostava de vê-la, ao menos uma vez, pois o seu coração rebentava de dor e de saudade. E conseguiu por sorte vê-la.

Mas, mais valia que a não tivesse visto. Vira-a ao pé da estação da Rodoviária, de braço dado com um rapaz que a tratava familiarmente por tu. Estaria já casada?... Mas casada ou não, ela havia de sofrer muito pelo seu defeito físico. E, se ele conseguira subir ao cume da fama e da fortuna pelas suas pinturas, isso em parte devia-o a ela, pela sua incomparável beleza, e pelo nobilíssimo sentimento que ela soubera inspirar-lhe e ele conseguira transpor para a tela.

Por isso, casada ou solteira, Sandra Cristina teria a sua parte da nos efeitos produzidos pelo seu quadro. Já fora suficiente que não lho tivesse mandado, e o houvesse substituído por aquela cópia apressada...

continua...
 
Fonte:
O Autor

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Trova 274 - Dorothy Jansson Moretti (Sorocaba/SP)


Hachiko (A história do cão mais fiel do Mundo)

Na bela e triste história de Hachiko, o ditado “O cachorro é o melhor amigo do homem” faz todo sentido. Esse famoso cão japonês  foi protagonista de uma das mais emocionantes e comoventes histórias de todos os tempos. A história do fiel cachorro que esperou seu tutor por 10 anos em uma estação de trem em Shibuya no Japão. Um cão da raça “Akita”, reverenciado pela incrível lealdade ao seu dono, o professor universitário Hidesaburo Ueno, mesmo muito tempo após a sua morte.

Hachiko  nasceu em 10 de novembro de 1923,  em Odate, na província de Akita, no Japão.  No ano seguinte,  Hachiko foi enviado a casa de seu futuro proprietário, o Dr. Hidesaburo Ueno, um professor do Departamento de Agronomia da Universidade de Tóquio.

Conta a história que o professor a muito ansiava por um cão dessa raça, e ao recebe-lo foi “amor a primeira vista”, os dois tornaram-se inseparáveis. Ueno deu-lhe o nome de Hachi, ao que depois passou a chamá-lo carinhosamente pelo diminutivo, Hachiko.

O professor Ueno morava em Shibuya, subúrbio de Tóquio, perto da estação de trem. Como fazia do trem seu meio de transporte diário até o local de trabalho, já era parte integrante da rotina de Hachiko acompanhar seu dono todas as manhãs. O cão que seguia o professor Ueno a todos os lugares, voltava no final do dia, sempre às 15 horas  para  reencontrar o professor, que desembarcava do trem das 16 horas e retornarem juntos para casa.

Até que um dia, em 21 de Maio de 1925, o professor Ueno foi trabalhar e não retornou. Ele havia sofrido um AVC durante uma reunião de corpo docente na universidade. Hachiko tinha 18 meses nessa época, e sem saber do ocorrido, continuou esperando por seu dono na estação.  Naquele dia a espera durou até a madrugada.

Contam que na noite do velório, Hachiko, que estava no jardim, quebrou as portas de vidro da casa e correu para a sala onde o corpo do professor estava sendo velado e passou a noite deitado ao lado de seu mestre. Outro relato diz que como é de costume no Japão, quando chegou a hora de colocar vários objetos particularmente amados pelo falecido no caixão com o corpo, Hachiko pulou dentro do mesmo e tentou resistir a todas as tentativas de removê-lo do local.

Depois da morte do professor,  a Senhora Ueno deu Hachiko para alguns parentes que moravam em Asakusa, no leste de Tóquio. Mas ele fugiu várias vezes e voltou para a casa em Shibuya. Um ano se passou e ele ainda não havia se acostumado à nova casa, então foi dado ao ex-jardineiro da família que o conhecia desde que ele era um filhote. Mas Hachiko continuava a fugir, aparecendo frequentemente em sua antiga casa. Depois de certo tempo, ele se deu conta de que o professor Ueno não morava mais ali, então resolveu esperar em seu antigo ponto de encontro, em frente à estação de trem de Shibuya.

Hachiko continuou a ir todos os dias até à estação de Shibuya para esperar seu dono voltar do trabalho, da mesma forma como sempre fazia enquanto o professor era vivo. Ele voltava pontualmente no mesmo horário que parava o trem que antes trazia o seu dono. Sentava-se à frente da saída e o esperava surgir entre as centenas de pessoas que saíam dos vagões. Os dias foram passando, viraram semanas, meses e anos. Alguns passageiros, que já o conheciam por tê-lo visto na companhia do professor Ueno, foram tocados pela devoção de Hachiko e passaram a trazer alimento para consolar a espera que não teria fim.

Em 1929, Hachiko contraiu um caso grave de sarna, que quase o matou. Devido aos anos passados nas ruas, ele estava magro e com feridas das brigas com outros cães. Uma de suas orelhas já não se levantava mais, e ele já estava com uma aparência miserável, não parecendo mais com a criatura orgulhosa e forte que tinha sido uma vez.

Um dia, um dos fiéis alunos do professor  que havia visto o cachorro na estação, o seguiu até a residência dos Kobayashi, onde aprendeu a história da vida de Hachiko. Coincidentemente o aluno era um pesquisador da raça Akita, e logo após seu encontro com Hachiko, publicou um censo de Akitas no Japão. Na época haviam apenas 30 Akitas puro-sangue restantes no país, incluindo Hachiko. O antigo aluno do Professor Ueno retornou frequentemente para visitar o cachorro e durante muitos anos publicou diversos artigos sobre a marcante lealdade de Hachiko.

Em 1932 a história de Hachiko foi enviada para o Asahi Shinbun, um dos principais jornais do país. A matéria publicada colocou o cachorro em evidência. Hachiko se tornou sensação nacional! Sua devoção à memória de seu mestre impressionou o povo japonês e se tornou modelo de dedicação à memória da família. Pais e professores usavam Hachiko como exemplo para educar crianças em todo país.

Em 21 de Abril de 1934, uma estátua de bronze de Hachiko, esculpida pelo renomado escultor Teru Ando, foi erguida em frente ao portão de bilheteria da estação de Shibuya, com um poema gravado em um cartaz intitulado “Linhas para um cão leal”. A cerimônia de inauguração foi uma grande ocasião, com a participação do neto do professor Ueno e uma multidão de pessoas.

No entanto, toda a fama não fizera nenhuma diferença para o fiel Hachiko que continuava sua vigília na estação de trem. Contam que ele ficava deitado bem na porta da estação, com as orelhas baixas e o olhar triste todos os dias e quando ouvia o barulho do trem se erguia esperançoso, olhando para todos que passavam, mas logo vinha à tristeza de novo e ele deitava, esperando o próximo trem.

Por quase dez anos, todas as tardes, ele voltou a estação, até que na madrugada de 08 de março de 1934, Hachiko que já estava com quase 12 anos, foi encontrado morto no mesmo local, onde passara tantas horas à espera de seu mestre.

A morte de Hachiko estampou as primeiras páginas dos principais jornais japoneses, e muitas pessoas ficaram inconsoláveis com a notícia. Um dia de luto foi declarado no país.

Seus ossos foram enterrados na sepultura do professor Ueno, no Cemitério Aoyama, Minami-Aoyama, Minato-ku, Tóquio, para que finalmente reencontrasse seu mestre. Sua pele foi preservada e uma figura empalhada de Hachiko pode ser vista no Museu Nacional de Ciências em Ueno.

Durante a 2ª Guerra Mundial, para aplicar no desenvolvimento de material bélico, todas as estátuas foram confiscadas e derretidas, e entre elas estava a de Hachiko. Mas, em 1948, formou-se a “The Society For Recreating The Hachiko Statue” entidade organizada em prol da recriação da estátua de Hachiko. Tekeshi Ando, o filho de Teru Ando foi contratado para esculpir uma nova estátua. A réplica foi reintegrada no mesmo lugar da estátua original, em uma cerimônia realizada no dia 15 de agosto. Esta é a estátua que está, ainda hoje, na Estação de Shibuya e é um dos pontos turístico mais popular em Tóquio.

A história de Hachiko atravessa anos, passa de pai para filho, sendo até mesmo ensinada nas escolas japonesas; no início do século para estimular lealdade ao governo, e atualmente, para exemplificar e instilar o respeito e a lealdade aos anciãos.

Devido a essa história,  a raça de cão Akita se tornou Patrimônio Nacional do povo japonês e a sua exportação é proibida. No Japão, uma imagem de Akita é considerada um amuleto de boa sorte. É comum quando uma criança nasce, a família receber uma estatueta de Akita como desejo de saúde, felicidade e vida longa. Assim como, quando há alguém doente, amigos dão ao enfermo esta estatueta, desejando uma rápida recuperação.

Hoje, viajantes que passam pela estação de Shibuya podem comprar presentes e recordações do seu cão favorito na Loja localizada no Memorial de Hachiko chamada “Shibuya No Shippo” ou “Tail of Shibuya”.

A história de Hachiko se espalhou além das fronteiras nipônicas, e inspirou diversas versões ao redor do mundo. Uma das produções que mais se destacou foi o filme estrelado por Richard Gere “Sempre ao Seu Lado”. O filme é um remake do original japonês, de 1987, “Hachiko monogatari”.

Recentemente, foi inaugurada uma estátua representando o reencontro dos dois, no campus da Faculdade de Agronomia da Universidade de Tóquio, onde o professor Ueno trabalhava. Anualmente, no dia 8 de março, ocorre uma cerimônia solene na estação de trem de Shibuya, em Tóquio para homenagear a lealdade e devoção de Hachiko.

Fonte:
Wikipedia em Caçadores de Lendas

Gislaine Canales (Glosas Escolhidas)

Glosando Maria Amélia Pinto de Carvalho e Almeida

MOTE:


A vida vou relembrando,
e afirmo no entardecer:
sofrendo, rindo ou chorando
valeu a pena viver!

GLOSA:

A vida vou relembrando,
minha infância e juventude
e os sonhos sigo sonhando
sempre em sua plenitude.

O outono chegou pra mim,
e afirmo no entardecer:
nada no mundo tem fim,
há um eterno renascer!

Viver é bom, mesmo quando
vivemos na solidão,
sofrendo, rindo ou chorando,
pulsa o nosso coração.

Que os momentos bons da vida
nos ensinem a dizer
na hora da despedida:
valeu a pena viver!
_________________________________

Glosando Luís de Camões

PARA VOS VER...

MOTE:

Quero que me despojeis
da alma e quanto eu tiver,
contanto que me deixeis
os olhos para vos ver!

GLOSA:

Quero que me despojeis
de tudo que em mim restou
e, em troca, recebereis
o quase nada que sou!

Despojai-me, meu Senhor,
da alma e quanto eu tiver,
longe deixarei a dor,
nem a lembrarei sequer!

De tudo o que me fareis
eu não ficarei nem triste,
contanto que me deixeis
a visão que em mim existe!

Viverei grande emoção
que até vai me comover,
pois terei no coração...
Os olhos para vos ver!
_________________________________

Glosando José Valdez de Castro Moura

ESPAÇO DA SAUDADE

MOTE:


Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós...
- A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.

GLOSA:

Partiu, deixando o seu traço

que ficou bem junto a mim,
na esperança de um abraço,
que, às vezes, vem já no fim!

Sigo, triste, caminhando,
no meu caminho dos sós...
Vou como um rio sonhando
em encontrar sua foz!...

Mas é grande o meu cansaço,
vendo o mundo sem beleza!
- A saudade é esse espaço
cheio de dor e tristeza!

Extravaso em poesia
essa saudade feroz,
essa falta de alegria
que existe sempre entre nós.
_________________________________

Glosando Antonio Augusto de Assis

“ponto com”

MOTE:


Na era do “ponto.com”,
voa o sonho mais ligeiro:
-um clique... e, qual vento bom,
chega a trova ao mundo inteiro!

GLOSA:
Na era do “ponto.com”,
a nova tecnologia
leva rápido e em bom tom
ao mundo inteiro, alegria!

E nessa era especial
voa o sonho mais ligeiro:
tornando internacional
o nosso verso fagueiro!

Com rapidez ultra-som,
tem sua especialidade:
-um clique... e, qual vento bom,
espalha felicidade!

Faz a trova, o trovador
e num só clique faceiro
sabe que, com seu amor,
chega a trova ao mundo inteiro!
_________________________________

Glosando Sebas Sundfeld
 
MOTE

A minha alma envelhecida
alinhavando as idades,
faz com os retalhos da vida
uma colcha de saudades!

GLOSA:
A minha alma envelhecida
ainda relembra e sonha,
e não se dá por vencida,
pois vive feliz... risonha!

Enfrenta o tempo daninho
alinhavando as idades,
e colore seu caminho
com belas tonalidades!

Tornando, então, a descida
uma colcha de lembranças,
faz com os retalhos da vida
um reviver de esperanças!

Vai bordando com poesia
seus amores e amizades,
fazendo com alegria
uma colcha de saudades!
_________________________________

Glosando Domitila Beltrame
AMIGO

MOTE:


Na noite do desencanto,
mesmo que pareça oculto,
no amigo que enxuga o pranto,
eu vejo de Deus, o vulto...

GLOSA:

Na noite do desencanto,
o silêncio se agiganta,
ensurdece até o canto
que fica preso à garganta.

Esse medo que angustia
mesmo que pareça oculto,
vem nos roubar a alegria
e causa grande tumulto.

É bem mais que um acalanto,
quando vemos a ternura
no amigo que enxuga o pranto
e aplaca nossa amargura.

Meu querido e grande amigo,
perto de ti, eu exulto,
pois, sempre que estou contigo,
eu vejo, de Deus, o vulto...
_________________________________

Glosando Irene Canalles

   AH, SE EU PUDESSE...
MOTE:

Ah, se eu pudesse voltar,
aos tempos de antigamente!
Não teria em meu olhar
esta angústia tão presente!

GLOSA:

Ah, se eu pudesse voltar,
faria tudo que eu fiz...
pois na vida, no meu lar,
fui feliz, muito feliz!...

Voltar, meu Deus, se eu pudesse,
aos tempos de antigamente!
Só de pensar, estremece
minha alma triste e dolente!

Se eu pudesse penetrar
nesse sonho do passado,
não teria em meu olhar
todo este pranto espelhado!

Se eu voltasse, eu sei, seria
muito feliz novamente;
transformava em alegria
esta angústia tão presente!
___________________________
Fonte:
Revista Trovamar (vários números)

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 3

O choque daquela notícia inesperada pareceu sobrepor-se a tudo o resto, no ânimo da rapariga, que ficou pálida, e uma série de revelações fez-se, nesse momento, no seu espírito. Como se estivesse a adivinhar que estava a perder terreno foi quando, com certa petulância que o amigo dela, o Januário interveio:

Januário: -  Olhe lá, amigo (que eu não conheço), posso saber que conversa é essa que está a ter com a minha noiva, parecendo que me quer ignorar?!

António: -  Parece que não ouvi bem... Sua quê...?! 

Januário: -  Minha noiva - ouviu bem desta vez?... Não estou  compreendo essa sua admiração toda...

Sandra: -  Nós não somos noivos, Sr. António das Ondas. Ele escrevia-me do Porto, onde reside, e eu esperá-lo simplesmente como amigo. Mas diga-me, é verdade que o Luís Carlos se foi embora?

António: -  Já te disse que ele partiu, só não sei exatamente porquê. Escuta Sandra Cristina, podes dizer-me onde estiveste desde que te encontraste com esse moço que te acompanha... E a fazer o quê?

Um pensamento súbito rasgou o cérebro de Sandra - se Luís Carlos a tivesse visto nos braços do Januário. Sim, não podia ser outra coisa!

Uma onda de vergonha ruborizou o rosto da rapariga, que logo rompeu em soluços, escondendo o rosto nas mãos.

António: -  Bem, vai andando para casa, Sandra Cristina, que eu irei lá ainda esta tarde. Quanto a este senhor... Senhor, Januário, não é verdade? ... Devo informá-lo de que aqui em São Pedro de Moel, nenhum rapaz se intitula noivo de uma rapariga, sem antes ter obtido o consentimento dos pais dela, e como neste caso a mulher ser menor...

Januário: -  Mas como o Sr. sabe, eu não sou de cá.

António: -  Que não é desta terra vê-se, logo, meu amigo, mas vamos conversar... E tu, minha filha, podes ir, que eu ficarei com o teu, teu "noivo???" como ele diz...

Ao ouvir falar o António das Ondas, o rapaz ficou muito surpreendido. Este, tomando-lhe o braço e caminhando com ele em direção ao farol, começou por lhe dizer: "Como você deve saber muito bem, o coração das mulheres é muito complicado, e por vezes, nem elas próprias o entendem! os rapazes de vinte anos é que não o entendem nunca".

Só naquele momento é que Sandra Cristina compreendeu o que Luís Carlos representava para ela, como ele era insubstituível na sua vida, como ela fora uma perfeita idiota com aquele romance com o Januário... Arrependia-se agora da sua conduta, das cartas que escrevera ao Januário e da sua leviandade, ao não reconhecer que era o verdadeiro amor o daquele que a pintara. Que saudades já tinha da sua presença, que falta lhe fazia a sua voz compassada e calma, a sua presença máscula, o seu olhar leal, que sabia encobrir o desejo e onde só brilhava a dedicação e lealdade... Mas tudo isto só agora é que se apercebera. Agora que já era tarde e ele partira para Lisboa, sem ou menos ter deixado a sua morada, ou outra qualquer indicação. Ela receava que Luís Carlos, não voltaria a aparecer.

O seu orgulho de homem feito, o seu amor-próprio, não consentiria que se rebaixasse a procurá-la depois do que sucedera. Ainda se ela não o tivesse beijado naquela manhã, ou se não fosse naquele rochedo, onde ele a conhecera e que afinal a fora surpreender nos braços do Januário. Depois do que a criadinha lhe contara, da chegada de Luís Carlos e da sua ida, para regressar pouco depois, transtornado e nervoso a buscar tudo sem lhe dar uma palavra, não lhe restavam agora quaisquer dúvidas, do que o pintor a surpreendera nos braços do Januário. Agora sofria as consequências do seu erro, já que os pais, por sugestão de António das Ondas, tinha decidido não lhe falar em nada, sem que ela procurasse esclarecer o que se passara realmente, e o que se estava a passando no seu íntimo de rapariga infeliz, que errara e estava arrependida.

Um dia, o correio trouxe endereçado a seus pais, mas sem remetente, um enorme embrulho de forma cilíndrica. Ela sobressaltou-se. Pelo formato, logo lhe pareceu que seria o seu retrato.

E, com efeito, não se enganara, mas só ela não partilhou da alegria dos pais e de António das Ondas... É que, e apesar dos seus conhecimentos de pintura ser mais do que rudimentares, não acreditou que fosse aquela tela, que durante quase um mês Luís Carlos, pintara defronte a si... O traço parecia-lhe fácil e o colorido vulgar, embora Sandra Cristina nunca tivesse visto o quadro que Luís Carlos pintara, tinha a certeza de que se tratava de uma obra-prima. E aquele, não sendo mau, não era de modo algum aquilo que o seu coração, carregado de remorsos e arrependimento, imaginava que devia ser...

Entretanto...

Em Lisboa, o pintor algarvio alcançava um êxito assinalável, logo na sua primeira grande exposição. A crítica e o público ocorriam à mais célebre galeria de arte da cidade das sete colinas, a admirar as telas ousadas do jovem pintor, e uma sensação de moderno e de novo se estampava em todas as sensibilidades, desde logo subjugadas pelo talento do artista. Entre todos os quadros expostos, havia um que chamava a atenção geral, perante o qual, nenhum visitante deixara de demorar em êxtase. Chamava-se o quadro: "A DEUSA e o MAR".

É que Sandra Cristina tivera razão, quando sentira que aquela tela que os pais tinham recebido, não podia ser a que Luís Carlos, a pintara junto dela. O cartão simples e cerimonioso que acompanhava o trabalho garantia-lhe que o pintor continuava gostando dela, pois de outro modo, não seria tão frio e reservado no cumprimento de um dever social, como esse de enviar o seu trabalho aos pais. Mas, tratava-se de uma cópia que lhe fizera, do seu próprio quadro, pois o original era aquele que ali estava na exposição, exposto em lugar de honra e constituindo a admiração de todos os visitantes. Era evidente que só um artista apaixonado pelo seu modelo, poderia ter traçado e colorido aquele belo quadro. O amor, com tudo quanto há de espiritual e entusiástico nesse sentido sublime, estava ali como que retratado plasticamente, na poesia do ambiente, uma espécie de santidade que aureolava a figura central, e no carinhoso acabamento de cada pormenor.

Aliada a esta impressão poderosa que o quadro transmitia a toda a gente, estava a circunstância de terem oferecido por aquela pintura, autênticas somas fabulosas, e o quadro continuar no catálogo, com esta indicação: "Sem Preço - Não é para Venda". Isto queria dizer que Luís Carlos não venderia a sua obra-prima, por nenhum preço. Ora, quando um pintor se nega a vender um dos seus quadros, isso só pode acontecer por uma fortíssima razão sentimental. E assim a lenda do quadro "A Deusa e o Mar", logo começou a correr de boca em boca.

Até no desejo de evitar as constantes perguntas e entrevistas sobre os motivos por que não vendia aquele quadro, Luís Carlos pouco aparecia na galeria, deixando o encargo das vendas, que já ao quinto dia eram quase totais, ao seu amigo e algarvio como ele, de nome Daniel, que lhe tinha conseguido o aluguel da galeria para expor.

Nessa noite, porém, e sem saber porque o fazia, o pintor entrou na galeria, deviam de ser umas dez horas da noite. A galeria estava literalmente cheia de visitantes, e havia um sussurro geral de admiração.

Daniel, orientador da exposição, em determinada altura, correu para ele dizendo-lhe:

Daniel: -  Ainda bem que apareces-te! Tu nem calculas quem está interessado em comprar o quadro “A Deusa e o Mar”?

Luís: -  Não faço a menor ideia, nem quero saber.

Daniel: -  Escuta, Luís Carlos... É certo que toda a gente quer comprar aquele quadro, mas este cliente é muito especial...

Luís: -  Por favor, não insistas, pois sabes muito bem que eu não mudo de opinião. Só por curiosidade, e devido à tua grande excitação, diz lá quem é que o pretendeu comprar o quadro?

Daniel: -  Nem mais nem menos que o Dr. Roger Richter! Que esteve aqui ontem com a esposa e ficaram ambos embasbacados diante da tela!

Luís: -  Sei lá quem é esse Roger Richter!

Daniel: -  Claro que sabes quem é!... Olha, ali vem ele com a mulher. É que eu disse-lhe que passassem por cá esta noite, porque talvez tu aparecesses...

Luís: -  Até parece impossível, em vez de me facilitares as coisas, atiras-me para a cabeça do "touro". Tu queres é que eu enfrente os clientes, para tu poderes receber a tua comissão...

Mas calou-se a olhar para aquele casal que acabara de entrar na sala, e que o seu amigo Daniel lhe indicara como sendo o Dr. Roger Richter e a esposa. Sim, conhecia o rosto daquele homem, mas de onde?...
 
continua...
 
Fonte:
O Autor

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Voltaire (Aventura Indiana Traduzida pelo Ignorante)

Durante a sua estada na Índia, Pitágoras aprendeu com os ginossofistas, como todos sabem, a linguagem dos animais e das plantas. Passeando um dia por um campo à beira-mar, ouviu estas palavras: “Que desgraça a minha ter nascido relva! Mal chego a duas polegadas de altura, vem logo um monstro devorador, um animal horrível, que me alastra com seus largos pé, a sua boca é armada com uma dupla fila de foices cortantes, com a qual me arranca, me tritura e me engole. Os homens, chamam a esse monstro de ovelha. Não creio que haja no mundo mais abominável criatura.”

Pitágoras avançou alguns passos e topou com uma ostra que bocejava sobre um rochedo. O filósofo ainda não havia adotado essa admirável lei que nos proíbe comer aos animais nossos semelhantes. Ia, pois, engolir a ostra, quando a pobre pronunciou estas comoventes palavras: “Ó Natureza! Como é feliz a relva, que é, como eu, obra tua! Ela, depois de cortada, renasce: é imortal. E nós, miseráveis ostras, em vão somos defendidas por uma dupla couraça, e uns celerados nos comem às dúzias, ao almoço, e tudo se acaba para sempre. Que terrível o destino de uma ostra, e como são bárbaros os homens!”

Pitágoras estremeceu. Sentiu a enormidade do crime que ia praticar: debulhado em pranto, pediu perdão à ostra e colocou-a cuidadosamente sobre o seu rochedo.

De regresso à cidade, a meditar profundamente sobre essa aventura, viu aranhas que comiam moscas, andorinhas que comiam aranhas, gaviões que comiam andorinhas. “Esse pessoal todo – dizia ele consigo – não tem a mínima filosofia”.

Ao entrar na cidade, foi Pitágoras atropelado, contundido, derrubado por uma multidão de cretinos e cretinas que corriam a gritar: “Bem feito! Bem feito! É mesmo merecido!”

— “Quem? O quê? Como!” – disse Pitágoras, erguendo-se do chão. E a gente sempre a correr, exclamando: “Ah! como não vai ser bom vê-los cozer!”

Pitágoras julgou que falavam de lentilhas ou quaisquer outros legumes; absolutamente: tratava-se de dois pobres hindus. “Ah, sem dúvida – pensou Pitágoras – são dois grandes filósofos que estão cansados da vida e querem renascer sob outra forma; é um prazer mudar de casa, embora se fique sempre mal alojado; de gostos não se discute.”

Avançou com a multidão até a praça pública e foi lá que viu uma grande pira acesa e, defronte a essa pira, um banco a que chamavam tribunal, e, nesse banco, uns juízes, e esses juízes seguravam todos uma cauda de vaca e usavam todos um barrete que se assemelhava perfeitamente às duas orelhas do animal que transportou Sileno, quando este veio outrora à Índia em companhia de Baco, depois de atravessarem a seco o mar Eritreu e terem feito parar o sol e a lua, como vem fielmente descrito nas Órficas.

Entre esses juízes havia um excelente homem conhecido de Pitágoras. O sábio da Índia explicou ao sábio de Samos em que consistia a festa que iam oferecer ao povo indiano.

“Os dois hindus” – disse ele – “não têm o mínimo desejo de ser queimados; os meus graves confrades condenaram ambos a esse suplício: um por haver dito que a substância de Xaca não é a substância de Brama; e o outro, por haver suspeitado que se podia agradar ao Ser Supremo pela simples virtude, sem que seja preciso, à hora da morte, segurar uma vaca pela cauda; pois que, dizia ele, a gente pode ser sempre virtuoso, mas nem sempre se encontra uma vaca à mão. De tal forma se horrorizaram as boas mulheres da cidade com tão heréticas proposições que não deram descanso aos juízes enquanto estes não mandaram os dois infelizes para a fogueira.”

Pitágoras considerou que, desde a relva até o homem, há sobejos motivos de aborrecimento. No entanto, fez que os juízes, e até mesmo os devotos, ouvissem a voz da razão; e foi essa a única vez em que tal coisa aconteceu.

Em seguida foi pregar tolerância em Crotona; mas um intolerante lhe ateou fogo à casa: e Pitágoras morreu queimado, ele que tirara dois hindus da fogueira…

Salve-se quem puder!

Carlos Zemek Receberá Prêmio Literarte


O Prêmio Literarte este ano será em Curitiba, é a festa mais importante do calendário LITERARTE e acontecerá nos dias 5,6 e 7 de Agosto/2016, em Curitiba, Paraná.

Na sexta-feira, no  jantar acontecerá o  lançamento Literário Coletivo, do Livro do Festival de Contos,  no Restaurante Madalosso. No sábado pela manhã o tradicional city Tour e a noite  evento de gala, a partir das 19 horas, no Memorial de Curitiba.

Entre os homenageados do ano 2016, está Carlos Zemek, artista plástico e curador. Carlos Zemek já realizou exposições na Patagônia (Argentina), em Buenos Aires (Argentina), e em Lisboa (Portugal), além do Brasil. Ele mora em Curitiba, e foi artista e curador de mostras coletivas no Museu Paranaense, Museu de Arte Sacra de Curitiba, Museu Histórico de Campo Largo, Instituto Cervantes de Curitiba, Solar do Rosário, e outros espaços de arte.

A LITERARTE- Associação Internacional de escritores e artistas foi fundada em 10 de julho de 2010, mas começou suas atividades propriamente dita em outubro deste mesmo ano. Trata-se de uma entidade cultural de tempo indeterminado, com foro jurídico na cidade de Cabo Frio, com sede na Avenida Nilo Peçanha, nº 360, Lj 106, Centro, Cabo Frio, RJ. Sem fins lucrativos, tem por objetivo principal associar, unir, promover e divulgar, a nível nacional e internacional, escritores e artistas plásticos, residentes ou não no Brasil.

Fonte:
Isabel Furini

Folclore Japonês (Hatschihime)

Hatschihime, a donzela protegida, popularmente conhecida como “A Donzela com Capacete de madeira” se passou há muito, muito tempo… Em uma pequena aldeia do Japão vivia um velho homem, sua esposa e filha. Por muitos anos eles foram felizes e prósperos, mas maus momentos vieram e, finalmente, nada lhes foi deixado, além da menina, que era tão bonita como o sol da manhã. Os vizinhos foram muito amáveis, e fizeram tudo o que podiam para ajudar seus pobres amigos, mas o velho casal sentiu que desde que tudo tinha mudado eles preferiam ir para outro lugar e recomeçar. Então um dia eles partiram adentrando o país, levando apenas sua única filha com eles…

A Lenda

Agora, a mãe e a filha tinha muito que fazer para manter a casa limpa e cuidar do jardim, mas o homem sentava-se por horas a fio olhando o infinito a pensar nas riquezas que antes possuíam. Cada dia que passava mais e mais miserável ele se sentia, até que finalmente, ele foi para sua cama e nunca mais se levantou. Sua esposa e filha choraram amargamente por sua perda, e passaram-se muitos meses sem que pudessem ter prazer em nada.

Então, certa manhã a mãe de repente olhou para a menina e percebeu que ela tinha crescido ainda mais encantadora do que antes. Seu coração teria ficado contente com a visão, mas agora que as duas estavam sós no mundo, ela temia que algum mal pudesse lhes acontecer. Então, como uma zelosa mãe, ela tentou ensinar sua filha tudo o que sabia, e, desta forma, mantê-la sempre ocupada, de modo que ela nunca iria ter tempo para pensar sobre si mesma ou no mundo lá fora. E a garota que era uma boa filha, ouviu todas as lições de sua mãe, e assim os anos se passaram.

Na última úmida primavera, a mãe pegou uma friagem, e embora no início ela não prestasse muita atenção, a enfermidade cresceu gradualmente, deixando-a mais e mais doente. A pobre mãe pressentiu que ela não tinha muito tempo de vida. Então chamou a filha e disse-lhe que muito em breve ela estaria sozinha no mundo, e que ela deveria cuidar de si mesma, pois dali em diante, não haveria ninguém para olhar por ela. E temerosa, sabendo que era mais difícil para as mulheres bonitas passar despercebidas do que para outros, ela mandou-lhe buscar um capacete de madeira para que fosse usado fora da casa. Ela deveria colocá-lo em sua cabeça, e puxá-lo para baixo sobre as sobrancelhas, de modo que quase todo o rosto deveria ser encoberto em sua sombra.

A menina fez o que lhe foi orientado, e sua beleza era tão escondida sob a aba de madeira, que cobria todo seu rosto e o cabelo, que ela poderia ter passado por toda a multidão, que ninguém teria olhado duas vezes para ela.

E quando viu isso, o coração da mãe que estava em repouso, finalmente sossegou, ela então deitou em sua cama e calmamente morreu.

A menina chorou por muitos dias. Mas, sentiu que estando sozinha no mundo, ela deveria partir e arranjar trabalho, pois agora só tinha que depender de si mesma. Não havia nada para ser obtido no lugar onde estava. Decidida, ela arrumou suas roupas em um saco, e caminhou sobre as colinas até que chegou à casa do homem que possuía a maioria dos campos nessa parte do país.

E a jovem conseguiu trabalho com ele, e trabalhou em suas terras de cedo à tarde. E todas as noites quando ia para a cama, sentia-se em paz, pois ela não tinha esquecido o que tinha prometido a sua mãe. E, mesmo estando sob o sol quente, ela sempre mantinha o capacete de madeira sobre a cabeça, ao que o povo da região deu-lhe o apelido de Hatschihime.

Porém, apesar de todos os seus cuidados, a fama de sua beleza se espalhou; muitos jovens insolentes iam atrás dela enquanto estava no trabalho e tentavam levantar o capacete de madeira. Mas a menina não tinha nada a dizer a eles, e apenas pedia-lhes que a deixassem; em seguida, eles insistiam em falar com ela, mas ela nunca respondia e continuava com o que estava fazendo.

E assim seus dias iam se passando, e embora seu salário fosse baixo e a comida não muito abundante, ainda assim, ela conseguia viver, e isso era suficiente.

Certa vez, aconteceu de seu mestre passar através do campo onde ela estava trabalhando, e, impressionado com o seu desempenho, parou para observá-la. Depois de um tempo ele lhe fez algumas perguntas, e, em seguida, levou-a para sua casa, e disse-lhe que doravante o seu único dever seria cuidar de sua esposa doente.

A partir deste momento a garota sentiu como se todos os seus problemas terminassem, mas o pior deles ainda estava por vir.

Não muito tempo depois, Hatschihime havia se tornado empregada da patroa doente, fazendo todo tipo de trabalho doméstico na casa. Por esse tempo, o filho mais velho da casa voltou de Kyoto, onde estava estudando. Ele estava cansado dos esplendores da cidade e seus prazeres, e alegrou-se o suficiente para estar de volta na terra verde, entre os pêssegos-flor e flores doces.

Um dia, passeando no início da manhã, ele avistou a garota com o capacete de madeira em sua cabeça. Curioso, imediatamente foi até sua mãe para perguntar quem era a jovem, de onde veio, e por que ela usava aquela coisa estranha sobre seu rosto. Sua mãe respondeu-lhe que era um capricho da menina, e ninguém conseguia convencê-la a colocá-lo de lado; o jovem riu, mas manteve seus pensamentos para si mesmo.

No entanto, em um dia quente, ele voltava para casa quando avistou a empregada de sua mãe em um pequeno riacho que corria pelo jardim, distraída, espirrava um pouco de água sobre seu rosto. O capacete foi empurrado de lado, e como o jovem ficou observando por trás de uma árvore, ele teve um vislumbre da grande beleza da moça. Deslumbrado com tamanho encanto determinou que, além daquela jovem, ninguém mais deveria ser sua esposa.

Mas quando ele contou a sua rica família sobre sua intenção de casar com a garota, ficaram todos muito irritados, fazendo todo tipo de maus comentários sobre ela. “Eu tenho apenas que permanecer firme”, pensou ele. “E eles terão que ceder”.

Porém, não ocorreu a ninguém que ela recusaria o jovem, mas assim foi. Apesar de corresponder aos sentimentos do belo rapaz, não seria certo, ela sentiu, provocar uma desavença na casa, e, embora em segredo, chorou amargamente por um longo tempo, nada a faria mudar de ideia.

Por fim, uma noite sua mãe lhe apareceu em sonho e ordenou-lhe que se casasse com o jovem. Então, da próxima vez que ele pediu a sua mão em casamento – como ele fazia quase todos os dias – para sua surpresa e alegria, a menina consentiu.

Os pais do jovem, em seguida, vendo que não restava nada a fazer, começaram a fazer os grandes preparativos adequados à ocasião. É claro que os vizinhos, contrariados com a ideia de ver um nobre que poderia desposar suas filhas, casar-se com uma miserável, disseram muita coisa ruim sobre a jovem de capacete de madeira, mas o noivo estava feliz demais para prestar atenção, e apenas riu deles.

Quando tudo estava pronto para a festa, e a noiva estava vestida com o mais belo vestido bordado encontrado no Japão, faltava retirar o capacete de madeira para arrumar-lhe os cabelos. Mas o capacete não saiu, e quanto mais eles puxavam, mais forte ele parecia prender, até que a pobre moça gritou de dor. Ao ouvir os gritos, o noivo correu e a acalmou, declarando que, já que ele não saia, ela deveria se casar com o capacete.

Em seguida, a cerimônia começou, e o casal de noivos juntos se sentou, e o copo de vinho lhes foi trazido, a partir da qual eles tinham que juntos beber. E quando eles tinham bebido tudo, e o copo estava vazio, uma coisa maravilhosa aconteceu.

O capacete, de repente, com um ruído alto se partiu e caiu em pedaços no chão, e como todos se viraram para olhar, eles encontraram o chão coberto com pedras preciosas que tinham caído dele. Mas os convidados estavam menos espantados com o brilho dos diamantes do que com a beleza da noiva, que foi além de qualquer coisa que já tinham visto ou ouvido falar. Seu rosto resplandecia à beleza e alegria.

A noite foi passada em meio a muita música e dança, e, em seguida, a noiva e o noivo foram para sua própria casa, onde viveram felizes até sua morte. Não antes de terem muitos filhos, que eram famosos por todo o Japão por sua bondade e beleza.

Fonte:
Adaptação do Livro: Japanese Fairy Tales unit. Story: The Violet Fairy Book by Andrew Lang and illustrated by H. J. Ford (1901), in Caçadores de Lendas

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 2

A casa ficava um pouco distante do portão de entrada, e até havia um caminho sombreado de pequenos pinheiros bravos, acácias e medronheiros, com pequenos mirantes de pedra, que se abriam sobre o mar. As apresentações foram simples e despidas de qualquer cerimonial, e Luís Carlos ficou encantado com os pais de Sandra Cristina, que eram educadas e simples. Ela esteve sempre presente, mas como a marcar uma ostensiva distância do pintor. Foi a única pessoa que destoou do ambiente de simpatia que o acolheu.

Luís: - Escute Sandra Cristina, eu vim pedir autorização a seus pais, para pintar o seu retrato, pois sem essa autorização, não me atreveria a pintá-la. Mas, se não quiser...

Sandra: - Bem sei, se eu não quiser deixar-me retratar, você ficaria muito satisfeito, porque se livraria de cumprir a sua promessa - não é assim?!

Luís: - Não é verdade, Sandra Cristina, se você não quiser, perco a grande oportunidade da minha vida de poder fazer uma obra de grande arte !

No tom de voz em que falara, transparecia sinceridade, o que impressionou todos os presentes. A mãe da pequena e o António das Ondas encararam-se num olhar de compreensão. O pai tossiu sobre o seu cachimbo, e Sandra Cristina, pareceu sacudida pela veemência com que o rapaz falara...

Sandra: - Se é assim... Se verdadeiramente, me quer pintar, mesmo depois de saber que eu não passo de uma coxa, agradeço-lhe que me tenha escolhido, para o seu quadro, pois sei que já tentou com algumas das mais bonitas raparigas de São Pedro de Moel.

Luís: -  Muito obrigado. Você não tem nada que me agradecer, antes pelo contrário!

André, pai de Sandra Cristina, interveio…

 André: - Vamos então festejar o acordo entre o pintor e o modelo, bebendo um copo do bom vinho da região de Leiria.

António: -  Que por sinal é um excelente vinho!

Luís Carlos vivia em pleno contentamento. Havia já quinze dias que começara a pintar a sua enorme tela, em que Sandra Cristina, aparecia tal como sempre a via diante de si: sentada num mirante que se debruçava sobre a poesia incomparável do Atlântico, e, sobretudo sobre São Pedro de Moel. À medida que o quadro se aproximava do fim, Luís Carlos, vivia intensamente essa estranha sensação que antecede a glória. Estava realizando uma autêntica obra-prima, na qual, para mais, eram evidentes os seus profundos sentimentos perante o modelo... Se o amor, o êxtase administrativo, tivesse traços ou cores próprios, decerto seriam aqueles que Luís Carlos traçara e coloria na sua tela. Por isso pretextara uma superstição sua, e assim ninguém ainda vira o quadro, pois ele declarava que sempre que trabalhava numa obra de responsabilidade, não gostava que a admirasse, antes de estar concluída. O contrário dava-lhe azar. Sandra Cristina permanecia tão desconcertante para ele, como no primeiro dia que a  conhecera. Havia dias que estava carinhosa e quase provocante, e outros em que era distante e fria, como um iceberg. Ela modificava-se de tal ordem, que ele voltava a nada entender dos seus verdadeiros sentimentos. Era certo que nunca dissera que lhe tinha amor, mas tinha sido tão evidentes e tão inequívocas as provas que lhe dera sucessivamente, dos quais, dos seus mais profundos anseios, que a rapariga não podia albergar a menor dúvida quanto a eles...

Apesar disso, ou por isso mesmo, a verdade é que o procedimento de Sandra Cristina seguia, era surpreendente e até inexplicável. Nessa manhã, ela perguntou-lhe:

Sandra: - Então, Luís Carlos, quando é que está pronto o meu retrato? ... E quando é que o posso ver?...

Luís: - Será amanhã, Sandra Cristina, e tenho muita pena...

Sandra: - Pena de quê?!...

Luís: -  De acabar o seu retrato...

Sandra: -  Não sei porquê?! 

Luís: - Porque... Porque depois não a poderei mais tê-la tantas horas sozinha comigo, com a tenho tido até agora ...

Sandra: - O que é que quer dizer com isso?!

Luís: - Quer dizer que gosto de estar sozinho com a Sandra Cristina.

Sandra: -  Duvido, pois sempre se comportou, digamos, como se não estivéssemos sozinhos!

Luís: - Não seja injusta, Sandra Cristina, pois eu...

Sandra: -  Você... Costuma beijar os seus modelos logo à segunda sessão. Ora, eu tenho posado para si há mais de três semanas, e você nunca tentou beijar-me...

Luís: -  É certo, mas deixe-me explicar...

Sandra: -  Ah, não tente agora convencer-me de que gosta de mim e por isso nem tentou fazê-lo!

Luís: - Por favor, Sandra Cristina...

Sandra: - Claro, se você gostasse de mim, um pouquinho que fosse já me teria beijado. Ou melhor, já teria tentado beijar-me, sim, porque eu não o consentiria que me beijasse. Porque você está aqui para me fazer o retrato, e não para me beijar!

Luís: - Mas que disparate vem a ser essa Sandra Cristina?!

Sandra: - Não é disparate nenhum, pois bem sei que beijou a Ana Maria, logo no segundo dia que ela pousou para si!

Luís: - Mas, Sandra...

Sandra: -  E a mim?! Sim, a mim... Porque é que nunca tentou beijar-me? ... Será que eu seja feia?... 

Luís: -  A Sandra não é nada feia, antes pelo contrário!

Sandra: - Então, é porque sou aleijada, porque sou uma coxa, não é verdade, Sr. Luís Carlos?!

Enquanto falava, fora caminhando, e já estava muito próximo dela, que, entretanto se levantara para impedir que ela visse o quadro.

Sandra: - Mas fale Luís Carlos, diga alguma coisa... É por eu ser aleijada, o motivo porque nunca me beijou? ... Estou a ver que para si também sou a coxa, ou por piedade, a coxinha!

Chegara-se tanto a ele, que Luís Carlos sentia as formas duras dos seios dela, comprimidos contra o seu peito arfante, e os braços de Sandra Cristina, envolveram-lhe o pescoço. E o rosto encantador de Sandra Cristina, como um grande primeiro plano de cinema, foi-se aproximando do dele... Até que Luís Carlos sentiu que a rapariga o abraçava e o beijava.

Luís: -  Por favor, Sandra Cristina... Por favor...

Sandra: -  Vê como você tem repugnância de mim?! Da aleijada... Da coxinha!

E disto isto, deu uma enorme gargalhada e afastou-se a correr, em direção a casa. Luís Carlos ficou emparvecido com aquele sabor delicioso a arde-lhe na boca, e uma estranha perplexidade a percorrer-lhe o corpo.  O seu primeiro impulso foi de deitar a correr atrás dela, entrar em casa onde a Sandra se refugiara como que envergonhada pelo seu gesto, e obrigá-la então a ser beijada realmente, beijada por ele, com ardor, para não mais se esquecer desses beijos que lhe desse. Mas, lembrou-se de que os pais dela tinham saído para a Marinha Grande, e não lhe pareceu correto corresponder assim, à total confiança que nele depositavam...

Luís: -  Ainda agora ela saiu de ao pé de mim, e já sinto saudades dela. Meu Deus, como eu a amo! Sandra Cristina, não me estás a ouvir, mas eu gosto muito de ti!

Embrulhou o quadro quase concluído na tela que sempre o protegia, e arrumou tudo sobre um alpendre próximo.  Pensativo, retirou-se a caminho do restaurante, onde habitualmente almoçava...

Luís: -  Ela gostará de mim? ... é tão linda, que pena ter aquele defeito. Mas ela gostará realmente de mim? ... Logo à tarde, na sessão final de acabamento, terei oportunidade de averiguar os verdadeiros motivos da atitude dela. Mas, Sandra Cristina gostará mesmo de mim?! ...

Nessa tarde, quando voltou a tocar à campainha do portão da família Mendes, a criada que ocorreu a abri-lo, parecia indecisa e quase trêmula. Luís Carlos, porque vinha preocupado com os seus pensamentos, nem o notou e apenas ouviu o que ela lhe dizia:

Criada: -  Os senhores estão neste momento recolhidos nos seus aposentos a descansar...

Luís: -  E a menina Sandra Cristina, está?...

Criada: -  A menina Sandra saiu... E disse-me se o Sr. Luís Carlos viesse, o prevenisse de que fora passear...

Luís Carlos encarou a criadinha, sem a ver, limitando-se a dizer-lhe depois, enquanto voltava as costas e começava a caminhar sobre os seus passos :"Voltarei mais tarde...". Era demais, era demasiado descaramento. Tanta pressa para ver o quadro acabado, tanta curiosidade e tanta ansiedade por conhecer a obra que ele estava realizando com ela, e agora, apetecera-lhe passear. E justamente no momento em que ele devia começar a sessão final...  Irritado, furioso, Luís Carlos, caminhava pela alameda atapetada de agulhas de pinheiro. Uma ruga vincava-lhe a testa. Com as mãos enfiadas nos bolsos das calças, enfim, muito mal humorado. À sua esquerda, o terreno desvia abruptamente para o mar, numa sucessão irregular de rochas e árvores, que lá em baixo, eram beijadas pelas espumas brancas do oceano. Subitamente, o pintor estancou. Estava no local onde vira, pela primeira vez, a Sandra Cristina. E naquele momento estava novamente a vê-la novamente. A rapariga estava de pé, encostada à rocha, de onde ele a desenhara. Mas agora estava de pé e abraçada a um homem.! A sua cabeça quase que rebentava; ela estava ali, de pé e abraçada a um homem, um rapaz novo, vestido à moda da cidade, que a apertava desvairadamente nos braços, e os seus dois rostos confundiam-se num só, na violência daquele beijo interminável. Luís Carlos, pensou ainda que ele a estivesse forçando, mas era evidente que não. Desprenderam-se por instantes, e foi ela quem de novo a abraçou e colocou a sua boca à dele, tal como fizera nessa manhã com ele. Uma decepção cruel estampou-se no rosto do rapaz. Pensou ainda em chamá-la, apenas para a cumprimentá-la, mas teve pena dela... "Até parece impossível - que infeliz eu sou!". Regressou apressadamente, com os olhos a arderem-lhe, com se os tivesse queimado com aquela cena inesperada a que assistira. Lembrou-se confusamente de pormenores, de detalhes cruéis. O rapaz que abraçava e beijava a Sandra Cristina, era um desses "bonecos", que mesmo na praia, vestia como um galã, e não passava de um meninote, um pouco mais velho do que ela. Custava-lhe a acreditar naquilo que os seus olhos viram: a Sandra Cristina, a perfeita, a imaculada, que ele se habituara a respeitar e a adorar "Com certeza que sonhei... não, não é possível!".

Voltou pelo caminho que tinha percorrido. Tocou violentamente a campainha do portão, e apareceu-lhe outra vez aquela criadinha atarantada, como a quer dizer-lhe qualquer coisa, mas ele nem lhe deu tempo.   Dirigiu-se logo para o alpendre onde guardara os seus apetrechos de pintura. Uma vez aí, sobraçou-os todos, o cavalete e a tela, a caixa das tintas e a paleta, e voltou a sair com a sua preciosa carga. A criadinha ainda lhe perguntou: "O Sr. Luís Carlos vai-se embora?!".  Não lhe respondeu.

Mas o pintor não sabia que o coração da Sandra, tinha um segredo... Mortificada pela sua deficiência física, a rapariga conhecera nesse Inverno, na cidade do Porto, um tal Januário. O rapaz mostrara-se sensível à sua beleza, e fora amável com ela. Chegando a convidá-la para irem ao cinema. Esta simples prova de deferência ecoara estrondosamente no coração infeliz e retraído da Sandra, de modo quando os pais regressaram a São Pedro de Moel, ela acompanhara-os com tristeza, por se separar do único rapaz que tivera com ela, atenções que até aí nunca recebera. Por isso é que Luís Carlos a surpreendera naquele dia, sentada e solitária naquela rocha, pensando: "O meu "Sebastião" há de chegar numa manhã...". Januário prometera-lhe ir a São Pedro de Moel, passar dez dias de férias. Depois, conhecera Luís Carlos e nunca passara pela cabeça, que um homem tão viajado e tão querido das mulheres, já com perto de trinta anos, se pudesse interessar por ela. As intenções iniciais de Luís Carlos interpretara-os como sendo prelúdio, de um abuso que ele pacientemente preparava e que ela repeliria com violência. Depois, pouco a pouco, aquela permanente correção do pintor, acabara por irritá-la, e tomara-a como sendo um insulto: como se ela fosse capaz de excitar e apaixonar um homem como Luís Carlos...  Por isso, decidira naquela manhã, beijá-lo ostensivamente, para se aperceber da sua reação. E foi essa reação que compreendera em Luís Carlos, tremendo dos pés à cabeça, e tentando segurá-la quando lhe fugira, encantando-a e garantia-lhe que bem podia ser verdadeiro o amor que Januário lhe testemunhava nas suas cartas. Exatamente depois de fugir dos braços de Luís Carlos, nessa manhã, a criadinha que estava dentro do seu segredo, entregara-lhe uma carta procedente do Porto. E assim, Sandra Cristina, ficara, a saber, que nesse dia, ao princípio da tarde, no "expresso" do Norte, chegaria o seu amigo Januário... Acabado o almoço, logo que os seus pais foram descansar, aproveitara e correra à estação da Rodoviária, e lá encontrou o seu amigo, que, entretanto chegara. Durante mais de dois meses, sonhara com aquele momento em que voltaria a encontrá-lo. As cartas dele, cheias de promessas e projetos, tinha contribuído e significado aquele encontro. Caminhando ao acaso, a certa altura Januário, tomou-a nos braços e dera-lhe o seu primeiro beijo. Ela exaltara-se com a carícia inesperada, e repetira-a...

Foi nessa altura que Luís Carlos a surpreendera e decidira partir... No quarto que alugara Luís Carlos, disse à dona que recebera um telegrama com notícias que impunham a sua presença imediata, em Lisboa, e que para tal, ia-se partir para a Capital. Fez a sua mala em poucos minutos, e pediu que apresentasse as suas despedidas ao Sr. António das Ondas. Carregando os seus poucos haveres, entre os quais se contava um cavalete embrulhado numa tela cosida, o pintor embarcou no mesmo automóvel em que horas antes, desembarcara o Januário.

Quando António das Ondas foi prevenido do que acontecera, ou seja, a partida inesperada de Luís Carlos, já o "expresso" ia longe a caminho de Lisboa. O bondoso velhote coçou pensativamente o queixo, e ficou a refletir por alguns momentos, depois se dirigiu Estação dos Correios. Mercê das informações que ali obteve o bom do António, apressou-se a percorrer o caminho que o separava da casa dos Mendes. Numa curva da pequenina estrada, deparou-se com a Sandra Cristina, que era levada pela mão, por um jovem de feições viciosas e ar petulante. Parou, encarando ambos e com um olhar, que dirigiu à rapariga, como uma censura muda e pesada:

Januário: -  Sandra, tu conheces este homem? ...

Sandra: -  Conheço sim. É o Sr. António das Ondas, um grande amigo da minha família.

António: -  Olha lá Sandra, que fazes por aqui?!...

Sandra: -  Fui esperar este amigo que veio do Norte...

António: -  Este que te acompanha? ...

Sandra: -  Sim este... Amigo. Recebi, hoje, uma carta de ele a anunciar a sua chegada depois do almoço.

António: -   Estou a ver que esse teu amigo veio no mesmo automóvel que levou para Lisboa, o Luís Carlos, com o teu retrato inacabado!

Sandra: -  O quê?! O Luís Carlos foi-se embora?! ...

António: -  Sim, foi-se embora, e deixou-me um recado a dizer que recebera um telegrama de Lisboa, a reclamar a sua presença. Mas já sei que não é verdade, pois nos Correios informaram-me que não veio nenhum telegrama para ele. Sandra Cristina, como é que explicas isto? ...

continua
 
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